• Nenhum resultado encontrado

– PósGraduação em Letras Neolatinas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "– PósGraduação em Letras Neolatinas"

Copied!
159
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS

O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE

FRANCÊS: um estudo de dois currículos universitários brasileiros

LARISSA DE SOUZA ARRUDA

Rio de Janeiro

(2)

O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FRANCÊS: um estudo de dois currículos universitários brasileiros

Larissa de Souza Arruda

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos Língua Francesa).

Orientador: Prof. Doutor Luiz Carlos Balga Rodrigues

Rio de Janeiro

(3)

O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FRANCÊS: um estudo de dois currículos universitários brasileiros

Larissa de Souza Arruda

Orientador: Prof. Doutor Luiz Carlos Balga Rodrigues

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Língua Francesa).

Examinada por:

__________________________________________

Prof. Doutor Luiz Carlos Balga Rodrigues (orientador) – UFRJ

_________________________________________

Prof. Doutor Renato Venâncio Henrique de Souza – UERJ

__________________________________________ Profa. Doutora Tânia Reis Cunha – UFRJ

Suplentes:

__________________________________________

Prof. Doutor Pedro Armando de Almeida Magalhães – UERJ

__________________________________________ Profa. Doutora Marilia Santanna Villar – UFRJ

(4)
(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Ao professor Luiz Carlos, pela confiança e apoio de sempre. Obrigada, de coração, pelos ensinamentos sobre humildade, calma, seriedade e leveza ao longo deste trabalho.

A Rogério, o meu eterno e melhor professor, meu pai, por sempre ter me servido de inspiração. À minha mãe, Cristina, por sempre ter me dado muito carinho e afago nos momentos difíceis. Aos meus pais, dedico uma gratidão imensa por acreditarem em mim e me mostrarem o caminho da liberdade e independência. Mais importante que tudo, obrigada por terem me deixado uma herança inestimável: a educação.

À minha família carioca, Tia Caquinho, Tio Paulinho, Aline e Tati, por terem me acolhido. Obrigada pelo respeito nos meus momentos de estudo.

À CAPES, por ter concedido apoio financeiro.

Aos professores que tive no Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ: Fabiano Dalla Bona, Tânia Reis, Pierre Guisan, Antonio Andrade, Christine Nicolaides. Um agradecimento especial dedico à professora Ana Paula Beato-Canato, pelas motivações, pelas iluminações, pela partilha, pelos empréstimos de livros e de tempo e, principalmente, pela amizade.

Aos meus amigos de mestrado Jefferson Evaristo, Cristina Lopes, Luciana de Genova, Vitor Gomes e Maria Padilha, por me ensinarem que no meio acadêmico existe, sim, muita colaboração. Que continuemos a caminhar juntos! Aos amigos que as Letras me trouxeram e que ficaram para a vida, Ceci Ferreira, Rahissa Oliveira, Ester Simões, Carol Piovesan, Marina Malka e Mari Maris. Sou muito grata especialmente a Camila Lins, pela leitura carinhosa e atenta desta dissertação. Muita gratidão também a Diego Alexandre, nunca esquecerei de todo apoio e incentivo desde que nossas vidas se cruzaram.

Ao grupo de pesquisa LENUFLE-UFPE e ao PET-Letras UFPE, por terem feito despertar em mim o gosto e o olhar para a importância da pesquisa científica. À Joice Galli, Simone Aubin, Lívia Suassuna, Peron Rios e Edvaldo Filho, por nunca terem deixado de ser meus mestres.

Às professoras Cristina Pietraróia e Cristina Almeida, que com muita humildade me provaram que ser uma educadora ultrapassa os limites da sala de aula. A todos os alunos que já tive ao longo dessa minha ainda curta trajetória como professora, obrigada por sempre terem me ensinado tanto.

(7)

« Tout un monde descendra sur vous, le bonheur, la richesse,

l’incompréhensible grandeur de tout un monde. Vivez un moment dans ces livres, apprenez d’eux ce qui vous semblera valoir d’être appris, mais surtout,

aimez-les. Cet amour vous sera rendu des milliers et des milliers de fois, et quoi que puisse devenir votre vie, - cet amour, j’en suis sûr, traversera la trame de votre devenir comme l’un des fils essentiels parmi tous les fils de vos expériences, de vos déceptions et de vos joies. »

(8)

RESUMO

O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FRANCÊS: um estudo de dois currículos universitários brasileiros

Larissa de Souza Arruda

Orientador: Prof. Doutor Luiz Carlos Balga Rodrigues

Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos Língua Francesa).

Este trabalho, com base em teorias sobre formação de professor (CUQ E GRUCA, 2008; FREIRE, 2010), Clínica da Atividade (CLOT, 1999; FAÏTA, 2004) e sobre Ergonomia da Atividade (AMIGUES, 2004; DE SOUZA-E-SILVA, 2004), procura investigar o lugar ocupado pela literatura nas aulas de francês língua estrangeira (FLE). Realizamos uma análise crítica e comparativa entre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Letras e os currículos de duas universidades públicas federais: uma no Nordeste (licenciatura em Letras-Francês) e outra no Sudeste (licenciatura em Letras Português-Letras-Francês), através dos procedimentos de Bronckart e Machado (2004). Visto que a literatura é um combinado de conhecimentos de mundo (linguístico, cultural, moral) e que esse conjunto de língua e civilização pode servir para a formação intercultural do aluno (FIÉVET, 2003; TODOROV, 2009), partimos para a defesa do seu uso em aula de FLE. Este trabalho tem por objetivo verificar em que medida a graduação propicia/capacita/incentiva os licenciandos a usarem o texto literário em suas práticas como discentes-monitores de língua francesa nos projetos de extensão de ensino de língua dessas universidades. Realizamos entrevistas com os docentes e discentes das instituições para sondar como o currículo acontece na prática. Como resultado, verificamos que, apesar de as Diretrizes defenderem currículos flexíveis e interdisciplinares, na prática, essa preocupação nem sempre é cumprida. A partir das análises das ementas de língua francesa, juntamente com as falas dos discentes e docentes, percebemos que muito dificilmente o aluno se sente capacitado pela universidade a fazer uso da literatura nas aulas de FLE que ministra.

Palavras-chave: currículo; formação de professor de FLE; gênero profissional docente; literatura e ensino de FLE.

(9)

RÉSUMÉ

O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FRANCÊS: um estudo de dois currículos universitários brasileiros

Larissa de Souza Arruda

Orientador: Prof. Doutor Luiz Carlos Balga Rodrigues

Résumé da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Língua Francesa).

Ce travail, basé sur la formation de professeur (CUQ E GRUCA, 2008 ; FREIRE, 2010), la Clinique d’Activité (CLOT, 1999 ; FAÏTA, 2004) et sur l’Ergonomie

d’Activité (AMIGUES, 2004 ; DE SOUZA-E-SILVA, 2004), étudie la place occupée par la littérature dans les cours de français langue étrangère (FLE). À partir des procédures de Bronckart et Machado (2004), nous faisons une analyse critique et comparative entre les Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Letras (DCNCL) et les programmes d’étude de deux universités publiques

fédérales, l’une au Nord-est (Lettres-Français) et l’autre au Sud-Est (Lettres-Portugais et Français). Vu que la littérature est un mélange de connaissances linguistiques, culturelles et morales, elle peut être utile pour la formation interculturelle (FIÉVET, 2003 ; TODOROV, 2009). Nous défendons, donc, son

usage dans les cours de FLE. Dans le but d’étudier comment l’université

encourage les étudiants à se servir des textes littéraires dans leurs pratiques en

tant qu’élèves-professeurs de FLE dans les projets d’extensiond’enseignement

de langues de ces universités, nous avons réalisé des entretiens avec les

professeurs et les élèves de ces institutions afin d’étudier comment les programmes d’études fonctionnent dans la pratique. Nous avons vérifié que,

malgré la défense des DCNCL pour la flexibilité et l’interdisciplinarité, cette

préoccupation n’apparaît pas toujours dans la réalité. À partir de l’analyse des programmes des disciplines de FLE et les témoignages de professeurs et

d’étudiants, nous avons constaté la difficulté que les étudiants éprouvent de se

sentir préparés par l’université à faire usage de la littérature dans les cours de FLE qu’ils assurent.

