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A ESCRITA DA CULTURA: TRILHAS METODOLÓGICAS

5 OS DADOS COMO SIGNOS: PERCURSOS PARA CONSTRUÇÃO DO MÉTODO

5.1 A UNEB COMO CONTEXTO DE PESQUISA: O MAPEAMENTO DO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO

Um dos objetivos específicos desta pesquisa é descrever as condições históricas, estruturais e institucionais em que são construídas as trajetórias formativas de jovens estudantes indígenas na universidade. Para isso, realizei o mapeamento do campo de investigação, recorrendo às técnicas da pesquisa documental, entrevista semiestruturada, observação participante e notas de campo. Foi a partir delas que analisei os discursos e reflexões acerca das controvérsias e dificuldades relativas ao acesso e à permanência dos estudantes indígenas na UNEB. Além disso, trabalhei na identificação de possíveis ações do psicólogo na universidade para atingir uma das possíveis contribuições desta pesquisa: indicar, no escopo da Psicologia do Desenvolvimento e da Educação, grandes linhas de ação que possam auxiliar e dar suporte ao percurso de jovens indígenas na universidade.

Esse mapeamento permitiu descrever a realidade local na qual os estudantes vivenciam suas experiências de rupturas-transições. Retomando a sua raiz latina, o contextere é aquilo que entrelaça. Conforme a proposta teórico-metodológica desta tese para a compreensão do objeto de estudo, conhecer o contexto é fundamental como estratégia metodológica, pois não há como conhecer o sujeito separado dele. Por isso, na pesquisa etnográfica, o contexto é tão importante como a ação. Nela o comportamento é visto como algo que tem uma história e uma antecipação do futuro (BREAKEWELL et al., 2010, p. 305). Aqui, o contexto não se reduz ao meio físico ou aquilo que rodeia, mas é aquele que é construído pelos atores sociais que, em si mesmos, podem atuar como contexto para os outros. O contexto se define como tecido relacional onde ocorre a mediação dos signos e ele pode conter os recursos catalíticos que fornecem as condições para mudanças no desenvolvimento. Na separação inclusiva, contexto e ator social, representam uma dualidade, pois são instâncias distintas, mas, reciprocamente, se definem no tecido relacional, formando uma unidade (COLE, 1997; VALSINER, 2012).

As informações foram colhidas, no ano de 2013 até início de 2014. A figura a seguir apresenta uma síntese das categorias gerais que nortearam a pesquisa dos documentos na instituição e cujos procedimentos de coleta serão descritos a seguir:

Figura 6 – Esquema da Pesquisa Documental na UNEB (2013)

Fonte: Elaboração própria (2013).

a) Pesquisa documental

Macedo (2006) considera as fontes documentais relevantes, pois nelas cabe um vivo processo instituinte, cujo produto ele denomina de etnotextos ao expressar as condições, habilidades, valores e crenças dos atores que os produziram. Através da pesquisa documental, procurei compreender como a UNEB é institucionalmente definida e como ela comunica as transformações nela ocorridas após o acesso e definição de estratégias de permanência e acompanhamento dos estudantes indígenas. A leitura e a discussão de documentos oficiais (programas, projetos e resoluções referentes às ações afirmativas) que normatizam a presença de indígenas na universidade, a consulta a conteúdos produzidos nas websites, nas redes sociais, nos artigos e eventos científicos, nas instituições em que os atores estavam envolvidos com o debate sobre o acesso e permanência de estudantes indígenas na UNEB, tornaram-se parte dos etnotextos.

Com o propósito de conhecer como se configuraram, histórica e institucionalmente, as condições de acesso dessa população na instituição no período entre 2008 e 2013, recorri a dois tipos de documentos: os documentos internos e os externos. Os documentos internos foram as resoluções do Conselho Universitário, memorandos, boletins, relatórios de exames vestibulares, fichas de matrículas, questionários socioeconômicos, registros do movimento estudantil, projetos e programas. Os externos constituíram-se de programas, projetos e leis de ações afirmativas que resultaram em políticas públicas federais e estaduais, assim como os conteúdos produzidos para jornais de circulação, redes sociais, websites e eventos científicos.

Para identificar ações, programas, projetos e benefícios que caracterizem a existência de políticas de permanência e acompanhamento acadêmico dos estudantes indígenas, previ o levantamento de informações em documentos internos como resoluções, editais sobre bolsas, monitorias e iniciação científica, diários de classe, registros de estudantes e docentes, assim como os relatórios e as publicações extraídas de fóruns e seminários de assistência e permanência estudantil na universidade.

