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Vestindo-se com distinção: Você sabe causar uma boa impressão? Figura 21 – “Deux pièces”

Poderíamos pensar a década de 1950 a partir de seus novos e abrangentes meios de comunicação, que afirmariam a vida urbana com seus ritmos, comportamentos, gestos e hábitos distintos daqueles vividos em meio às atividades de um mundo rural até então ainda predominantes no País. A ideia de um progresso associado à urbanidade, reforçada pelo rádio, pela televisão, pelo cinema e pelas revistas, inspiraria um novo modelo de organização da vida. Os trajes de homens e mulheres, assim, demarcavam seus lugares nessa sociedade de consumo. A preocupação com a aparência, seja ela feminina ou masculina, fazia parte das novas sociabilidades e sensibilidades urbanas. A criança, por sua vez, também deveria ser ajustada a esse ideal de urbanidade: o corpo infantil seria educado para corresponder à imagem de um país próspero – construído pela força dos homens e pelo serviço subordinado das mulheres.

Quando a editora Bloch lançou, em 1952, a revista semanal Manchete, as reportagens de seus primeiros exemplares empenhavam-se em mostrar que a revista era inovadora e associada a um modo de vida moderno e urbano. Ela também seria um dos meios de ampliar o debate sobre a entrada de produtos e hábitos no cotidiano da população das grandes cidades. Em suas páginas podemos perceber um espaço construído para aproximar os leitores dessas novidades, atribuindo significados às “tendências”, sanando dúvidas e inquietações sobre a conveniência e a utilidade de produtos até então desconhecidos. O vestuário era um desses elementos que demarcariam novas sensibilidades, inaugurando formas de consumo gradualmente difundidas nos grandes centros urbanos, como as lojas de departamentos, cuja comercialização de “roupas prontas” fazia parte da temática discutida com os leitores da revista.

Assim, esses novos hábitos de consumo propagavam-se a partir de um imaginário sobre o que seria a vida moderna, muitas vezes compreendida como o espaço de uma “evolução dos costumes” e de “tendências elegantes”. Nem mesmo as revistas de costura que se ancoravam no “faça você mesma”, nos ensinamentos de cortes, modelagens e confecções femininas e infantis ficariam à margem das mudanças que começavam a ocorrer nos grandes centros urbanos. No Jornal das Moças, por exemplo, encontramos uma reportagem que apresenta a inauguração de uma loja de roupas prontas infantis, destacando que as crianças também seguiam a evolução da moda.

As revistas destinadas ao público infantil, do mesmo modo, abrigariam esses ideais de aparência e de comportamento, principalmente através de anúncios de produtos associados às imagens de “pessoas distintas” e de “bom gosto”. A figura da criança de aparência arrumada, bem-comportada e inteligente era promovida pelos editores e reforçada em poemas, histórias, quadrinhos, desenhos e propagandas, em contraste com a imagem da criança desleixada, gulosa, desobediente e que não levava os estudos a sério.

A publicidade seria um desses modos de difundir um novo estilo de vida, sobretudo o estrangeiro, sobreposto ao meio rural e ao cenário de um mundo avassalado pela Guerra. À medida que ocorriam mudanças significativas na forma de consumir, os anúncios propagados nos meios de comunicação ganhavam força e traziam à classe média o conceito da elegância.

Os corpos ganhavam um espaço para o espetáculo, para a exibição, o êxito e a sofisticação, conforme podemos ler em uma reportagem da revista Manchete que, ao veicular os preparativos para um concurso mundial de beleza, anunciava com entusiasmo a chegada de um novo tempo:

Logo depois da Guerra, em toda a Europa livre se realizaram concursos de beleza feminina. Os olhos feridos durante seis anos pelas imagens mais impiedosas da história recebiam como um colírio balsâmico o espetáculo daqueles corpos não mais desfigurados pela subnutrição e pelo martírio dos êxodos impostos. As primeiras Vênus de Berlim surgiram magras e alongadas como as mulheres de Modigliani e de Cranach. Sem as proteínas da cerveja, das batatas, da charcuteria gorda (MANCHETE, 26 abr. 1952, p. 37).

A reportagem trazia ainda fotos de modelos internacionais usando biquínis, o que nos permite pensar que a “elegância” fora a qualidade evocada para sobrepor-se às imagens atrozes da guerra. Nesse novo quadro, a figura feminina seria a estampa para o mundo que tentava solevar-se. A ênfase na beleza feminina pode ser percebida, do mesmo modo, pelos papéis dramatizados pela estrela de cinema da década de 1950, figuras inacessíveis que lançavam ao espectador possibilidades de ser e de agir. Uma cinematografia gestual ajudava a compor determinados tipos cênicos caracterizados com o uso de alguns acessórios, tais como óculos, cigarro, uísque etc. O arranjo de um gestual amoroso se fazia por meio de elementos como a carta, o beijo, o andar bamboleante e as músicas entoadas pelos apaixonados. Esses elementos participavam do imaginário do público e propagavam

aos homens e às mulheres diferentes códigos de conduta e de relacionamento, compondo o que Meneguello (1996, p. 131) chama de “cinematografização do cotidiano”, ou seja, um conjunto de atitudes que atingem

de forma essencial o reino dos gestos. A maneira de se vestir, as atitudes assumidas em relação ao par amoroso, um ideal de beleza, saúde e felicidade são continuamente colocados em jogo pelos canais que envolvem o cinema americano e suas estrelas – um jogo móvel e deslizante no qual tolerância, condenação e admiração não se opõem, se pressupõem.