Mots-clés : programmes d’études ; formation de professeur de FLE ; genre

professionnel d’enseignant ; littérature et enseignement de FLE.

(10)

ABSTRACT

O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FRANCÊS: um estudo de dois currículos universitários brasileiros

Larissa de Souza Arruda

Orientador: Prof. Doutor Luiz Carlos Balga Rodrigues

Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Língua Francesa).

Based on teacher education (CUQ E GRUCA, 2008; FREIRE, 2010), Clinical Activity (CLOT, 1999; FAÏTA, 2004) and Activity Ergonomics (AMIGUES, 2004; DE SOUZA-E-SILVA, 2004), this research will investigate the presence of the literature in classes of French as a foreign language. We will make a critical and comparative analysis between the Brazilian National Curricular Guidelines and the course descriptions from two public federal universities in Brazil, one in the northeast (degree in Languages-French), and another one in the southeast of the country (degree in Languages-Portuguese-French), using Bronckart’s and Machado’s (2004) procedures. Once literature combines all sorts of world knowledge — linguistic, cultural, moral — and this combination of language and civilization can benefit the students’ intercultural development (FIÉVET, 2003; TODOROV, 2009), we also defend its use in classes of French as a Second Language. Therefore, the main purpose of this article is to verify how much graduation can give, enable or stimulate the students to use literary texts in their practical classes as French teachers and monitor the two universities studied on this paper. We have also interviewed teachers and students from both institutions, to find out how the curriculum works in practice. As a result, we could verify that, even though the Guidelines defend extensible and interdisciplinary curriculum, this requirement is not always fulfilled. From the analysis of the French courses descriptions, and from testimonies by students and teachers, we have noticed that they hardly ever feel capable of using the literature in their classes of FSL.

Keywords: curriculum; French as a foreign language teacher education, teaching professional genre, literature and French as a foreign language teaching.

(11)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

(12)

LISTA DE ABREVIATURAS

AA – Abordagem Acional

AC – Abordagem Comunicativa

CECR – Cadre européen commun de référence pour les langues

DCNCL – Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Letras

FLE – Francês língua estrangeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LE – Língua estrangeira

MA Metodologia Ativa

MAOV – Metodologia Audiovisual

MD Metodologia Direta

MEGAV – Método Estrutural-Global Audiovisual

MT – Metodologia Tradicional

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

(13)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...p. 14

PARTE 1: INVESTIGANDO A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA (FLE) NO BRASIL

1.1 O ensino de FLE no Brasil: origens e reformas políticas...p.19 1.2 A problemática formação do professor de FLE no Brasil de hoje...p. 28 1.3 O gênero profissional docente e os documentos prescritivos na formação do professor...p. 36

PARTE 2: O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO (TL) NA AULA DE FLE

2.1 Panorama histórico das metodologias de ensino de FLE...p. 48 2.2 O que pode a literatura numa aula de FLE?...p. 62

PARTE 3: DOCUMENTOS QUE NORTEIAM A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE FLE NO BRASIL

3.1 Metodologia de análise de documentos prescritivos educacionais...p. 70 3.2 Análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Letras - PARECER Nº: CNE/CES 492/2001...p. 73 3.3 Análise do projeto político-pedagógico do curso de licenciatura em Letras da Universidade 1...p. 81 3.4 Análise do manual do aluno do curso de licenciatura em Letras-Francês da Universidade 2...p.101

(14)

INTRODUÇÃO

Durante o final da minha educação básica, tive a oportunidade de ler muitos textos literários e ser sensibilizada por esse tipo de arte. Foi essa paixão pela literatura que me levou ao curso de licenciatura em Letras. Como me graduei numa universidade que, na época, possuía currículo duplo, eu pude optar por me formar também em uma língua estrangeira. As opções eram: inglês, espanhol ou francês. Já estudava a língua inglesa há bastante tempo, mas não tinha nenhuma ligação afetiva com ela e, como achava a língua espanhola mais acessível de ser aprendida em outros contextos, resolvi seguir para a língua francesa, que já me encantava devido a todas as representações que temos dessa língua e de sua cultura em nossa sociedade.

Apesar de também ter o diploma de professora de português, nunca exerci a prática profissional. Acabei enveredando apenas para o ensino da língua francesa, e é especificamente da formação do professor de francês que esta pesquisa trata.

(15)

Eu, que estava acostumada a ter aulas de língua materna através dos textos literários, vi a completa ausência de tais textos nas aulas de língua estrangeira. O que havia me motivado a entrar no curso de Letras não era uma realidade. Eu, que achava que iria me tornar professora de literatura, acabei me tornando professora apenas de língua francesa.

Foi essa inquietação que me fez questionar bastante a minha própria formação, afinal, eu via sentido em fazer uso de textos literários nas aulas de francês que ministrava, mas não sabia como. Ao relembrar da minha graduação, me dei conta da lacuna existente devido a não articulação entre literatura e língua. Em breves conversas com colegas formados em outras instituições de ensino superior e ao olhar alguns currículos de cursos de licenciatura em Letras-Francês em nosso país, vi que o problema também se fazia presente em outros contextos de ensino: apesar de pesquisadores, como Mariz (2007) e Fiévet (2013), já alertarem para a importância de usar texto literário em aulas de língua estrangeira para a formação do aprendiz, observamos que os currículos ainda não preparam os professores para exercerem tal prática. A minha motivação veio, pois, da minha própria e pequena experiência como professora.

Também me interessei por estudar currículo pois, também ao longo da minha graduação, tive apenas um breve contato com tal assunto, no último semestre de curso. Questionava-me, sem compreender, como um aspecto importante como esse podia estar ausente da formação do professor.

Portanto, dadas tais motivações, esta pesquisa se propõe a investigar o lugar ocupado pela literatura nas aulas de francês língua estrangeira (FLE), a partir de uma análise crítica e comparativa entre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Letras (DCNCL) e os currículos propostos por duas universidades públicas federais, uma no Nordeste, que possui currículo único (licenciatura em Letras-Francês) e outra no Sudeste, que possui currículo duplo (licenciatura em Letras-Português-Francês).

(16)

aprendizagem da língua para depois ensiná-la. No entanto, a preocupação em tentar fazer uso do texto literário numa aula de língua é deixada de lado.

Através da aplicação de entrevistas semiestruturadas para confrontação dos currículos universitários com as práticas pedagógicas dos docentes universitários e as práticas dos discentes-monitores em projetos de extensão para ensino de FLE, queremos entender em que medida a graduação propicia/capacita/incentiva os licenciandos a usarem o texto literário em suas práticas como discentes-monitores de língua francesa nos projetos de extensão de ensino de língua das duas universidades.

A hipótese que guiou esta pesquisa é que o currículo não determina de forma exclusiva como será a prática do licenciando, mas serve de guia, visto que o currículo visa a formar um determinado tipo de professor; é no currículo que estão prescritos os conteúdos a serem estudados pelo licenciando. Pensamos, assim, ser inegável que o currículo oriente os licenciandos a adotarem uma determinada prática. Desenvolvemos a hipótese de que a graduação não propicia aos discentes-monitores ferramentas para a construção de uma prática que integre o texto literário à aula de FLE. Ao olharmos para as grades curriculares analisadas, observamos que estava presente a dicotomia língua versus literatura, o que certamente levaria a uma resistência no uso do texto literário por parte dos discentes-monitores, já que eles não teriam tido, ao longo da licenciatura, uma preparação para ministrar aulas de FLE que incorporassem o texto literário. Apesar disso, os discentes-monitores veriam importância, sim, nessa união, embora não soubessem como fazê-la.

