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A infância retratada na revista infantil Cirandinha era algo a ser vivida pela mãe e pela filha, da mesma maneira que ambas também experimentavam as obrigações e os afazeres da vida adulta. Grande parte dos temas remete a essa ligação entre menina e mulher, tais como histórias relacionadas à costura, exercícios de ginástica, dicas de limpeza e ideias práticas para o lar. No exemplar de julho de 1952, por exemplo, uma página é dedicada a solucionar o problema do novelo que fica rolando pelo chão, ao tricotar. Na ilustração a menina é quem está sentada na poltrona fazendo tricô. Já outra página ensina a fazer uma bolsa para guardar os objetos de costura e, desta vez, é a mulher quem aparece na poltrona, confeccionando o objeto. A revista apresenta-se como uma “boa leitura” para mães e filhas, visto que, muitas vezes, seria a mãe quem leria para a criança, caso esta ainda não estivesse alfabetizada37.

37Da mesma maneira, a revista de figurinos e bordados Jornal das Moças, ao publicar moldes de roupas de

meninas, também conjetura que a criança faz parte seu público leitor: “não nos descuidamos nunca dos nossos pequenos leitores” (JORNAL DAS MOÇAS, n. 2.089, 30 jun. 1955, p. 26).

Figura 47 – Avental para a mãe e para a filha

Fonte: Cirandinha, ano IV, n. 40, jul. 1954, p. 27.

O conteúdo das revistas femininas e infantis era semelhante, assim como a aparência de mulheres e meninas, como se um espelho tivesse sido colocado entre elas, fazendo com que a filha enxergasse a si própria pelos olhos da mãe. Em determinadas ocasiões, uma mesma roupa sugerida pela revista serviria para vestir a mãe e a filha, podendo ser costurada por qualquer uma delas, como é o caso do avental que aparece na imagem anterior. A roupa, muitas vezes, é um elemento que dissipa as diferenças de idade; um vestido recomendado para uma garota de 8 anos seria perfeitamente apropriado para a mulher adulta, além de produtos de higiene como sabonetes e talcos.

Lurie (1997) afirma que, na década de 1950, em ocasiões formais, as crianças bem pequenas eram apresentadas vestindo um estilo adulto e sofisticado. Em relação às roupas das mulheres adultas, a autora destaca que “embora algumas roupas dos anos 50 fossem infantis, ou pelo menos juvenis, geralmente eram roupas de crianças ou adolescentes bem- comportadas, convencionais, condizentes com uma sociedade bem-comportada e convencional, particularmente conveniente” (LURIE, 1997, p. 93).

A dispersão da linha que divide a infância e a idade adulta manifesta-se em uma das páginas do Jornal das Moças: uma mulher é fotografada ao sol, talvez esteja em um parque. Apoiada num corrimão de uma escadaria, a mulher sorri, parecendo feliz por usar suas luvas e seu vestido de lã escuro e quadriculado. Está bem próxima do espectador, e sua silhueta, em contraste com o fundo da paisagem, demarca as linhas de sua cintura.

Figura 48 – Vestido em linha princesa

Fonte: Jornal das Moças, n. 2.089, 30 jun. 1955, p. 27.

Abaixo da imagem e no canto da página, um texto escrito em letras maiúsculas chama a atenção do leitor. Nele, uma série de adjetivos parece entoar a costura da roupa e eleva cada detalhe aos nossos olhos. As linhas, os botões, a gola, os tecidos e as cores são distribuídos nessa partitura, compondo a melodia do traje. Algo mágico dissolve sua imagem no momento em que ouvimos a música tocada por seu vestido, e já não vemos mais uma mulher adulta encostada na escadaria. Eis uma princesa! Uma mulher acaba de

tornar-se menina novamente: “Simplesmente encantador é este vestido em lã quadriculada verde e preto. É de linhas princesa, afinando bem a silhueta e inteiramente abotoado na

frente com botões pretos. Completa o modelo uma golinha redonda em piquê branco e uma gravatinha de fita de veludo verde” (JORNAL DAS MOÇAS, n. 2089, 30 jun. 1955, p. 27).

