• Nenhum resultado encontrado

Violência homotransfóbica no Brasil: entre a violência interseccional/articulatória e a

No Brasil, embora haja uma hipotética libertação e emancipação das orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas, embora haja um reconhecimento político-jurídico concernente à dignidade e direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, embora haja uma anuência sociocultural à diferença sexual e de gênero, a ordem social e sexual ainda se alicerça no sujeito heterossexual que possui sua identidade de gênero em conformidade com

o gênero que lhe conferido em seu nascimento. Ora, no Brasil, ser gay, lésbica, bissexual, travesti ou transexual é mais do que possuir uma orientação sexual e/ou uma identidade de gênero não hegemônica, é mais do que possuir marcadores sociais da diferença, mas possuir um símbolo da abjeção.

Por intermédio de uma abordagem pós-colonial, a violência homotransfóbica no Brasil é histórica e conjuntural. A datar do Brasil Colônia há a edição de valores oriundos dos colonizadores portugueses acerca do sexo, do gênero e da sexualidade. Historicamente, os sujeitos não heterossexuais e não cisgêneros foram reputados como sodomitas, vale dizer, sujeitos anormais e pecadores que não estavam em conformidade com a moral colonizadora cristã, o que reverberou austeramente em suas punições e, ao fim, em suas mortes na fogueira pela Inquisição de Portugal (PEIXOTO, 2018).

Com a chegada do aparato burocrático do Santo Ofício, em meados do século XVI, desenvolveu-se a aplicação das punições inquisitoriais. Os crimes a serem investigados eram os mais diversos: feitiçaria, blasfêmia, traição, judaísmo, bigamia, dentre outros mais genéricos. Entretanto, o crime considerado gravíssimo era o de sodomia, o qual era relacionado diretamente com influências do “demônio”. [...] As perseguições contra os ditos sodomitas foram exemplares e os casos eram narrados com nitidez de detalhes. A Igreja, na tentativa de um controle tão vivaz quanto o do Estado, se ocupou em banir da sociabilidade os desertores da moral e da obediência cristã. [...] Para a realidade brasileira no período Colonial, a busca pelo conhecimento sobre as práticas cotidianas da sexualidade gerou a necessidade de combater assiduamente os desertores da moral, por essa razão havia a necessidade de emersão da figura do sodomita, um sujeito pecador, disseminador de um mal incorrigível. O sodomita foi caracterizado como aquele que renuncia a uma vida circunscrita à moral cristã e que fazia dos instintos sexuais uma ação de corrupção contra alma e o corpo. Devido a isso, contra esses eram aplicados os mais severos castigos, desde o desterro e o açoite, até a morte por enforcamento ou na fogueira. (PEIXOTO, 2018, p. 12-13).

Concernente à violência colonizadora aos povos indígenas originários, a aniquilação da homossexualidade era intento do empreendimento colonizador. Uma vez que ser homossexual e indígena simbolizava uma dupla contrariedade à hegemonia colonial, quer moralmente pela sexualidade, quer etnicamente pela indianidade, por intermédio dos projetos, missões e dispositivos civilizatórios e integracionistas de carizes religiosos, houve uma colonização e normatização compulsória da sexualidade indígena cujo intento era, para além de aniquilar as vivências desses sujeitos, delineá-los e inseri-los à ordem colonial (FERNANDES, 2013, 2017). Assim, sob um prisma pós-colonial, se a violência homotransfóbica no Brasil reputa-se como uma reminiscência da colonização portuguesa, essa violência no país não é um ato apartado e tão somente interpessoal, uma vez que é integrada por símbolos, discursos, saberes e poderes que se vinculam às estruturas historicamente erigidas. Não obstante no Brasil ser gay,

lésbica, bissexual, travesti e transexual não seja crime – a descriminalização da homossexualidade ocorreu por intermédio do primeiro Código Criminal brasileiro, do ano de 1830, que não mais tipificava o crime de sodomia –, como corolário do fato de que esses sujeitos foram condenados e criminalizados pelos discursos, saberes e poderes religiosos e jurídicos dos colonizadores, há hodiernamente no país uma violência homotransfóbica estrutural que alveja austeramente a vida desses sujeitos.

Por conseguinte, por intermédio de uma abordagem interseccional/articulatória, em pesquisa empreendida por Carrara e Vianna (2006) acerca da violência letal contrária a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais na cidade do Rio de Janeiro, os autores, ao investigarem as mídias, os boletins de ocorrência, os inquéritos policiais e os processos judiciais, asseveraram a disparidade entre os perfis sociais das vítimas, as idiossincrasias distintivas dos crimes, assim como as singularidades concernentes ao seu tratamento pelo aparelho policial e judicial.