(17)

cursos de Letras-Francês em nosso país e, como resultado, da formação do professor de FLE.

Esta pesquisa trata, pois, de temas pertencentes a várias ciências. É compreensível, dado que a didática de línguas é um campo interdisciplinar. Esta dissertação se divide em três grandes partes. Na primeira, fizemos um estudo histórico do ensino da língua francesa no Brasil, nos baseando principalmente em Chagas (1979). Segue-se a esse estudo uma discussão sobre a formação do professor de FLE no Brasil de hoje, a partir dos estudos de Pietraróia (2013) e Freire (2010). Para finalizar a primeira parte, trazemos uma discussão teórica sobre o gênero profissional docente e os documentos prescritivos na formação do professor, nos fundamentando na Clínica da Atividade (CLOT, 1999; FAÏTA, 2004) e em outros conceitos da Ergonomia da Atividade (AMIGUES, 2004; DE SOUZA-E-SILVA, 2004) e do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2004, 2005), além de Machado (2004) e Silva (1999).

Na segunda parte desta dissertação, buscamos investigar o lugar do texto literário nas aulas de FLE. Começamos por uma perspectiva histórica do uso da literatura nas aulas de francês, nos baseando nas pesquisas de Puren (1988) e de Cuq e Gruca (2008), e em seguida buscamos argumentos para justificar tal uso, a partir, principalmente, dos estudos de Fiévet (2013) e Todorov (2009).

Na última parte, trazemos uma descrição da metodologia utilizada para a análise dos três documentos prescritivos em contraste com os dados coletados a partir dos questionários aplicados aos discentes-monitores e docentes universitários. Os procedimentos de análise que utilizamos foram os propostos por Bronckart e Machado (2004). Tais questionários podem ser encontrados nos anexos da presente dissertação.

(18)

PARTE 1:

INVESTIGANDO A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FRANCÊS

(19)

1.1 O ensino de FLE no Brasil: origens e reformas políticas

Ao compreendermos língua como um sistema linguístico utilizado por determinada sociedade para se comunicar, podemos afirmar que, assim como a sociedade que a utiliza muda e evolui, a língua, como seu produto cultural, também sofre mudanças. Com a presença do francês língua estrangeira no Brasil não poderia ser diferente. Antes de partirmos para a discussão específica do FLE1, é válido salientar que discutir o contexto histórico-espacial em que a

língua francesa, ou qualquer outra língua, se inseriu e evoluiu em um determinado país é fundamental para compreender a situação de tal língua na atualidade. No contexto brasileiro, a história da presença de línguas estrangeiras no país remonta à sua descoberta, em 1500, período em que os jesuítas ensinavam informalmente aos índios uma língua diferente do tupi e que, mais tarde, em 1758, viria a ser considerada a oficial: a língua portuguesa. Desde então, graças à proibição do uso e do ensino da língua tupi e à imposição do português como única língua do Brasil, a língua portuguesa passou a ser a nossa língua materna.

No período do Brasil Colônia, entre 1530 e 1815, as línguas estrangeiras já estavam presentes nas escolas. Mesmo após a expulsão dos jesuítas, o ensino de línguas era baseado na mesma linha de ensino do século XVI. Assim, a princípio, a ênfase era dada às línguas clássicas: o grego e o latim; posteriormente, as línguas modernas foram ganhando espaço e o francês foi se consolidando em nosso país, graças, principalmente, à Reforma Pombalina.

A publicação do Alvará de 28 de junho de 1759 torna o ensino responsabilidade do Estado, tirando, então, o poder antes exercido pela Igreja. Souza e Souza (2012) afirma que, dentre as propostas da Reforma, há “[...] a

inserção do ensino de línguas vivas como o francês, o italiano e o inglês, com a finalidade de estreitar as relações comerciais, e o ensino obrigatório da língua

1 Tagliante (2006, p.13) define que o FLE é simplesmente uma língua de aprendizagem

(20)

portuguesa”, mas destaca também que, apesar de os jesuítas terem sido expulsos a partir de tal decreto, os professores atuavam sem uma formação adequada para poder de fato dar continuidade ao projeto do Marquês de Pombal. De acordo com a linha do tempo História do Ensino de Línguas no Brasil

— criada pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Brasília —, em 1808, com a chegada da família real ao Brasil, muitas mudanças políticas e culturais aconteceram, dentre elas o acréscimo do francês e do inglês ao currículo escolar. Tal incremento foi justificado pelo promissor comércio estrangeiro e também pelo fato de as línguas francesa e inglesa já possuírem um valor peculiar no velho continente depois da independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). No entanto, para Chagas (1979), a transferência da corte portuguesa para o Brasil não fez com que houvesse uma preocupação significativa com a escola secundária. Para tal pesquisa, somente em 1837 é que haveria uma evolução na escola brasileira de segundo grau.

A mudança ocorreu graças à inauguração do Colégio Pedro II. Santiago (2009) relata que o ensino obrigatório do francês em escolas públicas brasileiras começou nessa instituição, no Rio de Janeiro. Tal iniciativa serviu de exemplo para que outras escolas começassem a oferecer o ensino da língua francesa. Em 1885, com o objetivo de divulgar a língua e a cultura francesas, a primeira Aliança Francesa no Brasil foi fundada, também no Rio de Janeiro, dois anos depois da fundação de tal sociedade em Paris. Balassiano (2013) destaca que a força da língua francesa no exterior e o interesse em se difundirem os ideais da república francesa eram tão grandes — que, no início das suas atividades, a Aliança Francesa ofertava cursos de língua gratuitos para os alunos que, em grande maioria, eram brasileiros, já que se acreditava que o conhecimento da língua era a chave para se acessar a cultura.

(21)

clássicas, como a tradução e a análise gramatical, para o ensino das línguas estrangeiras modernas.

Quando nos referimos à política cultural francesa para o Brasil, não podemos deixar de citar o importante papel que exerceu o Liceu Francês, atual Colégio Franco-Brasileiro, na cidade do Rio de Janeiro, desde sua fundação, em 1915, época em que a cidade era capital do Brasil. Apesar de sabermos que a realidade do Liceu foi uma rara exceção em comparação com a realidade de outras escolas da época, é inegável a importância de tal colégio como espaço educacional de difusão da língua e cultura francesa no Brasil. Balassiano (2013) afirma que o Rio era bastante influenciado pelo modo de vida francês, o que se percebia nos perfumes usados, nos livros estudados e até mesmo no modo de pensar e de agir. Para investigar essa influência, a autora se debruça no estudo sobre o Liceu, que era considerado um “projeto de uma escola francesa no Brasil”. Em seu artigo, no qual apresenta de forma sucinta as reflexões que

realizou em sua tese, uma de suas importantes conclusões é a de que

[...] a língua-cultura francesa se mostrou como um dos pertencimentos dos indivíduos que estavam num determinado espaço-tempo na situação de imigrante no Brasil. Falar e se expressar fazia parte de um imaginário sociocultural brasileiro, a ser perseguido, talvez, por esse grupo analisado (p.67).

Na Primeira República (1889-1930), várias mudanças políticas aconteceram no Brasil em relação ao ensino das línguas estrangeiras. O ensino das línguas clássicas foi perdendo espaço; a carga horária dedicada à língua francesa e à inglesa, que era bem parecida, também mudou, de forma que dificilmente vemos a equiparação de ambas na contemporaneidade. No entanto, a alta carga horária não era sinônimo de uma aprendizagem efetiva. Chagas

(1979) chama a atenção para o “liberalismo suicida” ao qual a escola secundária estava reduzida. No início do século XX, já havia o diagnóstico de que a escola

era apenas o lugar onde os alunos poderiam ser diplomados: “em nome, pois,

de uma liberdade fundada apenas em direitos, subtraiu-se à escola a sua função primordial de ensinar, e educar, e formar, para relegá-la à burocrática rotina de

aprovar e fornecer diplomas” (CHAGAS, 1979, p.108). A preocupação estava em

(22)

resultado foi o inverso, visto que quase inexistiam reprovações, muitos alunos saíam da escola ainda analfabetos.

