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A imagem possibilita a nomeação do objeto, então, refere-se a esse objeto, seja ele um fenômeno, um evento que ocorre no mundo físico ou no mundo das

relações intersubjetivas – e sempre poderá se tratado racionalmente. Tem-se, assim, a referibilidade de uma imagem captada, formando um conceito, a um objeto ôntico mais ou menos universal, sedimentada socialmente no plano intersubjetivo, onde é captada por processos científicos que singularizam este objeto ôntico no tempo e espaço, orientados pelo vetor verdadeiro/falso. A apreensão desse objeto, pela mente do sujeito, é a forma de conhecimento que emerge como linguagem e que está na memória como uma pré-compreensão. 46

No momento em que os sentidos tocam um objeto que, empiricamente, tem referibilidade a um dos núcleos de sentido contidos na memória, de forma atemporal, ocorre um processo de identificação – referibilidade combinatória que singulariza o objeto num espaço tempo específico – e forma-se uma idéia nova sobre esse objeto singular.

A esse propósito Hessen 47 questiona:

Deparamos com outro problema quando consideramos mais de perto a estrutura do sujeito cognoscente. Essa estrutura é dualista. O homem é um ser espiritual e sensível. Distinguimos correspondentemente um conhecimento espiritual e um conhecimento sensível. A fonte do primeiro é a razão; a do segundo, a experiência. Pergunta-se, então, qual é a principal fonte em que a consciência cognoscente vai buscar seus conteúdos. A fonte e o fundamento do conhecimento humano é a razão ou a experiência? Essa é a questão sobre a origem do conhecimento.

Então, há dois caminhos: a) ou o sujeito define um evento singular e abstrato universalmente a partir do que está na memória em forma de um conceito universal; b) ou parte dessa pré-idéia, contida no conceito universal e centra-se no objeto singular, para captar os elementos constitutivos da respectiva matriz ôntica do objeto no tempo e no espaço determinado, com vista a identificar o ser na sua realidade. No segundo caso, ocorre um dar-se conta do sujeito, que não mais utiliza a imagem universal, de forma preponderante, como previamente havia memorizado, mas constrói uma memória singular, a partir da estrutura do objeto contido no conceito universal.

46A viragem (reviravolta) lingüística do pensamento filosófico do século XX vai se centralizar justamente “na tese fundamental de que é impossível filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que esta é momento necessário constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulação de conhecimentos intersubjetivamente válidos exige reflexão sobre sua infra-estrutura lingüística”. Oliveira, Reviravolta (apud Streck 2000, p. 161).

Por esse processo mental, a compreensão – a aquisição do objeto e a formação do seu conteúdo – ocorre fazendo-se a inferência do conteúdo universal dos objetos que compreendem o respectivo gênero no objeto singular. Tem-se, pois, acesso ao objeto mediante uma transformação, em linguagem, da imagem apreendida em dois tempos diversos, ou seja: por inferência, vai-se de uma significação abstrata, caracterizadamente atemporal, ao conhecimento do objeto singular. Enquanto o sujeito não tiver condição de expressar em linguagem a imagem captada diretamente do objeto singular, não se instala o conhecimento desse objeto concreto, justificando-se o pensamento de Manfred Trank, acima referido. Para reforçar esses argumentos, Stein48 leciona:

não termos o acesso pleno ao objeto a não ser via significado, quer dizer que conhecemos algo como algo. Não conhecemos uma cadeira em sua plenitude como objeto na nossa frente, enquanto ela esta aí, mas enquanto um objeto no qual podemos assentar, a cadeira enquanto cadeira.

Em outros termos, para que se tenha condição de conhecer o objeto, é imprescindível que se possa falar desse objeto, afirmando, por via de signos, palavras, frases, algo sobre sua existência; contudo, não se trata de uma existência concreta, ela não pode ser meramente idealizada na memória. O conceito, mesmo que genérico, compreende uma universalidade de elementos por via dos quais o ser se mostra para ser compreendido. Daí, conclui Stein49:

Quando dizíamos que o ser humano só conhece através de conceitos, só conhece através de linguagem, estávamos dizendo que o ser humano somente é racional porque seu acesso ao mundo se dá por via dos sentidos, via significado, via conceitos, via palavras, via linguagem.