Poderíamos perguntar, então, o que significam meninas vestidas como miniaturas de mulher? E mulheres vestidas como meninas crescidas? Quando discute a invenção da infância, Neil Postman (2011, p. 18) analisa que a indústria de roupas infantis, na última década, sofreu mudanças tão aceleradas que as roupas infantis desapareceram. Lurie (1997) por sua vez, afirma que a roupa, desde sua invenção, tem sido usada para diferenciar o jovem do velho. É esperado das pessoas que vistam a sua idade para não causarem ofensas nem ridículos. Para a autora, a sociedade costuma ser mais complacente com quem se veste como mais velho do que com aqueles que fazem o contrário. Estaríamos assistindo ao declínio da roupa juvenil e retornando “ao sistema medieval que reconhece a infância como uma fase separada, mas veste as crianças como os mais velhos – ou, pelo menos, como os mais velhos brincando” (LURIE, 1997, p. 59).

A criança vestida como os mais velhos era aceitável na década de 1950, assim como o era a figura feminina brincando, conforme apresenta a reportagem “O tempo deve parar”, publicada em 1952 na revista Manchete. A modelo hollywoodiana Pat Hall aparece fotografada na beira da piscina com Kathie, sua filha pequena. A revista diz que a modelo estaria experimentando na menina os biquínis que a fizeram famosa, conseguindo,com isso,

[...] provar nessa brincadeira inocente, o quanto um “bikini” pode ser cândido, numa criança de cinco anos... Daqui a 10 anos Kathie ouvirá tremendos sermões se quiser usar os mesmos “maillots” com que sua mamãezinha faz tanto sucesso agora. Daqui a mais 10 anos estas duas garotas de “bikini” serão uma balzaquiana e um broto, ambas, provavelmente, belíssimas, uma com pena de já não possuir aquela frescura, a outra com inveja de ainda não ter aquele “aplomb”. Mas outros dez anos mais arrumarão as cousas. Quando a filha tiver 25, a ex-bikini-girl se consolará da beleza que vai perdendo com o “charme” que a filha vai ganhando. E tudo estará certo, porque o “glamour” continua em família (MANCHETE, n. 2, 3 maio 1952, p. 24).

A noção de espelhamento é afirmada nas imagens e no discurso da revista. Outro aspecto evocado no texto nos leva a pensar nessa relação mãe-filha também a partir da noção de desmembramento. À medida que a mãe envelhece, a filha ganha charme e beleza, como se as duas fossem membros de um mesmo ser, dividido em etapas de crescimento

diferentes. O que vemos é uma planta, mulher, cujo galho velho, seco, que gerou outras vidas, se consola ao ver seus desdobramentos – ou brotos - crescerem. A filha é um desses galhos que se ramifica da planta-mãe e um dia irá florir, formando a grande árvore genealógica da família.

Figura 49 – Modelos de biquínis

Fonte: Manchete, n. 2, 3 maio 1952, p. 25.

Em uma das fotos, Pat Hall olha, sorridente, para a filha, e a revista cria uma legenda que produz um sentido àquele momento: “Já fui como tu és... se Deus permitir, serás como eu sou”. A mãe, adulta, é retratada como um modelo, um espelho para a filha. Mas é possível interpretarmos as imagens a partir do que elas não evidenciam. Podemos supor, assim, que a mãe também seria o espelho da filha: ao fotografar ambas usando um traje de banho ainda não aceito completamente pela sociedade, os editores emprestam da criança a sua imagem naturalizada de inocente e infantil,para camuflar a sensualidade materna.

Figura 50 – Pat Hall e sua filha

Fonte: Manchete, n. 2, 3 maio 1952, p. 25.

Ao trazer à esfera da ingenuidade e da pureza as imagens da criança e da mamãe, a revista dá um tom de brincadeira a uma cena que causaria espanto em muitos leitores. Era importante que a decência da mulher dos anos de 1950 fosse preservada, garantindo sua qualidade de “moça de família”. Naquele período, em que aumentavam a taxa de natalidade e a domesticidade feminina, era comum encontrar mulheres e crianças usando trajes semelhantes, talvez porque ambas devessem sustentar a imagem de graça, candura, pureza, inocência e elegância.

Podemos pensar aqui numa história do despudor e da inocência concedida à criança, remetendo-nos aos estudos de Ariès (1981), os quais mostram que sociedades antigas tratavam as crianças sem as preocupações com a decência e o pudor. Para o autor, o marco da consideração pelo período da infância aconteceria somente no final do século XVI, e uma farta literatura moral e pedagógica, destinada a pais e professores, consolidaria mudanças nos costumes durante o século XVII. A infância, a partir de então, não seria mais vista como um período transitório de indiferença, no qual a criança era molestada e tomada como um brinquedo disponível aos caprichos dos adultos, mas, sim, como um período de

fraqueza, impecabilidade e inocência. Seria uma obrigação humana cuidar de sua educação, já que a pureza divina era refletida através da criança.

