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4.1 História política

4.1.6 Constitucionalismo

O personagem mais importante do surgimento do jus naturalismo é John Locke, que combatia o poder absoluto, estruturando o movimento denominado Iluminismo. São significativas as palavras de Bobbio158 sobre este filósofo:

Liberdade não significa mais o jus in omnia ilimitado. Liberdade é o direito “de regular as suas ações e de dispor da sua propriedade e da sua pessoa como melhor se queira, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de ninguém mais”.

Trata-se da noção clássica de liberdade negativa, isto é, da liberdade entendida como ausência de obrigações. Vamos encontrar uma definição ainda mais explícita, que fala da “liberdade de seguir a minha própria vontade em tudo aquilo que não seja regulado por preceitos”. Analogamente, a igualdade de que fala Locke não é a igualdade de forças, física ou material, a que se referia Hobbes, mas essencialmente uma igualdade jurídica, ou seja, aquela situação em que “todo poder ou jurisdição é recíproco, ninguém possuindo mais do que qualquer outra pessoa” e na qual não há “subordinação ou sujeição” de um indivíduo a outro.

Em combate aberto à influência predominante de Hobbes, surge o Iluminismo, em que o novo homem político luta pelo reconhecimento de sua independência, utilizando o poder da razão, o que o libertava dos controles morais religiosos. O Iluminismo pretendeu, como o nome sugere, iluminar o mundo escuro

157 Comunicação obtida em aula proferida na Faculdade de Filosofia da PUCRS, no segundo semestre de 2005.

158 BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. 2 ed. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília, 1998, p. 180.

herdado da Idade Média, e por isso, racionalmente, passou a estabelecer a verdade abstrata por via de suas elites. Neste contexto político é que se pode compreender a ideologia racionalista. Miguel Reale159 a este propósito refere:

Racionalistas, na tela do direito, são muitos autores, antigos e modernos, que sustentam que, acima ou ao lado de um direito empírico, desenrolado na experiência, existe um Direito Ideal, um Direito Racional, ou um Direito Natural, em razão de cujos ditames seria possível afirmar-se a validade ou a obrigatoriedade das regras jurídicas positivas.

A primeira teoria que fundamenta esse novo homem é a de que ele tem um direito natural, que não é controlado por vontade alguma. A liberdade inalienável é preexistente ao Estado. Por isso seus direitos naturais não podem ser violados pelo Estado. O homem, segundo o Iluminismo, nasce livre e por isso com poder de se assumir como pessoa. Os iluministas buscam controlar o Estado por via da separação dos poderes; pregam que a melhor forma de limitar o poder do Estado é quebrá-lo, distribuindo o poder a diversas pessoas, de forma a que cada uma tenha uma parte.

Cada um recebe atribuições de poder que irá controlar os outros detentores de poder. Segundo essa teoria o Estado seria dividido em três poderes distintos, surge então o poder Executivo, o Legislativo, e o Judiciário. Esse Estado, com os poderes assim divididos, segundo Bobbio, passou a se denominar o Estado Constitucional, dando origem ao Constitucionalismo contemporâneo160.

159 REALE, Miguel, op. cit., p. 97.

160 Dos muitos documentos que deixaram, por longo tempo ignorados, e que somente há alguns anos são objeto de estudo, vamos lembrar dois: O Pacto do Povo e Os Debates de Putney. O Pacto do Povo é um projeto de Constituição elaborado pelos chefes do movimento, num primeiro momento em 1647, e na forma definitiva em 1649, quando seu movimento político já tinha sido derrotado. Ainda que tenha permanecido somente como projeto sem aplicação alguma, ele constitui um importante antecedente histórico das grandes constituições que serão adotadas, primeiro pelos estados americanos e depois, no curso da Revolução Francesa, no final do século XVIII. A idéia central que anima esta Constituição é a do estado limitado, como se lê no Preâmbulo: “Nós, povo livre da Inglaterra... concordamos em oferecer segurança ao nosso governo, abolir qualquer arbitrário e colocar limites e impedimentos a qualquer autoridade”.