Pode-se, então, identificar a formação do conhecimento nos seus núcleos de surgimento: por uma via, os sentidos captam o objeto singular e permitem sua descrição de forma racional, gradativa e faz emergir, na consciência do sujeito, um objeto singular posto no tempo e espaço; por uma segunda via, no momento que os sentidos tocam o objeto, a memória recupera a síntese conceitual apreendida nas vivências anteriores a ele relacionadas. Por essa síntese abstrata, universal, atemporal e cristalizada, o objeto existe exclusivamente a partir de uma entificação guardada na memória.

48 STEIN, Ernildo, op. cit., p. 21. 49 Ibid., p. 17.

A propósito, afirma Tugendhat: 50

A oposição entre a concepção platônica e a concepção aristotélica foi, na Idade Média, formulada como oposição entre universalia ante res (os universais existiriam anteriormente e independentemente dos objetos concretos) e universalia in rebus (eles existiriam apenas nas coisas concretas).

Dessa forma, pela primeira matriz de racionalização, cada objeto, mesmo que idêntico e reconhecido por um conceito universal, será conhecido como um objeto singular. Pela segunda matriz de racionalidade, objetos com certas similitudes, ao serem apreendidos pelos sujeitos, mesmo sendo concretamente diferentes nos seus detalhes, serão vistos a partir de um mesmo impulso da razão como identidade formal.

Portanto, os objetos concretos são conhecidos por meio de uma abstração formal idealizada na memória do sujeito – em forma de um ente que compreende um gênero, uma classe, um tipo, mas deixa os elementos do objeto singular encobertos.

Então, com essa descrição, o que diferencia a captação dos objetos por via racional diversa, evidencia-se de dois modos: na apreensão racionalizada do ser, por via conceitual universal, parte de uma determinada essência de elementos mínimos, cristalizada no atemporal, em forma de uma matriz ôntica comum a todo um gênero; ou pela apreensão racional do núcleo ôntico do ser, contido no conceito universal, que é adotado como uma pré-compreensão realizada – logicamente – no ser singular51.

Esse detalhamento permite que se mantenha na retina a importância da identificação da efetiva matriz de racionalidade, adotada pelos aplicadores do direito, uma vez que da conceitualização entificada, num núcleo cristalizado, decorre necessariamente o encobrimento das diferenças entre os seres ônticos de uma mesma espécie.

Em outros termos, vê-se o ser singular adotando os elementos restritos contidos no conceito universal. Aqui já se pode identificar a diferença entre o conceito universal e o singular. Toma-se, novamente, a lição de Tugendhat: 52

50 TUGENDHAT, Ernst; WOLF, Ursula, op. cit., p. 103.

51 “Na concepção hegeliana, a estrutura necessária da realidade é devir e progresso, tendo-se posto como Razão infinita e criadora. Por maior que possa parecer, a distância entre essa concepção e a clássica não é tão grande, do ponto de vista da teoria do conceito: para Hegel, assim como para Aristóteles, o conceito é a essência necessária da realidade, o que faz que ela não possa ser diferente do que é.” ABBAGNANO, Nicola, op. cit., p. 166.

Só podemos introduzir classes (conjuntos) por meio de conceitos ou de termos gerais. Um conjunto é uma coleção ou uma classe de objetos de tal modo que de qualquer objeto está determinado se ele é ou não é um elemento dessa classe (“Conjunto”, “coleção”, “classe” são expressões equivalentes). Cada termo geral determina um tal conjunto; p. ex., o termo “vermelho” determina a classe de todos os objetos vermelhos53.

Avançando para o plano da aplicação jurídica, constata-se que a lei forçosamente há de adotar a matriz de racionalidade que elabora conceitos gerais, uma vez que a lei sempre terá de compreender uma universalidade específica de situação.