O acesso aos documentos foi viabilizado a partir de solicitação oficial aos órgãos e departamentos responsáveis [Secretaria Acadêmica; Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis ou Assistência Estudantil; Coordenações ou Pró-Reitorias de Ações Afirmativas e de Graduação; Programa de Licenciatura Intercultural Indígena (LICEEI)], conforme os requerimentos oficiais elaborados após orientação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UNEB). (Apêndices A, B e C).

Para traçar o perfil dos acadêmicos indígenas e proceder à seleção dos participantes deste estudo, mapeei os estudantes indígenas dos quatro departamentos do Campus I da UNEB: Departamento de Ciências da Vida (DCV), Departamento de Ciências Exatas e da Terra (DCTE), Departamento de Ciências Humanas (DCH) e Departamento de Educação (DEDC). Esse campus foi selecionado, inicialmente, por situar-se em Salvador, e, também, por abranger maior número de cursos das três áreas do conhecimento, além de acolher estudantes de todas as regiões do Estado da Bahia.

As informações foram obtidas na página da Instituição e nas coordenações acadêmicas de cada departamento. Apesar de ter escolhido o Campus I para selecionar os primeiros participantes, achei necessário investigar também o perfil geral dos estudantes em toda a UNEB no que diz respeito às suas características socioeconômicas e acadêmicas, e enviei requerimento à Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), solicitando informações sobre estudantes indígenas do ano de 2008, ano de implantação das cotas, até o ano de 2014: número de aprovados no vestibular, matriculados, cursos escolhidos e localidades de origem. Inicialmente, fui acolhida

pelos gestores e técnicos responsáveis por minha demanda, mas encontrei adiante dificuldades para obter os dados solicitados. Pressuponho que o momento de transição política no qual se encontrava a instituição, colaborou para a retenção de alguns dados que, presumidamente, poderiam influenciar a campanha política dos candidatos à Reitoria, ainda que firmado o meu compromisso ético nos requerimentos. Por esse motivo, apresento nesta tese os dados colhidos até o ano de 2013.

A maior parte dos dados foi colhida na coordenação acadêmica dos departamentos através de consulta às pastas individuais de cada estudante, abrangendo o período de 2008 a 2013. Elaborei uma planilha para cada curso (Apêndice D) onde constava nome, ano de ingresso, data de nascimento, etnia, aldeia, naturalidade, residência, ano e local de conclusão do ensino médio, renda familiar, contatos (e-mail e telefone) e outras informações. Após o levantamento, organizei os dados em quadros de informações e tabelas (Apêndices E), consolidados por área de conhecimento e por departamentos. Obtive ajuda de um informante privilegiado, estudante indígena que participou da entrevista piloto, para organização dos dados gerais, preservando a identidade dos acadêmicos envolvidos. Além da pesquisa documental, os etnotextos também foram extraídos de entrevistas com alguns técnicos e docentes, como descrevo a seguir.

b) Entrevista semiestruturada

A entrevista é um método da pesquisa qualitativa indicado para produzir dados em situações e contextos pouco explorados, que permite maior liberdade de expressão e a abordagem da temática do estudo de forma ampla, possibilitando a integração de novos aspectos (BARBILLON; LE ROY, 2012). Seguindo esses autores, optei pela entrevista do tipo semiestruturada, composta de um roteiro prévio, mas que permite que o sujeito entrevistado construa seu discurso seguindo sua lógica própria. Neste bloco investigativo, fiz uso desse tipo de entrevista como ferramenta exploratória, com o propósito de complementar e esclarecer as informações obtidas nos documentos oficiais. Essa estratégia foi útil para o mapeamento do campo, por contribuir para a análise preliminar da relevância e do grau de envolvimento da comunidade acadêmica com a temática da educação superior indígena.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas no ano de 2013 com os informantes estratégicos, ou seja, aqueles sujeitos que, na ocasião, estavam envolvidos, direta ou indiretamente, com o acesso e a permanência dos estudantes indígenas neste campo de investigação. Entrevistei dois docentes envolvidos diretamente com as questões indígenas na

universidade, um pró-reitor e quatro servidores técnicos que atuavam na assistência estudantil. Tentei entrevistar alguns estudantes do LICEI e uma pessoa da coordenação de educação indígena do Estado da Bahia, enviando convite via e-mail e através de contato telefônico, mas não obtive resposta.