Para garantir o cidadão contra o abuso de poder, o art. 30 afirma que não serão válidas as leis que

violarem os princípios do Pacto: “Todas as leis feitas, no passado ou no futuro, que sejam contrárias a qualquer parte deste pacto, estão sujeitas a ser anuladas e destituídas de validade.” O Pacto do Povo é o que hoje seria chamado uma lei constitucional: ele determina que as

leis ordinária contrárias ao pacto devem ser consideradas como contrárias à Constituição e, portanto, inválidas. O Pacto do Povo é, portanto, o fundamento originário de qualquer norma jurídica válida, e assim é porque deriva da vontade popular (daí o seu nome). É como dizer que o consenso popular é o fundamento do direito: e esta é uma tese claramente democrática. BOBBIO, Norberto. op. cit., p. 35. (grifo nosso)

O novo paradigma era o livre pensamento, fundado numa moral natural, racionalmente autônoma, independente da religião, fundado numa contextualização ética, “descoberto pela razão”.

O que é de importância no Iluminismo – para fins do presente estudo – é o surgimento dos Estados de direito, no qual se reconhece a liberdade do homem não mais como um direito, mas como um dever do Estado em defendê-la e observá-la, em face da natureza humana.

O Estado passa a ser uma criação do homem conformado pela sociedade civil sujeito à decisão coletiva. A igualdade afirmada do ser humano varre as diferenças de classe; surge o status político, formando um Estado com divisão de poderes com voto livre, em que se concilie a liberdade com a autoridade, reconhecendo um status de liberdade e igualdade individual diante do Estado; emerge, então, o Estado Republicano contemporâneo. Esse Estado passa a ter como essência a tutela, a proteção dos direitos e a liberdade dos indivíduos. Reconhece-se que a vontade individual política do homem não pode ser prisioneira de uma vontade coletiva da sociedade civil, ou seja, cada indivíduo tem o direito natural de desenvolver suas potencialidades e talentos, cumprindo ao Estado propiciar auxílio nessa tarefa.

No Contrato social de Jean Jacques Rousseau161, o Estado passa a ser uma

associação de semelhantes, que se unem para construir o bem comum, e não um pacto entre pessoas contrapostas em face do egoísmo (Hobbes). Tem-se, então, uma concepção bem mais concreta da sociedade civil contemporânea. Lênio Luiz Streck162 leciona:

O constitucionalismo pode ser visto, em seu nascedouro, como uma aspiração de uma Constituição escrita, como modo de estabelecer um mecanismo de dominação legal-racional, como oposição à tradição do medievo, onde era predominante o modo de dominação carismática, e ao poder absolutista do rei, próprio da primeira forma de Estado Moderno. Em percuciente resumo, La Quadra demonstra como as primeiras constituições do mundo (com exceção do constitucionalismo americano) tratam de dar

161 Com relação ao pensamento de Rosseau, existe um trecho famoso Do Contrato Social que não deixa dúvidas: “O que o homem perde, através do contrato social, é a sua liberdade natural e um direito sem limites a tudo aquilo que o tenta e que ele pode obter: o que ganha á a liberdade civil e a propriedade de tudo aquilo que possui. Para não se enganar nestas compensações, precisa distinguir

bem a liberdade natural, que não tem outros limites a não ser as forças do indivíduo, da liberdade civil, que é limitada pela vontade geral, e a posse, que não é outra coisa senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante da propriedade que não pode ser

fundamentada a não ser num título positivo”. (grifo nosso) BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 104.

162 STRECK, Lenio luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2002, p. 95.

resposta ou submeter ao controle o poder do monarca absoluto. As primeiras constituições respondem ao esquema do princípio monárquico, através do qual, frente ao poder absoluto deste, o parlamento aparece como um limite à garantia da propriedade e da liberdade dos cidadãos.

Sem dúvida, os dispositivos contidos no art. 5º e a instituição de outros direitos, na Constituição atual brasileira, têm suas raízes históricas e formais nesse movimento.

O direito natural se funda no conceito de autopropriedade, que expressa o direito inato à liberdade e tem como derivação um elemento interior e um elemento exterior. O direito natural constitutivo do elemento interior cria um paradigma: não aceita a escravidão ou a servidão. Então, nasce o direito de não sofrer dominação, ou seja, levar uma vida independente do arbítrio alheio. Daí decorre toda a liberdade subjetiva concretizada nos sistemas jurídicos democráticos.