O sentido da inocência infantil resultou portanto numa dupla atitude moral com relação à infância: preservá-la da sujeira da vida, e especialmente da sexualidade tolerada – quando não aprovada – entre os adultos; e fortalecê-la, desenvolvendo o caráter e a razão. Pode parecer que existe aí uma contradição, pois de um lado a infância é conservada, e de outro é tornada mais velha do que realmente é. Mas essa contradição só existe para nós, homens do século XX. Nosso sentimento contemporâneo da infância caracteriza-se por uma associação da infância ao primitivismo e ao irracionalismo ou pré-logismo. Essa ideia surgiu com Rousseau, mas pertence à história do século XX [...] Nessa ideia reconhecemos também a sobrevivência de um outro sentimento da infância, diferente e mais antigo, que surgiu nos séculos XV e XVI e se tornou geral e popular a partir do século XVII (ARIÈS, 1981, p. 146).

A partir do século XVII, então, afirmou-se uma devoção sagrada à infância. A alma das crianças seria conduzida por um anjo que tinha como missão capacitar os pequeninos para que pudessem receber a salvação (ARIÈS, 1981, p. 151). Essa devoção particular da infância, derivada do batismo, repousava na figura angelical, possuidora de uma suavidade imanente à alma pueril. A primeira comunhão, uma festa individual da criança tornou-se solene e passou a ser considerada uma cerimônia que representa “a manifestação mais visível do sentimento da infância entre o século XVII e o fim do século XIX: ela celebrava ao mesmo tempo seus dois aspectos contraditórios, a inocência da infância e sua apreciação racional dos mistérios sagrados” (ARIÈS, 1981, p. 155).

Outra abordagem faz Jacques Gélis (1999), ao mostrar que, no decorrer do século XVII, modelos ideológicos difundidos pela Igreja e pelo Estado tiveram um papel importante para fortalecer a consideração da criança como indivíduo na sociedade ocidental, mesmo que tais modelos fossem inacessíveis. A Igreja trazia em sua iconografia e nas narrativas a criança mística e a Criança-Cristo. A corrente mística valorizava o indivíduo, suavizando os tormentos do corpo pela fé e pela força. O modelo de santidade infantil era reforçado às crianças, para que, desde pequenas, se desapegassem das coisas do mundo e se dedicassem a Deus. Na França do século XVII, a figura do Deus Menino, inocente no presépio, contribuiu para a imagem de pureza e doçura infantil. “Numa sociedade em que, durante três séculos, uma pastoral do medo sensibiliza para os perigos da

carne, do corpo-sede do pecado, a imagem dessas crianças exemplares vem reforçar novas formas de devoção interior” (GÉLIS, 1999, p. 326).

Em suas pesquisas sobre a história da educação infantil, Kuhlmann Jr. (1998) faz algumas reflexões, de modo a ampliar as análises que normalmente recaem sobre a obra de Ariès, muitas vezes visto como pioneiro na historiografia da infância. Compartilhando outras abordagens sobre o processo de interação social e do desenvolvimento pessoal das crianças, Kuhlmann Jr. afirma que, desde a década de 1960, foram publicados vários trabalhos na historiografia inglesa, francesa, norte-americana e italiana, na mesma época em que Ariès publicou a História social da criança e da família. No entanto, tais estudos não significam um pioneirismo,pois existiram histórias da infância desde o século XIX. Kuhlmann Jr. (1998, p. 21) chama a atenção para a transposição da visão linear do desenvolvimento histórico de Ariès para contextos diferentes:

É o caso de estudos que pretendem identificar o desabrochar do sentimento de infância no Brasil do final do século XIX. Postulando que nessa época se estaria vivendo um processo semelhante ao que teria ocorrido na França do século XVII – que é quando Ariès localiza o início de uma mudança mais definitiva com relação ao sentimento de infância – essas correspondências entre períodos históricos diferenciados partem da arbitrariedade de que há um caminho pronto para se trilhar na História, e nele, uma defasagem de quase dois séculos a nos separar da realidade europeia.

