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RENATO ROMEU RENCK PARADIGMAS DE RACIONALIDADE E AS DECISÕES DO STF NAS QUESTÕES RELATIVAS À BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA – PESSOA JURÍDICA

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Academic year: 2018

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DO ESTADO SUBÁREA: DIREITO TRIBUTÁRIO

RENATO ROMEU RENCK

PARADIGMAS DE RACIONALIDADE E AS DECISÕES DO STF NAS QUESTÕES RELATIVAS À BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA – PESSOA

JURÍDICA

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RENATO ROMEU RENCK

PARADIGMAS DE RACIONALIDADE E AS DECISÕES DO STF NAS QUESTÕES RELATIVAS À BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA – PESSOA

JURÍDICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado, subárea Direito Tributário, sob a orientação do Prof., Doutor Paulo de Barros de Carvalho.

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PARADIGMAS DE RACIONALIDADE E AS DECISÕES DO STF NAS QUESTÕES RELATIVAS À BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA – PESSOA

JURÍDICA

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de doutor em Direito do Estado, subárea Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho.

Aprovada em _____ de ___________________ de __________.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________

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Aos filhos Renato Jr. , Régis e Cássio, advogados, que me fazem companhia no exercício da vocação e dedicação ao trabalho em favor da Justiça. À Catarina, minha mulher, verdadeira guerreira na defesa dos seus, pelo apoio

irrestrito, compreensão e incentivo. A meu pai e minha mãe, em memória, que, na faina de pequenos agricultores

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Ao professor Paulo de Barros Carvalho, pelo exemplo de trabalho científico, sua dedicação, amizade e pela orientação na presente tese de doutorado.

Ao professor Robson Maia Lins, pela leitura e pelas sugestões, pela amizade e pelo profissionalismo, na pessoa de quem também se homenageiam e agradecem as contribuições dos inúmeros outros amigos pela leitura dos rascunhos e valiosas contribuições e conselhos.

À professora Valéria Bettio e ao advogado Maurício da Costa Soliz, pela dedicação profissional na correção, apresentação e molduração do texto.

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RESUMO

A presente tese tem como objetivo verificar se a Suprema Corte brasileira adota paradigmas recorrentes determinados, firmados a partir de um núcleo de inteligibilidade específico e definido, quando julga processos de apuração e quantificação da base impositiva do imposto de renda pessoa jurídica. Para formular, em teses paradigmáticas, limites ao poder de tributar, impõe-se a pré-formulação de um procedimento verificatório do que é renda pelo STF, para confrontá-lo com os

standards determinados pela lei. Busca-se verificar, pela pesquisa de jurisprudência e pela estruturação e fundamentação das teses jurídicas, se o STF estabelece tais limites e se repousam em paradigmas de decisões, justificados a partir de critérios racionais e aceitos pela comunidade jurídica. Refuta-se a estrutura de racionalidade, que justifica a teoria do direito tributário nacional, apontando suas deficiências e se adota a fenomenologia hermenêutica, que permite a inferência dos conceitos universais tributários em conceitos singulares; possibilitando concretizar os limites constitucionais em cada tributação individual. Pelo resultado da pesquisa justifica-se: o STF ao permitir que a renda seja livremente fixada pelo legislador, não apresenta um paradigma de julgamento em relação a um procedimento de verificação da

renda. Portanto, ao afirmar que o legislador tem autonomia para estabelecer o que é renda tributável da pessoa jurídica, a Suprema Corte renunciou tacitamente ao seu dever constitucional, não estabelecendo um paradigma aplicável ao procedimento de apuração da base de cálculo do Imposto de Renda, que institua limites ao poder de tributar. Tal renúncia outorga ao legislador estabelecer o que quiser, removendo do contexto do imposto sobre a renda a existência do Estado de Direito.

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ABSTRACT

This doctoral dissertation aims at checking if the Brazilian Supreme Court uses recurrent paradigms, determined from a specific and defined nucleolus of intelligibility, when judging parts involved in quantifying the tax base of the income tax for legal person. The Constitution through the concept of income, establishes limits to the taxing power which must be observed in order not to risk constitutional violation. To formulate such limits, it is paramount the formulation of a verifying procedure of what income means, to confront it with the standards determined by law. Through the jurisprudence research, structuring and reasoning of judicial theses, we want to investigate if the Supreme Federal Court establishes such limits. This reasoning must be present in decision making paradigms justified by rational criteria and accepted by the judicial community. We refute the structure of rationality which justifies the theory of the national tributary law by pointing out its flaws. We use the Hermeneutic Phenomenology which is the most adequate theory to the application of the institutional regulations and it also allows for the inference of the universal tributary concepts into single concepts. It defines the limits of each individual taxation. From the results of this research the following is justified: when the Supreme Court rejects as several judged antecedents and permits that the income be determined by the legislator, it is not taking into account the formation of a judging paradigm for the evaluation of income. As it states that the legislator has autonomy to determine what tribute income is for the legal person, the Federal Supreme Court renounces the constitutional duty to establish an applicable paradigm to the income evaluation procedure which institutes the limits to the power of tribute. Such renunciation empowers the legislator to institute whatever pleases him or her, removing from the context of the income tax any remains of the existence of the Rule of Law.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 A RACIONALIDADE...27

2.1 Matrizes de racionalidade ...27

2.2 Procedimentos de conformação conceitual ...34

2.3 Conceito de Renda...38

2.4 A linguagem e o acesso ao ser ...41

2.5 Ato de conhecimento...43

2.6 Formação de núcleos de pré-compreensão ...52

2.7 A lógica e seus modos históricos de conceber a verdade ...60

3 PARADIGMAS ...71

3.1 Histórico das matrizes de racionalidade ...71

3.2 Síntese da evolução dos paradigmas de racionalidade ...74

3.2.1 Antiguidade...74

3.2.2 Idade Média...81

3.5 Positivismo lógico ...90

3.6 Surgimento de novos paradigmas de compreensão ...92

3.6.1 Intelectualismo...92

3.6.2 A priorismo ...93

4 IDÉIAS POLÍTICAS E SUA CONSAGRAÇÃO NORMATIVA ...96

4.1 Aproximação: Os deveres tributários e as garantias individuais...96

4.1 História política ...98

4.1.1 Os gregos ...98

4.1.2 Os cristãos...99

4.1.4 Surgimento do cidadão contemporâneo ...101

4.1.5 Surge o novo Estado ...104

4.1.5.1 Hobbes político...104

4.1.6 Constitucionalismo ...107

4.1.7 O novo estado social contemporâneo (e a Constituição Brasileira) ...116

4.1.8 Sociedade civil...120

4.1.9 Liberdade econômica ...130

4.1.10 Direito à propriedade no contexto tributário...134

5 HERMENÊUTICA...137

5.1 Compreensão do tema hermenêutica...137

5.2 Matrizes de racionalidade ...143

5.3 Aproximação do tema ...145

5.4 Explicar é desdobrar ...147

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5.6 Hermenêutica jurídica ...161

5.6.2 O conceito de renda e sua verificabilidade ...189

5.6.3 Procedimento verificatório (busca da pré-compreensão)...195

6 IMPOSTO DE RENDA...200

6.1 Conceito de renda...206

6.2 Balanço tributário...213

6.3 Igualdade ...214

6.4 Capacidade Contributiva ...215

6.5 Postulado da compensação dos prejuízos com lucros futuros ...216

7 PROCEDIMENTO VERIFICATÓRIO DE RENDA...218

7.1 Critérios que orientam a verificação da Renda...219

7.1.1 Critérios comuns do balanço comercial, procedimento verificatório de renda tributável ...219

7.2 Estruturação sistemática dos critérios de apuração de renda ...226

7.2.1 Postulados contábeis ...226

7.2.1.1 Postulado da Identidade ...226

7.2.1.2 Postulado da Continuidade ...229

7.2.1.3 Postulado da Moeda Constante...230

7.3 Critério do Registro pelo Custo de Aquisição ...233

7.4 Critério da Competência...234

7.5 Critério da realização ...236

8 PESQUISA E DISCUSSÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF...240

9 CONCLUSÃO ...270

REFERÊNCIAS ...292

APÊNDICE A- Relação dos Acórdãos Pesquisados...299

(10)

1 INTRODUÇÃO

A guisa de introdução, impende lembrar que examinar paradigmas requer, previamente, que se indiquem as principais idéias de justificação e fundamentação da racionalidade do discurso científico.

