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Vestindo-se adequadamente: Meninos e meninas nas seções de costura

Figura 60 – Pijama & Camisa

Depois de um dia cansativo de afazeres domésticos e cuidados com o bebê, a jovem mãezinha abraça seu primogênito e tenta niná-lo, entregando-se ao prazer de acariciar seu filhinho, balbuciar cantigas e palavras de carinho, enquanto espera o papai chegar da rua. Coloca a roupa que representa o fim de seu atarefado dia, uma camisa de noite de linon rosa, abotoada na frente, que ela mesma costurou nos tempos em que ainda era solteira e preparava o seu enxoval. No amplo bolso lateral da roupa de dormir, repousa graciosamente uma das mãos. O cheiro do assado propaga-se pelos cômodos, tudo está posto na mesa, a refeição meticulosamente preparada aguarda o chefe da casa. Consegue, apesar do cansaço, esboçar um delicado sorriso nos lábios. O papai, um soldado, retorna ao lar, satisfeito por suas obrigações cumpridas. Toma um banho, penteia os cabelos e desdobra seu pijama de algodão; veste-o, sentindo no toque o conforto e o asseio. A casa

em ordem, o bebê no berço, a refeição feita e as últimas notícias no rádio. Depois, uma aconchegante noite de sono ao lado da dedicada esposa.

Não, as personagens dessa história não são “verídicas”. Estão em nosso imaginário de leitores do presente e podem, destarte, deslocar-se para outros enredos, sentimentos, apreensões diversas, bailando nas fantasias daqueles que as observam. São apenas um menino, uma menina e uma boneca, seres imóveis e cheios de expressões. Fazem parte dos arranjos de uma fotografia e posam para as sessões de costura do Jornal das Moças, cumprindo a tarefa de seduzir a leitora aos desejos de posse, cópia e reprodução de seus trajes.

Os corpos das crianças foram fragmentados de acordo com tempos, espaços e gestos predefinidos. Os pequenos manequins foram sujeitados a posturas ideais e vestidos para determinadas situações do dia. Um conjunto de regras definiu as maneiras de postar-se, sorrir e ficar em pé.

Este capítulo falará de crianças-estátuas, leves ou inertes, envelopadas por suas roupas, representadas em dimensões e em movimento. Um dos atributos do vestuário, conforme analisa Goldberg (2001), é a representação do corpo como uma escultura, composta de elementos que codificam uma distinção social, tais como pose, gesto e penteado. As crianças são arrumadas para a exposição de seus trajes e participam do universo pictórico da representação: seus pés, a direção dos ombros, a rigidez ou a leveza

esculpir uma expressão do movimento. A figura da estátua solene se impõe nas fotos, visto que o traje é mostrado por inteiro nos corpos, sem o recorte e a segmentação de suas partes.

Esta fotografia, publicada na revista de costura Jornal das Moças de 1954, nos remete a uma educação do corpo diferenciada para o menino e para a menina. A roupa de dormir aparece como um traje para ambos os sexos, porém, vê-se que um conjunto de detalhes definirá posturas e comportamentos diferentes às crianças. A roupa do menino é um pijama com botões costurados sobre a espádua que, juntamente com um bolso na região do peito, ressaltam a virilidade e a força masculina. A calça está em alinho perfeito, todo traje e a postura do garoto lembram um soldado com seu uniforme impecável. A roupa da menina é uma camisola, a costura apresenta franzidos, babados, laços e botões que preenchem e avolumam a região do peito e valorizam o ventre. Um grande bolso é costurado abaixo da cintura, tal qual o de um avental, peça muito usada pelas mulheres para o serviço doméstico. O traje, a postura e a boneca no colo da menina sugerem a maternidade.

Nas páginas de costura do “Jornal da Mulher”, observamos que, de 1950 a 1953, os modelos de vestuário feminino eram, em sua maioria, desenhados. Algumas mulheres apareciam fotografadas, e uma legenda detalhava a confecção da roupa. O vestuário infantil era, sobretudo, o da menina e costumava aparecer, até 1953, em gravuras em poucas cores, como preto e branco ou azul e branco, numa seção chamada “Jardim de Infância”. Seria a partir da edição de 6 de maio de 1954 que meninos e meninas começariam a aparecer em fotografias ou em desenhos mais coloridos. Neste mesmo exemplar, podemos observar um aumento nos anúncios publicitários da revista.

