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Este trabalho não se alicerça em uma metodologia quantitativa para compreender a violência homotransfóbica no Brasil, uma vez que essa violência, para além de ser subnotificada, é categoricamente intrincada para ser compreendida por intermédio de números e estatísticas. Índices e dados acerca da violência homotransfóbica aludidos por documentos e relatórios simbolizam tão somente um retrato dessa violência. Assim, a instrumentalização de um documento e relatório que concerne à violência homotransfóbica por este trabalho possui um intento tão somente ilustrativo, visto que, como é articulado na seção subsequente, essa violência possui singularidades que não são contempladas por intermédio de índices e dados.

São evidentes as limitações das pesquisas que se valem dessa modalidade de dados [pesquisa baseada em registros estatísticos]. Os dados disponíveis foram coletados para servir a propósitos outros que não o da pesquisa pretendida. Assim, podem não cobrir exatamente o que interessa pesquisar. Por outro lado, pode haver razões sérias para duvidar da qualidade dos dados fornecidos por órgãos governamentais, sobretudo em países que mantêm regimes não democráticos ou que apresentam elevados índices de corrupção. (GIL, 2019, p. 70).

Por seu turno, os índices e dados oficiais acerca da violência homotransfóbica no Brasil são irregulares, uma vez que o Estado não empreende, de maneira ininterrupta e fidedigna, a sistematização desses números. Todavia, há uma coordenação e sistematização desses mesmos números por entidades da sociedade civil, como o Grupo Gay da Bahia (GGB), por exemplo,

que desde o ano de 1980 arquiteta relatórios acerca da “população LGBT” morta no Brasil3.

Por conseguinte, os índices e dados acerca da violência contrária a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil fragmentam-se em duas naturezas, os oficiais e os não oficiais. Assim, este trabalho examina tão somente um documento e relatório acerca da violência homotransfóbica no Brasil, o “Violência LGBTFóbicas no Brasil: dados da violência” (BRASIL, 2018), empreendido pelo poder público no ano de 2018 e que concerne aos índices e dados da violência homotransfóbica no país do ano de 2016.

À vista disso, não são examinados documentos e relatórios arquitetados por entidades da sociedade civil de cariz militante, como os empreendidos pelo Grupo Gay da Bahia. A metodologia instrumentalizada pelos documentos dessas entidades alicerça-se em dados hemerográficos, vale dizer, dados oriundos das mídias latu sensu, como jornais, revistas, televisão, rádio, blogs etc. Assim, ainda que haja uma sistematização desses dados pelas entidades, a pesquisa hemerográfica é imperfeita. Outrossim, esses documentos são arquitetados por ativistas da militância LGBT que são implicados e interessados no empreendimento desses mesmos dados.

Em concordância com Efrem Filho (2016), os documentos e relatórios, e suas imagens de barbárie e atrocidade, atuam na estruturação do sujeito político do movimento LGBT. “Imagens e documentos condensam relações sociais e disputas políticas e funcionam, reciprocamente, como ‘atores’ nessas relações e disputas. Em outras palavras, os mortos e as violências integram o Movimento LGBT.” (EFREM FILHO, 2016, p. 316). Para o movimento LGBT a homotransfobia estrutura-se no ínterim das barbáries e atrocidades corporificadas nas mortes. Assim, o discurso à barbárie atua na arquitetura identitária do próprio movimento LGBT, operacionalizando seus estratagemas políticos, tornando os corpos das vítimas da violência em corpos vitimados e, por conseguinte, publicizando e performatizando a vulnerabilidade enquanto conjuntura intrínseca às vidas desses sujeitos. Ora, “o recurso às mortes oportuniza uma identificação dos próprios integrantes do Movimento com a condição da vulnerabilidade.” (EFREM FILHO, 2016, p. 319).