Para examinar este tema sob o enfoque da ciência contemporânea, opta-se por seguir a evolução histórica das ciências naturais, confrontando a metodologia tradicional ou clássica e as não-clássicas.

Nesse sentido, na questão da natureza do conhecimento, o entendimento do universo passa a ser discutido através do método científico galileano e não mais do aristotélico ou filosófico1. Nas últimas duas décadas do século XX, essa visão

passou a ser amplamente questionada, com influência principalmente das correntes epistemológicas, como o Empirismo; e da Fenomenologia Hermenêutica e Dialética, na compreensão dos fenômenos humanos.

Assim, um marco histórico na evolução do status epistemológico foi o surgimento do Racionalismo crítico, pelo qual Karl Popper2 fundamenta a ciência no

princípio da verificabilidade, ou seja, a testabilidade como uma abertura para a refutação. Segundo ele, “se uma teoria é testável, isso implica que eventos podem ocorrer; assim, essa teoria afirmará algo sobre a realidade”. Popper, ainda, privilegia o método hipotético-dedutivo para as pesquisas científicas.

1 A característica fundamental dessa concepção é a ausência de distinção entre verdades de razão e verdades de fato, ou seja, entre verdades que se fundam unicamente nas inter-relações de idéias e verdades que derivam da experiência. A ciência moderna, a partir de Galileu, ignora essa distinção, que tampouco é reproduzida pela distinção kantiana entre juízos analíticos e sintéticos, porque tal distinção não concerne à validade dos juízos, mas à diferença entre juízos explicativos e juízos extensivos; entre juízos nada acrescentam ao conhecimento do sujeito e juízos que lhe acrescentam novas notas. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 412.

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Outro marco histórico é o pensamento de Thomas Kuhn3, cuja mensagem

central é a importância do paradigma no contexto no qual se trabalha uma proposição. Assim, para Kuhn, o julgamento que acompanha uma mudança racional de posição depende de regras e critérios, os quais pertencem sempre a um determinado paradigma, descrito por Kuhn como segue4:

A investigação histórica cuidadosa de uma determinada especialidade num determinado momento revela um conjunto de ilustrações recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação. Esses são os paradigmas da comunidade, revelados nos seus manuais, conferências e exercícios de laboratório. Ao estudá-los e utilizá-los na prática, os membros da comunidade considerada aprendem seu ofício. Não há dúvida de que, além disso, o historiador descobrirá uma área de penumbra ocupada por realizações cujo status ainda está em dúvida, mas habitualmente o núcleo dos problemas resolvidos e das técnicas será claro. Apesar das ambigüidades ocasionais, os paradigmas de uma comunidade científica amadurecida podem ser determinados com relativa facilidade.

Seguindo essa trilha, a presente tese tem como objeto verificar se a Suprema Corte brasileira adota paradigmas recorrentes determinados, firmados a partir de um núcleo de inteligibilidade específico e definido, quando julga processos de apuração e quantificação da base impositiva, do imposto de renda pessoa jurídica.

Ocorre que, como será abordado a posteriori, é por via do conceito de renda

que a Constituição estabelece os limites ao poder de tributar, que por isso devem ser observados tanto pelo legislador como pelo aplicador da lei, sob pena de violação constitucional. Para formular esses limites, impõe-se, pois, haver um paradigma pré-formulado pelo Supremo Tribunal Federal5, onde são resolvidas

causas singulares que devem ser definidas a partir das teses jurídicas, postas a partir do sistema constitucional, aplicáveis às definições singulares, até para que se possa fundamentar o princípio da certeza e justificar o conhecimento deste núcleo fenomenológico denominado renda. Quer-se, então, verificar a estruturação e a fundamentação das teses jurídicas adotadas pela Suprema Corte brasileira, onde se estabelecem limites efetivos ao poder de tributar.

3 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1997. 4 Ibid., p. 67.

(12)

Para introduzir o debate sobre o objeto da tese proposta refere-se que o STF, no Recurso Extraordinário nº. 201.465-6 – Minas Gerais6, tendo como objeto a

decisão quanto à obrigatoriedade da correção monetária do balanço a índices integrais da inflação, concluiu que “o conceito de LUCRO REAL TRIBUTÁVEL é puramente legal e decorrente exclusivamente da lei, que adota a técnica da enumeração taxativa”. Vê-se então que nessa decisão não se cogita a existência de um conceito constitucional.

Há, então, de um lado, o texto constitucional, que tem como objeto estabelecer limites ao poder de tributar, por via de conceituação dos fatos imponíveis; e, de outro, o STF, que reconhece, por maioria de votos, a liberdade do legislador para moldurar os limites do que é renda, afirmando que tal conceito “Não é um conceito ontológico, como se existisse, nos fatos, uma entidade concreta denominada de ‘LUCRO REAL’”.

Em outros termos, a Suprema Corte brasileira reconhece que o conceito de

renda não traduz uma significação cuja realidade possa ser estabelecida. Tem-se, então, identificado um paradoxo segundo o qual: 1) ou se formula um conceito constitucional, por via do qual se estabelecem limites ao legislador, que proteja os direitos e garantias do contribuinte; 2) ou não existem limites, nem certezas, porque o legislador – como afirma o STF – está livre para estabelecer o que pode ser tributado como renda.

Segundo essa decisão, o contribuinte não tem qualquer proteção quanto aos limites constitucionais ao poder de tributar, uma vez que foi reconhecida a possibilidade de o legislador determinar seus próprios limites.

Sendo assim, essa decisão, tomada pelo Plenário da Suprema Corte brasileira que constitui um paradigma formal, tem efeitos graves no contexto nacional, uma vez que passa a ser invocável nas decisões futuras como antecedente justificador de decisões e pode ser aplicado por via de mero despacho, por qualquer um dos ministros integrantes do STF. Além disso, em face da emenda Constitucional nº. 45, referindo-se às ações declaratórias mencionadas, determina, em nova redação do art. 102, § 2º, da Carta Política, que as decisões do STF, nas ações diretas de inconstitucionalidades e nas ações declaratórias de

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constitucionalidade, estabelecerão uniformização nacional definitiva sobre qualquer matéria discutida, nos termos da seguinte redação:

§ 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

A par disso, o art. 103-A, caput e § 1º, também alterado pela emenda, prescreve que:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º. A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Pelos dois preceitos transcritos, constata-se que o poder de uniformização do sentido das normas jurídicas beira as lindes de uma outorga de competência imperativa, em face do efeito vinculante das decisões, que, contudo, deve ser exercido de modo justificado e fundamentado nos termos do art. 93, da Carta Política. Essa fundamentação deve ir além de uma afirmação formal de razoabilidade, deve repousar em paradigmas de decisões amplamente discutidos, justificados a partir de critérios racionais e aceitos pela comunidade jurídica.

Localiza-se, então, um primeiro vetor de discussão, qual seja a conformação dos limites e o dever do prestador jurisdicional justificar suas decisões, lembrando-se, para tanto, as palavras de Tércio Sampaio7:

A uniformização do sentido tem a ver com um fator normativo de poder, o poder de violência simbólica (cf. Bourdieu e Passeron, 1970:18). Trata-se do poder capaz de impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da própria força. Não nos enganemos quanto ao sentido deste poder. Não se trata de coação, pois pelo poder de violência simbólica o emissor não co-age, isto é, não se substitui ao outro. Quem age é o receptor. Poder aqui é controle.

