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UM PANORAMA DAS PECULIARIDADES E TÉCNICAS DO PROCESSO DO TRABALHO

3 UMA VISÃO GERAL DO PROCESSO DO TRABALHO

3.2 UM PANORAMA DAS PECULIARIDADES E TÉCNICAS DO PROCESSO DO TRABALHO

Conforme José Augusto Rodrigues Pinto (2005), o processo do trabalho apresenta uma série de peculiaridades e técnicas que o diferenciam dos demais direitos processuais. Esse autor ensina que no processo laboral há distinção entre conflitos e dissídios. Conflitos resultam do embate de interesses divergentes, cuja discussão com o intuito de buscar a solução do conflito denomina-se controvérsia. Já o dissídio é a forma de solução dos conflitos de interesse, mediante invocação da atividade jurisdicional do estado. Percebe-se que a controvérsia é um elemento comum ao conflito e ao dissídio, haja vista que constitui procedimento para resolvê- los. A diferença entre conflito e dissídio está na presença do Estado para solucionar a controvérsia.

No processo do trabalho, há as seguintes formas de dissídios: individual e coletivo. O dissídio individual serve para buscar a solução de um conflito de interesses entre um ou mais sujeitos referente a determinada relação de trabalho ou emprego. O dissídio coletivo é para a solução de conflitos entre categorias de trabalhadores ou de empregadores sobre as normas que as regem.

José Augusto Rodrigues Pinto (2005) classifica as peculiaridades do processo do trabalho em duas espécies, a saber: peculiaridades do direito processual do trabalho e peculiaridades da legislação. No primeiro grupo, existem peculiaridades

vigentes (conciliabilidade e representação paritária das partes no processo) e emergentes (inaceitação da inépcia, julgamento sem petição pluralização dos dissídios individuais). No amplexo das peculiaridades da legislação, tem-se: a instauração de ofício da instância; o triplo grau de jurisdição; a instância única; o poder normativo dos tribunais; e a capacidade postulatória do leigo (jus postulandi).

Para o referido autor, as particularidades vigentes do direito processual do trabalho se consubstanciam naquelas que conferem a esse ramo jurídico um caráter de sistema autônomo e constituem-se bases concretas da normatização do processo laboral. Com esse viés, a conciliabilidade, já tratada no item anterior, considerada como princípio inerente ao processo trabalhista por Carlos Henrique Bezerra Leite, consiste na tentativa obrigatória de solução negociada antes da instrumentação e do julgamento do dissídio. Está presente de forma mais ostensiva no processo do trabalho em razão da forte tensão social que gera, mas ganhou força noutras searas processuais.

A representação paritária no processo trabalhista foi extinta pela Emenda Constitucional n° 24, o que pôs fim a figura dos juízes leigos (sem formação jurídica) e mudou a denominação das juntas para Vara do Trabalho em relação aos órgãos de primeiro grau do Poder Judiciário Trabalhista. Para José Augusto Rodriques Pinto (2005), a mudança encerrada pela referida Emenda Constitucional não aboliu definitivamente a aliança entre os princípios da conciliabilidade e da representação classista no processo laboral, haja vista que o que se deu foi uma migração da essência da representação paritária da fase processual para as comissões de conciliação prévia14, na etapa pré processual. As comissões de conciliação prévia não possuem criação obrigatória, mas, de acordo com o artigo 625-D da Consolidação das Leis Trabalhistas, uma vez instituídas, qualquer demanda de natureza trabalhista deverá ser submetida a ela. Essa regra enseja controvérsias doutrinárias e entendimentos diversos na jurisprudência. O Tribunal Superior do Trabalho uniformizou a jurisprudência sobre conciliação prévia e fixou o entendimento que a submissão dos conflitos à mencionada comissão não constitui pressuposto processual nem condição para agir e, portanto, não caberá extinção do processo sem julgamento do mérito em caso de ausência de tentativa de

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Instituídas pela Lei n° 9.958/2000 como forma alternativa e extrajudicial de solução dos conflitos individuais decorrentes de relações de trabalho. Essa Lei inseriu na CLT os artigos 625-A a 625- H.

conciliação. A decisão proferida em 2009 nos embargos E-ED-RR 349/2004-241-02- 00.415 uniformizou a jurisprudência das oito turmas do Tribunal Superior do Trabalho. Tal decisão acompanhou o entendimento adotado liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal em ações diretas de inconstitucionalidade (ADI’s n° 213916 e 216017) julgadas no mês de maio do ano de 2009.