Figura 61 – Lã e algodão

Fonte: Jornal das Moças, n. 2.029, 06 maio 1954, p. 75.

Na edição que, em especial, marca o aparecimento de crianças fotografadas, observamos uma reportagem de inauguração da loja Exposição Carioca, um departamento de modas para meninas na cidade do Rio de Janeiro. A matéria 39 afirma que a loja possui variados modelos para a criança e a adolescente, vestimentas que ressaltam a graça, o brilho e a beleza, pela harmonia das cores, preparando as debutantes para tornar-se mulheres. Como, então, as roupas apresentadas em fotografias nessa edição da revista, em

39Trata-se da reportagem “A Exposição Carioca e seu departamento de modas para meninas”, apresentada e

consonância com o discurso da loja Exposição Carioca, mobilizam os sentidos das crianças? Quais sensibilidades são provocadas pelas cores, pelos cortes e pelos tecidos escolhidos para vestir os corpos infantis fotografados?

Se, para a revista, a roupa afeta a curiosidade da criança, “ao mesmo tempo, precisamos ver como a roupa ajuda a construir os valores da sensibilidade e como ela mobiliza os sentidos. O tecido e suas combinações, suas folgas e apertos, seus signos, suas padronagens falam uma linguagem corporal perceptiva e direta” (ROCHE, 2007, p.47). Estudar a história do vestuário, para Roche, significa não só perceber as funções da roupa para determinada época, mas as mudanças de sensibilidade. Ao discutir como se desenvolveria a pesquisa de uma história da cultura indumentária da Idade Moderna, o autor traz uma reflexão que também pode ser estendida aos dias de hoje:

[...] Precisamos traçar a evolução das cores, dos contatos e do status dos tecidos. Como as aparências foram remodeladas será revelado por uma topologia corporal, por mudanças no que podia e não podia ser visto, por redefinições de modéstia e imodéstia e pelas lições de higiene que desafiaram os valores do asseio e do desasseio. As vestimentas modelam o corpo, e o corpo brinca de vestimenta; são meios de socialização, que têm seu rito de passagem. Entre a estabilidade e a mobilidade, as roupas descobrem a moda, que surge no campo das contradições sociais, quando existe uma possibilidade de desejar o que os outros desejam (ROCHE, 2007, p. 47).

Em algumas fotografias percebemos as sensibilidades que a roupa desperta nas meninas: suas mãos puras não tocarão diretamente o mundo, estão protegidas dentro de luvas brancas, geralmente de comprimento curto e feitas em algodão. Conforme a regra da “boa educação” feminina dos anos de 1950, a luva era conveniente, sempre que a mulher fosse apresentada a desconhecidos. Tocar as mãos de um homem estranho significaria um gesto de exposição sexual (LURIE, 1997). As imagens também nos permitem pensar que os corpos das meninas, recobertos de enchimentos, embalados em veludo e amarrados pela cintura com cintos ou cordões, não poderiam sapecar à vontade pelo chão.

Figura 62 – Vestido de veludo

Fonte: Jornal das Moças, n. 2.029, 6 maio 1954, s.p.

Figura 63 – Vestido de algodão fantasia

Fonte: Jornal das Moças, n. 2.029, 6 maio 1954, s.p. Figura 64 – Vestido de flanela de lã

Os vestidos se fecham no corpo da criança, oferecendo resistência aos seus movimentos. Talvez porque, como sugerem outras imagens, a menina devesse ficar em casa ou estudando: frequentemente aparecem segurando bonecas, materiais escolares (cadernos e lápis) ou plantas. O vestuário feminiza seus corpos, o tecido e a costura disfarçam a figura pueril que se encontra dentro da roupa. Como sublinha Lurie (1997), as roupas das crianças antecipam seus corpos quando adultos. Enquanto as meninas e as mulheres têm os quadris e o traseiro enfatizados, nas roupas dos meninos e dos homens há uma tendência para acentuar os ombros mais largos, principalmente com o uso de riscas horizontais, dragonas e palas de cores contrastantes. Além disso, o peito reto das meninas costuma ser avolumado com o uso de franzidos e babados, e a cintura, modelada.

