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O ensino de ciências em escolas alternativas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Física Gleb Wataghin

Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática

LAURA ORSI MACHADO

O ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESCOLAS ALTERNATIVAS

SCIENCE EDUCATION IN ALTERNATIVE SCHOOLS

CAMPINAS 2019

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LAURA ORSI MACHADO

O ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESCOLAS ALTERNATIVAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM), da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Mestra em Ensino de Ciências e Matemática, na área de concentração Ensino de Ciências e Matemática.

Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Aparecida Viveiro

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida pela estudante Laura Orsi Machado e orientada pela Profa. Dra. Alessandra Aparecida Viveiro.

CAMPINAS 2019

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Física Gleb Wataghin Lucimeire de Oliveira Silva da Rocha - CRB 8/9174

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Science education in alternative schools Palavras-chave em inglês:

Science teaching Alternative schools Teaching proposals

Área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática Titulação: Mestra em Ensino de Ciências e Matemática Banca examinadora:

Alessandra Aparecida Viveiro [Orientador] Luciana Maria Lunardi Campos

Maurício Compiani

Data de defesa: 12-08-2019

Programa de Pós-Graduação: Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-5231-9035 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/0359079060044319

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COMISSÃO EXAMINADORA

Profa Dra. Alessandra Aparecida Viveiro (Presidente) Faculdade de Educação - Unicamp

Profa. Dra. Luciana Maria Lunardi Campos Instituto de Biociências - Unesp

Prof. Dr. Maurício Compiani Faculdade de Educação - Unicamp

A ata da defesa, assinada pelos membros da comissão examinadora, consta no SIGA/Sistema de fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática.

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Dedico essa dissertação a todos que, generosos, me enriquecem pessoal e profissionalmente com seus ensinamentos: À minha família: minha mãe Alda, meu pai Antônio e minha irmã Thais,

Ao meu amor e companheiro Alexandre, Aos professores e educadores que fizeram parte dessa caminhada,

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AGRADECIMENTOS

Acredito que o final desse processo de vivências, estudos e aprendizagens envolve o toque de inúmeras pessoas, para as quais os agradecimentos que aqui dedico não parecem ser suficientes, visto que, apesar de transformador, o processo de dissertar também é árduo e, ter o apoio, o carinho e o partilhar de conhecimento de cada um de vocês foi essencial para a conclusão deste trabalho. Assim, sigo agradecendo enormemente...

À professora Alessandra Aparecida Viveiro, pela orientação da presente pesquisa e pela grande parceria estabelecida ao longo desse processo, regada de amizade, confiança, ensinamentos e incentivos.

À Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e à Escola Estadual Dom Joaquim Justino Carreira, por concederem o tempo e o incentivo necessários para minha dedicação a esse estudo.

Aos professores membros da banca de qualificação e de defesa, Luciana Maria Lunardi Campos, Maurício Compiani e Jorge Megid Neto, pelas valiosas contribuições que enriqueceram esse trabalho.

Às escolas alternativas e seus educadores que aceitaram participar da pesquisa, me recebendo carinhosamente em suas unidades e contribuindo enormemente para o presente estudo. Aos professores e grandes amigos do Grupo Formar-Ciências, pela amizade, companheirismo e incentivo, especialmente aos amigos Sérgio Leandro, Marcelo D`Aquino, Daniel, Marcela D`Ambrosio, Núria Marques, Paula Cristina, Fábio Nascibem e Érika Maia.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) que contribuíram enormemente para minha formação ao longo das disciplinas cursadas nesses anos de Mestrado.

Aos educadores e coordenadores das escolas em que trabalho, por me incentivarem e apoiarem meus estudos.

Aos meus alunos e ex-alunos que sempre me levam a reflexões sobre minha própria prática. Aos meus amigos e colegas trabalho que me inspiram e compartilham experiências todos os dias, especialmente às amigas Ana Valéria, Luiza Baggio, Jamile Scrico, Anna Vizzu, Raquel Ribeiro, Amanda Fonseca, Luciana Oliveira e Patrícia Stocco, professoras maravilhosas.