É sob essa compreensão que Ramos (2010) assevera que, até o fim da década de 1990, o movimento homossexual brasileiro evidenciava, para além de uma retórica vitimizante, a violência letal e as hostilidades sob uma ótica tão somente denunciante e um tanto quanto passiva. O ativismo homossexual tornou-se desprovido de uma atuação mais propositiva no

3 Os documentos e relatórios arquitetados pelo Grupo Gay da Bahia podem ser vistos por intermédio do seu blog:

campo da justiça e da segurança pública, visto a estereotipização dos homossexuais unicamente como vítimas vulneráveis de uma violência que não poderiam esquivar-se.

Assim, se os dados e documentos arquitetados por ativistas LGBT, implicados e interessados no empreendimento desses dados, devem ser investigados sob suspeição, em concordância com Efrem Filho (2016), qual o intento da multiplicidade de dados, documentos e discursos acerca da “população LGBT” morta no Brasil por essas entidades?

De qualquer maneira, há quatro documentos empreendidos pelo poder público acerca da violência homotransfóbica no Brasil, o “Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2011” (BRASIL, 2012a), o “Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012” (BRASIL, 2013), o “Relatório de violência homofóbica no Brasil: ano 2013” (BRASIL, 2016), assim como o “Violência LGBTFóbicas no Brasil: dados da violência” (BRASIL, 2018) – esse último examinado por este trabalho visto a sua atualidade.

O “Violência LGBTFóbicas no Brasil: dados da violência” (BRASIL, 2018), empreendido pela Secretaria Nacional de Cidadania do não mais subsistente Ministério dos Direitos Humanos, instrumentaliza a nomenclatura identitária “LGBTfobia” em contrariedade à nomenclatura “homofobia” operacionalizada pelos três documentos oficiais predecessores.

Outrossim, o relatório, em sua apresentação e introdução, alude acerca da heteronormatividade, dos binarismos, assim como da violência institucional.

A violência também se faz presente quando falamos do emprego da força por parte do Estado. Apesar de seu uso ser legal em determinadas situações, isso não quer dizer que o Estado pode violar a vida do cidadão. Da mesma maneira, os atos realizados por autoridades públicas devem sempre induzir a proteção à vida. Violências contra a população LGBT estão presentes nos diferentes grupos de convivência social e formação de identidades. As ramificações se fazem notar no meio familiar, nas escolas, na igreja, na rua, no posto de saúde, na mídia, nos ambientes de trabalho, nas forças armadas, na justiça, na polícia, em diversas esferas do poder público e na falta de políticas públicas afirmativas que contemplem a comunidade LGBTT. [...] Assim sendo, compreendemos á expressão LGBTfobia como o conjunto de anseios como ira, nojo, desconforto, receio, horror, desprezo e descaso pelas pessoas que não estão inclusas nas definições rígidas amarrados a heteronormatividade e a dialética binária de gênero. O binarismo parte da premissa que o masculino e o feminino são polos de ideias que se contrapõem e não se complementam. (BRASIL, 2018, p. 6-7).

Posteriormente, o relatório assevera que a criminalização da “LGBTfobia”, como corolário de seu cariz simbólico, teria a aptidão de desnudar a ordem social que a heteronormatividade “não é considerada como padrão do que é correto.”

Certamente que o legislativo pode facilitar e impulsionar a mudança da imagem social da população LGBT, pois a criminalização da LGBTfobia

traria também um efeito simbólico, já que mostraria a todos que a heteronormatividade não é considerada como padrão do que é correto. (BRASIL, 2018, p. 9).

Todavia, teria a criminalização da violência homotransfóbica a aptidão de desmantelar a heteronormatividade, enquanto ordem sexual hegemônica, e subsequentemente empreender uma transmutação social acerca dessa violência no país?

De qualquer maneira, o relatório investiga os índices da violência homotransfóbica no Brasil do ano de 2016 por intermédio de dois segmentos, vale dizer, o primeiro segmento concerne aos dados da Ouvidoria de Direitos Humanos – Disque 100, e o segundo segmento concerne aos dados do Grupo Gay da Bahia (GGB) e da Rede Trans Brasil (RedeTrans). Assim, o relatório instrumentaliza dados oficiais e não oficiais (BRASIL, 2018).