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Em outros termos, o poder de estabelecer súmulas e decisões vinculantes nas hipóteses mencionadas têm efeito de um paradigma de decisão imperativamente imposto, que limita os direitos e garantias individuais. Então, o mínimo imposto às decisões do STF é que sejam postas a partir de ampla fundamentação, que efetivamente justifique e convença a comunidade jurídica quanto à interpretação harmonizada com a Constituição, sob pena de manifestação arbitrária de razões de Estado.

Posta a tese adotada pela Corte – e com o objetivo de contestá-la, mediante a demonstração de que o conceito de renda universal constitui, no plano da renda individual e concreta, um evento, constatável cientificamente – passa-se a definir os contornos largos do desenvolvimento da presente tese, que centra-se no conceito de renda como um acréscimo patrimonial e que, como será oportunamente demonstrado, se constitui por via de um fato materialmente verificável.

Pode-se, pois, estabelecer o núcleo de debate que será formulado no curso deste estudo. De um lado, a afirmação da maioria dos Ministros da Suprema Corte brasileira segundo a qual a renda é um evento que não tem demarcação conceitual; e, de outro, a afirmação que se faz a priori, no sentido de que pode ser identificada a partir de uma pré-compreensão, formada por meio de uma matriz de elementos ônticos8

e concretos, que obrigatoriamente devem ser apurados cientificamente, a partir de procedimento técnico específico sistematicamente ordenado.

Trata-se de um evento verificável como um fato empírico, modulado pelo vetor deôntico verdadeiro ou falso, que se harmoniza com as regras e os princípios constitucionais incidentes, sustentados por critérios hermeneuticamente justificados.

Instaurado o antagonismo das teses, desde logo, fica evidente que o STF, quando tomou sua decisão afirmando que o conceito de renda constitucional é relativo, e refutou expressamente a existência de um núcleo material – ôntico – que o fundamenta, fê-lo, então, a partir de uma matriz de racionalidade eminentemente transcendente (termo utilizado de forma técnica9).

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Cabe ressaltar que a Constituição, para estabelecer normas gerais sobre o que é renda, se utiliza de um conceito universal. Contudo, esse conceito universal, para que possa ser utilizado nas decisões individuais, estabelecendo os limites constitucionais, está voltado à sua realização no singular. Essa vinculação do conceito universal com o singular ocorre por via de inferência lógica. Pela inferência, o núcleo de inteligibilidade – composto por uma matriz de elementos ônticos – forma uma primeira pré-compreensão do que constitui a renda de cada contribuinte.

Por isso, não se pode confundir o conceito posto no plano da disposição normativa, com a necessária materialidade do conceito singular presente no momento da sua utilização (como pré-compreensão), na sua aplicação ao caso concreto. Desse modo, o entendimento a ser sustentado nesta tese é de que o termo renda, no momento de sua aplicação ao caso determinado, não traduz uma significação relativa, porque possui uma significação concreta, empiricamente definida, por meio de uma matriz de elementos concretos – cientificamente identificados como um acréscimo de direitos patrimoniais – que limitam o poder de tributar de forma absoluta, ressalvados alguns casos especialíssimos, e que poderá ser estabelecida por meio de mera descrição de seus elementos constitutivos.

Em outros termos, estão em confronto as duas matrizes de racionalidade filosófica – a que é definida pela teoria do conhecimento como metafísica e a que é formulada por via científica, na concretização da decisão individual. Metafísica entende-se como todo conhecimento afirmado exclusivamente num a priori, servindo-nos lição de Miguel Reale10 para estabelecer a respectiva conceituação,

posta como segue:

Existem duas grandes correntes que se contrapõem, ponto por ponto, nesta matéria. Uma é a dos empíricos, que pretendem elevar-se ao conceito fundamental de Direito, partindo de uma multiplicidade de fatos particulares; outra, a dos aprioristas, proclama a impossibilidade de formulação empírica de um conceito de validade universal, sustentando, ao contrário, que ele deve ser apriorístico, ou seja, imanente à consciência e, portanto, anterior à própria experiência dos fatos jurídicos, sendo condição de seu conhecimento e de sua atualização como tais.

O confronto entre a teoria transcendental e o Empirismo ocorre desde a antiga Grécia, isto é, a partir dos conflitos teóricos estabelecidos, originou-se a racionalidade, no contexto das teorias filosóficas, que se refletem na ciência

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contemporânea11. Nesse estudo, como acima se referiu, defende-se a tese de que o

estabelecimento do que é renda decorre do fenômeno que a concretiza, contrapondo-se ao conceito adotado pelo STF, segundo o qual renda não tem qualquer conteúdo concreto.

Em casos dessa ordem, não se pode simplesmente adotar uma matriz de racionalidade e negar aplicação à outra sem justificar e fundamentar essa opção. Em face do exposto, se examinará, previamente, os debates históricos travados entre os racionalistas clássicos e os empiristas, identificando a racionalidade preponderante dentro de grandes épocas e seus paradigmas essenciais, a fim de formar, gradativamente, uma concepção desses dois caminhos que levam ao conhecimento, o que se faz no segundo e terceiro capítulo.

Por outro lado, a decisão do STF, referida, deixou o contribuinte sem proteção constitucional, uma vez que removeu do sistema jurídico a função bloqueadora dos limites constitucionais postos ao legislador quando normatiza a apuração da base impositiva de renda. Sem dúvida, então, não reconheceu quaisquer limites ao poder de tributar previsto constitucionalmente. Terá, pois, que se contextualizar a discussão num outro plano, qual seja, no âmbito dos direitos e das garantias individuais do contribuinte que, diante da decisão acima mencionada, servirá como paradigma de decisões futuras e terá sua liberdade e a proteção constitucional dos direitos patrimoniais12 violados.

Em face do referido, essencialmente, para poder fixar os contornos dos direitos e garantias constitucionais do contribuinte, terá de se estabelecer a moldura do status político que concretiza a cidadania no contexto da sociedade civil. Então,

11 “Para a concepção que se formule sobre as categorias, é decisiva a que se tenha adotado quanto aos princípios epistemológicos fundamentais. Se o conhecimento humano é, como ensina Aristóteles, uma reprodução dos objetos; se estes são em si mesmos determinados e dotados de forma, então os conceitos fundamentais do conhecimento, as categorias, apresentam as determinações mais gerais dos objetos, as estruturas objetivas do ser. Se, ao contrário, o pensamento produz os objetos, como ensina Kant, as categorias aparecem como determinações puras do pensamento, como formas e funções a priori da consciência. Essas duas concepções sobre a essência das categorias estão em acentuada oposição. Conforme uma delas, as categorias são formas do ser, determinações dos objetos; conforme a outra, são formas do pensamento, determinações do pensamento. A primeira é a concepção objetivista e realista; a segunda, a apriorística e idealista.” HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p 134.

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no capítulo quatro, faz-se uma rápida retomada da evolução histórica do reconhecimento da liberdade e da igualdade, que gradativamente transformaram o direito natural em direitos constitucionais, protegendo, assim, as sociedades civis e seus cidadãos singulares do arbítrio dos Estados.

Tal discussão é imprescindível para poder justificar, em bases concretas, a proteção constitucional aos direitos de propriedade de cada pessoa, diante da legislação tributária; a sua forma de aquisição e alienação por via contratual, situadas no âmbito da liberdade, e o direito de autodeterminação, conformado pelos princípios constitucionais nos limites da disposição de bens, orientados pela liberdade de consciência e do direito do livre agir.

Para desenvolver o estudo e com vista a alcançar esse objetivo, faz-se necessário estabelecer, previamente, uma estrutura do procedimento constatador do que é renda nos casos singulares. Isso requer que se identifique a adequada base de cálculo, em forma de um procedimento, constitucionalmente estabelecido, de verificação empírica, que possa servir de contraponto dialético e comparativo entre o que se entende como racional e os julgados do STF.