Os adornos do vestuário feminino geralmente são compostos por flores, bordados e laços. Lurie (1997) identifica que as estampas florais eram usadas nas roupas de homens e mulheres, e, a partir de 1800, aproximadamente, a decoração botânica se limitou ao sexo feminino por mais de 150 anos.

Há também, nas roupas femininas, uma presença constante de detalhes como bolsos, pregas, fechos, golas e mangas. Para Barthes (2009), é o detalhe que produz o sentido na moda: não é a peça inteira do vestuário, mas, sim, suas partes que evocam uma vivência imaginária no espectador. Além disso, o detalhe seria um “nada” que muda tudo na roupa, é um viés econômico usado para transformar o luxuoso em acessível, o fora de moda em moda, sem custar caro ao orçamento (BARTHES, 2009, p. 360).

A roupa, portanto, é um desses elementos que definem a existência da criança na sociedade, ela é também o resultado dos esforços dos adultos para a masculinização ou feminização dos corpos... corpos de crianças que “absorvem a cultura de aparências já bem cedo na vida” (ROCHE, 2007, p. 208). Assim, as roupas escolhidas para meninos e meninas revelam, em seus detalhes, as marcas de poder entre os sexos, como sugere ROCHE (2000, p. 212):

[…] o botão é uma marca do poder viril, pois as mulheres e as crianças abotoam seus enfeites com alfinetes e laços. A mulher é sempre freada pelo grande aparato de coisas inúteis, de enchimentos e de armarinhos de suas roupas, o que justifica a dominação de um sexo por outro […] a roupa está ligada a todos os fenômenos culturais, econômicos e sociais. Ela tem seu lugar na história das aquisições

individuais, sexuais, sociais, nos múltiplos procedimentos de fabricação de objetos e do controle dos corpos.

Em relação ao vestuário de bebês e crianças pequenas, percebemos algumas semelhanças entre os modelos usados por meninas e meninos. Muitas vezes, a revista apresenta o molde de uma roupa, sugerindo-a como adequada a crianças pequenas de ambos os sexos, como podemos observar neste conjunto de tricô próprio para momentos na praia ou no campo, publicado em 1958: “Você vai ficar encantada com este conjunto de três peças destinado ao seu filhinho ou filhinha de dois a três anos...”.

Figura 65 – Tricô para crianças

Se, em algumas fotografias publicadas, a revista não direciona a roupa de acordo com o sexo da criança, em outras é possível perceber marcas sutis que delineiam as diferenças. Ao observarmos um dos modelos publicados para bebês, notamos que a revista sugere dois costumes semelhantes, afirmando ser uma roupa apropriada para menino ou menina. O bordado de sapinhos na lagoa é o mesmo nas duas roupas, mas é possível distinguir alguns detalhes que diferenciam os sexos: embora tenham as mesmas cores e o

mesmo bordado, o macacão do menino que está em pé consiste em uma bermuda; o da menina é uma saia, o que a faz posar sentada numa cadeira sutilmente virada para o lado direito e com uma das mãos sobre o colo, tentando proteger suas pernas e a calcinha do

olhar do leitor. A revista diz que o menino usa, debaixo do macacão, uma camisa; já a menina, uma blusinha branca, que se diferencia pela gola bordada e as mangas franzidas.

As diferenças também se revelam nos pés, pois ele usa uma botinha de amarrar e ela, um sapato com fivela.

Figura 66 – Flanela para bebês

Em uma fotografia de 1958, observamos a sugestão de uma peça de roupa exclusivamente para o menino. Trata-se de um macacão de cor azul, bordado com desenhos de cavalinhos brancos. É interessante perceber que esta página não se propõe a ensinar a costura do macacão, mas a transformar um macacão azul qualquer em um macacão para meninos. A postura do garoto revela a possibilidade de brincar e se movimentar, pois veste uma roupa de corte mais amplo. O cavalo é o elemento que define o sexo da criança e pode ser compreendido como a indicação da masculinidade, assim como o carro de corrida presente na cena. Ambos sugerem a velocidade. Ao analisar o feitio das roupas das crianças, os bordados e as estampas, Lurie (1997, p. 227) afirma que “a sugestão é que o menino brincará vigorosamente e percorrerá longas distâncias; a menina ficará em casa e criará plantas e pequenos mamíferos”.