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A minha família e ao meu amor, pelo incentivo e por compreenderem meus momentos de concentração e solidão dedicados a esse trabalho.

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RESUMO

Os diversos desafios enfrentados pelo Ensino de Ciências como, por exemplo, a necessidade de formar cidadãos cientificamente cultos, de contextualização dos conteúdos e a inserção das diferentes tecnologias no currículo, somam-se aos desafios educativos externos, como a deterioração das condições de trabalho e a indisciplina, dificultando as práticas educativas em sala de aula. A literatura, compreendendo que tais desafios são ocasionados, principalmente, pelas diferentes concepções de educação, de ciências e de ambiente, propõe como forma de superação um Ensino de Ciências que se desenvolva tendo como bases a interdisciplinaridade, a contextualização, as complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA), a perspectiva da História e Filosofia da Ciência e abordagens que envolvam atividades investigativas. Sabe-se que, apesar de tais indicações, o Ensino de Ciências atual ainda ocorre, predominantemente, de forma tradicional. Assim, partindo de tal constatação, a presente pesquisa tomou como premissa que em escolas não convencionais o Ensino de Ciências provavelmente ocorra de forma diferenciada. Essa hipótese levou à busca por formas diferenciadas de ensino, sendo que, por meio de publicações midiáticas e acadêmicas, chegou-se às chamadas “escolas alternativas”. Tais escolas emergem em diferentes contextos e parecem seguir tendências pedagógicas com práticas que se distanciam daquelas desenvolvidas na maior parte das escolas. Como, então, se dá o Ensino de Ciências nessas escolas? Com o objetivo de identificar e descrever as características do Ensino de Ciências que ocorre em diferentes escolas alternativas, seguiu-se com uma pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso múltiplo, no qual fizeram parte três escolas, identificadas depois como escola democrática, escola Waldorf e escola Freinet. A coleta de dados ocorreu por meio de documentos, entrevistas e observações diretas de aulas de Ciências. A análise contou com a descrição detalhada do Ensino de Ciências de cada uma das escolas selecionadas, seguindo a estratégia de construção da explanação, descrita por Robert Yin. Os resultados obtidos apontam distintas formas de desenvolvimento do Ensino de Ciências em cada escola. Ao confluir os dados, entretanto, conclui-se que o Ensino de Ciências nessas escolas alternativas ainda ocorre de forma convencional, porém, com o desenvolvimento de algumas características que o aproximam do ensino preconizado pela literatura, o que permitiu que fossem elencadas práticas que podem orientar e inspirar outras escolas.

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ABSTRACT

The several challenges faced by science education, for example, the requirement of forming scientifically cult citizens, the contextualization of content and the insertion of different technologies into the curriculum, add to the educational challenges outside education, such as the conditions of work deteriorated and indiscipline, hindering the educational practices in the classroom. The literature, understanding that such challenges are caused, mainly, by different conceptions of education, science and the environment, proposes as a way of overcoming, a Science Education that develops through the following axes: interdisciplinarity, contextualization, science, technology and society (STS), History and Philosophy of Science and investigative activities. It is known that, despite such indications, the current Science Education still occurs predominantly in the traditional way. Thus, based on this observation, the present study assumed that, in non-conventional schools, Science Education probably occurs in a different way. This hypothesis led to the search for different forms of education, and through media and academic publications, we reached the so-called "alternative schools". Such schools emerge in different contexts and appear to follow pedagogical trends with practices that are far from those developed in most schools. How, then, does Science Education happen in those schools? With the purpose of describing Science Education in alternative schools and seeking contributions to the area, a qualitative research was carried out, a multiple case study, in which three schools were identified, later, as a democratic school, Waldorf School and Freinet School. Data collection occurred through documents, interviews and direct observations of science classes. The analysis of the study counted on the detailed description of the Science Education of each one of the selected schools, following the strategy of analysis "construction of the explanation", described by Robert Yin. The results show different ways of developing Science Education in each school. However, it is concluded that the teaching of science in alternative schools still occurs in a conventional way, but, with the development of some characteristics that bring it closer to the teaching recommended by the literature, which allowed the identification of practices and structures capable of orienting and / or inspiring other schools along the path of developing a Science Education closer to the one recommended.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1