Sem dúvida, então, a forma de promover a inferência, por via da qual logicamente o conceito universal de renda constitucional se realizará nos casos singulares, é estabelecer um procedimento verificatório da renda de cada contribuinte, anotando-se, por relevante, a natureza constitucional desse instrumento técnico.

Cabe destacar que o direito constituído a partir de uma linguagem, para ser compreendida como instrumento que estabelece a normatividade, requer a adoção de diversos paradigmas de racionalidade, uma vez que inclui no seu contexto seres de diversas conformações, tais como: conceitos universais e conceitos singulares, eventos concretos, confrontos ocorridos entre idéias, valorações axiológicas e até a definição de regiões ônticas, estabelecidas em planos mais sutis – como delimitar o que, em termos práticos, pode ser considerado como templo de qualquer culto, o qual é imune nos termos do art. 150, VI, alínea “b”, da Carta Política, e como tal poderá ser objeto de decisão da Suprema Corte brasileira.

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outros temas, como se referiu, são fenomênicos e podem ser conhecidos cientificamente a partir do vetor verdadeiro ou falso. Existe, ainda, outro plano, em que devem ser examinados os procedimentos que instrumentalizam a verificação empírica, em cujo gênero se inclui a apuração da base de cálculo do imposto de

renda que são racionalmente adotados e rejeitados a partir do vetor de prestabilidade para o fim ao qual são aplicados.

A empiricidade de um objeto consiste no fato de ele poder ser verificado ou averiguado por quem quer que esteja na posse dos meios adequados; e o fato de existirem certos meios capazes de propiciar essa averiguação significa que eles podem ser utilizados tanto por quem crê na existência do objeto, e que a eficácia dos meios não depende de uma ou de outra crença. Em sentido negativo, essa noção de experiência é caracterizada por: 1º - ausência de distinção entre verdades de razão e verdades de fato, ou entre enunciados analíticos e enunciados sintéticos, 2º - ausência de postulação de uma unidade empírica elementar.

O próprio fundador do empirismo moderno, Francis Bacon, entendeu a experiência como campo das verificações e das averiguações intencionalmente executadas. Dizia Bacon; “Quando a experiência vem ao nosso encontro espontaneamente, chama-se acaso; se procurada deliberadamente, tem o nome de experimento. Mas a experiência vulgar outra coisa não é, senão um proceder às apalpadelas como quem vaga à noite de lá para cá na esperança de topar com o caminho certo, quando seria muito mais útil e prudente esperar o dia ou acender um candeeiro para achar o caminho”. 13

Por via de conseqüência, ao Poder Judiciário compete tanto promover o reconhecimento de eventos empíricos, como resolver questões postas a partir de concepções teóricas e, em outros casos, ainda definir e examinar se o processo técnico de verificação de verdades empíricas, adotado para identificar as ocorrências factuais subjacentes a um conceito constitucional, cumpre a sua finalidade. Para se desincumbir dessa tarefa, terão de ser utilizados os paradigmas de racionalidade adequados e diferentes para cada uma dessas matrizes de racionalidade.

Em outros termos, é impossível que se resolvam as questões judiciais pela adoção de um só paradigma de inteligibilidade, justificado a partir de um a priori e que impõe uma conceituação universal. Não se pode resolver a ponderação axiológica mediante um procedimento empírico, como não se pode resolver, na atualidade, um processo que visa, v.g., estabelecer a paternidade – geneticamente

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estabelecida – de uma pessoa, por via de discussão acadêmica, sem o auxílio de um processo empírico que estabeleça a verdade a partir da identificação do DNA.

A referência a esse teste técnico se faz exatamente para ter presente que o direito adota horizontes axiológicos, cujas fundamentações podem ser diversas. Com efeito, o legislador, quando define as normas de proteção e estruturação da família, pode estabelecer a paternidade por via formal, com vista a manter fora de discussão a herança genética, visando à proteção do núcleo primeiro que forma a sociedade civil. Outro será o vetor axiológico, quando se busca verificar a identificação da descendência genética de um determinado indivíduo. Sem dúvida, tais diferenças de valoração irão ocorrer em outros planos do direito e serão enfrentadas em face da ocorrência de situação similar, quando se estudará a diferença de vetores valorativos entre as técnicas de apuração do lucro comercial e do que é renda tributável.

Cabe manter na retina que a lógica na matriz de norma jurídica tributária se funda no princípio da imputação, no qual, ocorrido o evento singular, o pressuposto constitucional de incidência específico previsto, implica uma relação jurídica que determina um débito de imposto. Assim, se ocorre uma determinada circulação de mercadoria, surge um débito para com a Receita Estadual, que deve ser calculado a uma alíquota específica sobre o valor de venda, e tem-se um imposto. Se ocorrer um evento que configure um aumento de direitos patrimoniais em favor de uma determinada pessoa, esta se transformará em contribuinte, devendo recolher um imposto correspondente. O vetor de inferência14 pode, então, ser identificado no

contexto da lógica jurídica da seguinte forma: se ocorreu P deve ser E. Este evento P – que se ocorrido implica a relação jurídica – deve ser reconhecido pelo julgador a partir de uma constatação concreta. Nesse caso, a constatação deve ser feita por um critério de reconhecimento que, em muitos casos, consiste num procedimento adequado que, por vezes, requer peritos com credenciamento e conhecimento verificatórios específicos.

A constatação factual do evento que implica a relação jurídica faz aflorar a questão da utilidade dos conceitos. Como se mencionou na aplicação individual, a decisão jurisdicional terá de identificar o evento que, se ocorrido, implica uma

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obrigação tributária. Dessa forma, o conceito constitucional dos eventos (no caso

renda) tem a função única de estabelecer, no contexto constitucional, os limites ao poder de tributar. A conceitualização desses eventos no plano constitucional deve ser estabelecida de forma genérica para que seja vinculativo de uma coletividade de contribuintes. Daí a necessidade de ser utilizada a via da conceitualização universal. Mas esse conceito universal tem a força normativa de estabelecer limites ao poder de tributar, protegendo o patrimônio de cada um dos contribuintes, em face das suas garantias. Neste plano da concretização singular da norma individual, o conceito de

renda terá que ser singular para que possa significar a renda do contribuinte.

Assim, não há dúvida quanto à existência de um vínculo estreito, de relação implicada, entre o conceito universal e o singular de renda. Esse vínculo se estabelece por implicação lógica inferencial, que correlaciona os elementos formadores da matriz ôntica do caso singular, com os elementos genericamente compreendidos no conceito no universal.

Tais argumentos permitem afirmar que estão contextualizadas, no plano do direito tributário, complexidades de diversos graus diferenciadas essencialmente, na medida em que variam as regiões ônticas, os objetos do conhecimento, que se incluem no plano dos elementos vinculados à decisão.

A captação da significação de um objeto, no plano genérico, deve se adequar à metodologia de linguagem apropriada. Em outros termos, o conceito genérico sempre terá que ser compreensivo de uma universalidade. Da mesma forma, a conceitualização singular deve ser promovida pela descrição ou narração. As duas situações que envolvem, respectivamente, o conceito genérico e o singular, são decorrentes de paradigmas diferentes e implicam necessidade de enfrentar o conhecimento da ciência do direito, partindo de matrizes de inteligibilidade adequadas, refletidas na formulação dos paradigmas que orientam as concepções da verdade científica em cada um de seus contextos15.

A racionalidade, então, deve estar metodologicamente justificada tanto quando se tem como objeto o conhecimento empírico (como ocorre quando se estuda a base impositiva dos impostos), como quando se opera a captação de sentido dos objetos metafísicos. Assim, para que se possa, previamente, discutir a

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estrutura do que se entende por racional, juridicamente, a priori, deverá ser promovida a análise científica da metodologia que, por sua vez, deve estar estruturada de forma a justificar conhecimento. Como o conhecimento de cada região ôntica requer um modelo de captação de verdade, há que se adotar cuidado específico, a fim de proceder à devida classificação metodológica dos elementos de forma coerente.