Há uma disparidade entre as travestis e transexuais e os homossexuais. À proporção que as travestis e transexuais vitimadas eram preponderantemente negras e pardas, profissionais do sexo e oriundas dos estratos sociais mais baixos, os homossexuais eram preponderantemente brancos e oriundos dos estratos sociais mais altos. À proporção que as travestis e transexuais eram mortas nas ruas por armas de fogo mediante crimes de execução, os homossexuais eram mortos em residências por armas brancas mediante crimes de lucro – latrocínio. À proporção que os homicídios de travestis e transexuais foram sobremaneira arquivados, os homicídios de homossexuais não, assim como possuíam condenações judiciais de seus autores mais altas, simbolizando a impunidade dos crimes contrários às travestis e transexuais (CARRARA; VIANNA, 2006).

A pesquisa de Carrara e Vianna (2006) assevera que as travestis e transexuais negras e pobres eram as vítimas mais alvejadas pela violência homotransfóbica. Por conseguinte, a articulação dos marcadores sociais de gênero, sexualidade, raça e classe reverbera em uma diferenciação acerca de como a violência homotransfóbica é socialmente empreendida, contemplada pelas instituições do sistema de justiça criminal e, ao fim, punida por essas mesmas instituições. Assim, há uma complexidade da violência homotransfóbica que repercute em hierarquizações entre gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.

[...] as travestis parecem ser particularmente vulneráveis aos crimes de execução. [...] Assim, há casos em que a identidade de gênero suposta da vítima, o fato de “ser travesti”, parece ser o fator determinante da execução – que assume as feições de um crime de ódio. [...] Revelando-se principalmente nas execuções de travestis, temos a evocação de uma imagem da desordem

urbana, em que o duplo desvio sexual (homossexualidade e prostituição) aparece conectado à pobreza, ao tráfico e às favelas. [...] Por envolverem no conjunto da nossa amostra majoritariamente travestis, os casos de execução chamam a atenção para a presença de diferentes hierarquias sociais no universo homossexual e, com isso, para a diversidade e complexidade das práticas homofóbicas. Nesses casos, há uma clara confluência entre hierarquia de classe e gênero, já que as vítimas são normalmente travestis ou homossexuais pobres, envolvidos com prostituição ou moradores de favelas, que carregam o peso mais estigmatizante da homossexualidade. (CARRARA; VIANNA, 2006, p. 245).

Em pesquisa empreendida por Marsiaj (2003), há uma articulação entre homotransfobia e preconceito de classe em que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais pobres possuem maior estorvo. Ora, os homicídios contrários a esses sujeitos estão atrelados aos espaços geográficos, uma vez que travestis e transexuais são mortas em locus públicos e homossexuais e lésbicas são mortos em locus privados e comerciais. Concernente às mortes de homossexuais ricos, nas ocorrências de latrocínio em que michês roubam e matam seus clientes em apartamentos e quartos de motel, não obstante o crime tenha ocorrido ante a conjuntura de um encontro homoerótico, sua razão está alicerçada às idiossincrasias socioeconômicas mais do que tão somente em um preconceito de orientação sexual.

Por conseguinte, em pesquisa empreendida por Lages e Duarte (2019) acerca da violência homotransfóbica aludida em relatórios de decisões judiciais de segunda instância dos tribunais de justiça brasileiros entre os anos de 2012 e 2015, os autores asseveraram a interseccionalidade/articulação entre marcadores sociais da diferença de classe, orientação sexual e identidade de gênero, uma vez que a preponderância das vítimas de homotransfobia asseguraram suas hipossuficiências econômicas para pleitearem justiça gratuita.

Para os autores, os infortúnios padecidos pelas vítimas eram infortúnios concernentes aos direitos de primeira dimensão e à igualdade formal, os quais deveriam ser autoevidentes, vale dizer, as vítimas reivindicavam a garantia do direito de ir e vir, do direito à integridade física, do direito à privacidade, do direito à tutela do patrimônio etc. As reivindicações por direitos não versavam à dimensão do reconhecimento de novos direitos, mas aos direitos de primeira dimensão, de igualdade formal, que já são assegurados pela legislação brasileira, mas que são cotidianamente desrespeitados (LAGES; DUARTE, 2019).