No que tange às peculiaridades emergentes do direito processual do trabalho, José Augusto Rodrigues Pinto (2005) as considera como bases da normatização do direito processual do trabalho no plano ideal ou transicional. A primeira delas é a restrição à inépcia da inicial, ou seja, no processo do trabalho há uma flexibilização em relação aos requisitos técnicos ou lacunas na postulação da parte autora, haja vista a possibilidade legal de o reclamante postular sem patrocínio de advogado (jus postulandi). O magistrado trabalhista, diante de falta de requisitos na petição inicial, não a indeferirá de plano, mas poderá autorizar o suprimento da postulação deficitária. Essa restrição à inépcia da inicial no processo do trabalho, segundo José Augusto Rodrigues Pinto (2005), fomenta a celeridade. Outra peculiaridade do processo laboral considerada emergente por esse doutrinador é o julgamento sem petição que se relaciona ao princípio da instrumentalidade do processo. São exemplos de utilização desta peculiaridade do processo do trabalho: a aplicação da multa de cinquenta por cento em caso de atraso no pagamento das verbas trabalhistas incontroversas (artigo 467 da CLT); a faculdade de a reintegração ser convertida em indenização dobrada; a aplicação de juros e correção monetária; e “a autorização para a retenção de imposto de renda na fonte e contribuição previdenciária do empregado, nas condenações que as pressupõem, independentemente de pleito do empregador” (PINTO, 2005, p. 78).

A última peculiaridade emergente do processo laboral vislumbrada na doutrina de José Augusto Rodrigues Pinto é a pluralização dos dissídios individuais,

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. DECISÃO NO PROCESSO E-ED-RR 349/2004-241-02- 00.4, DE 28 DE MAIO DE 2009. Disponível em:

<http://ext02.tst.jus.br/pls/ap01/ap_red100novo.resumo?num_int=230543&ano_int=2006&qtd_aces so=6086421>. Acesso em: 29 nov. 2016.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. DECISÃO DO STF NA ADI N° 2139, DE 22 DE MAIO DE 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=2139&classe=ADI&orig em=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 29 nov. 2016.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. DECISÃO DO STF NA ADI N° 2160, DE 21 DE MAIO DE 2009. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=2160&classe=ADI&orige m=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em: 29 nov. 2016.

que se consubstancia na proposta de o magistrado chamar ao processo, de ofício, empregados da mesma empresa e com o mesmo interesse do autor e que não tenham reclamado. Para Rodrigues Pinto, as regras dos artigos 195, §2° e 872, parágrafo único, da CLT buscam efeitos semelhantes ao normatizarem a substituição processual. Essa questão não é pacífica entre os doutrinadores do processo do trabalho.

Dentre as peculiaridades da legislação processual trabalhista, apontadas pelo professor Rodrigues Pinto, existe a instauração de ofício da demanda em duas hipóteses previstas na Consolidação das Leis trabalhistas, a saber: dissídio coletivo do trabalho na hipótese de paralização coletiva dos trabalhadores (artigo 856) e execução trabalhista no dissídio individual (artigo 878 da CLT). Outra peculiaridade da legislação do processo laboral é o jus postulandi pessoal (que será abordado no tópico seguinte relacionado ao acesso à justiça do trabalho). Por ora, cabe afirmar que o jus postulandi se refere à capacidade postulatória, no primeiro grau da Justiça do Trabalho, do leigo que não esteja habilitado ao exercício da advocacia. O jus postulandi atualmente não constitui uma peculiaridade do processo do trabalho, haja vista que foi permitido pela Lei dos Juizados Especiais. A terceira peculiaridade legislativa do processo do trabalho apontada pelo Professor Rodrigues Pinto é o poder normativo dos tribunais trabalhistas na solução dos dissídios. O poder normativo foi tratado no item anterior ao expormos a classificação de Carlos Henrique Bezerra Leite a respeito dos princípios que regem o processo do trabalho.