Figura 67 – Macacão para menino

Percebemos, assim, discursos que demonstram a possibilidade de vestir os meninos e as meninas com roupas semelhantes na tenra infância, talvez por reconhecer que nessa fase seus corpos são parecidos. No entanto, embora o tecido, a cor e o corte, muitas vezes, fossem os mesmos, alguns elementos sutis apareceriam para distinguir o sexo dos bebês, dentre os quais podemos citar, para as roupas dos meninos: botão, cadarço, emprego de elástico nas calças e motivos bordados que remetem a velocidade; para as roupas das meninas, laços e fivelas, franzidos, acabamento em babados e motivos florais.

A cor, em algumas situações, poderia também funcionar como um desses elementos que demarcam as diferenças entre as crianças. Como lembra Lurie (1997), os meninos usam geralmente cores escuras, especialmente verde, azul e marrom; já as meninas, cores mais claras e associadas aos elementos da natureza. No entanto, em muitas imagens pudemos notar que as meninas também usam roupas em tons escuros, e a dicotomia “azul para meninos” e “rosa para meninas”40 nem sempre se faz presente nas roupas infantis publicadas nas revistas deste período.

Assim, podemos aqui elencar uma gama de cores que aparecerão nos vestidos das meninas: branco, rosa, vermelho, verde, pastel, azul, cinza e alaranjado. Além de tons reforçados por expressões e adjetivos como: “amarelo-ouro”, “azul pálido”, “rosa pálido”, “vermelho coral”, “azul rei”, “vermelho forte”, “verde-claro”, “azul noite”, “verde- esmeralda”. Há também outras referências, como “tom escuro e brilhante”, “algodão fantasia”, “bordados em cores bem vivas”, cores “alegres como o dia de sol”, “flanela escura”, “veludo escuro”, “tafetá claro”. Além de estampas como xadrez, quadriculado, listrado, pois e pontilhado. Observa-se que a cor mais inexpressiva no vestuário infantil é o preto.

A opção pelo uso de cores variadas nas roupas das crianças está em consonância com os múltiplos sentidos que as cores evocam. Gilda de Mello e Souza (1987), ao discutir a importância da cor no vestuário, analisa que a escolha das cores pode estar associada a

40 Pastoureau e Simonnet (2005) mostram que, na Idade Média, o azul era associado ao feminino, em

referência à Virgem Maria; e o vermelho, ao masculino, signo do poder e da guerra. Com o tempo, o azul tornou-se masculino, por ser mais discreto, e o vermelho voltou-se ao feminino, tendo sido também a cor do vestido de casamento até o século XIX. O Romantismo, no século XIX, disseminou o simbolismo conferido, no século anterior, ao rosa, que é visto como a cor do carinho, da delicadeza e da doçura feminina. Os traços destas duas cores foram mantidos para as crianças pequenas, acrescentando também mais branco (que significa a pureza) a elas: azul para os meninos e rosa para as meninas.

fins diversos, como conduzir o olhar para determinados pontos que se queira destacar; disfarçar uma região, tornando-a opaca e menos evidente; produzir uma ilusão de ótica, aumentando ou alargando partes do corpo; atrair, repelir ou afirmar sentimentos. O tecido, da mesma maneira, possui relações com as cores e seus efeitos, pois a consistência de suas fibras e o modo como foi tratado e trançado podem afetar a luminosidade do colorido, reduzir ou avivar os tons, produzindo brilho ou opacidade, como no caso do cetim, por exemplo, um tecido que provoca o efeito do resplendor. A escolha do tecido, assim como a de sua cor, pode revelar as partes mais atraentes do corpo e também tornar uma região menos evidente, tanto pelo uso de fazendas mais finas nas regiões em que se queira destaque quanto pela opção de materiais mais ásperos nas partes a ocultar (SOUZA, 1987).