Cabe adiantar então, o tema que será aprofundado adiante, notadamente no capítulo da hermenêutica. O legislador estabelece normas para o futuro que regulam casos que irão ocorrer e que relacionam juridicamente partes contrapostas. Mas para regular esses casos singulares, futuros reúne-os em gêneros, tipos, subtipos, etc., maiores ou menores. Contudo, ao ocorrer um evento, um caso (posto diante do julgador), deixa-se de ter uma situação genérica, para ter-se um caso concreto.

Essa transição do universal implica que se promova troca de conceituação. Já não se tem mais um conceito universal, sendo obrigatório adotar-se um conceito singular que constitua em linguagem esta singularidade do caso concreto. No caso do conceito de renda, deixa-se de ter um conceito universal e passa a se ter um evento constitutivo de um acréscimo patrimonial – empírico – isolado – que carece de representação em linguagem. Existem, então, dois planos de linguagem e, como tal, existem dois tipos de formulação de conceitos54.

Transpondo-se essa aplicação jurídica para o plano do conhecimento da base de cálculo dos tributos, em que a incidência e a não-incidência dependem de meros detalhes factuais que diferenciam espécies e tipos, constata-se a importância da adoção crítica das matrizes de racionalidade referidas e a formação conceitual adequada.

53 Poder-se-ia pensar que se pode definir um conjunto por meio da enumeração de seus elementos, ao invés de por meio de um termo geral. Assim poder-se-ia ter um vista o conjunto que consiste de Ruth e Eva. Não é contudo suficiente dizer que os elementos desse conjunto são Ruth e Eva; pois, se deve ser determinado acerca de qualquer objeto se ele é um elemento desse conjunto, deve-se então dizer: os elementos desse conjunto são Ruth e Eva e nenhum objeto que não seja idêntico a Ruth e Eva. Isso acarreta contudo esse conjunto consistir de todos os objetos aos quais o termo geral “é idêntico a Ruth e/ou Eva” convém. Ibidem, p. 112.

54 Uma expressão é denotativa quando ela se refere a algo, quando ela está no lugar de um objeto. Ela é conotativa quando, além de se referir a algo, “expressa algo conjuntamente”. Ibidem, p. 116.

Para melhor compreensão do tema e já laborando no caminho da transição do plano da formação de conceitos universais, para a prática das decisões que se referem aos casos singulares, abre-se um parêntese no encadeamento argumentativo para analisar sinteticamente duas decisões do STJ. Na primeira, o Recurso Especial nº. 411.580 - SP55, decidido a partir de uma compreensão da base

de cálculo concreta; e na segunda, o Recurso Especial nº. 522.294 – RS56, julgado

por via de um conceito universal abstrato.

No primeiro caso, a matriz de racionalidade adotada no julgamento foi o conceito singular e tributou-se a efetiva receita nos termos da lei, identificando as parcelas que foram recebidas como patrimônio pela intermediária das parcelas do salário. Caso se tivesse adotado o conceito universal de “receita”, ter-se-ia tributado a totalidade recebida, incluindo, além da comissão do agenciador, também a remuneração dos empregados temporários. Nesse caso o judiciário examinou o caso concreto – a partir de um conceito singular – e verificou o conteúdo ôntico das parcelas recebidas pelos envolvidos no negócio, a partir da sua formação jurídica.

Os direitos decorrentes da formação da obrigação entre trabalhadores e intermediário com a contratante dos serviços foram estabelecidos como eventos separados. No segundo caso, a decisão se orientou pelo conceito universal de

55 Resp. nº 411.580 – SP: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE ANGENCIAMENTO DE MÃO- DE-OBRA TEMPORÁRIA.

1. A empresa que agencia mão-de-obra temporária age como intermediária entre o contratante da mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho.

2. A intermediação implica o preço do serviço, que é a comissão, base de cálculo do fato gerador consistente nessas “intermediações”.

3. O implemento do tributo em face da remuneração efetivamente percebida conspira em prol

dos princípios da legalidade, justiça tributária e capacidade contributiva. (grifo nosso)

4. O ISS incide, apenas, sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciados, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores. Distinção de valores pertencentes a terceiros (os

empregados) e despesas, que pressupõe o reembolso. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários. Precedentes do E STJ acerca da distinção.