Sobre o que é verdade, Hessen refere que16:

“Conhecimento não-verdadeiro” não é propriamente conhecimento, mas erro e engano. Em que consiste, então, a verdade do conhecimento? Segundo o que foi dito, a verdade deve consistir na concordância da “figura” com o objeto. Um conhecimento é verdadeiro na medida em que seu conteúdo concorda com o objeto intencionado. Conseqüentemente, o conceito de verdade é um conceito relacional. Ele expressa um relacionamento, a saber, o relacionamento do conteúdo do pensamento, da “figura”, como o objeto. O próprio objeto, ao contrário, não pode ser nem verdadeiro nem falso. De certo modo, ele está para além da verdade e da inverdade. Uma representação inadequada, por sua vez, pode ser verdadeira, pois apesar de incompleta pode ser correta, se as características que contém existirem efetivamente no objeto.

Visando a alcançar o objetivo colimado nesta tese, por uma hermenêutica sistematicamente conformada, serão estudadas as matrizes de racionalidade, filosoficamente estruturadas, as quais deixaram marcas históricas que permitirão formular elementos de aproximação com vista à formação gradativa de uma pré-compreensão sobre a racionalidade. As pré-compreensões que se forem estabelecendo, promovidas sempre por cortes metodológicos que as orientem em direção ao objeto visado, servirão para a sustentação e justificação das definições que forem sendo afirmadas.

Em resumo, para conformar uma interpretação sistemática, quatro contextos específicos devem ser enfrentados, a saber: 1) adequação metodológica a cada matriz de inteligibilidade que for destacada; 2) formulação de paradigmas de racionalidade na teoria do conhecimento contemporâneo, aplicáveis na formação do conhecimento, e por isso inerentes ao direito; 3) identificação das matrizes axiológicas históricas, relativas à estruturação dos direitos e deveres do cidadão, no contexto da filosofia política contemporânea, para que sirvam de contraponto ao estudo do direito constitucional vigente; e 4) articulação hermenêutica no contexto da Fenomenologia, com vista à utilização dessa metodologia para estabelecer

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fenomenologicamente os eventos que constituem a matriz dos elementos ônticos, que concretizam a norma jurídica individual no processo de apuração de renda, como base impositiva do imposto.

A questão da hermenêutica é abordada no capítulo 5º, e no capítulo 6º se promove um estudo do que é renda por critérios específicos; no capítulo 7º se estabelece a estrutura hermenêutica do procedimento verificatório, por via do qual se apura a renda como evento empírico.

Em face do objetivo nuclear do tema escolhido, faz-se uma pesquisa de jurisprudência do STF e identificam-se os acórdãos que, de forma direta ou indireta, têm como objeto a apuração da base impositiva de renda da pessoa jurídica exatamente para conferir se já existem definições suficientes, a fim de que se possa falar em decisões constitutivas de paradigmas e de segurança jurídica consistente, que institucionalmente constitui o encargo último da Suprema Corte brasileira. Dessa forma, foram pesquisados aproximadamente 500 acórdãos, de 1950 em diante. (Apêndice A) Fez-se, também, uma seleção excluindo da análise os que não diziam respeito ao tema ora enfocado e se examinou somente os que se referiam à apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda, no contexto da pessoa jurídica, que estão indicados no capítulo 8.

Nesse mesmo capítulo, a pesquisa, além de envolver a crítica da justificação e da fundamentação das decisões, ainda busca identificar a matriz de racionalidade adotada ou subjacente à formação da decisão. A identificação dos standards

permitirá que se identifique a existência ou inexistência de paradigmas recorrentes, visando a verificar se os núcleos argumentativos e justificadores das decisões, se firmam dentro de um pensamento estruturado.

Alcançado este plano, tem-se condição, hermeneuticamente, para promover a comparação dos núcleos de racionalidade recorrentes, identificados na pesquisa, com os paradigmas decorrentes da Fenomenologia Hermenêutica, adotada como matriz de racionalidade, para justificar racionalmente o conteúdo da presente tese. Para melhor compreensão ressalta-se que e fenomenologia estabelece o conceito da verdade voltando-se ao singular.

Hessen17 leciona que:

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O conceito de verdade que obtivemos a partir da consideração fenomenológica do conhecimento pode ser chamado conceito transcendente de verdade, vale dizer, ele tem a transcendência do objeto como pressuposto. É esse o conceito de verdade da consciência ingênua e também o da consciência científica. Ambos visam, com a verdade, a concordância do conteúdo do pensamento com o objeto.

Cabe levar em conta que o STF, que tem a competência constitucional de definir o sentido das normas diante da Constituição, tem também o dever – democraticamente informado – de estabelecer os paradigmas de decisão às cortes inferiores, para fundamentar a certeza e a segurança jurídica, cumprindo, assim, um dos seus mais importantes deveres constitucionais.

Estabelecer um paradigma de decisão não é simplesmente decidir sem justificar ou fundamentar. Kuhn, em uma de suas referências ao estabelecimento de paradigmas científicos, comenta a função destes afirmando:

A descoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal. Segue-se então uma exploração mais ou menos ampla da área onde ocorreu a anomalia. Esse trabalho somente se encerra quando a teoria do paradigma for ajustada, de tal forma que o anômalo se tenha convertido no esperado. A assimilação de um novo tipo de fato exige mais do que um ajustamento aditivo da teoria. Até que tal ajustamento tenha sido completado – até que o cientista tenha aprendido a ver a natureza de um modo diferente – o novo fato não será considerado completamente científico18.

Na seqüência do estudo, no capítulo 7, apresenta-se uma modulação do processo de apuração de renda, justificada a partir de um conjunto de critérios sustentados tecnicamente, pelo método fenomenológico, e precedida por uma discussão dialética acerca de sua prestabilidade quanto à apuração racional do valor

renda, na condição de fato concreto, controlada pelos critérios constitucionais da unidade patrimonial: da verdade, da universalidade, e da generalidade (art. 153, III e § 2º da Carta Política19).

18 KUHN, Thomas S, op. cit., p.78.

19 Art. 153. “Compete à União instituir impostos sobre: (...)

III – renda e proventos de qualquer natureza; (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso III:

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No capítulo seguinte, examina-se o conjunto de decisões buscando identificar-lhes os fundamentos, para constatar se quando julga, o STF, efetivamente, o faz por uma justificação reiterada, aplicada de forma idêntica, visando a conformar o princípio da certeza jurídica, ou se o faz de forma aleatória, a partir de paradigmas inadequados ao exame dos núcleos ônticos que estão postos ao conhecimento jurisdicional. 20

Para realçar a importância do tema em questão, sob o viés do equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, necessário à normalidade democrática, deve-se lembrar que é do Poder Judiciário a competência de resguardar os direitos e garantias individuais, diante das violações constitucionais decorrentes de práticas dos poderes estatais.

Cabe alertar quanto aos efeitos de um eventual desvio de horizontes axiológicos, decorrentes de um julgar não cientificamente neutro, já comentado pela lição de Tércio Sampaio acima transcrita.

Com vista a concluir esse propósito, no último capítulo, busca-se verificar se, historicamente, a Suprema Corte brasileira estabeleceu uma teoria racional e técnica, que orienta a apuração do resultado hermeneuticamente justificada. Não havendo uma matriz de racionalidade contemporaneamente adequada ao conhecimento do fenômeno renda, conformada por paradigmas recorrentes e núcleos de inteligibilidade próprios para examinar a verdade quanto aos eventos, tem-se a justificação para o núcleo básico da presente tese: a necessidade de constatar, sob o critério da verdade, a existência ou a inexistência de paradigmas de decisão, devidamente fundamentados, subjacentes às decisões examinadas.