De maneira díspar dos relatórios predecessores (BRASIL, 2012a, 2013, 2016), os dados do relatório “Violência LGBTFóbicas no Brasil: dados da violência” (BRASIL, 2018) estão estruturados em concordância com os sujeitos do acrônimo LGBT. Assim, há dados singulares acerca da violência contrária a cada “grupo vulnerável”, vale dizer, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Outrossim, as variáveis para a investigação da violência homotransfóbica, em concordância com o Disque 100, foram: 1) Grupo de violação; data; tipo/subtipo de violação; frequência; local da ocorrência; 2) Relação vítima/demandante; relação vítima/suspeito; 3) Perfil da vítima: Sexo; identidade de gênero; orientação sexual; raça/cor; idade vítima; deficiência; situação de rua; 4) Perfil do suspeito: Sexo; identidade de gênero; orientação sexual; raça/cor; idade vítima; deficiência; situação de rua.

À vista disso, este trabalho examina: 1) os números das denúncias da violência de cada “grupo vulnerável” em distinto; 2) o cariz da violência; 3) o locus onde a violência foi empreendida; 4) o perfil da vítima, como sexo, identidade de gênero, orientação sexual, raça/cor e idade; assim como 5) o vínculo entre vítima e violentador. Não será aludido acerca do perfil do violentador, assim como os dados do segundo segmento do relatório, vale dizer, os dados empreendidos pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) e pela Rede Trans Brasil (RedeTrans).

O primeiro “grupo vulnerável” a ser contemplado pelo relatório são as travestis. No ano de 2016 o Disque 100 obteve 104 denúncias de violência contrária a travestis, que representavam 179 violações. Concernente ao cariz da violência, das 179 violações, 24,6% reputavam-se violência física, 33% reputavam-se violência psicológica e 32,4% reputavam-se discriminação. Concernente ao locus onde a violência foi empreendida, 38,8% foram em espaços públicos, 20,4% na própria residência da vítima e 4,9% na residência do violentador (BRASIL, 2018).

Concernente ao sexo das vítimas, da totalidade das 104 denúncias 59% foram reputadas como do sexo masculino, 10,4% foram reputadas como do sexo feminino e 30,4% não asseveraram. Concernente à raça/cor, 11,4% eram brancas, 29,5% eram pardas, 6,7% eram pretas e 51,4% não asseveraram. Concernente à idade, 31,4% possuíam entre 18 e 24 anos, 29,5% possuíam entre 25 e 30 anos e 10,5% possuíam entre 31 e 35 anos (BRASIL, 2018).

Concernente ao vínculo entre vítima e violentador, 14,1% possuíam vínculo desconhecido, 12,6% possuíam vínculo familiar, 6,7% possuíam vínculo de vizinhança e 56,3% não asseveraram (BRASIL, 2018).

Assim, no ano de 2016 a preponderância de travestis violentadas no Brasil foi do sexo masculino e pardas. Foram violentadas mormente por violência psicológica, em espaços públicos, assim como não possuindo nenhum vínculo com o violentador.

O segundo “grupo vulnerável” a ser contemplado pelo relatório são as/os transexuais. No ano de 2016 o Disque 100 obteve 103 denúncias de violência contrária a transexuais, que representavam 217 violações. Concernente ao cariz da violência, das 217 violações, 17,1% reputavam-se violência física, 34,6% reputavam-se violência psicológica e 30% reputavam-se discriminação. Concernente ao locus onde a violência foi empreendida, 21% foram em espaços públicos, 20% na própria residência da vítima e 32,4% em outros locais (BRASIL, 2018).