Se uma das expectativas em relação às mulheres era a de que fossem o colírio balsâmico de um mundo assolado e doente, Wolf (1992) lembra ainda que, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, as mulheres que ocupavam o lugar dos homens no mercado de trabalho deveriam voltar à eterna missão de esposas e donas de casa. Porém, muitas delas não desejavam sair do mercado de trabalho e “um ano após o final da guerra, as revistas mais uma vez se voltaram – com maior exagero do que antes – para a domesticidade, enquanto três milhões de americanas e um milhão de britânicas eram demitidas ou pediam demissão de seus empregos” (WOLF, 1992, p. 83). No Brasil, esta moralização sexual que separava papéis diferentes aos homens e às mulheres não seria diferente: o trabalho destas continuaria

cercado de preconceitos e visto como subsidiário ao trabalho do homem, o “chefe da casa”. Se o Brasil acompanhou, à sua maneira, as tendências internacionais de modernização e de emancipação feminina – impulsionadas com a participação das mulheres no esforço de guerra e reforçadas pelo desenvolvimento econômico –, também foi influenciado pelas campanhas estrangeiras que, com o fim da guerra, passaram a pregar a volta das mulheres ao lar e aos valores tradicionais da sociedade (BASSANEZI, 2002, p. 608, grifo da autora).

Atenta a essas significativas mudanças, a revista Jornal das Moças publicaria em 1954 um artigo de Roberto Moura Torres,discutindo a emancipação feminina. O texto afirma que muitas mulheres conseguiram, com seus trabalhos, suprir suas necessidades materiais, sobretudo durante a guerra. De certo modo, o autor reconhece os esforços de tais mulheres, porém salienta as consequências perigosas dessa independência feminina para a sociedade, sublinhando que milhares de mulheres não quiseram voltar para suas ocupações anteriores no lar, aumentando com isso “a crise de ocupações, do luxo, das diversões e da

vaidade [...]. Essa emancipação obrigou o homem a tratá-las como igual concorrente na luta pela vida, e isso faz com que elas percam a feminilidade” (JORNAL DAS MOÇAS, 15 jul.1954, p. 62).

De volta ao lar, a mulher deveria esforçar-se para afirmar sua feminilidade, fazendo cumprir seu destino naturalizado de mãe e esposa, não atrapalhando o trabalho do homem nem concorrendo com ele na sua luta darwiniana pela vida. Excluída de posições sociais elevadas, restaria à mulher buscar a forma de vida aceita, cumprindo o que era costume e fazendo aquilo que lhe ficaria bem. Um desses costumes que lhe seria destinado era o de cuidar de sua aparência e da imagem de sua família, conseguindo, por meio da moda, uma oportunidade de realçar-se, afirmar sua personalidade e alcançar a satisfação que lhe era recusada em outras áreas.

Conforme observa Simmel (2008), como as mulheres, na maior parte da história, estiveram condenadas a uma posição social insignificante, a adesão à moda tornou-se uma forma de alívio, uma das possibilidades de participar da vida social como os demais indivíduos. A moda seria, então, um estímulo à mulher encerrada no lar, um convite para que se dedicasse à escolha do vestuário de sua família, sabendo cuidar e proteger os corpos de sua prole, esconder os pudores e, ao mesmo tempo, expor socialmente as aparências. Para isso, os meios de comunicação dos “Anos Dourados” faiscavam as imagens desejáveis das modelos e das estrelas de cinema, suscitando os anseios do consumo e formando um imaginário sobre o “bom gosto” e a “elegância”.

Seria, então, reservado ao mundo feminino o acompanhamento das tendências de moda e o domínio da costura, demonstrando sensibilidade para a escolha da cor, do tecido e do corte da roupa, atentando aos códigos indumentários que diferenciavam as roupas da classe alta e as da classe média baixa. Era preciso ainda que a mulher soubesse vestir seu filho e sua filha de maneiras diferentes, já projetando o futuro desejado a eles. E mais: que incentivasse a menina a cuidar da aparência e da higiene, ensinando-a a cumprir com seus deveres femininos.

A publicidade aparecia como veículo que evidenciava novas tendências, compondo um olhar para os elementos de distinção do vestuário. A indicação de trajes apropriados à menina ou ao menino apareceria tanto nos anúncios quanto em discursos que ensinavam a costura, o esmero nos afazeres e o asseio da aparência. E também nas histórias em

quadrinhos e nas ilustrações dos personagens das revistas infantis. Folheando as páginas de Manchete, Jornal das Moças, O Tico-Tico e Cirandinha, deparamo-nos com narrativas que demarcavam pertencimentos sociais e definiam modos precisos de vivenciar a infância.