Excerto de publicação em diário oficial que regulamenta a participação dos professores no grupo de trabalho EPA da escola democrática...98 Figura 2

Escola Democrática vista de cima por imagem via satélite...100 Figura 3

Escola Waldorf vista de cima por imagem via satélite...125 Figura 4

Escola Freinet vista de cima por imagem via satélite...155 Figura 5

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1

Quantidade de resultados avaliados por palavra-chave utilizada...70 Tabela 2

Quantidade de escolas alternativas encontradas a partir do levantamento midiático, de acordo com sua autodenominação de modelo pedagógico...75 Tabela 3

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1

Evolução da Situação Mundial e Brasileira, segundo Tendências no Ensino de 1950-2000...30 Quadro 2

Características de cada escola alternativa brasileira encontrada a partir do levantamento realizado via internet...72 Quadro 3

Descrição das atividades realizadas durante as visitas de campo feitas nas três escolas...86 Quadro 4

Caracterização dos colaboradores da pesquisa nas escolas...88 Quadro 5

Organização das atividades em um dia de aula do Ensino Fundamental Anos Finais na escola democrática...96 Quadro 6

Organização do currículo para o Ensino de Ciências - Escola Democrática...104 Quadro 7

Organização e horário de funcionamento dos cursos na escola Waldorf...126 Quadro 8

Organização semanal de aula em um 7º ano da escola Waldorf...128 Quadro 9

Organização semanal de aulas em um 9º ano da escola Waldorf...130 Quadro 10

Organização do currículo para o Ensino de Ciências – Escola Waldorf...137 Quadro 11

Organização dos níveis de ensino ofertados na escola Freinet... 156 Quadro 12

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Quadro 13

Organização do currículo para o Ensino de Ciências – Escola Freinet...164 Quadro 14

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO 16

2. INTRODUÇÃO 21

3. REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS 25

3.1 O Ensino de Ciências no Brasil: histórico, desafios e a atualidade 25 3.2 Perspectivas para o Ensino de Ciências: o ensino atual e o que sugere a literatura 36

3.2.1 Interdisciplinaridade 41

3.2.2 Contextualização e o Ensino de Ciências 43

3.2.3 CTS ou CTSA e o Ensino de Ciências 46

3.2.4 História e Filosofia da Ciência 50

3.2.5 Atividades Investigativas 52

4. REFLEXÕES SOBRE AS ESCOLAS NO BRASIL 56

4.1 Trajetória das ideias pedagógicas no Brasil 56

4.2 Existem outras escolas: as escolas alternativas 63

4.3. Levantamento Midiático 69

4.2 Revisão Bibliográfica 77

5. CAMINHOS DA PESQUISA 80

5.1 Delimitando o caso de estudo 81

5.1.1. A escolha das escolas a serem estudadas 82

5.2. A coleta de dados 85

5.3 A análise 89

6. TRÊS CASOS DE ESCOLAS ALTERNATIVAS 91

6.1 Escola democrática 91

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6.1.2 O Ensino de Ciências na escola democrática estudada: leituras, vivências e diálogos 102

6.2. Escola Waldorf 119

6.2.1 A escola Waldorf estudada: história, organização e relações estabelecidas 124 6.2.2 O Ensino de Ciências na escola Waldorf estudada: leituras, vivências e diálogos 133

6.3 Escola Freinet 149

6.3.1 A escola Freinet estudada: história, organização e relações estabelecidas 153 6.3.2 O Ensino de Ciências na escola Freinet estudada: leituras, vivências e diálogos 162 7. O ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESCOLAS ALTERNATIVAS: Discussões, conclusões e

contribuições 178

8. REFERÊNCIAS 186

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista – Coordenadores pedagógicos 193 APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista – Professores de Ciências 194