Pastoureau e Simonnet (2005), ao afirmarem que a cor também faz parte das produções humanas, pois é um conjunto de símbolos e convenções, nos mostram que, na arte, na pintura, na decoração, na arquitetura, na publicidade, nos produtos que consumimos, como nas roupas e nos carros, tudo é regido por um código não escrito, do qual as cores são o segredo. As cores fazem parte de um espelho mágico que revela gostos, desgostos, desejos, medos, segredos e nos diz coisas essenciais sobre o mundo e sobre nós mesmos. Nos anos de 1950, por exemplo, não se falaria apenas de colorações, mas de “atmosferas”, tal como podemos encontrar no uso dos termos: “sensível”, “alegre”, “brilhante” e “vivo”, por exemplo. Além disso, as cores também poderiam remeter diretamente à natureza e aos seus fenômenos, os quais seriam usados para caracterizar os variados tons: noite, sol, ouro e coral, dentre outros.

No início do século XIX, Goethe tivera a preocupação em mostrar o efeito sensível da cor, seus aspectos moral e estético, publicando a obra Doutrina das cores. Diferentemente da ciência de Newton, que concebe a cor como a causa da luz, numa relação estritamente físico-matemática, Goethe procurava perceber a cor como fonte do órgão da visão, fenômeno da experiência vivida, descrevendo a cor como representação (linguagem científica) e como ação (linguagem poética). Para ele, a cor manifestada na matéria produz um efeito na visão e, por meio deste sentido, gera um efeito na alma. Esse sentido, dependendo da combinação, pode ser harmônico ou desarmônico e, sendo assim significativo, vincula-se de imediato à moralidade: “É por isso que as cores, consideradas

como um elemento da arte, podem ser utilizadas para os mais altos fins estéticos” (GOETHE, 1993, p. 139).

O amarelo, por exemplo, é percebido por Goethe como a cor mais próxima da luz, possui um alto grau de pureza e um aspecto nobre. A sensação evocada por essa cor é calorosa, serena, reconfortante e agradável. Dentre as raras ilustrações de roupas para os meninos publicadas no Jornal das Moças, encontramos a seguinte descrição: “Sensível modelo para menino com casaco amarelo e calça bege”. Talvez aqui possamos encontrar uma linguagem que se apropria dos significados desta cor, já percebidos e analisados por Goethe.

As cores, nesta concepção, são elementos que produzem estados de espírito e, por meio delas, o homem se distingue e também se confunde com seus iguais. “O caráter da cor da roupa tem a ver com o caráter da pessoa. É possível, desse modo, observar a proporção das cores isoladas, relacionando-as a feições, idade e posição social” (GOETHE, 1993, p. 152). Uma atenção especial às formas de coloração é pensada por Goethe a partir de três características e efeitos: potência, suavidade e esplendor. O efeito da potência, que é a preponderância do lado ativo, é conseguido pelas combinações do amarelo, vermelho amarelado e púrpura. O efeito da suavidade, que é a preponderância do lado passivo, é percebido com o azul, o violeta, a púrpura e o verde. O efeito do esplendor é caracterizado pela totalidade de todo o círculo cromático em equilíbrio. As crianças, por sua vez, seriam vistas tais como os homens no estado natural e primitivo, pois estariam inclinadas às cores em sua máxima potência e energia, especialmente ao vermelho amarelado.

A percepção e o uso da cor nas roupas infantis das revistas analisadas remetem, portanto, a significados já analisados por Goethe, sobretudo ao do prazer que a cor traz aos olhos. Há, nas diferentes peças de roupas infantis, a escolha de tecidos e colorações que revelariam os variados efeitos seja de potência, de suavidade ou de esplendor. Nos termos escolhidos para caracterizar os tons, nota-se a escolha de elementos da natureza e de atmosferas diversas. A associação das cores a esses elementos aparece com expressividade nesta imagem de um vestido de piquê verde.

Figura 68 – Vestido de piquê verde

Fonte: Jornal das Moças, n. 2.029, 6 maio 1954, s.p.

A menina encontra-se emoldurada por folhagens e nos dá a impressão de que seu próprio corpo ramifica-se em galhos, já que, além do vestido verde, tem os pés e os braços em fusão com a planta. A intenção é sublinhar um efeito de harmonia, equilíbrio e suavidade, recorrendo ao verde como a cor que representa a natureza.

A confecção manual da roupa permite a maior possibilidade de escolha de cores de tecidos, de bordados e de outros elementos pregados nas vestimentas. Ao fazer combinações, mesclar os tons, as nuances, escolher a linha certa para a cor do tecido, produzir o efeito visual para uma determinada ocasião – de suavidade, potência ou de