Chagas (1979) afirma que apenas a partir de 1931 o estudo dos idiomas modernos começa a ser encarado com mais seriedade em nosso país. Vejamos a seguir as mudanças que ocorreram nas diretrizes de ensino de língua a partir dessa data. Após a Revolução de 30, houve a criação do Ministério de Educação de Saúde Pública. O então ministro Dr. Francisco de Campos promulga uma reforma visando melhorias na educação em nosso país. É assim que, no início da Era Vargas (1930-1945), graças à reforma Francisco de Campos de 1931, a metodologia de ensino de línguas estrangeiras no Brasil, outrora problemática, passou a vislumbrar novos horizontes com a introdução do método direto. É no Colégio Pedro II que tal método começaria a ganhar espaço. Na instituição que hoje é considerada emblemática por representar a evolução do ensino de línguas no Brasil (SOUZA E SOUZA, 2012), as consequências da reforma de 1931 não poderiam passar despercebidas. As línguas francesa e inglesa eram obrigatórias, havia um total de dezessete aulas por semana no ensino fundamental.

Antes da reforma Francisco de Campos, havia uma completa ausência das metodologias de ensino de línguas, os professores não possuíam uma orientação didática específica, fossem línguas modernas ou clássicas, e as aulas eram baseadas na gramática, na tradução e na apreciação dos escritores clássicos, o que nos remete à metodologia tradicional de ensino. A Portaria de 30 de junho de 1931, do então Ministério da Educação, recomenda a adoção do

“método direto intuitivo”, que nada mais era do que o ensino do idioma

estrangeiro através do próprio idioma, sem fazer uso da língua materna. As Instruções Metodológicas da reforma eram orientações de como aplicar o método direto2 e foram difundidas pelo professor Carneiro Leão, que em 1935

publica o livro O Ensino das Línguas Vivas, que materializava o que ele já colocava em prática antes mesmo da reforma de 1931. De acordo com Chagas (1979), o professor Carneiro Leão foi o maior propagador do método direto no

2 Em capítulo mais adiante, iremos explorar mais detalhadamente do que se trata o método

(23)

ensino brasileiro; no livro citado, ele relata a sua experiência ao colocar em prática o método direto como professor de francês no Colégio Pedro II.

De acordo com as Instruções, o aluno deveria ser capaz de exprimir o seu pensamento, de forma escrita ou oral, na língua estrangeira, sem fazer uso da língua materna, de modo que a gramática e a tradução perderam espaço no ensino de línguas. A teoria de como se deveria pôr em prática o método direto era bastante firme. No entanto, houve um problema na sua execução, visto o

despreparo dos professores, conforme afirma Chagas (1979, p.111): “[...] a

carência absoluta de professores cuja formação linguística e pedagógica

ensejasse o cumprimento de programa tão ‘avançado’ foram circunstâncias que transformaram as Instruções de 1931 em autêntica letra morta”. Apesar de a

reforma não ter sido plenamente executada, ela foi o primeiro passo para se começar a pensar em metodologias de ensino específicas para o ensino de línguas estrangeiras em território nacional. Podemos dizer que, para a época, as Instruções incluíam os avanços feitos até então no campo da didática de línguas e isso,

[...] aliado ao escrupuloso cuidado que presidiu a todos os passos da experiência (turmas de 15 a 20 alunos, seleção rigorosa de professores, escolha de bons compêndios, etc.), explica os animadores resultados expressos nas estatísticas, assim como justifica o êxito proclamado por Carneiro Leão e confirmado pelo testemunho insuspeito de grandes educadores nacionais e estrangeiros (CHAGAS, 1979, p.113).

Sobre a formação de professores, deficiente até então, Santiago (2009) chama atenção para um acontecimento histórico de grande importância no contexto do ensino de francês em nosso país ocorrido em 1934: a famosa Universidade de São Paulo funda o primeiro curso superior de Língua e Literatura Francesa. Desde sua fundação até 1974, o curso possuía a maior parte do corpo docente composta por professores franceses. A partir de 1974, esse quadro muda, e a regência e a administração passam a ser efetuadas por professores locais. Foi também na gestão do ministro Francisco de Campos que surgiram as orientações da formação de professores, o chamado Estatuto Básico das Universidades Brasileiras3, que, de acordo com Chagas (1979,

(24)

p.113-114), “[...] não apenas instituiu a Faculdade de Filosofia — com a função, entre outras, de preparar os quadros docentes da escola de segundo grau como, no seu art. 5º, inclui o novo instituto entre as unidades preferenciais da

nascente organização universitária”. Os cursos tinham duração de três anos letivos para o bacharelado e de um ano extra de didática para a licenciatura4; as

Letras eram divididas entre Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglo-germânicas.

O auge da língua francesa em nosso país se deu durante a Era Vargas, com a Reforma Capanema, em 1942: o francês era disciplina obrigatória ofertada tanto para o ginásio (atual ensino fundamental 2) como para o colegial (atual ensino médio), em um total de 13 horas de aula por semana, ficando à frente das disciplinas de inglês e de espanhol em termos de carga horária. Tal reforma privilegiava a metodologia direta e valorizava outras questões além da mera instrumentalização da língua, reconhecendo, por exemplo, a importância da formação educativa e cultural dos alunos. Junto com a reforma, vieram as Instruções de 1943, que traziam uma orientação didática para o ensino das línguas estrangeiras vivas. Chagas (1979) lembra que havia objetivos instrumentais, que seriam ler, escrever, compreender o idioma oral e falar; educativos, que consistiriam no desenvolvimento de hábitos de observação e reflexão; e até mesmo objetivos culturais, que abrangeriam o estudo e a compreensão da civilização estrangeira. No entanto, mais uma vez, as Instruções não foram postas em prática pela maioria dos professores. Chagas (1979) alega que, ao longo dos vinte anos em que tais normas estiveram vigentes, muitas adaptações e ajustes crescentes foram feitos, e o que se sobrepunha eram “[...] a rotina e a improvisação, expressas no sonolento ‘leia

-e-traduza’ diante do qual a lei se fez letra morta e vãos se mostraram os esforços dos reformadores” (CHAGAS, 1979, p.119).

Apesar da não aplicação generalizada das Instruções, é inegável que, durante os anos de 40 e 50, graças à Reforma Capanema, as línguas estrangeiras viveram um período de prestígio em nosso país. Apesar de ter sido

criticada, foi “[...] a reforma que deu mais importância ao ensino das línguas

(25)

estrangeiras. Todos os alunos, desde o ginásio até o científico ou clássico,

estudavam latim, francês, inglês e espanhol” (LEFFA, 1999). Inclusive, foi nos anos 50, graças a toda essa agitação no pensamento didático-educacional, que nasceu o projeto que se transformaria na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O prestígio do ensino-aprendizagem da língua francesa rapidamente se dissipou. Após a Segunda Guerra Mundial, que teve fim em 1945, cresceu a necessidade e o interesse em se aprender inglês, devido à dependência econômica e cultural do Brasil com relação aos Estados Unidos. A língua inglesa começa, então, a ocupar um lugar de destaque que outrora fora ocupado pela língua francesa.