Assim, a violência homotransfóbica articula-se a outras violências, como o preconceito de classe, o racismo, a misoginia etc., uma vez que os marcadores sociais da diferença se estruturam e se articulam mutuamente, sincronicamente e dinamicamente em uma conjuntura distintiva. É sob esse prisma que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais pobres, periféricos e negros são mais alvejados do que abastados e brancos.

[...] imbricadas, homofobia e heteronormatividade, à medida que se articulam de modo dinâmico e múltiplo com as lógicas relativas ao sexismo, à misoginia, ao racismo, à xenofobia etc., parecem adquirir maiores potência, capilaridade e capacidade de atualização, elementos indispensáveis para que a hegemonia urdida em torno delas ganhe eficácia, magnitude e produza ulteriores efeitos. (JUNQUEIRA, 2007, p. 159).

Por seu turno, concernente à violência que gays padecem, a violência homofóbica, violência contrária à orientação (homo)sexual não hegemônica de homens, reputa-se como uma violência oriunda de uma “masculinidade hegemônica”, uma hipermasculinidade. As masculinidades, como significâncias relacionais acerca do masculino, possuem uma masculinidade hegemônica que se difere de maneira hierarquizada das masculinidades subalternas. Por ser normativa, estrutural e institucionalizada, a masculinidade hegemônica alicerça-se na virilidade, no poder, na honra e na violência contrária aos homens gays. Assim, prognostica-se não somente uma orientação sexual heterossexual, mas, outrossim, a impugnação total de traquejos e idiossincrasias femininas. A antifeminilidade está no fulcro da masculinidade hegemônica (BENTO, 2012; BORRILLO, 2016; CARRARA; SAGGESE, 2011; CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013; KIMMEL, 1998, 2016; MESSERSCHMIDT; TOMSEN, 2011; WELZER-LANG, 2001, 2004).

Sob esse prisma, Richardson (2009) arquiteta o conceito de “efeminofobia” para concernir às performatividades efeminadas de gays que, ao desmantelarem os essencialismos e os binarismos de gênero, padecem não de uma homofobia, mas de uma efeminofobia enquanto violência misógina. Assim, a efeminofobia está atrelada à violência de gênero, uma vez que nomenclar alguém como feminino só é uma hostilidade se esse mesmo feminino for reputado como inferior.

O termo homofobia deixa de expressar componentes fundamentais do que nossa sociedade aponta como sinal de abjeção, em especial o medo do efeminamento em homens e a recusa do feminino em geral. Deixa de questionar a dominação masculina, hetero ou homo, sobre as mulheres e homossexuais femininos. Niall Richardson, por exemplo, opta pelo uso de efeminofobia para ressaltar os traços antigênero feminino e misóginos presentes nessas formas de discriminação e violência. Assim, ressalta que a fobia não é tanto com relação à homossexualidade e sim com relação ao efeminamento. Esse medo busca preservar a “camaradagem masculina”, o sentimento de controle e subordinação compartilhado por homens, hetero ou gays, sobre as mulheres. Richardson também ressalta as evidências de que gays costumam ser tão ou mais efeminofóbicos do que heteros, o que é perceptível pela forma preponderante como dizem “não ser” ou “odiar” efeminados. (MISKOLCI, 2011, p. 48-49).

Concernente à violência que lésbicas padecem, a violência lesbofóbica, violência contrária à orientação (homo)sexual não hegemônica de mulheres, reputa-se como uma

violência detentora de três dimensões, vale dizer, violência lesbofóbica por se ser lésbica, violência misógina por se ser mulher, e violência de gênero por desmantelar a congruência de gênero e, por conseguinte, ser compreendida como mulher masculinizada (TOMSEN, 2017a; TOMSEN; MASON, 2001).

Por conseguinte, as lésbicas no Brasil podem padecer de um “estupro corretivo”, isto é, o estupro contrário à orientação sexual em que se aspira violentar sexualmente lésbicas, “corrigindo” suas lesbianidades. Assim, o estupro corretivo possui uma aspiração dúplice, aspira-se a normatização da sexualidade da mulher lésbica, assim como o robustecimento da masculinidade do homem estuprador (JUNQUEIRA, 2012).

Para além de poderem padecer um estupro corretivo, as lésbicas no Brasil podem padecer de “lesbocídio”, o homicídio contrário às mulheres lésbicas. A preponderância de homicidas de lésbicas no Brasil são homens, o que assevera que o vínculo afetivo-sexual contumaz entre vítima e violentador, subsistente nas ocorrências de violência doméstica e familiar e feminicídio contrários às mulheres heterossexuais, não subsiste nas ocorrências de lesbocídio. Ora, as lésbicas são mulheres que não se subalternam à heterossexualidade compulsória, o que reverbera no fato de que o lesbocídio, quando empreendido por homens, alicerça-se no fundamento de que as lésbicas são inábeis de serem dominadas pelos mesmos (PERES; SOARES; DIAS, 2018).