Concernente ao sexo das vítimas, da totalidade das 103 denúncias 56% foram reputadas como do sexo masculino, 26,1% foram reputadas como do sexo feminino e 17,7% não asseveraram. Concernente à raça/cor, 28% eram brancas, 21,5% eram pardas, 14% eram pretas e 35,5% não asseveraram. Concernente à idade, 21,5% possuíam entre 18 e 24 anos, 24,3% possuíam entre 25 e 30 anos e 20,6% possuíam entre 31 e 35 anos (BRASIL, 2018).

Concernente ao vínculo entre vítima e violentador, 11,2% possuíam vínculo desconhecido, 12,4% possuíam vínculo familiar, 11,8% possuíam vínculo de vizinhança e 55,3% não asseveraram (BRASIL, 2018).

Assim, no ano de 2016 a preponderância de transexuais violentadas/os no Brasil foi do sexo masculino e brancas – embora a somatória de pardas e pretas violentadas seja maior do que as brancas. Foram violentadas mormente por violência psicológica e possuindo algum vínculo com o violentador, quer familiar, quer de vizinhança, diferentemente das travestis que não possuíam nenhum vínculo.

Todavia, uma interpelação é substancial. O relatório, ao concernir às travestis e transexuais que padeceram violência no ano de 2016, empreende disparidades entre travestis e transexuais do sexo masculino e feminino. Assim, o que o relatório compreende quando assevera que travestis e transexuais do sexo masculino são os mais violentados? O relatório está

concernindo aos homens transexuais que nasceram possuindo sexo biológico feminino, ou às travestis e mulheres transexuais que nasceram possuindo sexo biológico masculino? Sob esse prisma, o relatório instrumentaliza um binarismo de gênero que não é apto de ser transportado a seres humanos inábeis de serem dicotomizados e compartimentados em tais binarismos.

Por seu turno, o terceiro “grupo vulnerável” a ser contemplado pelo relatório são os gays. No ano de 2016 o Disque 100 obteve 318 denúncias de violência contrária a gays, que representavam 644 violações. Concernente ao cariz da violência, das 644 violações, 14,6% reputavam-se violência física, 42,7% reputavam-se violência psicológica e 34,5% reputavam- se discriminação. Concernente ao locus onde a violência foi empreendida, 23,2% foram em espaços públicos, 27,4% na própria residência da vítima e 24,7% em outros locais (BRASIL, 2018).

Concernente ao sexo das vítimas, da totalidade das 318 denúncias 92,3% foram reputados como do sexo masculino, 2,2% foram reputados como do sexo feminino e 5,3% não asseveraram. Concernente à raça/cor, 36,4% eram brancos, 31,6% eram pardos, 13% eram pretos e 17,5% não asseveraram. Concernente à idade, 39,3% possuíam entre 18 e 24 anos, 24% possuíam entre 25 e 30 anos e 9,9% possuíam entre 31 e 35 anos (BRASIL, 2018).

Concernente ao vínculo entre vítima e violentador, 27,9% possuíam vínculo familiar, 12% possuíam vínculo de vizinhança e 44,4% não asseveraram (BRASIL, 2018).

Assim, no ano de 2016 a preponderância de gays violentados no Brasil foi do sexo masculino e brancos – embora a somatória de pardos e pretos violentados seja maior do que os brancos. Foram violentados mormente por violência psicológica e em suas próprias residências, diferentemente das travestis que foram violentadas nas ruas, assim como possuindo vínculo familiar com o violentador, também diferentemente das travestis que não possuíam nenhum vínculo.

O quarto “grupo vulnerável” a ser contemplado pelo relatório são as lésbicas. No ano de 2016 o Disque 100 obteve 123 denúncias de violência contrária a lésbicas, que representavam 202 violações. Concernente ao cariz da violência, das 202 violações, 14,4% reputavam-se violência física, 15,2% reputavam-se violência psicológica e 37,6% reputavam- se discriminação. Concernente ao locus onde a violência foi empreendida, 28,1% foram em espaços públicos, 29,7% na própria residência da vítima e 18,8% em outros locais (BRASIL, 2018).

