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O objetivo primeiro deste capítulo é promover o contraponto entre o pensamento lógico racional com o pensamento fenomenológico. Num passo adiante, introduz-se a Fenomenologia como decorrência da hermenêutica, a qual busca definir a verdade finita, em cada situação singular, adotando uma matriz de inteligibilidade diferente do que sustenta o positivismo metodológico.

Em relação a essa diferenciação, refere Santaella90:

Cumpre enfatizarmos neste ponto: enquanto para Peirce a Fenomenologia exige de nós a capacidade de abrirmos os olhos para os fenômenos, a lógica exige a observação abstrativa. Ou seja: lá, a sondagem do concreto, aqui o escrutínio do concreto abstraído no homem pelo signo. Os modos do pensamento de um Deus que deveria possuir uma omnisciência intuitiva superando a razão são postos fora de questão.

Têm-se, então, paradigmas diferentes e, conseqüentemente, métodos diferentes. A matriz de inteligibilidade, que estrutura o pensamento fenomenológico, há que se fundamentar em uma nova combinação de idéias, ao mesmo tempo captadas pelos sentidos, como elementos constitutivos do ser, e organizadas pela razão num só núcleo. Com essa nova combinação, a matriz de inteligibilidade terá um foco no finito e não mais no infinito de um modelo conceitual abstrato, mas continua mantendo a racionalidade porque, ao combinar esses elementos numa síntese de idéias, está promovendo uma racionalização.

90SANTAELLA, Lúcia, op. cit., p. 46.

As aproximações formuladas nesse capítulo permitirão estabelecer uma espécie de histórico da troca de paradigmas – formulados a partir de específicas matrizes de pensamento – que, sem pretender, apresentar um estudo panorâmico e detalhado sobre o tema, quer simplesmente rememorar o passado através dos seus núcleos essenciais, para melhor examinar a captação de sentido, na ciência contemporânea, que interessem ao presente objeto.

Em outros termos, busca-se operar a partir de um limite suficiente para, simplesmente, estabelecer os contornos paradigmáticos das grandes épocas, a fim de manter essa resenha histórica na mente, gerando um tênue fio condutor das idéias, para melhor compreensão do pensamento contemporâneo. Para tal fim, se busca rememorar as fases do conhecimento centrando o estudo a partir de poucos autores, que de alguma forma se destacaram, tendo em vista que o objetivo é simplesmente estabelecer aproximações, a fim de obter argumentos para definir o objeto posto a estudo.

Facilita compreender o que é racionalidade, e também estabelecer distinções, entre os diversos modos de conceber a racionalidade quando se tem previamente uma noção sobre sua história. Para estabelecer a racionalidade há que se ter um elemento que sirva de guia, que identifique uma posição do sujeito diante da forma de estabelecer a verdade. Cabe, contudo, asseverar que segundo Tugendhat91:

O contexto central do emprego pré-filosófico da palavra “verdadeiro” se liga, sem dúvida, a enunciados. P.ex., alguém narra algo e nós perguntamos: “O que ele está dizendo é verdadeiro – ou falso? A verdade neste sentido é portanto uma propriedade de enunciados (ou de proposições ou de juízos, dependendo de onde se dê a ênfase principal.

Em outros termos, é necessário, que se identifique a matriz de racionalidade que possa servir de um núcleo do pensamento, vetor, ou standard de inteligibilidade subjacente aos paradigmas orientadores do saber de cada época. Tais paradigmas de pensamento científico refletiram-se e refletem-se na conformação do Estado, por isso seu duplo interesse: de um lado a desconstrução do conhecimento, de outro a identificação do standard de pensamento subjacente à estruturação do pensamento político.

O standard de racionalidade – haurido no discurso filosófico – impõe um caráter de unidade, como se fosse uma gramática gerativa do conhecimento que estabelece previamente as forma de sintaxe, de combinação, dos conteúdos captados e transpostos pela linguagem. Cada enunciado, que carrega um elemento de significação, se remete a um centro, constituído em matriz de inteligibilidade onde se definirá uma forma de sua apreensão cognitiva. Nesse núcleo de geração de idéias se manifesta a inferência lógica e por isso, necessariamente, é um elemento que justifica a definição do objeto do conhecimento. A partir dessa matriz lógica adotada se constroem os significados; a partir de métodos de racionalidade, constrói-se, também, uma síntese do ser que busca ser conhecida. Então, através dessa matriz de inteligibilidade, ou standard de racionalidade, é que se constroem os paradigmas do conhecimento universais e se formula, historicamente, o pensar da realidade que se constitui uma forma ampla para buscar o conhecimento do ser.

Stein92, ao resumir Heidegger93, afirma:

Heidegger enumera um conjunto de princípios espaciais, nos quais o ser é definido a partir de um ente. Assim temos, por exemplo, a idéia em Platão, a substância em Aristóteles, o ipsum esse em Tomás de Aquino, o cogito em Descartes, o eu penso em Kant, o saber absoluto em Hegel, e a vontade de poder em Nietzsche. Cada uma destas concepções de ser da metafísica termina marcando época. Por isso se fala em princípios epocais cujos traços aparecem, no fundo, em cada uma das cultuadas.

Na verdade, conforme se referiu no final do capítulo anterior, não existem dois mundos94 – como no platonismo – separando o empírico, decorrente dos

sentidos emanados do corpo (animal) e a razão, contida no espírito: qualquer indício do ser captado pelos sentidos terá que ser estruturado de forma mental; por isso, manifestam-se, ao mesmo tempo, a experiência natural e a experiência especulativa (ou transcendental não-clássica), segundo Peirce95.

92 STEIN, Ernildo. Nas proximidades da antropologia: ensaios e conferência. Ijuí: Unijuí, 2003, p. 141.

93

Martin Heidegger-1889-1976, filósofo alemão, considerava o seu método fenomenológico e

hermenêutico, que vai diretamente ao fenômeno, procedendo à sua análise, pondo a claro o modo como da sua manifestação. Essa metodologia corresponde a um modelo kantiano, ou coperniciano da colocação ou projeção da perspectiva; opera uma inflexão do ponto de vista, ou seja, o foco deve ser desviado do ente para o ser, ou do que é para o como é. Esta inflexão focaliza os modos de ser do ente, sendo uma inversão da ontologia tradicional.

94 Itamar Gaiano Filho afirma: “Mas o seu primeiro grande representante foi sem dúvida Platão, que acreditava na existência de uma justiça eterna e absoluta. Também Aristóteles, não obstante as divergências de sua doutrina em relação à de Platão, acreditava na existência de uma justiça natural (não imutável, porém), em oposição à justiça legal ou convencional.” GAIANO FILHO, Itamar. Positivismo e retórica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p.22.