Diante do tema posto, adota-se o “Estado de Direito” como um todo sistemático que deve ser mantido nos seus contornos intransponíveis, lembrando a lição do grande mestre Norberto Bobbio21, quando, ao tratar dessa questão, declara

que deve ser reconhecido e provido ao cidadão o direito de recorrer ao poder judiciário:

20 O sentido de paradigma é o adotado por Kuhn, que se refere a ele do seguinte modo: “Todos ou quase todos os objetos de compromisso grupal que meu texto original designa como paradigmas, partes de paradigma ou paradigmáticos, constituem essa matriz disciplinar e como tais formam um todo, funcionando em conjunto”. KUHN, Thomas S, op. cit., p. 226.

(25)

Dois dos principais efeitos da separação dos poderes são: a) a separação do poder legislativo do poder executivo; b) a separação do poder judiciário do poder executivo. Numa palavra, seria possível dizer que a separação dos poderes visa ao isolamento do poder executivo. Por meio do primeiro efeito obtém-se que o poder executivo não possa substituir o poder legislativo e, portanto, seja colocado na condição de não poder abusar do próprio poder ou pelo menos de poder fazê-lo muito mais raramente. Por meio do segundo efeito obtém-se que, frente ao abuso do poder executivo, o cidadão tenha a possibilidade de recorrer ao poder judiciário para a eliminação do abuso, ou seja, não somente de não obedecer à ordem injusta, mas também de conseguir anulá-la. Se isso acontecesse, o direito de resistência não é mais uma aventura arriscada fora do direito positivo, mas um direito garantido no âmbito do ordenamento jurídico, ou seja, um direito positivo. O Estado no qual o direito de resistência não é mais um direito natural não protegido, mas um direito positivo protegido chama-se, geralmente, “Estado de Direito”, entendendo-se com esta expressão que os próprios órgãos supremos do Estado estão submetidos ao direito positivo (e não somente ao direito natural). (grifo nosso)

Visto que a presente tese objetiva promover uma desconstrução do pensamento orientador das decisões do STF, com olhos voltados ao paradigma do Estado de Direito, cabe tratar de apuração de acréscimos ao patrimônio das pessoas jurídicas, identificando previamente os seus paradigmas para desvendá-los. Pela desconstrução desse pensamento orientador se poderá identificar se existem padrões (reconhecidos pelo STF) de pensamento, previamente justificados por critérios de racionalidade, que protejam o cidadão e a sociedade civil do exercício arbitrário do poder.

Trata-se, na verdade, de seguir a estrutura do pensamento, por via da qual o STF captou os objetos postos à decisão, quando julgou casos de apuração de renda, menos voltados à elaboração de mais um modelo, mas essencialmente para identificar e discutir os problemas da solução adotada.

Por derradeiro, no que tange aos objetivos e à forma de desenvolvimento do estudo, forçosamente implica o exame de temas do conhecimento científico e do filosófico, postulando-se que a racionalidade é a forma que orienta a captação de sentidos das coisas – corpóreas ou ideais.

Esse conhecimento (filosófico e científico) identifica as formas e as matrizes de racionalidade que se prestam para conhecer as mais diversas regiões ônticas, entre as quais se situa o direito. Cabe, então, desde logo explicitar, utilizando a lição de Stein22, que:

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No momento em que falo de uma racionalidade do ser humano, numa racionalidade do conhecimento, ligo essa racionalidade ao problema da verdade. Verdade como propriedade daquilo que é dito – propriedade, portanto, específica de proposições ou de sentenças dentro de um universo lingüístico. Racionalidade, portanto, está ligada à verdade. Onde não há verdade, não há racionalidade.

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2 A RACIONALIDADE

2.1 Matrizes de racionalidade

Um dos temas científicos mais controvertidos atualmente é a definição do que seja conhecimento válido. Em termos práticos, há dois caminhos históricos: o Empirismo e a lógica metafísica. O primeiro consiste na busca empírica do conhecimento pela descrição dos elementos que compõem o objeto captado pelos sentidos, a partir da dicotomia verdadeiro/falso; o segundo se funda na pressuposição de que o homem possui um mecanismo mental que lhe permite uma intuição, a priori, ou seja, uma visão lógica e imediata por via da qual tem acesso ao conhecimento do ser, sem a participação dos sentidos.

Nesse sentido, Tugendhat afirma23:

Leibniz escreve na Monadologia: “Há dois tipos de verdades, as de razão [vérités de raisonnement] e as de fato [vérités de fait]. As verdades de razão são necessárias e seu oposto é impossível; as de fato são contingentes e seu oposto é possível. Quando uma verdade é necessária, pode-se encontrar seu fundamento por meio da análise, dissolvendo-a em idéias e verdades mais simples, até que se chegue às primitivas” (§33). “Há finalmente [...] princípios primitivos [...]; estes são enunciações idênticas cujo oposto contém uma contradição explícita” (§35).

Historicamente, o conhecimento abstrato adota a essência conceitual como matriz de racionalidade, justificado pela adoção de axiomas; dessa forma tem acesso ao ser por via do conhecimento da verdade, com fundamento da

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razoabilidade24. A racionalidade, pois, se confunde com a cientificidade. Para uns, a

racionalidade se estabelece em termos estritamente formais e qualquer afastamento de um método implica quebra do caráter científico25; para outros, é um procedimento

que instrumentaliza a afirmação da verdade sobre determinado objeto, a partir de um a priori adotado como axioma, situado num espaço transcendental26. Há, ainda, quem afirme que ciência é empiria, e resolve-se pela descrição dos fenômenos captados pelos sentidos, por via da experiência. Para estes, todo o conceito é singular.

Finalmente, há uma corrente de pensamento contemporânea, identificada como Fenomenologia Hermenêutica, que parte do conhecimento empírico no qual há participação da formulação da razão, constituindo-se, então, uma terceira matriz de racionalidade27:

O aspecto da singularidade é a primeira parte da palavra, é o fenômeno. O aspecto da universalidade é o aspecto do logos, da logia. Então Fenomenologia já contém esta idéia de uma espécie de análise constante dos aspectos da singularidade e da universalidade. Enquanto logia, a Fenomenologia trata do logos, do discurso, da manifestação. Por isso a Fenomenologia é apofântica, é manifestadora. Neste sentido a Fenomenologia se conduz pela base da linguagem, pela base do discurso, pela análise do nível lógico-semântico. Fenomenologia trata do fenômeno, o método fenomenológico trata daquilo que se esconde sob o logos, que é a singularidade que tenta se expressar no logos, mas que o logos sempre oculta.

A este propósito, refere Miguel Reale28:

24 A concepção do conceito como essência pertence ao período clássico da filosofia grega, em que o conceito é assumido como o que se subtrai à diversidade e à mudança de pontos de vista ou de opiniões, porque se refere às características que, sendo constitutivas do próprio objeto, não são alteradas pela mudança de perspectiva. Nos primórdios da filosofia grega, o conceito apareceu como o termo conclusivo de uma indagação, prescindindo, na medida do possível, da mutabilidade das aparências e visando àquilo que o objeto é “realmente”, isto é, à sua “substância” ou “essência”. ABBAGNANO, Nicola, op. cit., p. 164.

25

Hessen refere que: “Esse juízo não está baseado, portanto, numa experiência qualquer, mas no pensamento. Daí resulta que os juízos baseados no pensamento, provindos da razão, possuem necessidade lógica e validade universal; os outros não. Assim, prossegue o racionalista, todo conhecimento genuíno depende do pensamento. É o pensamento, portanto, a verdadeira fonte e fundamento do conhecimento humano.” HESSEN, Johannes, op. cit., p. 49.

26 Para dar contornos de significação a este termo, adota-se a lição de Miguel Reale que, a propósito, afirma:O transcendente põe-se lógica e ontologicamente além da experiência: o transcendental é algo cuja anterioridade lógica em relação à experiência só se revela no processo ou por ocasião da experiência mesma. É só na experiência que o espírito se dá conta de ser portador de forma e categorias condicionantes da realidade conhecida”. REALE, Miguel, op. cit., p. 101.