Concernente à violência que bissexuais padecem, a violência bifóbica, violência contrária à orientação (bi)sexual, reputa-se complexa no que versa à sua catalogação. À exceção de que dada fonte testifique que um sujeito foi violentado por ser bissexual, a violência bifóbica ocorre como corolário da compreensão do violentador de que o sujeito é homossexual ou lésbica, o que perpetua o binarismo sexual – heterossexual versus homossexual – que assevera que sujeitos bissexuais são equivalentes a homossexuais ou lésbicas (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2015; LAGES; DUARTE, 2019).

Por seu turno, concernente à violência que travestis e transexuais padecem, a violência transfóbica, violência contrária à identidade de gênero não hegemônica, não é uma idiossincrasia extraordinária na vida dessas pessoas, mas um fenômeno congênito e previsível que se inicia prematuramente. A transfobia deve ser investigada de maneira apartada da violência contrária à orientação sexual, uma vez que se desnuda ainda mais austera e desumanizante. Travestis e transexuais no Brasil padecem de uma violência estrutural, vale dizer, padecem de pobreza e diminuto poder econômico, não reconhecimento político-jurídico, acesso obstado à justiça, à saúde, à educação e ao mercado de trabalho formal, marginalização e hostilização sociais, impossibilidade de ingresso e trânsito em espaços públicos, repúdio e

isolamento familiar, assédio, abuso e exploração sexuais, violência física ininterrupta e, ao fim, para além de todas essas violências simbólicas e institucionais, a violência letal como corolário da ausência de segurança pública e da abjeção como único status concebível.

A morte biológica de travestis e transexuais atrela-se à morte social que experienciam enquanto estão vivas. Sob esse prisma, travestis e transexuais possuem “vidas vivas inviáveis” (BECKER; LEMES, 2014).

Em concordância com Bento (2011, 2015, 2016b), os homicídios contrários a travestis e transexuais no Brasil devem ser compreendidos como “transfeminicídio”, vale dizer, uma política espargida de violência e aniquilação contrária a essas mulheres alicerçada em torno do ódio. Se o gênero feminino é uma estrutura que pode transitar entre corpos, uma vez que gênero é uma performatividade, e se esse mesmo gênero feminino simboliza um desprestígio político- social no Brasil, nas hipóteses em que o gênero feminino é corporificado e performatizado em corpos que nascem com pênis, o desprestígio transmuta-se em ódio, reverberando na negação da condição de ser humano a travestis e transexuais e, ao fim, em suas aniquilações.

Travestis e transexuais no Brasil são mortas porque, para além de desmantelarem a lógica normativa sexo-gênero, desmantelam-na de maneira pública. Os corpos austeramente, espetacularmente e exemplarmente violentados retroalimentam a hegemonia da normativa de gênero que testifica que o ser é o que a sua genitália assevera (BENTO, 2011, 2015, 2016b). Assim, os homicídios de travestis e transexuais no Brasil podem ser reputados como um símbolo de genocídio (JESUS, 2013).

Sob esse prisma, o transfeminicídio possui algumas idiossincrasias distintivas, tais como: 1) homicídio fundamentado pelo gênero; 2) violência e morte ritualizadas; 3) ausência de processos criminais; 4) ausência de impugnação das mortes pelas famílias das vítimas; 5) desrespeito às identidades de gênero; 6) empreendimento dos crimes em locus públicos e precipuamente à noite.

Uma possível interpretação para a natureza dessa violência está na posição que o feminino ocupa na ordem de gênero. O transfeminicídio, tal qual o feminicídio, se caracteriza como uma política disseminada, intencional e sistemática de eliminação das travestis, mulheres trans e mulheres transexuais, motivada pela negação de humanidade às vítimas. O transfeminicídio seria a expressão mais potente e trágica do caráter político das identidades de gênero. A pessoa é assassinada porque, além de romper com os destinos naturais do seu corpo-sexual-generificado, o faz publicamente e demanda esse reconhecimento das instituições sociais. A principal função social do transfeminicídio é a espetacularização exemplar. Os corpos desfigurados importam na medida em que contribuem para a coesão e reprodução da lei de gênero que define que somos o que nossas genitálias determinam. Da mesma forma que a sociedade precisa de modelos exemplares, de heróis, os não

