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3.1 WELTANS O QUÊ?

3.1.3 Weltanschauung e Linguagem

uma interpretação unívoca sob os preceitos de um sistema filosófico. Se acompanhássemos a citação acima, estaríamos, ao interpretarmos determinada passagem de um texto literário como estreitamente pertencente a um sistema filosófico, reduzindo uma Weltanschauung (subjetiva)43 a uma Gendankenwelt (objetiva). Um ―reflexo logicamente organizado de paisagem mental‖ é a compreensão da cosmovisão próxima às ideias de Husserl e Heidegger, como vimos acima. Aqui o autor compreende que a subjetividade guia, através de estados psíquicos, o estabelecimento de uma visão de mundo, sendo, portanto, oposta ao rigor objetivo de um sistema filosófico – que pretende estabelecer conceitos universais. Ele reclama certa ―superioridade‖ do saber filosófico sobre a visão de mundo, o que nos parece ser de certa maneira ingênuo, uma vez que, se nos pautarmos no relativismo ou no historicismo, veremos que a construção de um sistema filosófico está submetida a uma concepção de mundo. Mas, como colocamos anteriormente, a questão aqui se coloca na simplificação das relações entre um sistema de pensamento e uma visão de mundo.

Chamamos atenção para o fato de que nossa inversão de perspectiva, trazendo a centralidade para a subjetividade, é proposital, uma vez que compreendemos, como vimos anteriormente, a Weltanschauung como um conceito aberto, diferente da proposta objetiva e universal (fechada?) de um sistema de pensamento ou sistema filosófico. Portanto, voltando novamente a Guimarães Rosa e à ideia de vincular sua Weltanschauung a um dado sistema de pensamento como o platonismo44 ou mesmo ao essencialismo de Kierkegaard, por exemplo, tal ideia, não passaria de uma redução ou simplificação dupla – tanto de compreender algo aberto a partir de algo fechado, como de limitar uma objetividade numa subjetividade. Isso não impede, obviamente, que haja ressonâncias de postulados filosóficos na ficção de determinado autor (como vimos anteriormente). A reconfiguração da realidade através da literatura lança mão dos recursos disponíveis para a realização da obra; assim, encontrar as ideias de filósofos na literatura pode ser sinal, simplesmente, do dialogismo natural do discurso e não de uma filiação de determinado autor a um dado sistema de pensamento.

3.1.3 Weltanschauung e Linguagem 43 Cf. nota 74. 44 Cf. ROSA, 2003.

A linguagem ou o uso da linguagem numa determinada forma literária como material dessa mesma forma e ainda como a expressão de uma determinada visão de mundo é algo que passa por um complexo de entendimentos tanto linguísticos quanto metodológicos. Não seria a linguagem o principal veículo de expressão de uma Weltanschauung, como entende Wittgenstein? E, se for, é a linguagem algo subjetivo, individual? Se formos pensar a linguagem do ponto de vista do objetivismo abstrato, talvez não. Pois, se a língua obedece a um conjunto de normas fixas e regras estabelecidas aprioristicamente, naturalmente há algo que determinaria e limitaria o uso da língua por qualquer indivíduo. Seria, então, o uso da língua a única maneira de expressar a Weltanschauung de uma pessoa? Tais problemas estão no centro da discussão da linguagem na obra de Guimarães Rosa ao vincularmos os dispositivos ou recursos dos quais Rosa dispunha na hora de compor seus textos com sua visão de mundo. Esses recursos estariam no centro da visão de mundo rosiana, pois ele ―cria uma própria gramática‖ e desvia, muitas vezes, a linguagem de seu uso pragmático. Talvez essa ideia de linguagem rosiana seja a grande responsável por garantir a existência de uma ―visão de mundo rosiana‖ como palavra-chave na sua fortuna crítica. O que queremos frisar nessa relação entre linguagem e Weltanschauung é que entender o material linguístico de forma individual torna a obra de um determinado escritor mecânica e abstrata e desvincula, portanto, sua linguagem de sua visão de mundo. Ou seja, a linguagem, entendida como aglomerado de correlações sintáticas, dentro ou fora da norma gramatical, não é o centro e o principal mecanismo de materialização de uma visão de mundo, mas, para isso, a linguagem deve ser entendida dentro de um aglomerado de fatores que vão desde sua materialidade vocabular até o tom emotivo- volitivo no qual ela é enunciada. Para entendermos a linguagem como visão de mundo, é necessário vê-la como um ato ético e estético direcionado tanto para a realidade quanto para a forma literária que materializa e configura historicamente a relação entre essas duas instâncias. Esse aglomerado de fatores é central também para compreender como a estilística, que se coloca no centro dessa discussão, compreende sua relação não apenas com a Weltanschauung, mas com o gênero literário.

As bases da estilística, embora assentadas em alguns princípios da concepção abstrata da linguística saussureana, desenvolvem-se a partir de noções que correlacionam o estilo de uma obra de arte com a visão de mundo de seu autor. Tanto nas leituras de Spitzer quanto nas de Damaso Alonso, a partir do que escreve Nabil Araújo (2013), percebemos a relação entre estilo e visão de mundo, mas

metodologicamente orientada para um abstracionismo teórico que deixa a análise vinculada menos a relações éticas e estéticas da própria linguagem do que ao fenômeno linguístico ou psicologismos. Victor Manuel, em sua Teoria da Literatura, escreve o seguinte:

O estilo de um autor ou de uma obra encontra-se visceralmente ligado a uma visão de mundo e da vida, a uma experiência social e a uma ideologia. As análises estilísticas exclusivamente concentradas nas estruturas retórico- formais da obra literária negligenciam estas importantes vinculações e implicações do estilo (1976, p. 628-9).

O método que encontrou, segundo Manuel, a superação para essa falta, foi o que está disposto no livro Mimesis, de Auerbach, pois o autor demonstra uma ligação entre estilo e ideologia, estilo e visão de mundo, que insere a obra de arte na realidade material e histórica. Na última secção deste capítulo, veremos como o método estilístico de Auerbach, já tocado anteriormente, pode contribuir com as relações entre concepção de mundo e forma literária e, somando ao método estilístico de Auerbach, traremos as contribuições de Bakhtin para a relação entre estilo, gêneros do discurso e forma literária.