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UM JEITO (NOVO) DE PESQUISAR

A ideia de que a pesquisa-ação é difícil de ser definida é partilhada com Stenhouse, de acordo com Rudduck e Hopkins (2007), pois ela é tratada de maneira diferenciada em diferentes contextos. Porém, segundo os refe- ridos autores, Stenhouse traz uma distinção entre o ato de pesquisar e um ato substantivo, o que nos pareceu fundamental para a compreensão da pesquisa-ação no campo da educação.

Se, por um lado, o ato de investigação é uma ação que promove uma indagação para examinar algum objeto, por outro lado, um ato substantivo tem por base alguma mudança que se considera desejável no mundo ou nas pessoas. Segundo tal concepção, a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa em que o ato investigador é necessariamente um ato substantivo, quer dizer uma pesquisa que possibilita a mudança da prática educativa dos professores universitários, como, por exemplo, a promoção de estratégias de ensino mediante a indagação e a descoberta, com vistas à melhoria da aprendizagem dos estudantes. Em tal processo, o professor como educa- dor torna-se, ao mesmo tempo, um docente e um pesquisador da sua pró- pria ação, a fim de compreendê-la mediante a reflexão e melhorá-la em

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benefício da aprendizagem máxima dos discentes. Mas a pesquisa-ação colaborativa implica um aprendizado que envolve um processo formativo. Na concepção de Pimenta (2005, p. 528), a pesquisa-ação constitui-se um processo formativo que:

mobilizaria os saberes da teoria da educação necessários à com- preensão da prática docente, capazes de desenvolverem as com- petências e habilidades para que os professores investiguem a própria atividade docente e, a partir dela, constituam os seus sa- beres-fazeres docentes, num processo contínuo de construção de novos saberes.

A partir desse entendimento, realizamos uma pesquisa-ação colabo- rativa intitulada “Inovação da prática pedagógica de professores do ensino universitário pela pesquisa-ação colaborativa”, que tomou a prática docente como referência para provocar uma reflexão sobre o ensino-aprendizagem, estimular a inovação e gerar conhecimento sobre tal processo. A pesqui- sa teve como objetivo “Investigar a prática pedagógica de professores uni- versitários, mediante uma pesquisa-ação colaborativa, na perspectiva da qualidade do ensino na universidade, sintonizada com o atual contexto”. (RIBEIRO; MUSSI, 2014)

Um dos grandes desafios da referida pesquisa foi refletir sobre a qualidade da docência sintonizada com o contexto de incerteza e comple- xidade que marca a pós-modernidade, mediante uma pesquisa-ação co- laborativa que tem na sua base o fato de todos os sujeitos (professores e pesquisadores) serem investigadores da sua própria prática. Em outras palavras, buscou-se um equilíbrio entre o poder e o status que existe na universidade, entre professores e investigadores. Como sabemos, há um poder de barganha maior por parte destes últimos, que angariam recursos financeiros para a universidade, mediante projetos de pesquisa aprovados pelas instituições de fomento, possibilitando a ascenção mais rápida na carreira, tendo em vista que os baremas de avaliação e de progressão dos docentes na carreira estão mais centrados no quantitativo de pesquisas e produções científicas do que em inovações no ensino.

A pesquisa-ação colaborativa em apreço foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e contou com a participação de 15 professores da Universidade do Estado da Bahia UNEB e da UEFS. A própria metodologia que norteou o estudo consti- tuiu-se num desafio para os pesquisadores do grupo, acostumados com um paradigma de ciência no qual o pesquisador é o que sabe e propicia a formação para os professores que não sabem. No início, traçávamos os caminhos, delimitávamos o campo, normatizávamos o processo. Muitas vezes, parávamos para avaliar o percurso e percebíamos muitos equívocos. Chegamos a não permitir que os estudantes de iniciação científica, em sua totalidade, participassem das sessões de “roda de conversa”, a fim de não “atrapalhar” ou inibir os professores em suas narrativas sobre os dilemas que estavam enfrentando. Mas, no transcorrer dos três anos, fomos mu- dando a nossa maneira de agir e percebendo um pertencimento daqueles professores ao Neppu, local que se constituiu um oásis, como afirmava uma das professoras participantes, porque se tornou um recinto seguro, no qual poderiam abrir o peito e serem escutados de forma ativa e acolhe- dora, depois de uma semana pesada com os encargos docentes.

E, nesse processo de fala e de escuta, a pesquisa foi se desenvolvendo. Diante da angústia de estarem desmotivados ante a desmotivação dos estu- dantes após um longo período de paralisação da categoria,2 o grupo resolveu investigar os motivos que levaram os discentes à escolha da profissão, além de escutá-los sobre as estratégias docentes que lhes pareciam mais eficazes para que se processassem suas aprendizagens. Então, a pesquisa-ação cola- borativa se desdobrou em uma pesquisa dos professores sobre suas pró- prias práticas, a fim de problematizar, analisar e compreender situações relativas à falta de motivação dos estudantes matriculados nos componen- tes curriculares sobre suas responsabilidades.

Vale destacar que a fundamentação necessária para analisar mui- tos desses desafios enfrentados foi encontrada nos autores: Anastasiou e Alves (2007); Pozo e Echeverría (2009); Vieira (2009), dentre outros, cujos

2 Referimo-nos à paralisação dos professores universitários do estado da Bahia pelo período de 86 dias em 2015.

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textos eram estudados e discutidos por esse coletivo. Ou seja, a teoria para embasar a prática não foi escolhida previamente, mas surgiu das necessi- dades dos participantes, agora pesquisadores, de entender como inovar e quais as estratégias poderiam mobilizar as energias dos estudantes para construírem suas aprendizagens.