exemplares, os párias, os seres abjetos também são estruturantes para o modelo de sujeitos que não devem habitar a Nação. (BENTO, 2016b, p. 51). O ódio contrário às travestis e transexuais é materializado por intermédio da violência hedionda em seus corpos. O exponencial número de tiros, facadas, socos, chutes, dentre outras austeridades, como os atos de esquartejar, de degolar, de incendiar os corpos, simbolizam algo que está para além do simples desejo de matar. A “geografia corporal da violência” empreendida em contrariedade a esses corpos, que se materializa na mutilação dos pênis e dos seios, na decapitação de elementares compreendidas como masculinas e femininas em um mesmo corpo, reverbera em uma desintegração não somente física, mas humana.

Todavia, se a morte de travestis e transexuais está alicerçada no gênero feminino, matar uma travesti ou uma transexual não reverbera na mesma aversão se balizado à morte de uma mulher cisgênero, uma vez que o homicídio de travestis e transexuais está alicerçado no desejo de assepsia da humanidade e não em uma violência patriarcal. Assim, a violência é político- jurídica e socioculturalmente hierarquizada, visto que, se é alvejada de maneira mais profusa a travestis e transexuais, não possui a mesma difusão de discursos de segurança se balizado à mulher cisgênero (BENTO, 2011, 2016b).

Por seu turno, uma vez que a criminologia queer aspira evidenciar as vivências e experiências que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais possuem concernente à violência latu sensu e seus vínculos com as instituições do sistema de justiça criminal, é substancial investigar a violência homotransfóbica institucional no Brasil, precipuamente a violência oriunda das instituições policiais.

Em pesquisa empreendida por Prado et al. (2014) e por Minayo et al. (2016) acerca do vínculo entre instituições policiais – polícia civil e polícia militar – e gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, o preconceito contrário a esses sujeitos desnudou ser elementar que alicerça as dinâmicas institucionais. Concomitantemente as polícias militares violentava-os de maneira ostensiva, até mesmo nas hipóteses de permanência em espaços públicos e subsequente manifestações de afeto – esses fenômenos eram compreendidos como atentados ao pudor e ultrajes à “população de bem” –, as polícias civis perpetuavam a violência mediante o não acolhimento das denúncias e o não empreendimento das investigações dos crimes homotransfóbicos. Todas essas violências arquitetadas pelas polícias militar e civil reverbera(va)m em culpabilização e maior revitimização de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais violentados.

Por conseguinte, não há políticas de equidade de direitos a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, quer aos profissionais não heterossexuais e não cisgêneros que laboram

nessas instituições, quer aos próprios sujeitos violentados. As reivindicações desses sujeitos não são reputadas pelas instituições como equilíbrios e igualações ante as violências que padecem, mas como demandas por privilégios. Assim, há uma clivagem entre polícias e gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, uma vez que há medo e insegurança desses sujeitos concernente às instituições de segurança pública (MINAYO et al., 2016; PRADO et al., 2014). Precipuamente a polícia militar, enquanto instituição atrelada ao exército brasileiro, tem integrado os arquétipos de militarismo, beligerância e masculinidade empreendidos pelas forças armadas brasileiras entre os séculos XIX e XX. Uma vez que essa masculinidade viril é um pilar estruturante das instituições militares e de segurança pública brasileiras, não há viabilidades para traquejos femininos nessas instituições, o que reverbera em uma homotransfobia institucional, ainda que latente (FRANÇA, 2016).

No que concerne ao vínculo entre polícias e travestis e transexuais, não há respeito à identidade de gênero e aos seus nomes sociais, mas o empreendimento de revistas policiais truculentas e a negação da revista feminina, persecução, assédio, extorsão e violência policial. Assim, a instituição que deveria conferir segurança é a mesma que violenta, o que reputa à polícia um prolongamento do circuito das violências que as travestis e transexuais padecem. Por conseguinte, nas delegacias as travestis e transexuais são compreendidas como “menos mulheres”, transmutadas em criminosas nas hipóteses em que são vítimas, assim como não possuindo as investigações e os inquéritos policiais dos crimes às quais são vítimas empreendidos dignamente (PRADO et al., 2016; SOUZA et al., 2015).

Assim, em concordância com a pesquisa empreendida por Carrara e Vianna:

A indiferença policial na apuração da maior parte desses crimes parece encontrar eco nas representações negativas de travestis como homossexuais especialmente desajustados, de modo que sua morte, em geral em idade bem