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nas páginas anteriores, após sucinta explanação do método fenomenológico, demos as razões pelas quais nos parece que toda reflexão subjetiva transcendental se resolve em uma reflexão subjetivo-objetiva ou ontognoseológica, visto fundar-se o ato cognoscitivo em um “a priori material”, consoante Husserl no-lo demonstra.

Essa terceira via de acesso ao conhecimento será objeto de uma análise mais detalhada, após ter-se discutido os temas relativos às duas matrizes históricas; servirá, também, de meio de justificação e fundamentação da presente tese, uma vez que, como refere Stein, na citação anterior, a “fenomenologia já contém esta idéia de uma espécie de análise constante dos aspectos da singularidade e da universalidade”. Em face disso, mostra-se mais adequada para identificar as bases de cálculo dos impostos autorizados pela Carta Política, por via de um conceito universal, implicado com a matriz ôntica compreendida no conceito de renda.

Como síntese do presente capítulo, demonstrar e justificar a afirmação de que cada estudo de um objeto particular requer uma forma consistente e adequada de acesso ao conhecimento do ser. Isso impõe que se indique a forma de estabelecer uma metodologia específica a cada objeto ôntico, que se antepuser ao conhecimento, conformado por paradigmas de pensamento modeladores dos núcleos recorrentes.

Oportuno esclarecer que não existe um método universalmente aplicável a toda e qualquer captação de sentido, mas sim formas variáveis e específicas ao conhecimento de cada objeto, ou seja, não se pode conhecer a universalidade dos objetos a partir de uma só metodologia. Cabe deixar marcado que o conhecimento pode ter como objeto regiões ônticas essencialmente pessoais, que, contudo, podem ser conhecidas cientificamente como manifestações intersubjetivas. A este propósito refere Wilber29:

El hecho de que la experiencia religiosa sólo puede ser captada “interiormente” no significa que se trate de un conocimiento puramente privado, lo mismo que el hecho de que las matemáticas o la lógica sólo pueden ser captadas internamente con los ojos de la mente no las convierte en meras fantasías privadas sin trascendencia publica. El conocimiento matemático constituye un conocimiento público para quienes cuentan con una similar formación matemática; de igual forma, el conocimiento nacido de la contemplación es también un conocimiento público para todo aquel que se haya entrenado igualmente en la contemplación.

(30)

Outro tema incluído nesse capítulo, trata da formação dos conceitos universais como uma pré-compreensão dos conceitos singulares, buscando ampliar os horizontes de conhecimento, que terão grande utilidade quando se enfrentar o tema que está posto no capítulo sobre a hermenêutica. 30

Gradativamente serão promovidas aproximações demonstrando existir regiões ônticas que, para serem enfrentadas pelo pensamento, deverão ser adequadamente identificadas. Diante desse objetivo, no estudo do direito tributário, mais especificamente quando se tratar da apuração da base impositiva dos tributos, deverão ser examinados separadamente alguns marcos hermenêuticos, como os que foram utilizados na estrutura da racionalidade das decisões da Suprema Corte brasileira supra-referida. Cabe manter na retina o que afirma Ernildo Stein31:

Nem qualquer um dos elementos que os gregos apresentam, nem a idéia de Platão, nem a substância de Aristóteles, nem o Deus da Idade Média, nem as formas puras de Kant, nem o eu, sujeito absoluto de Hegel, nada permite ser um princípio de racionalidade ao qual se referem todas as racionalidades das ciências, se um primeiro lugar não está pressuposto este elemento da racionalidade. Este, por exemplo, segundo Tugenhat, é o único elemento de racionalidade: Ser capaz de produzir enunciados assertóricos predicativos.

A pesquisa demonstra que o STF não nega que a renda seja constituída por um acréscimo patrimonial; contudo, quando enfrenta a transposição desse conceito universal para um procedimento prático, esse Tribunal simplesmente não correlaciona os elementos constituintes da matriz dos elementos ônticos que formam o conceito universal com os elementos que formam o evento singular. Por isso o conceito universal não é inferido no conceito singular como forma de promover a “realização” lógica do conceito gênero, no caso concreto posto a julgamento. Esta não-inferência, ou seja, a não-complementação da universalidade na singularidade impede a quantificação da renda da pessoa jurídica como evento, adotando-se por isso, como fato jurídico constitucional um conceito abstrato, sem que se definam os contornos materiais da permissão conferida à União para tributar a renda.

30 Enfim, o alegado caráter de universalidade subjetiva ou validade intersubjetiva do conceito na realidade é simplesmente a sua comunicabilidade de signo lingüístico: a função primeira e fundamental do C. é a mesma da linguagem, isto é, a comunicação. A noção de conceito dá origem a dois problemas fundamentais: um sobre a natureza do conceito e outro sobre a função do conceito. ABBAGNANO, Nicola, op. cit., p. 164.

(31)

Essa prática demonstra que basta ao STF o conceito intuído por via de uma racionalidade pura, abstrata, que, na verdade, instala o direito ao arbítrio. Para esclarecer os contornos limitantes concretos do poder de tributar, há que se implicar logicamente o conceito universal, utilizando-o como mera pré-compreeensão do que é renda individual. Cabe ressaltar que esta correlação dos conceitos universais e singulares altera os paradigmas doutrinários, os quais se orientam por um positivismo metodológico, que busca de certa forma impor limites ao poder de tributar, através da identificação de uma síntese de elementos genéricos da base impositiva. 32

Contudo, os paradigmas que informam a ciência jurídica tributária, por via de uma entificação conceitual, que estrutura o positivismo metodológico, deixaram brechas no sistema, as quais desprotegem os direitos e as garantias individuais. Em contraposição a essa forma interpretativa, em síntese, busca-se indicar que o ser

renda, em cada caso singular, está polarizado por uma região ôntica factual, que nada tem de relativa. Basta que se adote uma técnica cientificamente estruturada para apurar o valor da base de cálculo na sua singularidade. Com essa estrutura hermenêutica, em cada caso se formará um conceito singular de renda, que se estabelece como mera extensão por via de implicação do conceito universal. Santaella33 refere:

em suma, a prática cognitiva se desenvolve em duas frentes indissociáveis: produz conceitos formais, ou seja, conhecimentos abstratos de objetos que não têm existência concreta porque são generalidades abstratas, e investe-os na produção de conceitinveste-os singulares, isto é, conhecimentinveste-os concretinveste-os de objetos reais e únicos.

Com relação à opção metodológica, a técnica adotada é haurida no contexto da Fenomenologia hermenêutica, a qual está estruturada em uma matriz de racionalidade que permite formular um paradigma específico, mediante o qual, com um viés na realidade singular, culminará na mais efetiva limitação ao poder de tributar racionalmente estabelecido. Hessen34 alerta que:

32 Lima Gonçalves refere, a este propósito: “Qualquer que seja o conceito de renda adotado, dúvida não pode haver, repita-se, quanto à necessidade de que ocorra um ganho patrimonial (acréscimo patrimonial) efetivo pelo sujeito passivo, sob pena de não se configurar a hipótese constitucional do imposto sobre a renda.” GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 192.

33 SANTAELLA, Lúcia. Produção de linguagem e ideologia. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez, 1996, p. 66.

(32)

Devemos nos precaver contra a disjunção incompleta segundo a qual o conhecimento deve ser ou uma atividade criativa, ou uma reprodução. Existe uma terceira possibilidade: que ele seja apreensão de uma realidade não-dada que, no entanto, manifesta-se por meio do que é dado. Nosso conhecimento é e continua sendo relativo aos objetos. Nenhum Idealismo pode escapar disso. Essa relação, porém, não precisa consistir numa reprodução. Basta supor que exista uma coordenação, uma relação, feita conforme certas leis, entre o conteúdo do pensamento e o objeto.