Pouco a pouco, nas rodas de conversa, realizadas quinzenalmente, pro- fessores iam dialogando com seus pares, expondo seus dilemas, achados, as tentativas de alçar voos mais altos, as quedas, as inseguranças, os experimen- tos, as alegrias com as vitórias alcançadas, pois se arriscavam a, no dizer de Cunha (2008), transgredir as fronteiras de suas disciplinas, suas possibili- dades e limites para interpretar as diferentes culturas e contextos em que o ensino-aprendizagem acontece, buscando a transformação de tal realidade.

Registramos o enfrentamento de outro desafio dos professores ba- charéis, que era a compreensão da própria linguagem da nossa área, a qual é constituída por uma diversidade de teorias e de autores que usam terminologias que complicam o entendimento de profissionais acostuma- dos com uma linguagem objetiva, como é o caso de professores das áreas de exatas, particularmente de engenharia e de química. Nesse sentido, foi grande desafio para nosso grupo, por exemplo, destrinchar a diferença en- tre saberes, conhecimentos e competências profissionais; entre didática e pedagogia, dentre outros termos.

Posto isso, evidenciamos que a cada encontro eram oportunizadas aos sujeitos a reflexão sobre os desafios da prática e a apropriação de saberes didático-pedagógicos, consideradas a base da profissionalidade docente, que possibilita a tais profissionais a compreensão dos estudantes reais e das suas culturas e necessidades formativas, de modo a ajudá-los efetivamente a cons- truir tanto conhecimentos conceituais significativos, quanto procedimentais e atitudinais imprescindíveis à formação de “cidadãos éticos, comprometidos com a construção da paz, o bem estar e a realização dos direitos humanos, incluindo a igualdade entre os sexos”, como prevê a Unesco (2009).

Paulatinamente, esse coletivo construiu uma parcela de conheci- mentos que pode enriquecer cientificamente o campo da educação, parti- cularmente o campo da docência universitária, de modo acessível a outros

professores. Todavia, outro desafio foi a escrita de artigos imprescindíveis à comunicação das inovações implementadas na sala de aula, de modo a constituírem-se como autores, e não apenas em consumidores das produ- ções de outros cientistas. Mas o dilema era grande: como escrever usando a linguagem da educação? Se fosse um tema da química, seria fácil, dizia uma professora participante. Chegamos a adiar por mais de um ano tal ideia, pois avaliamos que o processo estava sendo importante e que a produção escrita não poderia ser uma camisa de força que afugentasse tais sujeitos.

Apesar de tal desafio, no final do terceiro ano da pesquisa-ação, reali- zamos um seminário aberto para docentes e estudantes da pós-graduação da região, e vários professores participantes da pesquisa se encorajaram a comunicar os seus saberes e as suas experiências inovadoras de forma oral e, mais tarde, de forma escrita, para serem publicadas em periódicos. Essa atividade demandou o exercício dos princípios da cooperação e da colabo- ração expressos anteriormente, em que uma pessoa dava o pontapé inicial e as demais iam lendo e acrescentando ideias em diálogo com diversos autores, sem perder o fio condutor, o que resultou em algumas produções feitas pelo coletivo. Com efeito, como defende Hargreaves (1998, p. 268), o princípio da colaboração é articulador e integrador da ação, da planifi- cação, da cultura, do desenvolvimento, da organização e da investigação em instituições educativas. E se constituiu em balizas para a pedagogia universitária, que aprendemos a desenvolver mediante essa experiência de pesquisa-ação-colaborativa.

Para Stenhouse, a partir da leitura de Rudduck e Hopkins (2007), a teoria da educação derivada da pesquisa-ação deveria ser comprovável me- diante a mesma. É nesse sentido que apresentamos alguns depoimentos de participantes da pesquisa-ação colaborativa que empreendemos:

O primeiro grande ganho ao participar do projeto foi a capacidade refle- xiva. Consegui entender o que funcionava, o que não funcionava e por quê. A pesquisa me deu ferramentas e possibilidades para entender me- lhor o estudante e entender melhor o processo de ensino e ver de que forma eu poderia favorecer mais isso: auxiliar mais o estudante para que ele

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pudesse aprender mais e que ele pudesse ser mais autônomo. (Professora H., bacharel em Tecnologia)

Participar da pesquisa me ajudou muito na reflexão sobre o próprio pro- cesso de ser professor. Porque a gente pode achar que a gente consegue fazer o papel de professor em sala de aula, mas a gente esquece que a troca com os colegas é muito mais significativa. (Professora C., pedagoga)

A participação no grupo favoreceu o desenvolvimento de novas estra- tégias. Estratégias inovadoras, de criatividade, de dar espaço para o docente que participa da pesquisa trazer as suas experiências, discutir, pôr em prática e avaliar até que ponto essas estratégias têm contribuído no processo de aprendizagem dos estudantes. (Professora C., bacharel em Química)

Ela tem impactado de modo muito positivo a minha atuação como docente na universidade. Eu tenho revisitado algumas das minhas práticas a partir das discussões com os colegas, da colaboração e, sobretudo, no entendimen- to do perfil do meu aluno, quem é esse aluno que chega, a relação com a motivação da aprendizagem e com os modos de fazer da universidade, que envolve, inclusive, as minhas práticas na sala de aula e no contexto da universidade como um todo. (Professor F., licenciado em Letras)