Da responsabilidade de ser livre decorre o elemento exterior: o de garantir a auto-sustentação, uma vez que não se pode ser livre dependendo da assistência alheia. Para tanto, a pessoa tem liberdade de dispor livremente de sua força física e mental, talentos e capacidades, bem como dos frutos deles decorrentes.

Assim, o ser independente, livre, implica liberdade de buscar seu sustento (não depender de ninguém) e por esta via a liberdade passou a inserir no seu contorno de conteúdo o direito de propriedade de bens163.

No entanto, no clima de interesse renovado pela tradição do direito natural, eis que escreve Carlo Antoni sobre Benedetto Croce164, citado por Norberto

Bobbio165:

A idéia do direito natural significa a exigência de uma influência da moral ideal universal sobre a legislação positiva, Trata-se de um momento eterno do espírito humano que exige caráter humano nas leis que governam a vida civil, e não apenas leis ditadas pela força. A justiça, a grande virtude dos príncipes, o fundamento dos reinos, é a correspondência entre a legislação positiva e as instâncias da ética. Não se trata da falsa idéia da qual o jovem Benedetto Croce se declarava liberado (...), mas sim de uma exigência que

163

Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada um é proprietário da sua pessoa, à qual tem direito exclusivo. Podemos dizer que o trabalho do seu corpo e das suas mãos é propriamente seu. A todas as coisas retiradas do estado em que a natureza as produziu e liberou, ele acrescenta o seu trabalho, dando-lhes algo que lhe é próprio e, com isso, tornam-se sua propriedade. (John Locke, Segundo tratado sobre o governo civil, Vozes, op. cit., Cap. V, § 27, p. 98.) BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 194.

164 Benedetto Croce - 1866-1952, filósofo idealista italiano. O confronto com o materialismo histórico e a filosofia de Hegel levou-o a elaborar seu próprio conceito filosófico: o Idealismo Dialético, uma visão otimista da história da humanidade, uma evolução dialética rumo ao progresso do espírito objetivo e uma história da liberdade. Sua obra em vários volumes Filosofia dello Spirito (1902-1917) é uma das mais conhecidas.

o espírito humano não pode suprimir e sem a qual não se pode explicar a história da civilidade. 166

A tese racionalista tinha sido afirmada por Grotius, que dera a seguinte definição da lei natural:

O direito natural é um ditame da reta razão, destinado a demonstrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente necessário, segundo se ajuste ou não à natureza racional do homem, e a fazer ver que esse ato é conseqüentemente proibido ou ordenado por Deus, na sua condição de criador da natureza. 167

Nesse sentido, se concretiza mais um ideal de Locke. Bobbio168 escreve:

Locke dedica todo um ensaio – o quinto e mais longo – à crítica da teoria que faz derivar a lei natural do consenso. A teoria do consenso era a mais comum e também a mais amplamente discutida nas obras dos jus naturalistas.

Nasce aí a democracia contemporânea, o direito de voto e a representação parlamentar que, modernamente, constituem os fundamentos do Estado democrático que passam a reconhecer os direitos – então denominados de naturais e a garanti-los. Mais uma vez, há que se referir às garantias constitucionais das pessoas, inseridos no art. 5º da Constituição brasileira e das normas que regem o Sistema Tributário Nacional, essenciais para o presente estudo.

Bobbio continua: 169

Grotius admitia que a lei natural podia ser conhecida a priori, isto é, pela razão, e a posteriori, ou seja, pelo consenso – mediante uma pesquisa histórico-comparativa das leis e costumes de diferentes povos. Por outro lado, admitia que o conhecimento por consenso levava a resultados menos seguros.

Cabe lembrar que, como bom racionalista e preocupado com a imposição do poder do Estado, Hobbes tinha afastado a idéia do consenso: “os homens violam a lei da natureza mais do que a respeitam. Portanto, como se pode pretender

166 ANTONI, Carlo. La restaurzione del diritto di natura. Veneza: Néri Pozza, sd, p. 36-37.

167 GROTIUS, Hugo van Groot. De jure belli ac pacis – Sobre o direito de guerra e de paz. (apud Bobbio, 1998, p. 111).

168 BOBBIO, Norberto, op. cit., p.118. 169 Ibid., p. 118.

identificar o sistema das leis naturais a partir da conduta humana?”170 Na

contraposição dessas teses, se tem uma noção histórica da essencialidade da confiança na pessoa nos Estados democráticos, e da sufocação da liberdade nos governos totalitários.