É preciso lembrar que o desenvolvimento de um sentimento de infância tal como analisa Ariès pode ser observado no Brasil já no século XVI, com o programa educacional jesuítico. O que se viu, então, no País durante o século XIX não seria o reflexo do ocorrido no passado europeu, mas “manifestações do grande impulso com relação à infância que representou o próprio século XIX, em todo o mundo ocidental, especialmente após a década de 1870” (KUHLMANN JR., 1998, p. 22).

Não se trata aqui de transpor o sentimento de inocência infantil analisado por Ariès à infância no Brasil, mas, sim, de chamar a atenção à abordagem que ele e outros autores fazem da condição da criança em relação ao adulto, à família e à sociedade; aos elementos culturais e não apenas biológicos. Interessa-nos aqui mostrar que a inocência não é inerente à criança, não está presente nela por uma consequência de sua “natureza biológica”, mas, sim, que é fruto de uma construção histórica.

As revistas de variedades da década de 1950 contribuíram diversas vezes para a produção dessa imagem de inocência infantil, trazendo em seus conteúdos crianças que jorravam sentimentos de pureza. Mary Douglas (1976), ao analisar a ideia de pureza, discute as antinomias relacionadas a esse sentimento, tais como a impureza, a sujeira, o contágio e a desordem, manifestados nas esferas da alimentação, da religião, da higiene e dos tabus sexuais. A ideia de pureza está associada ao respeito pelas convenções e à higiene. A noção de sujeira, assim, é tudo o que ofende a ordem e a manutenção de um padrão e faz parte do comportamento que “condena qualquer objeto ou ideia capaz de confundir ou contradizer classificações ideais” (DOUGLAS, 1976, p. 50).

A imagem da criança, nesta perspectiva de representante da pureza, funciona como a manifestação visível das fronteiras da ordem e do conforto. Por meio desse sentimento em relação à infância, os anunciantes lançavam seus produtos, associando-os às emoções advindas da relação da família com a criança, fazendo desta última a ilustração da vida ideal que os adultos desejariam para si.

Figura 51 – Publicidade de Cobertores Parahyba

Isto se evidencia neste anúncio dos Cobertores Parahyba, no qual o discurso se vale de termos associados à criança (inocência e princesinha), ao divino (reza ao Papai do Céu), e ao conforto (macio, acolhedor e durável). A imagem também reforça e expressa todos esses sentimentos, visto que, ao lado da menina que reza ajoelhada ao pé da cama, está sua boneca, cuja roupa é muito semelhante à camisola usada pela criança.

Primeiro ela reza para que o Papai do Céu dê saúde e felicidade à Mamãe e ao Papai. Depois, deita-se e dorme com toda a inocência de que só uma criança é capaz... sob o seu novo Cobertor MANDARIM. A Mamãe soube bem o que fez ao escolher para a sua princesinha este cobertor MANDARIM, pois, como todos os demais produzidos pela Tecelagem PARAHYBA, é feito com as melhores lãs, é macio, acolhedor e muito mais durável! Procure conhecer de perto o novo Cobertor MANDARIM – em várias e belíssimas cores lisas. Sua conveniência fica sempre melhor satisfeita (MANCHETE, ano VII, n. 371, 30 maio 1954, contracapa, grifos no original).

A publicidade do sabão Lux também utiliza a infância como argumento de venda: as atividades de limpeza das roupas infantis e de higiene das crianças ganham o ar da graça e da infantilidade. O anúncio utiliza a linguagem no diminutivo, ao dirigir-se à dona de casa, e retrata, em diferentes planos, um bebê, uma menina e uma mulher. A menina ocupa um lugar de destaque e é projetada na imagem de elegância de sua mãe. A intenção talvez seja mostrar que existe uma linha evolutiva da vida de uma mulher, na qual o sabão Lux poderá ser benéfico desde seu princípio, tornando-a saudável e nobre. Conforme podemos ler no discurso publicitário, Lux conserva, mantém novos os tecidos e prolonga-lhes a vida.

Figura 52 – Publicidade de sabão Lux

A publicidade enxerga a criança como a porta de entrada para atingir a mulher. Essa “criança propaganda” era retratada de acordo com um ideal de infância: saudável, limpa, educada, carinhosa e prestativa. Dependendo do tipo de produto a ser vendido, meninos ou meninas eram escolhidos para estampar anúncios que também propagavam as atitudes esperadas para cada sexo.