Concernente ao sexo das vítimas, da totalidade das 123 denúncias 95% foram reputadas como do sexo feminino e 5% não asseveraram. Concernente à raça/cor, 30% eram brancas, 31,3% eram pardas, 12,5% eram pretas e 25% não asseveraram. Concernente à idade, 35%

possuíam entre 18 e 24 anos, 30% possuíam entre 25 e 30 anos e 5,6% possuíam entre 31 e 35 anos (BRASIL, 2018).

Concernente ao vínculo entre vítima e violentador, 22,7% possuíam vínculo familiar, 24,8% possuíam vínculo de vizinhança e 42% não asseveraram (BRASIL, 2018).

Assim, no ano de 2016 a preponderância de lésbicas violentadas no Brasil foi do sexo feminino e pardas. Foram violentadas mormente por discriminação, diferentemente das travestis, transexuais e gays, em suas próprias residências, em conformidade com os gays e diferentemente das travestis, assim como possuindo algum vínculo com o violentador, quer familiar, quer de vizinhança.

O quinto “grupo vulnerável” a ser contemplado pelo relatório são os bissexuais. No ano de 2016 o Disque 100 obteve 51 denúncias de violência contrária a bissexuais, que representavam 88 violações. Concernente ao cariz da violência, das 88 violações, 10,2% reputavam-se violência física, 38,6% reputavam-se violência psicológica e 42% reputavam-se discriminação. Concernente ao locus onde a violência foi empreendida, 11 foram em espaços públicos, 9 na própria residência da vítima e 22 em outros locais (BRASIL, 2018).

Concernente ao sexo das vítimas, da totalidade das 88 denúncias 35 foram reputados como do sexo masculino e 17 foram reputados como do sexo feminino. Concernente à raça/cor, 20 eram brancos, 24 eram pardos e 1 era preto. Concernente à idade, 21 possuíam entre 18 e 24 anos, 12 possuíam entre 25 e 30 anos e 4 possuíam entre 31 e 35 anos (BRASIL, 2018).

Concernente ao vínculo entre vítima e violentador, 14 possuíam vínculo familiar, 5 possuíam vínculo de vizinhos e 49 não asseveraram (BRASIL, 2018).

Assim, no ano de 2016 a preponderância de bissexuais violentados no Brasil foi do sexo masculino e pardos. Foram violentados mormente por discriminação, em conformidade com as lésbicas, em espaços públicos, assim como possuindo algum vínculo com o violentador, quer familiar, quer de vizinhança.

À vista disso, a preponderância de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais violentados no Brasil no ano de 2016 foram, para além de jovens, sujeitos não brancos. Sob uma abordagem interseccional/articulatória, a articulação entre os marcadores sociais de gênero, sexualidade e raça aparenta reverberar em mais violência nas hipóteses em que os sujeitos são, para além de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, negros.

Em concordância com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2015), há um vínculo entre gênero, sexualidade, raça e classe, uma vez que os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais mais violentados, quer interpessoalmente, quer institucionalmente pelas instituições do sistema de justiça criminal, são os que vivem na pobreza e, subsequentemente,

são preponderantemente negros. Na América Latina, precipuamente no Brasil como país detentor de categórica disparidade socioeconômica e racismo estrutural, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais negros e que vivem na pobreza são os mais aptos a serem vítimas da criminalidade e ilegalidade institucional como corolário de um circuito ininterrupto de marginalização e hostilização que os tornam mais vulneráveis à violência.

Outrossim, há disparidades entre as violências contrárias à orientação sexual e identidade de gênero. Concomitantemente gays e lésbicas foram violentados preponderantemente em espaços privados, em suas próprias residências, por exemplo, assim como possuindo algum vínculo com o violentador, travestis e transexuais foram violentadas preponderantemente em espaços públicos, nas ruas, assim como não possuindo, imprescindivelmente, algum vínculo com o violentador. À vista disso, a dinâmica da violência homotransfóbica aparenta possuir uma complexidade e uma singularidade concernente aos sujeitos que alveja.

