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Vanessa Anelise Figueiredo da Rocha

Resumo

As missões1 franciscanas na capitania de Pernambuco, fundadas

pela Província de Santo Antônio do Brasil entre 1657 e 1763, estavam localizadas no que durante o período colonial foi chamado de sertões. Dessa forma, fazendo uma apresentação dos franciscanos e sua atuação dentro das missões, este capítulo pretende discutir o conceito de sertão e de missão enquanto categorias de espaço. O objetivo é contribuir para a discus- são acerca do papel das missões religiosas para a delimitação espacial do território da Capitania de Pernambuco, pensando como os franciscanos fundaram e administraram suas missões,

1O termo missão aqui utilizado será associado muitas vezes à palavra alde-

amento. Pois, na documentação colonial encontramos missão ligada às atividades dos religiosos que se deslocavam procurando evangelizar os índios e transferi-los para as novas aldeias construídas. Porém, é comum encontrarmos o termo utilizado para designar as novas aldeias estabelecidas pelos religiosos, assim como os aldeamentos, definidos como núcleos onde se fixavam os índios a um determinado território sob a administração dos missionários (SUESS, 2009).

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oportunizando a colonização de terras cada vez mais interio- ranas da Capitania.

Introdução

Um dos pilares do Império português foi a dilatação da fé cristã, sendo a conversão dos infiéis à Igreja Católica uma forma de salvar suas almas, uma justificativa para a domina- ção de vários povos. Assim, a metrópole portuguesa sempre esteve associada à Igreja, principalmente a partir do padroado Régio definido “como uma combinação de direitos, privilégios e deveres, concedidos pelo papado à Coroa portuguesa, como patrono das missões católicas e instituições eclesiásticas na África, Ásia e Brasil” (BOXER, 1978, p. 99). Na prática, esses privi- légios significavam que os religiosos precisavam da aprovação da Coroa para exercerem seus cargos e para o apoio financeiro, como é o caso de alguns conventos e missões franciscanas que recebiam ordinárias da Provedoria de Pernambuco2. Assim,

os frades estavam presos aos objetivos da Coroa, delineando a atuação missionária e seus objetivos.

As ordens religiosas foram fundamentais para os objeti- vos metropolitanos. Atuaram nos vários territórios colonizados por Portugal, buscando manter a lealdade dos povos conquis- tados, por meio de missões, sendo essas o “esteio do domínio

2Relação das ordinárias que se pagam aos conventos de religiosos pela prove-

doria de Pernambuco. Anais na Biblioteca Nacional, vol. XXVIII, 1906, p. 321. Os conventos de Nossa Senhora das Neves de Olinda, São Francisco do Recife, de Igarassu e Ipojuca recebiam ordinárias de 90$000, enquanto o convento de Sirinhaém recebia 40$000. Já as missões de Santo Amaro das Alagoas e a missão do Pajeú recebiam 30$000 para o sustento dos religiosos.

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colonial em muitas regiões fronteiriças” (BOXER, 1978, p. 95). Foi comum encontrarmos a presença dos frades menores3 nas

entradas contra etnias inimigas, insurreições e guerras. Como a que encontramos em carta de 24 de julho de 1674, em que o Francisco Dias Davilla, capitão da Infantaria, de Ordenança e Capitão-Mor da guerra, certifica a presença e contribuição de três franciscanos na entrada realizada no “Rio São Francisco da parte de Pernambuco ao Riacho Pajeú para reduzir o gentio bárbaro de nação dos Guaguas por ordem do governador Afonso Furtado e consentimento do governador de Pernambuco Dom Pedro de Almeida”4. Essa entrada resultou em cinquenta índios

mortos e muitos prisioneiros, já que se rebelaram, não acei- tando a tentativa de conversão feita pelo frade Santa Catarina.

A presença franciscana no Brasil se deu ainda em 1500, quando da “descoberta” do território por Pedro Álvares Cabral. Desde então, foi recorrente a ação esporádica dos frades meno- res a partir do que os estudiosos sobre o assunto convenciona- ram chamar de missões volantes ou avulsas, caracterizadas por serem visitas realizadas pelos frades às aldeias indígenas com o objetivo de batizar, catequizar e casar os índios (LOPES, 1999).

Porém, como eram constantes os ataques indígenas às vilas e às plantações de açúcar e que, mesmo com a força bruta dos exércitos coloniais, esses ataques não eram cessados, a Coroa enviou ao Brasil uma leva de missionários que pudesse

3Frades menores são como também são conhecidos os religiosos da Ordem

de São Francisco. Termo adquirido na Idade Média, logo após sua fundação, como forma de fazer menção aos mais pobres e aos rejeitados da sociedade medieval, que eram conhecidos como classe menor.

4Cópia dos vários documentos que tratam dos serviços prestados pelos

religiosos da Província de Santo Antônio. Arquivo público Estadual de Pernambuco, fundo franciscano. Documento número 6/1a de 24/07/1674.