Isso se evidencia, quando comparamos as propagandas de produtos da mesma categoria, como os sabonetes. A ideia de Lux é veicular a limpeza associada à delicadeza do produto e, para isso, recorre a figuras femininas e ao bebê.Já o sabão Lifebuoy vende a proteção contra impurezas e escolhe, para isso, meninos que brincam na rua e se sujam bastante, “na poeira, no chão e em toda parte”.

Figura 53 – Publicidade do sabonete Lifebuoy

Enquanto a menina delicada do sabão Lux é a bonequinha da mamãe, o menino que corre e se suja é o atleta do papai, conforme sugere, também, uma propaganda dos Biscoitos Aymoré. Por meio dela, podemos imaginar uma possível relação entre o pai e seu filho menino. Os dois, sentados no chão, talvez numa sarjeta ou arquibancada, surgem na ilustração descontraídos, repondo suas energias após a atividade esportiva. A ideia é a de que os biscoitos Aymoré manterão pai e filho, dois homens, sempre fortes e revigorados. Da mesma maneira que as meninas eram ilustradas em companhia de suas mães e à semelhança delas, a figura divertida e descontraída do papaiera empregada em diversas situações ao lado do garoto. Se, para as duas, o vestido e o avental eram trajes comuns, o boné compunha o figurino apropriado aos homens e aos garotos que praticavam esportes, considerados amplamente como divertimentos masculinos.

Figura 54 – Publicidade de biscoitos Aymoré

Mesmo quando um produto servia para ser usado por crianças de ambos os sexos, a publicidade trazia diferenças marcantes de gênero. Qualquer criança está sujeita a cair ou se cortar, porém, conforme destacavam os anúncios dos curativos Johnson&Johnson, havia ferimentos delicados para as meninas – as “trabalhadeiras” que lavavam louças e se dedicavam a tarefas do lar – e machucados rudes para os meninos,que possuíam uma infância “mais agitada”, pois corriam em alta velocidade de bicicleta.

Figura 55–Curativo para meninos

Fonte: O Cruzeiro, 9 set. 1950, p. 102

Figura 56–Curativo para meninas

Podemos destacar, além das situações discutidas até aqui, outros lugares ocupados pelas crianças nas revistas de variedades. Estampadas na publicidade ou ao lado de homens e mulheres, as imagens da infância reforçam discursos e afirmam comportamentos sociais, tanto das crianças quanto dos adultos. Em diversas situações, as revistas sugeriam que o contato do adulto com a criança ou sua regressão ao mundo infantil demonstravam nobreza de espírito e traziam de volta a purificação da vida.

Com frequência, observamos a imagem de inocência infantil emprestada aos políticos, por exemplo, que costumam aparecer durante as campanhas eleitorais carregando bebês e crianças pequenas. Há inúmeros exemplos desse fato nas revistas da década de 1950, e citamos aqui o da revista Manchete de 1952, que, em uma reportagem sobre a vida do General Eurico Gaspar Dutra, o apresenta, em foto panorâmica, recebendo no rosto um beijo de sua netinha. A menina está em seu colo e usa um vestido branco esvoaçante, aparentando a figura de um anjinho. A legenda afirma: “Dutra adora esta netinha que alegra a sua velhice lúcida e feliz. A arte de ser avô não lhe parece menos importante do que a ciência militar e política. Teve tudo na vida, não mudou” (MANCHETE, n. 10, 28 jun.1952, p. 6).

Figura 57 – General Dutra e sua neta

Nesta cena, a criança, vestida com uma roupa que sugere a pureza, é, tal qual um objeto místico, tocada pelo adulto que, por sua vez, acredita que ela lhe suavizará os tormentos da vida. A ligação afetiva do avô com sua neta é considerada no discurso da revista como uma arte, enquanto a carreira profissional e a política são tidas como uma ciência.

Ora, evidenciamos aqui que a infância adquire inúmeros significados, dependendo da forma como é concebida, podendo estar ligada a aspectos da religião, da natureza e da biologia, por exemplo. Nessa reportagem, a infância é imaginada, definida e afirmada em estreita relação com a arte.

Uma compreensão sobre o modo como a arte é percebida pode ser encontrada nos estudos de Gombrich (1999), que nos remete aos usos da palavra “arte”. Esta pode