Por fim, em sua conclusão o relatório assevera que a violência contrária a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais é estrutural e está alicerçada na heteronormatividade, o que reverbera na violência, quer material, quer simbólica, àqueles que possuem orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas. Outrossim, o relatório assevera que o predomínio dos violentadores é do sexo/gênero masculino, simbolizando uma masculinidade violenta concernente à diferença sexual e de gênero (BRASIL, 2018).

Não estar em conformidade com a heteronormatividade é estar sujeito a sofrer diversas violações de direitos. [...] De acordo com os dados apresentados é possível concluir que a LGBTfobia no Brasil é estrutural, operando de forma a desqualificar as expressões de sexualidade divergentes do padrão heteronormativo, atingindo a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em diferentes faixas etárias e nos mais diversos locais, desde a rua até o nível familiar. [...] A maioria dos agressores são do sexo masculino, o que atesta o quanto a masculinidade construída socialmente sente-se ameaçada por outras vivências da sexualidade, chegando ao limite extremo da violência física. O que foge ao padrão da heteronormatividade é visto como patológico, criminoso ou ainda que necessita de medidas corretivas. Como podemos observar com os dados aqui apresentados estas medidas de “correção” ocorrem com o uso da violência, seja física ou através de atos discriminatórios. Apesar de ser vastamente difundida, a LGBTfobia pode ser mais sentida por jovens e por negros e pardos, o que corrobora diferentes estudos que apontam que essa população é a mais atingida por diversas formas de violência. [...] Também cabe destacar que a população de travestis e transexuais merece especial atenção considerando o elevado índice de homicídios [...] (BRASIL, 2018, p. 74-75).

Por seu turno, é substancial asseverar que os índices e dados simbolizam tão somente as violências reportadas ao Estado brasileiro, o que, como corolário de uma subnotificação, não

representam a totalidade e a fidedignidade da violência homotransfóbica no Brasil. Assim, a violência homotransfóbica que verdadeiramente ocorre no Brasil é superior aos índices que são asseverados pelo documento. À vista disso, os índices e dados instrumentalizados pelo “Violência LGBTFóbicas no Brasil: dados da violência” simbolizam tão somente um retrato dessa violência no país.

A subnotificação pode estar alicerçada na ausência de campos concernentes à orientação sexual e identidade de gênero em boletins de ocorrência policiais, na descrença e na desconfiança que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais possuem para com as instituições do sistema de justiça criminal, na dificuldade de acesso aos mecanismos de segurança pública ou até mesmo no seu desconhecimento, no desprezo e na má assistência institucional, assim como na naturalização das violências padecidas (PRADO et al., 2016).

Todavia, não obstante os percalços que uma metodologia quantitativa possui, é substancial que o poder público arquitete documentos acerca dos índices e dados da violência homotransfóbica no país de maneira sistemática, ininterrupta e fidedigna. Esses documentos e relatórios são aptos a desnudar a maneira com que a homotransfobia no Brasil é fragmentada e espargida nas heterogêneas esferas socioculturais, ainda que de maneira representativa e simbólica. Os documentos asseveram quem essa violência alveja mais intransigentemente, de que maneira, e por quem, é empreendida, assim como onde ocorre.

À vista disso, na seção subsequente investiga-se a violência homotransfóbica no Brasil para além de índices, dados, documentos e relatórios. Essa violência, para além de ser compreendida por intermédio de números e estatísticas, é contemplada por estudos e pesquisas acerca das suas singularidades, materializações e corporificações. Assim, contemplam-se os pormenores da violência homotransfóbica em concordância com cada sujeito em distinto, como essa violência estrutura-se por intermédio da intersecionalidade/articulação a outras violências, assim como estrutura-se por intermédio da violência institucional brasileira.

3.2 VIOLÊNCIA HOMOTRANSFÓBICA NO BRASIL: ENTRE A VIOLÊNCIA