Baseada na Constituição Brasileira de 1934, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1961 acabou contribuindo para o fortalecimento do inglês, pois determinava a não obrigatoriedade do ensino de línguas estrangeiras; como consequência, “o latim, com raras exceções, foi retirado do currículo, o francês quando não retirado, teve sua carga semanal diminuída, e o inglês, de um modo

geral, permaneceu sem grandes alterações” (LEFFA, 1999). Com a LDB de

1961, era responsabilidade dos conselhos estaduais de educação gerir as políticas de ensino de línguas estrangeiras. Havia a possibilidade de incluí-las ou não nos currículos: foi sugerido que seu ensino continuasse apenas nas escolas que possuíam condições de mantê-lo (PICANÇO, 2009). De acordo com Chagas (1979), a LDB só concretizou o que já havia na prática: não houve a inclusão das línguas estrangeiras, pois elas eram entendidas como disciplinas

“complementares” ou “optativas”’.

Ao diminuir a carga horária de francês para menos de 2/3 do que era durante a Reforma Capanema e ao revogar a obrigatoriedade de algumas outras línguas estrangeiras dos currículos escolares, coloca-se em segundo plano a importância das línguas. As consequências disso são grandes e ainda se fazem presentes nos dias de hoje: a maioria dos alunos parece sair do ensino médio sem dominar nem mesmo a competência de leitura em língua estrangeira, e esta continua sendo vista como um “apêndice” da formação do aluno, haja vista sua

(26)

Podemos afirmar, então, que as LDB de 1961 e de 1971 contribuíram para o senso comum que permanece ainda hoje de que não se aprende língua estrangeira na escola, o que, aliás, corroborou a multiplicação de cursos privados de ensino de língua, principalmente de língua inglesa. De acordo com Machado, Campos e Saunders (2007):

a falta de obrigatoriedade do ensino de línguas nas escolas [...] foi um retrocesso para o desenvolvimento do ensino de língua estrangeira no Brasil. Apesar de todos os setores da sociedade reconhecerem a importância do ensino de língua estrangeira, as políticas educacionais não asseguraram uma inserção de qualidade desse ensino em nossas escolas.

Tal retrocesso atingiu mais gravemente as camadas mais desfavorecidas do ponto de vista social, pois a escola não garantia o ensino de línguas e, muito dificilmente, tal população teria renda suficiente para arcar com os custos de cursos privados.

Em 1976, há o resgate parcial do ensino de língua estrangeira moderna na escola de 2º grau, graças à Resolução 58/76. Em seu artigo 1º, afirma-se que

“o estudo de Língua Estrangeira Moderna passa a fazer parte do núcleo comum,

com obrigatoriedade para o ensino de 2º grau, recomendando-se a sua inclusão nos currículos de 1º grau onde as conduções o indiquem e permitam”.

Finalmente, em decorrência da promulgação da Constituição de 1988, cria-se uma nova LDB, em 1996, baseada no princípio universal do direito à educação para todos, determinando-se a obrigatoriedade do ensino de língua estrangeira a partir da 5ª série do ensino fundamental (atual 6º ano). Entretanto, na maioria das escolas, a única língua ofertada era a inglesa.

Para complementar a LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

foram publicados pelo Ministério da Educação em 1997, e “tinham como objetivo, ao mesmo tempo, apontar os problemas identificados em cada campo do saber e os caminhos metodológicos assinalados por professores das várias regiões do

país” (PICANÇO, 2009). Neles não havia a prescrição de uma metodologia

(27)

Embora haja muitos argumentos a favor dessa ênfase, a escola não vai recuperar o ensino da língua estrangeira, “deslocado para os cursos de línguas”, como está explicitado nos próprios parâmetros, devido

justamente à ênfase na leitura. Muito breve o aluno provavelmente

perceberá que para “falar" uma língua estrangeira, só frequentando “um curso de línguas”.

Mais uma vez, é reforçado o fato de que é bastante improvável que o aluno saia da escola dominando uma língua estrangeira. Provavelmente, fatores como salas de aulas com 40 alunos para um único professor e uma carga horária bastante reduzida em relação às outras disciplinas também contribuem para esse desfalque na aprendizagem da língua. Isso que parece acabar contribuindo para que os alunos não levem a sério tal disciplina, muitas vezes vista por eles próprios e pelos professores como acessória.

Em 2005, a partir da Lei nº 11.161, há a obrigatoriedade do ensino de língua espanhola no ensino médio, devido, principalmente, ao laço político e econômico do Brasil com o Mercosul. De acordo com Picanço (2009), muitas escolas passaram a oferecer o espanhol como uma segunda opção de língua estrangeira – na maioria dos casos, a primeira opção é a inglesa. As escolas tiveram até 2011 para se adaptarem à nova obrigatoriedade.

(28)

1.2 A problemática formação do professor de FLE no Brasil de hoje

Apesar de a língua e a literatura francesas estarem, de forma evidente, no nosso alicerce de formação moral e intelectual desde a chegada da Mission artistique française no Rio de Janeiro, em 1816, como defende Santiago (2009), o ensino de tal língua e, consequentemente, de tais valores e cultura vem sendo deixado de lado na educação brasileira, como pudemos expor anteriormente.

Com base nesse contexto, no conhecimento acerca do auge e do declínio desse idioma e no fato de que, de modo geral, o seu ensino atualmente se restringe a cursos particulares de idiomas, a algumas escolas (como algumas federais, raras particulares e o Colégio Pedro II) e a alguns projetos de núcleos de línguas tanto da rede municipal como da estadual de ensino público (mas de caráter optativo), podemos pensar numa primeira problemática da formação do professor de FLE: onde esse professor aprende o FLE? Como acontece a formação docente específica em FLE?

É sabido por quem trabalha no meio que muitas pessoas que dão aulas de FLE, principalmente em cursos privados de idiomas, não possuem licenciatura em Letras-Francês. Geralmente, essas pessoas aprendem a língua em outros contextos, como em um intercâmbio para algum país francófono, ou então são francófonos nativos; afinal, em nosso país ainda há a crença de que para ser um professor de língua estrangeira é suficiente ter o domínio da língua que se vai ensinar. O domínio desse objeto é fundamental, entretanto não é suficiente para assegurar um ensino de qualidade. Várias outras questões estão em jogo, como a formação inicial específica. Para Tagliante (2006, p.19),

[...] la maîtrise des notions théoriques acquises en formation initiale est

essentielle. Les qualités personnelles de l’enseignant le sont tout

autant. Ce sont elles qui établiront la nature des contacts avec les

apprenants, les capacités d’écoute, de réponse, d’animation et de motivation des groupes, la disponibilité. La qualité de l’enseignement et, dans une grande mesure, la qualité des résultats de l’apprentissage dépendent pour beaucoup de ces qualités5.

5Tradução nossa: “[..] o domínio das noções teóricas adquiridas na formação inicial é essencial.

As qualidades pessoais do professor também são igualmente importantes. São elas que estabelecerão a natureza do contato com os aprendizes, as capacidades de escuta, de resposta, de animação e de motivação dos grupos, a disponibilidade. A qualidade do ensino e, numa grande medida, a qualidade dos resultados da aprendizagem dependem bastante dessas

(29)

Teoricamente, então, a formação inicial é de extrema importância para a atuação profissional, pois serve de base para todos os outros conhecimentos adquiridos posteriormente. Eis o ponto de partida para discutirmos a importância da licenciatura em Letras-Francês para o futuro professor de FLE – formação, aliás, problemática no atual contexto de ensino universitário em nosso país.

A questão começa a se complicar quando pensamos na realidade de alunos recém-ingressos em muitas licenciaturas em FLE de universidades públicas brasileiras, que é bem parecida entre si: eles entram sem dominar, ou mesmo sem saber, a língua francesa. Para muitos, é em tal momento que acontece o primeiro contato com a língua. Um curso que, em tese, serviria para aperfeiçoar os conhecimentos da língua, direcionando os alunos para o ensino-aprendizagem-avaliação, acaba se transformando, de certa maneira, também em um curso de idioma. Ao discutir as expectativas nutridas em relação a um professor de FLE, Pietraróia (2013, p.18) reitera:

Não podemos nos esquecer de que uma grande parte dos professores aprendeu a língua francesa na própria universidade que cursou, e dispôs de um tempo relativamente curto para aprender o idioma, suas culturas e literaturas, e também para aprender a ensinar esse idioma.