5. A equalização, para fins de tributação, entre o preço do serviço e a comissão induz a uma exação excessiva, lindeira à vedação ao confisco.

6. Recuso especial provido.

56 Resp. nº. 522.294 – RS: Segundo a relatoria da Ministra Eliana Calmon, as partes ajuizaram “mandado de segurança objetivando afastar a exigibilidade do IOF, instituído pelo art. 13 da lei 9.779/99, sobre os contratos de mútuo por elas firmados, na condição de integrantes de um

mesmo grupo econômico, e que objetivavam redirecionar os recursos financeiros obtidos perante instituições financeiras (grifo nosso).” A decisão: “O imposto de que se cuida não tem

contribuinte específico como pretendem as recorrentes, porque é o IOF que grava o resultado da operação financeira, seja ela praticada por pessoa física ou jurídica, comercial ou industrial, ou equiparada a instituições financeiras. Daí ter estabelecido o art. 66 do CTN que ‘contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada como dispuser a lei.’”

operação financeira e considerou tributável o mero repasse de dinheiro de uma empresa à outra.

Contudo, o fato singular de as empresas estarem sujeitas a uma mesma administração ficou encoberto pelo conceito abstrato. Caso se tivesse examinado o fato concreto – transferir dinheiro de uma para outra empresa, submetidas a um mesmo controle – ter-se-ia verificado que, para que se concretizasse uma operação financeira, estavam faltando elementos ônticos estruturais.

Em casos tais, não há risco do negócio de perda do total emprestado; não há vontade de duas partes, que simplesmente cumprem ordens administrativas de um comando administrativo central. Não há intuito de negócio centrado exclusivamente no ganho de juro, porque se tem em vista alocar os recursos do detentor do dinheiro no negócio em que se entende mais necessário. Assim, o conceito universal deixou encobertos elementos que, se considerados, poderiam ensejar uma decisão contrária à adotada, indicando uma não-incidência.

A matriz de racionalidade com que se captam os objetos empiricamente, insiste-se, modula-se pelo vetor verdadeiro ou falso. A formação dos enunciados empíricos é verdadeira, se efetivamente expressa as qualidades reais do objeto singular, no caso a verdade factual contida no negócio. Por isso, a verdade sobre o objeto singular depende da captação da imagem deste objeto de forma correta.

Então, a racionalidade se manifesta no sujeito na medida em que, pela linguagem, manifeste em frases, palavras, conceitos, a imagem verdadeira de cada objeto, considerando sua localização no tempo. Se o objeto a que se refere uma proposição não está localizado num determinado espaço e tempo, o conceito será universal, situado ainda no espaço da prescrição genérica; caso se trate de ocorrência concreta posta no tempo e espaço, o conceito será singular, se formará por via de uma descrição ou narração de seus elementos.

Assim, primeiro, para poder manifestar-se sobre o objeto, é necessário que o sujeito o conheça, capte-o racionalmente e transforme os elementos captados da singularidade em linguagem. Por isso, a representação de objetos empíricos se faz por via de “enunciados assertórios predicativos”, que organizam os elementos de um ser ôntico para ser conhecido e compreendido.

Tal objeto é visto, ou lembrado, pelas palavras e frases formadas a partir das imagens. Na formação da linguagem, onde se combinam elementos (fazendo a referibilidade exclusivamente mental entre as imagens captadas e o objeto), sempre

se interpreta os dois “algos”: comparando a pré-idéia, signo do objeto que se busca conhecer, com a pré-idéia contida no conceito universal, que lembra o objeto tal como emerge da memória. Essa comparação serve de instrumento de contraposição do “algo como algo”.