As questões do roteiro da entrevista variaram de acordo com o papel ou o cargo desempenhado na universidade (Apêndice F) por cada um desses sujeitos. As questões mais comuns foram centradas nas opiniões sobre o acesso, avaliação das ações de permanência, estratégias para acolhimento e acompanhamento, ações voltadas para o desempenho acadêmico, programas de assistência estudantil, entre outras. A Figura 7, a seguir, mostra os principais temas investigados nessas entrevistas:

Figura 7 – Principais temas das entrevistas com informantes estratégicos (2013)

Fonte: Elaboração própria (2013).

As entrevistas foram previamente marcadas por e-mail, telefone ou até mesmo pessoalmente. Algumas delas foram realizadas sem o auxílio do gravador após a exposição dos objetivos da pesquisa e informação sobre os seus aspectos éticos. Outras foram realizadas com auxílio do gravador mediante consentimento prévio dos informantes.

c) Observação participante

Como a descrição etnográfica de um campo implica, fundamentalmente, na observação participante, propus no projeto de tese realizá-la em todas as etapas de investigação. Neste tipo de observação, o papel do pesquisador é interagir com os atores sociais envolvidos, participando da cena pesquisada, sendo parte ativa do campo e do objeto de estudo ao conviver com as

pessoas e partilhar as suas atividades (BREAKWELL et al., 2010). Através dessa técnica, seria possível identificar as características do cotidiano da vida universitária dos estudantes, sua rede de interações e construir com eles uma relação de confiança. Previa, nessas observações, participar do ambiente universitário junto com os estudantes selecionados incluindo aulas, eventos científicos, grupos de estudos e pesquisa e, até mesmo, antevia visitas às aldeias dos estudantes.

Apesar da minha implicação com o campo de investigação, estando licenciada das atividades docentes para realização da pesquisa de doutorado, não conseguia identificar espaço para realizar com rigor a observação participante que previ. Acabei, assim, por me ver na categoria de observadora participante interna, que parte de um papel permanente e instituído de membro para o papel de pesquisadora (LAPASSADE, 2005). Para esse autor, o observador participante interno (OPI) já tem um papel permanente e instituído de ator no grupo, no caso deste estudo, a UNEB, e, por isso, precisa acessar um novo papel que é o de pesquisador, conquistando um distanciamento necessário ao efetuar uma passagem da participação total nas situações para o papel de observador dos fenômenos.

Desse modo, aproveitei as visitas às coordenações acadêmicas para conversas informais com os coordenadores e técnicos, para observar os estudantes ao se dirigirem aos servidores e professores sobre suas demandas e colher opiniões informais de estudantes não indígenas sobre seus pares. Participei, na condição de ouvinte, de alguns encontros de estudantes e outros eventos promovidos pelos gestores, mas não assumi nenhum posicionamento nessas atividades e nem realizei visitas às aldeias ou comunidades indígenas, conforme havia previsto, por razões já apresentadas no parágrafo anterior.

d) Notas de campo

Segundo Hess (2005), o diário de campo para o pesquisador é um aquecimento para que sua obra tome forma, instrumento através do qual ele desenvolve uma forma própria de refletir sobre o objeto. Sua complexidade evolui à medida que o trabalho avança, e isso permite que ele se inscreva como autor. Percebo, nessa ideia, mais um ponto de convergência entre a Etnometodologia e a Psicologia Cultural, pois ambas consideram o posicionamento do pesquisador indispensável ao processo da pesquisa, assim como a qualidade da interação que ele estabelece com os participantes do estudo.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, escrevi algumas notas de campo onde registrei minhas impressões, angústias, erros e insights que ocorreram no campo da investigação, bem

como comentários sobre as leituras que ia realizando sobre o tema. Algumas dessas notas são destacadas neste e nos próximos capítulos e muito dos seus conteúdos estão implícitos nas minhas interpretações em todo o corpo do texto dessa tese. Porém reconheço que deveria ter feito uma escrita mais frequente e disciplinada para que a minha autoria fosse mais bem evidenciada na construção deste trabalho. Por essa razão, aqui, eu denomino de notas de campo ao invés de diário de campo. No próximo item, descrevo o delineamento que optei para produzir dados junto aos participantes da pesquisa e às estratégias utilizadas para selecioná-los.

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