Se nos permitirmos questionar sobre de quem seria a responsabilidade por tal problemática, seria bastante complicado dar uma resposta objetiva, visto

que a “culpa” é multifacetada. Como culpabilizar o aluno recém-ingresso no curso de Letras-Francês por não saber francês se, na grande maioria dos casos, não lhe foi exigido tal conhecimento no momento do ingresso na universidade? Como responsabilizar o recém-ingresso se não lhe foram concedidas oportunidades para que ele aprendesse o idioma antes do ensino universitário? Como responsabilizar o conhecimento insuficiente dos alunos universitários se eles são oriundos de escolas cuja legislação não tem como obrigatório o ensino dessa língua estrangeira?

(30)

efetivo de qualidade. Aliás, nem mesmo a formação universitária em Letras garante a qualidade no ensino do idioma.

Ainda podemos ir além nessa reflexão: imaginemos que, no momento do ingresso na universidade, fosse exigido dos alunos o conhecimento do idioma. Visto que a maioria dos alunos que entram no curso de Letras-Francês não domina quase nada ou de fato não domina a língua estrangeira, como Pietraróia (2013) mesmo afirma, a tendência é que o número de licenciandos caísse drasticamente, o que é bastante preocupante, dado que atualmente essa quantidade já é bastante pequena, chegando até a haver vagas ociosas nessas graduações.

Após em média quatro anos de graduação em um curso de licenciatura, acredita-se que o aluno esteja apto para entrar em sala de aula e atuar nela com segurança. Essa segurança, entretanto, é alcançada justamente graças ao seu preparo na sua formação. Como pontua Freire (2010, p.92)

o professor que não leve a sério a sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa, não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe [...] o que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.

Isso, sem dúvida, implica dizer que o professor deve estar bem preparado para o que lhe será exigido e que a formação sólida e articulada a uma prática inovadora é um aspecto basilar. O professor deve, sim, levar a sério a sua formação se quiser ser respeitado em sua atuação profissional.

Direcionando-se ao conhecimento de língua, espera-se que esse profissional domine as competências didático-pedagógicas e, claro, as especificidades do objeto que futuramente ensinará. De acordo com o Cadre européen commun de référence pour les langues6 (CECRL, 2001), espera-se,

para o ensino de FLE, que o aluno desenvolva as competências linguísticas, sociolinguísticas e pragmáticas, ou, noutros termos, compreensão e produção escrita, compreensão e produção oral e interculturalidade. Em tal documento, há também um destaque para o desenvolvimento de diferentes saberes, tais como explicam Albuquerque Costa e Marinelli (2008):

6 Trata-se de um documento emitido pela União Europeia que define algumas diretrizes de

(31)

a) Saberes (conhecimentos);

b) Saber-fazer (atitudes a serem adotadas em contextos sociais e profissionais; implicam conhecimentos interculturais);

c) Saber-ser (atitudes, motivações, crenças e valores);

d) Saber-aprender (observar e participar de novas experiências, integrar novos conhecimentos de modo a modificar conhecimentos/experiências anteriores).

No entanto, a realidade que encontramos no Brasil para implementar essas orientações com sucesso é bastante diferente da teoria. Como esses licenciados poderão desenvolver em seus alunos conhecimentos que eles mesmos, na maioria dos casos, não dominam? Para Pietraróia (2013), é fundamental que a formação universitária seja compreendida como a formação inicial do futuro docente, e é responsabilidade dele próprio dar continuidade a essa formação, visto que os contextos educacionais que ele vai encontrar são diversos e estão sempre em mutação, exigindo-lhe constante aprendizagem. A autora difunde e defende a ideia de que é através da autonomia que o aluno poderá superar as lacunas existentes em sua formação docente: “[...] a capacidade que um professor deve ter para administrar sua própria formação contínua, para assumir a responsabilidade de uma aprendizagem que não se

encerra na universidade e, que, na verdade, nunca se encerra…” (PIETRARÓIA,

2013, p.22).

Tem de estar claro na mente do licenciando que a formação universitária é a formação inicial para o exercício de sua profissão. A formação inicial pode ser a primeira específica para ele se tornar professor; no entanto, assim como

“ensinar exige consciência do inacabamento” (FREIRE, 2010, p.50), aprender

também é uma atividade sem fim. Nós, professores, estamos em eterna formação, sempre aprendendo em diversos contextos, seja fazendo outros cursos, como de pós-graduação, seja estudando de forma autônoma, sem falar do aprendizado que se constrói em sala de aula, na interação com os alunos e com outros professores. A ideia freiriana de que “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2010, p.23) deve estar

(32)

à nossa prática docente; temos que ter clareza de nossa formação e da nossa atuação profissional.

Retornando ao debate sobre a formação inicial, a realidade que vemos atualmente em diversos cursos de Letras é ainda a persistência do “modelo 3+1”:

três anos de formação de conhecimentos teóricos específicos da área de Letras e mais um ano dedicado aos conhecimentos ligados à área da Pedagogia. Freitas (2002) aponta que, desde os anos 90, tal estrutura curricular já vinha sendo criticada, mas, ainda no início dos anos 2000, ela continuava presente. A crítica a esse modelo é de fácil compreensão, pois de acordo com ele a única diferença entre o curso de bacharelado em Letras e o de licenciatura seriam algumas disciplinas ligadas a educação no último ano de formação, como se apenas o cumprimento de algumas horas obrigatórias fosse tornar aquele aluno capaz de atuar em sala de aula. Dias-da-Silva et al. (2008) acrescentam que, em decorrência de tal modelo, a responsabilidade de formar professores parece ser exclusiva da área de educação. As autoras afirmam que o modelo 3+1 transformou muitas licenciaturas em “[...] cursos inócuos, pois, no confronto com

a realidade social e escolar, boa parte dos ex-alunos acabava por apontar que

‘a teoria na prática é outra’” (Ibidem, 2008, p.18). Como consequência, vemos também que os cursos de licenciatura são muito pautados em conhecimentos

técnicos, isto é, com um viés muito “bacharelesco” e pouco voltado para os

conhecimentos da área de Pedagogia.

A estrutura curricular 3+1 traz outras discussões, como o isolamento e a desvalorização das disciplinas ligadas à Pedagogia, a não integração entre o que é aprendido na teoria e como aquilo pode ser utilizado quando o aluno lecionar. A formação específica para preparar o licenciando para a docência, que deveria se iniciar desde o começo do curso de licenciatura, só se dá no final dela. Inclusive, nesse modelo, os estágios obrigatórios só acontecem também no último ano do curso, como um apêndice da formação. Como enfatizam Dias-da-Silva et al. (2008), são compreensíveis os estudos que retratam a fraca formação universitária de tais profissionais, visto que eles não têm contato com o mundo e com a escola reais que lhes esperam fora da universidade. Para Dias-da-Silva et al. (2008, p.25-26), a escola possui um papel fundamental como locus de

(33)

pessoas, tempos e espaços que muitas concepções são perpetuadas, que os professores reforçam ou anulam saberes oriundos de sua formação”. Para nosso

estudo, aqui podemos compreender a “escola” como qualquer espaço de ensino -aprendizagem: cursos de língua, escolas de diversos níveis, cursos universitários, etc.

Alguns autores destacam a importância dos estágios para se aprender a ser professor, visto que tais experiências podem oferecer aos licenciandos a oportunidade de interação com o seu futuro ambiente de trabalho, favorecendo-lhes a vivência da prática pedagógica e de situações reais de sala de aula, como pontuam Dias-da-Silva et al. (2009). Para Martiny (2012, p.130), “[...] há uma

dimensão da atividade docente que fica oculta aos professores iniciantes, a qual eles devem buscar decifrar, à medida que se inserem nesse gênero7”, ou seja, o

profissional docente apenas aprenderá as regras e os implícitos de sua profissão através da ação.