Para se estabelecer um contraponto entre o Estado Democrático – no seu surgimento – cabe referir os extremos históricos.

Hobbes171 refere também:

Todas as leis podem ser divididas, em primeiro lugar, em leis divinas e humanas. As leis divinas são de duas espécies, conforme os dois modos como Deus pode manifestar sua vontade aos homens: natural (ou moral) e positiva. Natural é aquela que Deus manifestou a todos os homens por meio da sua palavra eterna, neles inata, isto é, por meio da razão natural. Positiva é aquela que Deus revelou mediante a palavra dos profetas (...). Todas as leis humanas são leis civis.

Essas poucas passagens, que dão conta de dois paradigmas de conformação de Estados, contrapondo Hobbes e Locke, permitem uma noção inicial da luta pelos direitos individuais.

À fase inicial do constitucionalismo, segue-se outra teoria denominada de soberania popular, ou democracia. Não se trata mais da busca do reconhecimento de direitos naturais de cidadania, que estavam em fase de consolidação pelos movimentos iniciais, mas de dar um passo adiante promovendo a participação de todos na direção do estado como homens iguais.

Com a outorga do poder a uma vontade geral, não haveria forma de abusar do poder. A igualdade então surge como forma de um Estado democrático formado por homens livres. Livres e iguais, responsáveis únicos quanto ao seu destino e sorte. Surge nesse contexto histórico, a formação dos dois fundamentos essenciais do Estado contemporâneo: a liberdade e a igualdade, que passam a manifestar no contexto da sociedade civil e que, pelo consenso, formulam as diretrizes concretizadas por um ente denominado Estado. 172

170 HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 187. 171 Ibid., p. 68.

172 E, de fato, quem é o soberano, segundo Rousseau? É a vontade geral. Mas a vontade geral é a expressão global dos interesses e dos sentimentos da sociedade dos cidadãos. E, portanto, como tal, não pode errar: ela é infalível. A idéia–força que move Rousseau é que o Estado será tanto mais perfeito quanto mais a vontade do Estado coincide com a vontade geral. BOBBIO, Norberto, op. cit., 1997, p. 23.

Rousseau afirma que a vontade geral é fonte soberana de direito. Contudo, instaurado o Estado o indivíduo não tem mais motivos para resistir, uma vez que discordar do Estado seria o mesmo que discordar de si mesmo. Aqui se assenta a justiça formal, deduzida do sistema normativo.

Em outros termos, a lei se confunde com o justo. Dessa forma se fechava o círculo, uma vez que o cidadão não tinha direito de reclamação contra atos do Estado, tomados pela vontade geral. Surgem, então, as raízes do direito da reação dos cidadãos desse Estado, em forma de rebeldia à política do mesmo. Esse movimento, que teve origem essencialmente na Inglaterra, migrou para a França, onde teve seu ponto culminante no irrompimento da Revolução Francesa. 173

Tal posição filosófica concretizava o direito (e na contraposição o dever) de cada um se autodeterminar e deixava à pessoa duas alternativas: ou se sustenta e como tal é seu proprietário, ou depende da caridade privada. Caracterizava-se o Estado como liberal, conformado pelo exercício da liberdade de livre iniciativa, e negavam-se os direitos humanos, etc., inerentes ao Estado Social previdenciário, que passa a consolidar-se após a Segunda Grande Guerra. 174

O ideal da vida autônoma implica uma espécie de dever de cada indivíduo de carregar seu fardo de liberdade diante dos outros. O Estado concede a liberdade, assegura o direito à autodeterminação, dentro de um contexto social, mas o homem terá como obrigação, diante da sociedade civil, buscar seus horizontes e prover sua existência. Contemporaneamente, a proteção à dignidade não pode ser alienada. Os direitos individuais, inscritos nas Cartas políticas nacionais e supranacionais, efetivamente, priorizam de há muito o direito ao aperfeiçoamento dos talentos e, como tal, seus resultados, por via do direito à educação, que passou a ser uma responsabilidade fundamental do Estado, seja ele liberal, seja social.

