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Como mencionado na introdução, a presente tese visa a demonstrar que cabe ao Judiciário examinar criticamente se o processo de quantificação da base de cálculo da renda, na sua compreensão primária, tal como utilizada na Constituição, se presta para quantificar o que é renda da pessoa jurídica. Tendo em vista se tratar de um acréscimo de patrimônio, por via de uma identificação técnica, as existências patrimoniais da pessoa jurídica devem ser diminuídas de suas obrigações, uma vez que seu patrimônio sempre será determinado a partir da totalidade de direitos patrimoniais (o que possui), denominado genericamente de ativos, diminuídas as obrigações patrimoniais (o que deve) ou passivo. 40 Tem-se então, um núcleo primeiro de renda: uma matriz de elementos ônticos, formados a partir da contraposição universal dos ganhos e das perdas que ocorrem na atividade empreendedora.

No controle desse procedimento é que se deve corrigir a vedação da apropriação, v.g., de tributos pagos, ou a vedação de apropriação de despesas incorridas para produzir os acréscimos patrimoniais e até de perdas inflacionárias.

O critério a ser aplicado é o compreendido pela expressão “resultado líquido de gastos totais”. Joachim Lang, um dos doutrinadores mais respeitados na Europa,

40 Pontes de Miranda afirma: “No Código Civil e no Código Comercial, patrimônio é o ativo, que, se há passivo, é atingível por este.” (Ibidem, p. 372). RENCK, Renato Romeu. Imposto de renda da pessoa jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 113.

que se ocupa com imposto de renda se refere ao mesmo critério identificando-o como Reinvermögenszugangstheorie ou Nettoprinzip. 41 Quando da apuração da base de cálculo do imposto de renda, a apropriação de todos os ganhos reduzidos de todos os gastos (que constituem o passivo) constitui a estrutura de cálculo da renda tributável.

Trata-se, pois, de estabelecer critérios que inibam a determinação de uma base de cálculo constitucional absolutamente equivocada, impondo sempre que a obrigação tributária de pagar imposto sobre a renda se estabeleça a partir de uma frontal contradição como objetos empíricos, existentes no mundo dos direitos patrimoniais do contribuinte, com suas respectivas obrigações. Nesse núcleo, para que se possa estabelecer a definitiva base de cálculo, impõe-se examinar o que é um ativo (uma existência de direitos patrimoniais) e o que é um passivo (uma perda patrimonial).

Pela simples explicitação rápida compreendida na expressão “ganho líquido”, como se referiu, constitui a estrutura fundamental do processo de quantificação do que é renda, encontra-se o núcleo básico, ôntico, do controle de constitucionalidade do que é renda tributável, do qual decorre a respeitabilidade dos direitos e garantias constitucionais dos contribuintes.

Demonstra-se, sobretudo, como inerente à prestação jurisdicional, inserida na hermenêutica constitucional, a quantificação da renda tributável que decorre da integração, no contexto jurídico constitucional, do processo que instrumentaliza a apuração da base de cálculo. Nesse cálculo dos ganhos totais, devem ser deduzidos os gastos totais, a partir do vetor expresso pelo princípio da verdade material, como forma exclusiva de controle da constitucionalidade da base impositiva do imposto de renda. Em linguagem mais explícita, o STF terá que justificar e fundamentar em cada decisão suas razões de decisão, no que concerne à quantificação da renda tributável da pessoa jurídica, a partir de um critério ontológico ordenado sistematicamente num processo de verificação, respondendo à seguinte indagação: o processo de apuração de renda, como um todo sistemático, previsto pela lei ordinária, é adequado ou inadequado ao fim a que se destina?

41 LANG, Joachim. Die Bemessungsgrundlage der Einkommensteuer: Rechtssystematische Grundlagen steuerlicher Leistungsfähigkeit im deutschen Einkommensteuerrecht. Köln: O. Schmidt, 1988, p. 183.

O que é renda terá que ser compreendido a partir dessa realidade singular, de ser um ganho líquido. Vê-se, então, que o conceito genérico, identificado como um acréscimo de patrimônio se presta, sem maiores indagações, para ser correlacionado com casos práticos individuais. Assim, não há alternativa senão apurar o ganho líquido das pessoas jurídicas como fenômeno, e adotá-lo como pressuposto que implica a obrigação tributária.

Demonstra-se, então, que há formular uma teoria sistemática, compreensiva de critérios de soluções das diversas regiões ônticas, compreendidas pelo procedimento verificatório que, por um encadeamento organizado de critérios, estabelece o que é renda tributável.

Tal procedimento constituído, então, por via de justificação, servirá de paradigma de orientação ao legislador e estabelecerá as definições jurisdicionais uniformizadoras. Ou seja, o processo deve ser pré-ordenado, em forma de paradigma de cálculo constitucional, uma vez que a sua função é contrapor, dentro dos princípios constitucionais limitadores do poder de tributar, o que é ativo e o que é passivo. Daí resultando o que se identifica como acréscimo de patrimônio.

As decisões judiciais definitivas, a partir desses critérios sistematizados, somente terão a eficácia de se prestar formal e também materialmente, como antecedentes jurisprudenciais, que devem ser adotados para ordenar a uniformidade de julgamento, inerente à determinação de uma eventual vinculação jurisprudencial. Somente quando a conformação intersubjetiva se firmar em forma de teoria, racionalmente fundamentada e justificada, se pode pensar em súmulas vinculativas uniformizadoras, a serem estabelecidas a partir de

uma solução concreta de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal. 42

Posta a questão principal, em seus contornos amplos, impõe-se uma primeira explicitação do que significa a racionalidade, tema que será desenvolvido nos capítulos seguintes.

42 KUHN, Thomas S, op. cit., p. 218.