Seguindo o mesmo raciocínio, Gimenez (2008, p.21) defende que “[...]

aprender a ser professor é um processo de inserção gradual em uma comunidade de prática, faz sentido conceber esse processo como associado a

transformações identitárias, no interior dessa comunidade”. Os estágios seriam,

então, uma oportunidade de os licenciandos se inserirem nessa comunidade profissional. Medrado (2008) caminha também na mesma direção das outras autoras citadas acima. Ela afirma existir, atualmente, uma sintonia entre pesquisadores e formadores quando pensam a formação inicial como um lugar

para se desenvolver um “aprender (re)fazendo”. A formação inicial deve ser

também o lugar da união entre a teoria e a prática. Somente assim poderemos levar os licenciandos a entenderem como a atividade docente é complexa. Para Medrado (2008), formar um aluno para ser professor é também motivá-lo a compreender o seu próprio agir, a fim de que “[...] seja capaz de (re)formular propostas, pensar soluções, construindo sua identidade de professor, ou seja,

atribuindo sentidos à sua atividade profissional” (Ibidem, p.158).

Dessa forma, é compreensível a defesa de uma formação universitária que favoreça os estágios desde o início do curso de licenciatura, não devendo

(34)

deixá-los escanteados, como um momento pontual no final do curso. Assim, podemos pensar num curso que una os conhecimentos técnicos com os práticos, uma formação docente que compreenda que o conhecimento dos conteúdos das disciplinas não são os únicos necessários para o exercício profissional docente. É a partir de experiências vividas na prática, é através das trocas que acontecem

na experiência prática que os conhecimentos sobre “ser professor” vão ser de

fato consolidados. Portanto, “il n’est reste moins vrai que les comportements professionnels, même s’ils sont abordés d’un point de vue théorique en formation initiale, s’acquièrent essentiellement dans la pratique quotidienne de la classe”8

(TAGLIANTE, 2006, p.19).

Além de os professores não possuírem uma formação consolidada, outras questões complicam ainda mais a atuação profissional deles se pensarmos nos problemas do ensino de uma língua estrangeira, tais como a baixa carga horária destinada a tal disciplina nas escolas, o excesso de alunos nas turmas, a falta de material didático. São as pesquisadoras Gimenez e Furtoso (2008) que nos desenham tal quadro de fracasso. Elas acrescentam que, assim como acontece na educação escolar, em muitos cursos de licenciatura dupla9 em Letras, a formação na língua estrangeira escolhida é

entendida como um apêndice da formação em língua portuguesa. Um ciclo sem início nem fim é criado com tais fatores: fraca formação do professor de língua estrangeira (LE); baixa carga horária de LE no ensino da escola regular; desvalorização da formação do professor de LE e desvalorização também do ensino de LE. É difícil saber com precisão como fazer tal ciclo mudar.

Na tentativa de formar um licenciando mais bem preparado para a docência, em algumas universidades públicas, há projetos de extensão que são centros de idiomas. Neles, alunos de licenciatura têm a oportunidade de serem professores do idioma escolhido. Normalmente, sob tutela de uma equipe pedagógica formada por professores universitários, os licenciandos se tornam discentes-monitores e exercem suas primeiras práticas pedagógicas. Em geral,

8Tradução nossa: “continua sendo verdade que os comportamentos profissionais, na formação

inicial, mesmo do ponto de vista teórico, mesmo se abordados de um ponto de vista teórico, se

adquirem, essencialmente, na prática cotidiana da sala de aula”.

9 Na licenciatura dupla, o aluno se forma em língua portuguesa e também em alguma língua

(35)

tais cursos são abertos à comunidade, mas o seu principal público-alvo é a própria comunidade universitária. Entendemos que ministrar aulas nesses espaços pode ser uma oportunidade para os licenciandos vivenciarem situações reais de ensino; a partir do trabalho conjunto com outros licenciandos-monitores e graças à orientação e ao suporte da equipe pedagógica, provavelmente os licenciandos se formarão mais bem preparados para o mercado de trabalho que os espera.

(36)

1.3 O gênero profissional docente e o currículo

Falar sobre “ser professor” em nossa sociedade é algo bastante curioso.

No imaginário social, ainda persiste a ideia de que para ser professor basta saber o conteúdo a ser ensinado, representação que aparenta colaborar para a desvalorização da formação específica do professor, como se a formação universitária fosse um adicional ao exercício profissional. Em se tratando especificamente do ensino de língua, seja materna ou estrangeira, o quadro é mais grave ainda. Nesse sentido, Dias-da-Silva et al. (2008, p.17) afirmam que nunca houve uma preocupação central na formação de professores em universidades brasileiras:

[...] grande parte dos cientistas acredita(va) que ensinar é uma espécie de “descoberta pessoal”, possibilitada por um “dom” ou uma

capacidade individual que cada um desenvolve naturalmente, a partir do aprofundamento no domínio teórico dos conhecimentos acadêmico-científicos. Outra parte dos acadêmicos partilha(va) a concepção de que formar professores se reduz a treinar ou doutrinar um técnico que executará a tarefa de aplicar em aula e/ou uma técnica de ensino elaborada por especialistas.

Afinal, para que um diploma se para lecionar basta apenas saber a língua e ter vocação para a sala de aula? Significa que, após cumprir certos créditos da licenciatura, o professor estaria pronto para a docência? A docência seria, então, um tipo de sacerdócio?

Para a discussão que aqui faremos, tomaremos emprestados alguns fundamentos da Clínica da Atividade10 (CLOT, 1999; FAÏTA, 2004), combinados

com outros conceitos da Ergonomia da Atividade11 (AMIGUES, 2004q) e do

Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)12 (BRONCKART, 1999, 2004, 2005). No

Brasil, as ideias do ISD são difundidas sobretudo por pesquisadores da Linguística Aplicada. Nesse sentido, Martiny (2012) destaca que pesquisas

10O grupo da Clínica da Atividade (Clinique de l’Activité) é um grupo localizado no Conservatoire

National des Arts et Métiers, Chaire de Psychologie du Travail de Paris e desenvolvido por alguns pesquisadores, dentre eles, Yves Clot. A Clínica da Atividade desenvolve uma proposta teórico-metodológica baseada na ergonomia do trabalho, a fim de compreender e analisar o trabalho. 11 O grupo Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação (Ergonomie de l’Activité des

Professionnels de l’Education) se situa no Institut de Formation de Maîtres, na cidade de

Marselha, e desenvolve pesquisas que dialogam bastante com a clínica da atividade, mas há um foco mais específico no trabalho da formação docente. A pesquisadora René Amigues tem um grande destaque devido as suas importantes colaborações teóricas na abordagem ergonômica da atividade do professor.

(37)

sobre a formação docente têm se consolidado cada vez mais no âmbito da Linguística Aplicada e que as contribuições da ISD e da Clínica da Atividade têm sido relevantes para investigar a noção do ensino como trabalho.

É válido salientar que tanto a Clínica da Atividade como o ISD se baseiam na ideia vygotskyana (REGO, 2013) de que o homem tem uma relação mediada com o mundo que o circunda, isto é, a evolução do conhecimento do homem está na troca com outros sujeitos e consigo próprio. É a partir das relações intra e interpessoais que o homem vai agir num determinado contexto e, assim, internalizar conhecimentos, funções e papéis sociais.

Para esse autor, então, tudo é oriundo da interação com o outro. Para Vygotsky, o ser humano é interdisciplinar em sua essência e deve ser compreendido no contexto sócio-histórico em que está inserido: “[...] segundo

ele, a complexidade da estrutura humana deriva do processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas relações entre história individual

e social” (REGO, 2013, p.26). O homem se constrói, portanto, através de

relações dialéticas em contextos socioculturais diversos.

