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Uma análise quantitativa das revisões e reescritas

4. UMA ANÁLISE DIALÓGICA DAS REVISÕES E REESCRITAS PRODUZIDAS NA

4.1. Uma análise quantitativa das revisões e reescritas

O corpus desta pesquisa se constitui pelas revisões e reescritas produzidas pelos alunos beta-readers e ficwriters que frequentaram a oficina de produção de fanfictions. Considerando uma perspectiva dialógica de sujeito e de linguagem, foi possível notar a presença de indícios que relevaram diálogos com discursos tipicamente relacionados a diferentes campos.

Pude observar que os principais campos com os quais os sujeitos dialogavam em suas práticas de escrita relacionavam-se ao contexto escolar ou ao universo de produção de

fanfictions. Porém, é necessário realizar uma ressalva, já que os diálogos construídos nas

revisões e reescritas não se limitaram somente a estes dois campos. Contudo, desconhecendo a história de escrita destes sujeitos bem como suas experiências e vivências com diversas práticas de letramentos, não foi possível identificar outros diálogos que não fossem os escolares ou do universo de produção de fanfictions, embora se saiba que a dialogicidade de um discurso ocorre com inúmeros discursos e também com diferentes interlocutores.

Neste sentido, o objetivo deste capítulo é o de categorizar os diálogos construídos com estes dois campos a partir das práticas de revisão e reescrita, revelando, também, alguns aspectos que os caracterizam como tipicamente escolares ou ainda como aqueles relacionados ao universo de produção de fanfictions em seu contexto original, isto é, os websites de compartilhamento online.

Ademais, convém mencionar que, além de sistematizar os diálogos com estes dois campos, interessa também refletir, especificamente nesta seção, sobre as categorias de revisão e operações de reescrita empregadas em cada situação a partir de uma análise quantitativa. Desse modo, os tipos de correções e de operações de reescrita que foram empregados pelos sujeitos beta-readers e ficwriters também são objetos de análise, porém, tomando como base uma perspectiva dialógica. Assim, a análise quantitativa realizada nesta seção é retomada nas seções seguintes com o intuito de fornecer embasamento às análises qualitativas do corpus. Passemos, então, à análise quantitativa.

Em relação à revisão, as quatro categorias de correção teorizadas em um primeiro momento por Serafini (1995) e, posteriormente, por Ruiz (1998), isto é, a indicativa, classificatória, resolutiva e textual-interativa foram consideradas como parâmetro para a produção do quadro 3. Além disso, a categoria nomeada por mim como resolutiva/textual- interativa – devido à observação de recorrentes revisões que faziam uso de ambas as categorias simultaneamente – também foi utilizada para a efetuação de tal quadro e é objeto de análise ainda nesta seção.

QUADRO 3: Categorias de revisão empregadas pelos beta-readers Categoria de revisão Número de revisões produzidas

Indicativa Não computado

Classificatória 04 Resolutiva 91 Textual-interativa 104 Resolutiva/textual-interativa 56 Total 255 Fonte: A pesquisadora

Por meio do quadro 3, é possível visualizar, em termos numéricos, a quantidade de revisões produzidas em cada categoria pelos beta-readers. Ao todo, 255 correções foram computadas, considerando que cada alteração ou comentário realizado pelo revisor constituiu- se como um dado para a construção do quadro. Contudo, exemplos de correção indicativa não foram apreciados no momento da classificação dos dados devido à utilização de correções específicas da situação de produção construída para a oficina. Nela, os beta-readers utilizaram a ferramenta de revisão do Word para revisar as narrativas de seus colegas. Alguns recursos presentes nesta ferramenta foram empregados de modo consciente pelos sujeitos, auxiliando- os em determinadas tarefas. Vejamos duas revisões que ilustram tais casos.