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atuar entre os índios e ajudar no contato com estes. Assim, segundo o historiador da ordem, Frei Willeke:

Na conquista paulatina do imenso Brasil, a coroa portuguesa não empregou apenas as tropas coloniais, senão também as várias Ordens missionárias. Os arautos de Cristo introduzi- ram os silvícolas nas verdades da fé, alcançando outrossim a cruz diante deles quando os guiavam para novas entradas, construindo com eles fortalezas e pacificando tribos rebeldes (WILLEKE, 1974, p. 29).

Dentro desse contexto, o governador de Pernambuco Jorge de Albuquerque Coelho solicitou a fundação de um convento franciscano ao Frei Francisco Gonzaga, superior geral da Ordem de São Francisco. Sendo decidido no Capítulo Provincial5 de Lisboa, de 13 de março de 1584, a criação da

Custódia de Santo Antônio6, ficando como 1º custódio Frei

Melchior de Santa Catarina Vasconcelos.

Daí em diante, os frades menores, bem instalados7, inicia-

ram suas atividades entre os colonos, mas principalmente entre os indígenas. Fundaram, então, algumas missões ao longo do

5Assembleia formada a cada triênio pelos padres: visitador geral, provincial,

custódio, definidores e guardiães para tratarem de assuntos relativos à administração da ordem.

6Custódia é “um conjunto de conventos com certa autonomia, aos quais faltam

alguns requisitos para serem eretos em província. O respectivo superior regional chama-se custódio ou comissário” (WILLEKE,1978, P. 8). O Brasil era dependente nesse período da Província de Santo Antônio de Portugal.

7Os frades franciscanos desembarcaram em Olinda, no ano de 1585, ficando

alojados em uma casa junto à Igreja da Misericórdia, onde permaneceram por cinco meses até serem transferidos para o convento doado por D. Maria da Rosa, uma viúva rica, devota de São Francisco de Assis, que havia construído o convento juntamente com a igreja de Nossa Senhora das Neves com o objetivo justamente de ser doado aos religiosos franciscanos.

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litoral da capitania, onde conseguiram um bom desempenho na conversão de muitas tribos ao catolicismo. Isso até a invasão holandesa, quando

os batavos ocuparam todos os seis conventos franciscanos entre Pernambuco e Paraíba enquanto mais de 40 frades menores foram exilados e alguns até barbaramente assassi- nados pelos invasores (WILLEKE, 1974, p. 75).

Após a expulsão dos holandeses, a ordem dos frades menores pôde retomar suas atividades, porém, as missões só foram restabelecidas no ano de 1679, quando, depois de pouco mais de dezesseis anos de independência da custódia, foi rece- bida uma graça por Breve do Papa Alexandre VII, promovendo a Custódia em Província de Santo Antônio do Brasil. Sendo cele- brado seu primeiro capítulo em 5 de novembro de 1659, no qual foi decidido como seu provincial o Frei Antônio dos Mártires, bem como a redação de novos estatutos, a reformulação do cerimonial e a criação de uma custódia para as partes do sul, a Custódia da Imaculada Conceição. Esta ficou ao todo com nove conventos8 até 1675, quando se tornou Província, aumentando

seu patrimônio com a fundação dos conventos de Cabo Frio; São Luiz, em Itu; e o de Bom Jesus da Ilha, no Rio de Janeiro.

Enquanto isso, a Província de Santo Antônio ficou com treze conventos, sendo eles na parte de Pernambuco: N. Senhora

8 Os conventos que ficaram sobre a responsabilidade da custódia foram: Santo

Antônio da Cidade do Rio de Janeiro, N. P. S. Francisco da Vila da Vitorio no Espírito Santo, N. S. da Penha no mesmo distrito, S. Boaventura do Cassarabú, S. Bernadino da Ilha Grande, S. Antônio da Vila de Santos, N. P. S. Francisco da Vila de São Paulo, N. Senhora da Conceição da Villa de Itanhaém, N. Senhora do Amparo da Ilha de S. Sebastião.

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das Neves da cidade de Olinda; S. Antônio da Vila de Igarassu; S. Antônio da Paraíba; S. Antônio da Vila do Recife; S. Antônio da Povoação de Ipojuca; S. Francisco da Vila de Sirinhaem; Santa Maria Madalena da Vila de Alagoas; N. Senhora da Porciúncula da Vila de Penedo. E na parte da Bahia: S. Francisco da Bahia; S. Francisco da Vila de Sergipe do Conde; S. Antônio do Lugar de Paraguaçu; S. Antônio da Vila de Cairo; O Bom Jesus da cidade de Sergipe Del Rei.

É dentro desse contexto que traçaremos os desdobramen- tos de nossa pesquisa, pois, trata-se de um período em que a ordem franciscana expandiu suas atividades missionárias, já que era preciso “conquistar” as tribos indígenas que viviam nas regiões de interesse português, cabendo aos religiosos contribuir para a dilatação e pacificação das fronteiras do Império Português, através da inserção do elemento europeu nas regiões onde atuavam. Para Boxer (1978), os frades serviram comoesteio do domínio colonial, pois eram menos onerosos e eficazes do que uma guarnição.