Acreditamos que as correntes teóricas citadas podem nos dar respaldo para defendermos a nossa crença de que o ofício do professor deve ser encarado como outro qualquer, o ensino deve, pois, ser visto como um trabalho. Para se compreender o conceito de gênero profissional ou gênero da atividade (FAÏTA, 2004), é preciso antes entender o que é gênero. Para Bakhtin (2000), gêneros são tipos relativamente estáveis de discursos que permitem que a comunicação ocorra entre as pessoas. Se não existissem os gêneros, a comunicação seria impossível. Essas formas típicas de enunciados nos servem de referência para que sejamos compreendidos pelos outros.

De forma análoga aos discursos, o agir profissional também pode ser compreendido como um gênero, visto que há tipos relativamente estáveis de ações sócio-historicamente previstas para o agir/fazer de cada profissão. É o que afirma Faïta (2004, p.66):

(38)

Para Clot (1999), ao ressignificarmos o conceito de gênero de Bakhtin para compreendê-lo como uma história partilhada por certo grupo de trabalhadores que dividem regras implícitas e explícitas, modos de dizer e fazer, expectativas e anseios, teremos a noção, assim, do gênero profissional. Segundo esse autor, o gênero é

[...] o sistema aberto de regras impessoais não escritas que definem, num meio dado, o uso dos objetos e o intercâmbio entre as pessoas: uma forma de rascunho social que esboça as relações dos homens entre si para agir sobre o mundo. Pode-se defini-lo como um sistema flexível de variantes normativas e de descrições que comportam vários cenários e um jogo de indeterminação que nos diz de que modo agem aqueles com quem trabalhamos, como agir ou deixar de agir em situações precisas; como vem realizar as transições entre colegas de trabalho requeridas pela vida em comum organizada em torno de objetivos de ação (CLOT, 1999, p.50).

É possível que pessoas que nunca deram aula saibam algumas ações previstas para lecionar; há elementos que unem professores num determinado

grupo “professoral”. O gênero profissional é “[...] a parte subentendida da

atividade, aquilo que os trabalhadores de um dado meio conhecem, esperam, reconhecem, apreciam; o que lhes é comum [...]; o que eles sabem dever fazer

sem que seja necessário reespecificar a tarefa cada vez que ela se apresenta”

(SOUZA-E-SILVA, 2004, p. 97).

Essa noção de gênero profissional dá força para a categoria, pois organiza os profissionais numa coletividade. Faïta (2004) chama a atenção para o fato de que é apenas através da ação que poderemos saber se uma determinada atividade está inserida num certo gênero ou não; é apenas a compreensão da atividade pelo outro que vai poder trazer tal constatação. Eis o que ele afirma:

É a atividade — e só a atividade —, particularmente a compreensão do outro, que vai validar ou invalidar a seleção efetuada dentre as formas de fazer e dizer: se essa oposição às outras escolhas possíveis não é validada, o gênero não pode ser identificado. (FAÏTA, 2004, p.69)

(39)

define as atividades que devem ser executadas para que o professor se encaixe no gênero profissional docente?

Segundo Amigues (2004), as condições e objetivos de ações de determinada profissão não são definidos pelos próprios sujeitos que executam as ações. Na verdade, eles são prescritos pelos planejadores, pela hierarquia –

há, assim, normalmente, uma distância entre o trabalho prescrito e o de fato realizado. Os conceitos de trabalho prescrito e de trabalho realizado são fundamentais para a Ergonomia da Atividade, que se preocupa com as regras/leis do trabalho, como remete a etimologia da palavra ergonomia. Trata-se então de um “[...] conjunto de conhecimentos sobre o ser humano no trabalho

e uma prática de ação que relaciona intimamente a compreensão do trabalho e

sua transformação” (SOUZA-E-SILVA, 2004, p.84). No âmbito educacional, o trabalho prescrito pode ser entendido como a tarefa que é determinada para os professores, ou seja, pode abranger desde as instruções normativas para o trabalho do professor (podemos pensar no CECRL, no caso do ensino de línguas estrangeiras) até as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores13, que servem de guia se pensarmos no trabalho do professor

universitário formador de novos professores. No entanto, sabemos que há um abismo entre o que é idealizado e o que é executado. O trabalho realizado seria

o desenvolver real e “visível” das atividades em sala de aula. Para Lousada

(2013, p.62-63), é natural que haja tal distanciamento entre a atividade prescrita e a realizada, visto que “embora elaboradas para um coletivo de trabalhadores,

não dizem respeito à situação particular de cada um deles”.

Inclusive, as próprias prescrições são organizadas de maneira hierárquica. Para Souza-e-Silva (2004), assim como outras profissões, o trabalho do professor é baseado na utilização de procedimentos que foram

concebidos por outros, advindos de uma “cascata hierárquica”. Os projetos

político-pedagógicos de cursos de licenciatura, por exemplo, se encontram abaixo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores; tais projetos devem, assim, contemplar as diretrizes trazidas pelo Ministério da Educação do Brasil. A figura abaixo exemplifica uma escala hierárquica das prescrições no contexto educacional:

(40)

(Figura 1: Escala hierárquica das prescrições no contexto educacional.)

Ainda sobre hierarquia, é compreensível o fato que a atividade docente não se dirige unicamente aos discentes, mas aos pais dos alunos, à diretoria da escola, a outros profissionais. Nas palavras de Amigues (2004, p.41-42),

a atividade do professor dirige-se não apenas aos alunos, mas também à instituição que o emprega, aos pais, a outros profissionais. Ela também busca seus meios de agir nas técnicas profissionais que se constituíram no decorrer da história da escola e do ofício do professor. [...] a atividade não é a de um indivíduo destituído de ferramentas, socialmente isolado e dissociado da história [...]

Daí as prescrições terem tanta importância para a compreensão da ação do professor; visto que elas constituem, definem e demarcam tais ações, as prescrições são organizadoras e reguladoras das atividades docentes. É nesse sentido que Sousa-e-Silva (2004), baseando-se na abordagem ergonômica, afirma que as prescrições estão intimamente ligadas ao trabalho e às inquietações do professor, já que elas “[...] não são somente um meio mais ou menos eficaz de influenciar as práticas do trabalhador; elas são consubstanciais

ao seu próprio trabalho e às suas preocupações profissionais” (Ibidem, p.89).

Portanto, o professor deve ser crítico para poder remodelar as prescrições de acordo com os seus objetivos individuais de trabalho:

Referências

Documentos relacionados

1 Instituto de Física, Universidade Federal de Alagoas 57072-900 Maceió-AL, Brazil Caminhadas quânticas (CQs) apresentam-se como uma ferramenta avançada para a construção de

Hoje o gasto com a saúde equivale a aproximada- mente 8% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que, dessa porcentagem, o setor privado gasta mais que o setor público (Portal

Nosso estudo tem por objetivos analisar o processo de implementação do Projeto Estratégico Educação em Tempo Integral (PROETI) em uma escola de uma superintendência

Através dos resultados das avaliações bimestrais dos estudantes Inserção do protocolo de ações no Projeto Político Pedagógico da escola Analisar se houve melhoria nos

Na experiência em análise, os professores não tiveram formação para tal mudança e foram experimentando e construindo, a seu modo, uma escola de tempo

memória do próprio autor. Ao delimitar espaços físicos, como no contexto aqui apresentado de Havana- Barcelona e ao estabelecer o diálogo entre diferentes temporalidades da

A questão da transferência ocorre de maneira diferente para os trabalhadores que reivindicam melhores condições de trabalho ou que fazem parte do movimento sindical, pois

Os espectros de absorção obtidos na faixa do UV-Vis estão apresentados abaixo para as amostras sintetizadas com acetato de zinco e NaOH em comparação com a amostra ZnOref. A Figura