Revisão 4.1.1

Revisão 4.1.2

No exemplo 4.1.1, há o uso tanto da correção resolutiva quanto da resolutiva/textual-interativa. A primeira se faz presente nas intervenções realizadas diretamente no texto pela beta-reader Bruna, substituindo “quando” por “enquanto” e suprimindo a expressão “em minha cabeça”. A segunda, por sua vez, é utilizada pela aluna revisora ao comentar, de modo similar ao textual-interativo, sobre um fragmento que a seu ver “soou estranho”, sugerindo, de modo análogo ao resolutivo, algumas expressões que poderiam substituir a original. Já a revisão 4.1.2, realizada pela beta-reader Luana, também faz uso das mesmas categorias de correção, ao acrescentar a palavra “sarcasticamente” e sugerir, por meio da resolutiva/textual-interativa, a substituição da expressão “não desejo a morte” por “não quero morrer” ou ainda “eu gosto de viver”.

“Fatos passados que passavam” soou estranho. Que tal:

“relembrava de alguns

momentos”, “recordava de quando...”

Nas revisões 4.1.1 e 4.1.2, há a indicação dos trechos que possuem inadequações ou que foram alterados pelas beta-readers, já que a própria ferramenta do Word identifica o local do texto que está sendo revisado por Bruna e Luana, como pode ser visto em determinadas partes do texto que foram realçadas por meio de mudanças na cor ou pelo uso do sublinhado. Neste sentido, as alunas fazem uso de tais recursos da ferramenta para efetuar uma parte da revisão que não precisa ser elaborada por elas, isto é, não há a necessidade das discentes empregarem correções indicativas, sabendo que, ao selecionar determinado trecho para classificar, resolver ou ainda comentar, a indicação já é programada para ser realizada concomitantemente pela ferramenta do Word.

Assim, os sujeitos desta pesquisa apropriaram-se dos recursos do Word de modo positivo para aperfeiçoar suas tarefas como revisores. Em outras palavras, aproveitaram das condições mais favoráveis relacionadas ao contexto da realização da oficina para revisar as

fanfictions dos seus colegas. Não foi preciso que eles, manualmente, indicassem ou destacassem

os trechos que necessitavam de reformulação se podiam fazer uso de uma ferramenta que está programada para realizar esta tarefa toda vez que alguma alteração no texto for empregada pelo revisor. Neste sentido, os beta-readers usaram dos recursos presentes no sistema digital a seu favor, o que permite concluir que o instrumento que é utilizado para a revisão também é um fator que interfere no modo como a prática é realizada. A correção indicativa, portanto, ao ser teorizada por Serafini (1995), relaciona-se mais ao contexto do impresso do que ao do digital, já que esta categoria, no papel impresso, pode ou não ser empregada pelo sujeito revisor, enquanto que, na ferramenta digital, é programada para ser utilizada toda vez que este sujeito realiza uma alteração no texto.

Este é o motivo pelo qual as correções indicativas não foram apreciadas no momento da classificação quantitativa do corpus em categorias de correção e, por isso, não fizeram parte da análise preliminar presente no quadro 3. Dentre as 255 revisões computadas, todas apresentaram características da categoria indicativa, em que parte do texto é destacada por uma cor diferente ou ainda sublinhada. Assim, correções classificatórias, resolutivas, textual-interativas e resolutivas/textual-interativas também se relevaram como indicativas, devido ao uso que os sujeitos fizeram dos recursos presentes na ferramenta de revisão do Word. Desse modo, no quadro 3, somente são contabilizadas as categorias de correção classificatória, resolutiva e textual-interativa, além da resolutiva/textual-interativa. Dentre a totalidade dos dados, as correções resolutivas (91 vezes) e textual-interativas (104 vezes) foram as mais utilizadas pelos beta-readers durante a produção das revisões. Além disso, houve uma quantidade recorrente (56 vezes) de correções resolutivas/textual-interativas, isto é, que faziam

uso de ambas as categorias concomitantemente. Assim, o resultado da soma destas três categorias (251 casos dentre 255 correções) indica uma significativa ocorrência de uso das correções textual-interativa e resolutiva. Devido à baixa quantidade de correções classificatórias (somente quatro casos), esta categoria não é qualitativamente analisada neste capítulo.

Portanto, para esta pesquisa, interessa refletir somente sobre as correções resolutivas e textual-interativas – bem como a resolutiva/textual-interativa, já que apresenta traços de ambas – por terem sido estas as mais recorrentes nas revisões dos sujeitos.