Rodrigues Pinto ainda aponta as técnicas de procedimento como fundamentos do direito processual do trabalho: oralidade; concentração dos atos; instrumentalidade do processo; inquisitoriedade; e inidentidade física do juiz com a causa. As quatro primeiras técnicas enumeradas por Rodrigues Pinto foram abordadas no item anterior ao tratar dos princípios comuns entre os processos do trabalho e civil. No presente tópico, faremos abordagem de como essas técnicas são aplicadas no processo laboral.

Quanto à oralidade, os artigos 840, 847 e 850 da Consolidação das Leis Trabalhistas preveem em relação a essa técnica baseada na celeridade que: a reclamação trabalhista (petição inicial) pode ser verbal; a contestação deverá ser oralmente aduzida na audiência, no prazo de vinte minutos; as razões finais orais serão apresentadas em audiência no prazo de dez minutos para cada parte; e a

sentença será proferida oralmente em audiência. Na prática, nem sempre é possível a realização dos referidos atos de forma oral, como idealizado pelo legislador. O importante dessa técnica da oralidade é propiciar, no processo do trabalho, a técnica da concentração dos atos na audiência, o que favorece um contato imediato entre as partes e o magistrado e enseja a celeridade. Na audiência do processo do trabalho, são formuladas as duas propostas de conciliação, apresentada a defesa, realizados os depoimentos das partes e oitivas de testemunhas, aduzidas as razões finais e proferida a sentença. A audiência, pela lei, via de regra, abarca a conciliação, a instrução e o julgamento.

Sobre a instrumentalidade do processo (descrita no item anterior como princípio comum entre os processos civil e o laboral), apontada como técnica de procedimento do processo do trabalho pelo professor Rodrigues Pinto, importante dizer que nessa seara ela se opõe ao formalismo processual. Ademais, a importância da aplicação dessa técnica do processo laboral reside no fato de que a instrumentalidade é uma contribuição para a efetivação da celeridade processual. A atuação da instrumentalidade, da prevalência do fim almejado sobre a forma dos atos, é mais evidenciada na seara do instituto da nulidade dos atos processuais.

No que tange à inquisitoriedade, que propicia ao magistrado maior liberdade de impulso processual, no processo trabalhista é mais visível que a dispositividade e está prevista em muitas regras do procedimento laboral (artigos 848, 878, e 884, §2° da Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo). O artigo 848 da CLT prevê que, após a defesa do reclamado, se inicia a fase de instrução do processo e o juiz poderá de ofício interrogar as partes. No artigo 878 da CLT, há a previsão de que a execução da sentença pode se dar de ofício pelo magistrado ou presidente do tribunal competente. O artigo 884, §2° da CLT autoriza que o juiz ou presidente do tribunal, caso entenda necessário, marque audiência de instrução se na defesa tiverem sido arroladas testemunhas.

Quanto à técnica da não identidade física do juiz com a causa ou a não imediatidade, segundo o professor Rodrigues Pinto (2005), contribui para a celeridade do processo haja vista que não há vinculação para o julgamento da causa ao magistrado que realizou a instrução. Em contrapartida, a não identidade física do juiz com a causa desfavorece a segurança da sentença em razão de o magistrado não ter participado da instrução e formado um convencimento consolidado.

O tópico seguinte analisará como o acesso à justiça pode ser efetivado no processo do trabalho. Além disso, será realizado o exame do instituto do jus postulandi, que constitui uma das peculiaridades do processo do trabalho (utilizado nos juizados especiais também) e é um instrumento de destaque para a efetivação da garantia do acesso à justiça.