Agudas foram as palavras de Carlos Maximiliano, que diferenciam o plano da interpelação da hermenêutica:

Descobertos os métodos de interpretação, examinados em separado, um por um; nada resultaria de orgânico, de construtor, se os não enfeixássemos em um todo lógico, em um complexo harmônico. A análise suceda a síntese. Intervenha a Hermenêutica, a fim de proceder à sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. 57

Sem dúvida, então, nesse simples ato de ver, a hermenêutica se faz presente. Nesse contexto, o conceito é visto segundo a teoria dos signos que serve de instrumento de comunicação. Sobre esse tema esclarece Abbagnano: 58

Quando, porém, se admite a teoria simbólica do conceito, admite-se ipso facto também a sua instrumentalidade; e essa instrumentalidade pode ser aclarada e descrita nos seus múltiplos aspectos. Os aspectos principais são os seguintes: A primeira função atribuída ao conceito é a de descrever os objetos da experiência para permitir o seu reconhecimento. Era essa a função principal que epicuristas e estóicos atribuíam às antecipações (ou prolepses). Segundo os epicuristas, a antecipação é “a compreensão, a opinião correta, o pensamento ou a noção universal ínsita em nós como memória daquilo que, freqüentemente, nos apareceu como fora de nós” (DIÓG. L., X, 33). Essa função descritiva ou recognitiva do conceito muitas vezes é omitida por ser a mais óbvia.

No momento em que se faz a comparação do algo captado como novo, substitui-se esta imagem captada do concreto pela imagem antiga, refletida pela pré- idéia memorizada. A interpretação decorre, pois, não dos detalhes do objeto singular, inferidos e comparados com os elementos memorizados. Tem-se, pois, uma síntese do universal aplicado no objeto concreto. 59

57 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 6 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957, p. 18.

58 ABBAGNANO, Nicola, op. cit., p. 168.

59 Santaella esclarece este tema afirmando: “Porém, perguntaríamos: os sentidos, sensações, percepções não nos colocam em relação direta com o mundo, as coisas, os fenômenos, os seres, etc.? Peirce responde, e, aliás, não apenas ele, pois é a mesma questão, vista num enfoque diverso, que está em Stade du Miroir de J. Lacan: as percepções se convertem, ao serem apreendidas, em julgamentos perceptivos, portanto em elaborações cognitivas, que tendem a conformar as coisas percebidas a tipos gerais abstratos, repetíveis, reconhecíveis.” SANTAELLA, Lúcia, op. cit., p. 159.

Historicamente, entendia-se que o acesso ao conhecimento do ser se dava de duas formas: por meio da captação exclusiva da razão, ou por meio dos sentidos. Essas duas formas de entender a percepção dos objetos constituíram as variantes das discussões científicas e filosóficas, as quais serão repassadas no próximo capítulo, para que se possa: entender os núcleos de racionalidade modernamente aceitáveis; identificar os paradigmas contemporâneos; e conhecer, também, as críticas históricas que rejeitaram a aplicação de paradigmas que os justificaram. Por ora, o importante é ter consciência de que o núcleo do que se pode reconhecer como racional – ou científico – se localiza na forma, hermeneuticamente estruturada, pela qual o sujeito capta a imagem de um determinado objeto com vista a conhecê- lo de forma crítica.

Nesse sentido, Lúcia Santaella60, citando Peirce61, pondera:

Se alguém vê, não pode evitar o percepto; e se alguém olha, não pode evitar o juízo perceptivo. Assim sendo, os perceptos, sob efeito de um inevitável processo de trabalho interpretativo (operação cognitiva) resultam em juízos perceptivos que tendem a conformar a tipos gerais abstratos quaisquer coisas que sejam percebidas em suas singularidades.

Vale repetir que as formas de se ter acesso ao ser são três: a) a formação pura de idéias sobre o objeto, evitando as percepções feitas através dos sentidos; b) a percepção empírica – feita unicamente por via dos sentidos; e c) a apreensão consciente dos objetos, com a utilização simultânea e combinada desses dois caminhos, em que o conceito universal é imediatamente “realizado” no singular, o que modernamente alimenta as discussões da Fenomenologia hermenêutica, que tem em Peirce seu fundador.

Lembrando o que leciona Grau62, pondera-se que o ato de interpretar o

direito, em muitos casos implica escolha, segundo uma “lógica da preferência” do intérprete entre “várias interpretações possíveis”. Essa lógica da preferência, contudo, não se aplica ao presente estudo, uma vez que os objetos sob enfoque essencial são: a base impositiva e o seu processo de apuração da base de cálculo