No momento oportuno, examinar-se-á a questão legal que determina deva a apuração de renda ser feita a partir da apuração do lucro contábil da pessoa jurídica. Mas deve-se manter na retina, desde logo, que a apuração da base impositiva do imposto de renda, nos termos constitucionais, não guarda interdisciplinaridade com a contabilidade. De forma clara se afirma que a sistemática verificatória de que a

renda tributável tem uma estrutura criteriológica, específica, especial e emerge exclusivamente do texto da Carta.

Embora a apuração originária tenha critérios coincidentes com a apuração de lucro, a pré-compreensão do conceito constitucional, ao final, implica procedimento compreensivo e apuratório da base de cálculo, que se forma por meio de adoção de critérios que se articulem sistematicamente com a inteligibilidade dirigida pela aplicação do texto constitucional.

Dessa forma, deixa-se marcado, de maneira inequívoca, que não se trata aqui de uma apuração instrumentalizada pelas normas contábeis, que incidem quando da apuração do resultado em face da lei civil. Os dois processos de apuração têm alguns critérios comuns, mas a sua articulação sistemática está voltada a planos diferentes. Para estabelecer a estrutura contábil, o legislador, atendendo a conveniências, edita livremente a moldura das situações em que os fatos são postos, a partir de idealização, permitindo a instituição de regras que incluem ficções.

Em outros termos, no plano do direito civil e comercial, o legislador está livre para promover a deformação dos conceitos jurídicos, de forma a que por uma simples leitura dos números das contas se tenha condição de avaliar o negócio da empresa.

(33)

verificação efetiva da capacidade contributiva de cada contribuinte e no tratamento isonômico dos que devem pagar o respectivo imposto.

No contexto da apuração da base de cálculo dos tributos, o fato imponível, que nada mais é do que o evento renda posto em linguagem, é o núcleo limitador do poder de tributar, por isso os limites postos ao legislador estão prescritos de forma rígida e orientados por critérios da verdade factual, que devem ser estabelecidos por paradigmas diversos. É pelo processo de apuração da base de cálculo da renda

tributável que se indica o limite entre o que pode figurar como existência de direito patrimonial e o que deve ser considerado como perda de direito patrimonial. Essa demonstração de renda está submetida, axiologicamente, a critérios neutros, orientados pela dicotomia verdadeiro ou falso.

Além de estarem diretamente vinculados à aplicação da regra, a qual permite a tributação delimitada pela significação do que é renda, prescrita pelo art. 153, III do texto constitucional, os critérios técnicos, aplicados especificamente ao procedimento verificatório do que é renda. Ainda devem conformar os princípios reguladores da igualdade, em conformidade com os critérios da universalidade e da generalidade que, segundo o mesmo artigo 153, § 2º, devem informar a apuração da

renda. O lucro comercial é estabelecido a partir de um viés científico diferente, está estruturado e fundamentado no critério da verdade, mas volta-se à necessidade de mostrar um quadro patrimonial, que interessa ao comércio, sob a ótica dos negócios, permitindo assim fornecer ao público dados relevantes ao convívio na sociedade civil.

Sem dúvida, então, mesmo havendo similitude de critérios nos procedimentos de verificação de lucro comercial e renda tributável, juridicamente não podem ser confundidos, uma vez que se orientam por critérios entre si incompatíveis. O lucro comercial decorre de regras que podem deformar a realidade para adaptá-la as suas necessidades, enquanto a renda tributável deve ser apurada por critérios legais absolutamente concretos, sem qualquer deformação que possa alterar o ganho patrimonial.

Paulo de Barros Carvalho35 leciona a esse propósito:

Enquanto considerado pela Economia, seu conteúdo é eminentemente econômico. À medida que revestir interesse jurídico, terá consistência exclusivamente jurídica, com abstração de quaisquer outros aspectos.

(34)

Identifica-se, desse modo, a necessidade de estabelecer métodos constitucionalmente adequados para moldar o processo de conhecimento do que é

renda tributável, em forma de um sistema único de quantificação que atenda a Constituição, a partir de interpretação sistemática. Com esses argumentos, direciona-se o presente estudo ao processo de apuração da base de cálculo de forma específica e direta à interpretação da Constituição.

Assim, mesmo havendo uma interconexão entre a apuração de lucro e a apuração da renda tributável, que partem de um procedimento técnico comum a sua estruturação sistemática, submetida aos paradigmas voltados a óticas absolutamente diversas, conferem uma independência técnica a cada um dos dois sistemas de verificação.

2.2 Procedimentos de conformação conceitual

Por todo o exposto anteriormente, restam identificados dois vetores de conhecimento que demarcam as conclusões que já podem ser postas, quais sejam: de um lado verdadeiro/falso, aplicáveis ao conhecimento científico, que apuram a base de cálculo para identificar a renda para efeito tributário; de outro, razoável/menos razoável, aplicáveis para se definir a verdade relativa ao conhecimento aos objetos que “não têm existência concreta porque são generalidades abstratas” e, para tanto, basta que sejam reconhecidos como prováveis36 por uma determinada comunidade.

Em face disso, o conceito de renda exige uma demonstração científica, por via de um procedimento criticável, que permitirá demonstrar o conteúdo experencial subjacente aos conceitos singulares, ou seja, a existência de coisas concretas que forçosamente deve ser demonstrada nas decisões. Com essa demarcação, verifica-se que não basta ter um conceito genérico, modulado mais nas regiões do abstrato: o caso concreto, o singular, terá que ser posto em linguagem de modo a que o conceito não seja apenas formalmente conhecido, mas seja signo de uma singularidade factual, que possa efetivamente demarcar os limites constitucionais.

(35)

Surge, então, uma terceira região do conhecimento, que se forma a partir de uma matriz de racionalidade específica e como tal requer a aplicação de paradigmas que conformem sua finalidade técnica verificatória da verdade. Trata-se de um processo, um gênero, sistematicamente estruturado, por via do qual se verifica a verdade. No caso da base de cálculo do Imposto de Renda, deve ser orientado por uma matriz de racionalidade única, qual seja: a demonstração neutra da verdade ôntica quanto aos fatos estabelecidos por um encadeamento de critérios, que permitem o cálculo dos acréscimos patrimoniais, num período de tempo diferenciado da pessoa jurídica. Segundo Santaella37,

a linguagem descritiva representa uma tentativa de se traduzir através do verbal o mundo das qualidades aparentes das coisas. Representa, portanto, a pretensão de se transcrever através do terceiro (convencional) aquilo que é primeiro (apreensão positiva e simples das qualidades). A descrição seria um tipo de manifestação da linguagem verbal que tende a se aproximar do primeiro modo de apresentação dos objetos na consciência. Ou melhor, que tende a registrar pelo e no verbal esse primeiro modo de apreensão.

Evidencia-se, então, que o procedimento verificatório de renda tributável está inserido num gênero específico de procedimento que se destaca como região ôntica do conhecimento e que deve ser estabelecido por regiões voltadas à concretização de sua finalidade. Para melhor ilustrar essa afirmação, enumeram-se alguns casos em que a identificação do ser, no contexto jurídico, faz-se por via de um procedimento:

1) o direito criminal – que tem como objeto a discussão sobre a responsabilidade de prática de atos proibidos e tem como penalidade preponderante a restrição ou até a perda temporária de liberdade – adota eventos que, ocorridos, desencadeiam a aplicação de penas. Por isso, impõe-se a comprovação por meio de perícias técnicas que permitam estabelecer a verdade sobre os eventos praticados, a partir de processos cientificamente criticáveis;

2) o exame de DNA – verifica a origem genética e identifica corpos – constitui um exemplo prático de processo de estabelecimento da verdade;

3) a identificação da composição química de líquidos ou sólidos, para efeito de sua classificação fiscal e tributação pelo IPI, e Imposto de Importação;

4) a apuração matemática de valores, a partir de definições postas em decisões judiciais, etc.

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