ANEXO 1 – Carta elaborada por aluna do Ensino Médio 195

ANEXO 2 – Termo de consentimento livre e esclarecido – Coordenadores Pedagógicos. 196 ANEXO 3 – Termo de consentimento livre e esclarecido – Professores de Ciências 199

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1. APRESENTAÇÃO

Esta dissertação não se trata apenas de um produto final de um processo de pesquisa, mas sim de experiências vividas, indagações e descobertas. Por meio dela gostaria de compartilhar as vivências desse processo e os conhecimentos adquiridos, contando a história desse trabalho. Para isso, precisarei começar do princípio; não do meu nascimento, mas de quando nasceu em mim a vontade de lecionar.

Adolescente ainda, entre meus 13 e 17 anos, tive a oportunidade de ter aulas de Ciências e Biologia com grandes mestres e mestras, os quais me inspiraram para minha escolha. Escolhi a Biologia como curso superior e, para qualquer um que me perguntasse fazendo o nariz torto: “Mas Biologia? Tem certeza? Vai ter que dar aula!”, eu respondia toda orgulhosa: “Imagina! Não vou dar aulas, serei pesquisadora!”. Imatura ainda, não fazia ideia do que era ser pesquisadora. Tinha na minha cabeça a imagem de Einstein e de outros grandes cientistas, distorcida pelas versões populares ou da mídia, absorvidas por mim até então. Segui com a minha escolha e em 2007 ingressei na Universidade, Unesp, em Botucatu.

Ainda muito jovem e com dúvidas sobre qual caminho seguir decidi que faria tanto o Bacharel quanto a Licenciatura. Cursei primeiro a Licenciatura, claro! Assim, findada as disciplinas da área de educação, teria mais tempo para me dedicar a tão desejada pesquisa, como havia sonhado. Finalmente, em 2009, ingressei na área de pesquisa, permaneci por 3 anos trabalhando em laboratório e fazendo Iniciação Científica na área de Fitofarmacologia. Três anos, até eu me dar conta de que a minha paixão mesmo era estar com pessoas, me comunicar e compartilhar o conhecimento.

Terminei a faculdade em dezembro de 2011 e voltei para casa, na minha cidade natal, Jundiaí/SP. Cheguei em casa formada, com dois títulos (Licenciatura e Bacharel), sem saber ao certo qual caminho seguir. Foi quando, no início de 2012, após alguns meses sem conseguir emprego como “pesquisadora”, decidi dar aulas. Ingressei no Estado de São Paulo como “categoria O”, contrato temporário oferecido pelo governo. Comecei com tudo, sete salas do 7ºano, 28 horas/aula. O início foi duro, mas também apaixonante e foi aí, na prática, ao poder compartilhar o conhecimento, ao receber o retorno positivo e amoroso dos alunos que eu me senti útil e me apaixonei pela docência. Nasceu em mim a vontade e o gosto por lecionar, o despertar da profissão.

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Em 2013 pude me efetivar como Professora da Educação Básica no Estado de São Paulo e, ao longo dos anos, com mais experiência, outras oportunidades foram surgindo e as angústias da profissão também. Nesse mesmo ano pude acumular cargo e ingressei para atuar na rede privada, podendo assim conviver com duas realidades diferentes: pela manhã – rede privada, aulas em uma escola equipada, com disponibilidade de laboratório, biblioteca, informática, lousa digital, entre outros recursos; enquanto a tarde – rede pública – a realidade de uma infraestrutura precária, com falta de professores, salas de aula lotadas, ausência de laboratório, ausência de salas de informática e ausência de outros recursos.