Ainda em relação às revisões 4.1.1 e 4.1.2, é válido discorrer sobre a categoria resolutiva/textual-interativa empregada em ambos os casos, assim denominada nesta pesquisa após a observação de revisões que fizeram uso de ambas as categorias simultaneamente. Na revisão 4.1.1, por exemplo, fica claro que a beta-reader Bruna faz uso da correção resolutiva ao sugerir as expressões “relembrava de alguns momentos” e “recordava de quando” no lugar da frase “fatos passados que passavam”. Assim, a aluna, na revisão, apresenta as soluções do problema apontado por ela, ao invés de instigar o aluno ficwriter a refletir, em sua reescrita, sobre aquilo que ela julga inadequado.

Porém, ao mesmo tempo, Bruna abre para o diálogo ao afirmar, a partir do emprego da correção textual-interativa, que “soou estranho”, utilizando, ainda, a expressão “que tal”, a qual alude a uma possibilidade ou sugestão e não a uma imposição. Embora a reescrita deste trecho tenha sido efetuada pela própria revisora, não há a sua imposição para o escritor, ao contrário, considera-se a presença do outro e, consequentemente, evidencia-se a sua voz. Desse modo, fica claro o caráter dialógico desta categoria de revisão, ainda que, em uma primeiro momento, possa dar a impressão de haver um caráter monológico.

No contexto da oficina de fanfictions, foi possível constatar o caráter dialógico da revisão resolutiva de modo mais evidente nos casos em que houve o emprego da resolutiva/textual-interativa. Isto pode ter ocorrido considerando que a interação explícita com o aluno escritor por meio de bilhetes pressupõe a presença do outro (o escritor/interlocutor) no discurso. Assim, esta nova categoria comprova que a correção resolutiva também apresenta indícios de caráter dialógico, já que, na perspectiva desta pesquisa, todos os tipos de correção são compreendidos como dialógicos, embora a correção textual-interativa possibilite diálogos mais explícitos se comparada às outras. É válido ressaltar que estes resultados podem ser decorrentes do uso da ferramenta de revisão de Word, já que ela propicia tal diálogo explícito por meio da possibilidade de realizar-se a escrita de comentários sobre o texto em forma de bilhetes, tornando o caráter dialógico da resolutiva mais evidente ao interlocutor.

Em relação às operações de reescrita teorizadas por Fabre (2002), a substituição, adição, supressão e deslocamento foram consideradas como parâmetro para a produção do quadro 4.

QUADRO 4: Operações de reescrita empregadas pelos ficwriters Operações de reescrita Número de alterações

Substituição 62 Adição 47 Supressão 15 Deslocamento 01 Total 125 Fonte: A pesquisadora

Para a construção do quadro 4, cada alteração realizada pelo escritor na segunda versão de sua fanfiction – isto é, na reescrita – constituiu-se como um dado numérico. Foram realizadas 125 alterações no total, sendo possível notar que a substituição (62 vezes) e a adição (47 vezes) foram as operações mais utilizadas pelos sujeitos. Assim, devido à baixa quantidade de supressões e deslocamentos, estas duas operações também não são analisadas qualitativamente nas reescritas dos ficwriters.

É importante ressaltar que, de acordo com Menegassi (2013),

O uso, ou não, das quatro operações [de reescrita] depende muito do tipo de correção que o professor [ou revisor, ou beta-reader] faz – de que forma se materializa, qual é o estímulo que transmite – uma vez que as revisões feitas pelos docentes nos textos dos alunos podem ocorrer de diversas maneiras (MENEGASSI, 2013, p. 114).

Deste modo, também no contexto desta pesquisa, a utilização que o ficwriter faz das operações de reescrita dialoga com a categoria de correção que o beta-reader emprega, sendo, portanto, mais um ponto que é analisado nas próximas seções.

Após a realização de uma sistematização numérica das categorias de revisão e operações linguísticas de reescrita, vejamos o primeiro campo de enunciados com os quais os sujeitos desta pesquisa dialogam: o escolar.