Nas últimas décadas passou a ser incumbência do Estado Social a responsabilidade de proporcionar um regime previdenciário para atenuar o

173

“A obra mais ampla e conclusiva deste primeiro período dito dos monarcomaci é o grande tratado de Giovanni Althusius, intitulado Politica methodice digesta (1603), verdadeira summa da doutrina política contra o absolutismo. Althusius é um firme defensor da segunda forma. Ele afirma que o ius maiestatis pertence exclusivamente ao povo (teoria da soberania popular); e que este direito é inalienável, o que significa que o povo não pode transmiti-lo a outros (contra a teoria da translatio), mas somente delegá-lo (teoria da concessão). Os governantes são portanto qualificados não

tanto como titulares de direito soberanos, mas simplesmente como executores do direito soberano do povo, como mandatários, que são obrigados a agir dentro dos limites do mandato, se não querem ser destituídos de suas funções.” (grifo nosso) BOBBIO, Norberto, op.

cit., p. 27- 28. 174 Ibid., p. 71.

infortúnio. A intervenção do Estado serve para gerar situações que possibilitem o exercício da cidadania com dignidade. Eis aí a origem, no campo filosófico-político, do que se dispõe sobre a Seguridade Social, a partir do art. 194, da Carta de 1988. O exercício da condição humana – cidadania – é responsabilidade de cada um dentro da sociedade civil, em que cada cidadão tem obrigações além de direitos. O Estado intervém para assegurar os meios de remediar o infortúnio e prover, nos casos de carência definitiva, os meios de sobrevivência. Contextualiza-se nesse contorno a previdência social pública, lato senso, a qual surge, então, para garantir um mínimo de liberdade, a fim de que cada cidadão tenha meios de se autodeterminar.

No passado, o Estado não tinha compromisso com o cidadão quanto à busca de realização pessoal no contexto da sociedade civil, deixando a liberdade de cada um direcionar sua vida, dentro de um igualitarismo. Immanuel Kant175 define os

contornos da liberdade afirmando:

Ninguém me pode constranger a ser feliz à sua maneira (como ele concebe o bem-estar dos outros homens), mas a cada um é permitido buscar a sua felicidade pela via que lhe parecer boa, contanto que não cause dano à liberdade de os outros (isto é, ao direito de outrem) aspirarem um fim semelhante, e que pode coexistir com a liberdade de cada um, segundo uma lei universal possível.

A garantia de uma dignidade mínima, pelo regime previdenciário, contudo, mantém a auto-sustentação. Além da garantia de autonomia mínima de vivência como dignidade, resguarda-se o direito ao sigilo, à privacidade plena da pessoa, bem como o direito à liberdade de pensamento, à liberdade religiosa, enfim o direito a uma consciência livre; são alguns dos direitos concretizados no art. 5º da Constituição. Essa gama de direitos de cada um de buscar seus meios de vida, implica nova coexistência social, em que coabitam ideologias de todos os matizes, crenças de todas as ordens e moralidades de comunidades orientadas por horizontes axiológicos múltiplos.

Justificar as normas morais significa fundamentá-las face a qualquer integrante da comunidade moral. Mas não podemos fazê-lo quando para isso precisamos nos referir a uma propriedade que paira no ar como uma mera possibilidade. As normas só podem ser justificadas para alguém em

relação a seus interesses empíricos comuns, e este alguém precisa saber que o mesmo vale para todos. 176

Todos esses fatores passaram a ser de exclusiva definição de cada ser humano e se concretizam como direitos-deveres à individualidade, à autogovernabilidade, inscrito como garantia pessoal de cada cidadão, a ser exercido no contexto da sociedade civil e que se encontram exaustivamente enumerados na Carta Política.

O Estado, que adota o sistema econômico caracterizado como liberalista, tem estrutura formal e material – concretizada nos direitos e garantias individuais – voltadas para o individualismo fundado num direito inviolável a um calculismo econômico, em perseguição preponderantemente a uma auto-realização econômica.