Duas realidades diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais! Explico, mesmo com todas as diferenças estampadas na minha cara, vivenciadas no meu dia-a-dia, os meus problemas em sala continuavam sendo os mesmos, em ambas as realidades! Em minhas aulas, independente do contexto vivido, eu notava a carência afetiva dos alunos, a falta de interesse, a indisciplina, a falta de respeito com os colegas, a dificuldade de inclusão, entre outros problemas corriqueiros da profissão professor. O que será que eu estou fazendo de errado? O comportamento dos alunos só é assim na minha aula? O que devo fazer para atrair o interesse dos alunos para os conhecimentos científicos?

Não só essas, mas outras inquietações começaram a surgir e me angustiar, já que não via solução para elas. Comecei a estudar mais sobre educação, quando, em 2014, tive acesso a uma entrevista de Mário Sérgio Cortella1 ao Jornal Estado de São Paulo em que afirmava que “temos métodos de ensino do século XIX, docentes do século XX e alunos do século XXI”2. A frase ecoou em minha mente durante muito tempo e me suscitou pensamentos do tipo: já que sou professora formada do século XXI, por que não atuo como uma professora do século XXI?

Tal questionamento me fez concluir que eu não sabia o que era ser uma professora do século XXI, muito menos sabia se existiam métodos do século XXI, uma vez que aquilo que vivenciei durante toda minha vida escolar e, depois, enquanto professora, mais se aproximava do método tradicional do século XIX. Carteiras enfileiradas, professor à frente da sala e detentor do

1 Filósofo, Mestre e Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde também é professor titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-graduação em Educação. Fonte: http://www.institutocpfl.org.br/play/palestrante/mario-sergio-cortella/.

2

Disponível em:

https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,cortella-a-escola-passou-a-ser-vista-como-um-espaco-de-salvacao,1168058/.

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conhecimento, alunos sentados recebendo o conhecimento, exercícios para fixação do conteúdo, silêncio durante toda a aula. Foi assim que aprendi e dessa forma tentava reproduzir. Comecei, então, a me perguntar: será esse o problema das minhas aulas, o método? Será que existem métodos alternativos? Como modificar minha prática em sala de aula?

Essas indagações me levaram a refletir sobre a própria prática. Entretanto, na situação de trabalho em que eu me encontrava, já no final de 2014, não consegui implementar grandes mudanças. O ano de 2015 iniciou, totalizavam-se três anos de atuação na docência voltada para o Ensino de Ciências. Assumi 3 empregos: dois cargos efetivos no Estado de São Paulo e um cargo em escola privada. Três escolas, uma na cidade de Jundiaí/SP e as outras duas na cidade de Itupeva/SP. Três turnos trabalhados, manhã, tarde e noite. Jovem ainda e, na ilusão de obter melhor remuneração acumulando três empregos, eu estafei, com muitos encargos, adoeci.

Falta de investimento em educação e baixas remunerações acabam levando professores ao acúmulo de cargos, os quais sobrecarregam-se buscando alternativas para uma melhor condição de vida. Sobrecarregada, pude sentir a deterioração das condições de trabalho e a desvalorização da profissão. Confusa ainda, resolvi, primeiramente, cuidar de mim. Deixei um dos cargos do Estado, ficaria agora apenas com dois turnos (manhã e tarde), cuidaria de mim no restante do tempo.

Os cuidados pessoais foram trazendo resultado e pude voltar a trabalhar. Entretanto, em sala de aula, outras questões começaram a atormentar minha mente. Segundo Costa e colaboradores (2012, p. 1), “para muitos professores há dificuldades que impedem o desenvolvimento dos estudantes com relação às Ciências, tais como indisciplina, falta de estrutura física das escolas, dentre outras”. Esses fatores, somados às exigências atuais para o Ensino de Ciências, acabaram gerando conflitos e indagações internas. Qual a melhor forma de ensinar Ciências? Será que posso atuar de forma diferente nas escolas em que trabalho?

Minhas inquietações me levaram a buscar por mudanças, porém tais mudanças foram difíceis de se concretizar. Tentei preparar aulas mais interativas, trazer alguns elementos investigativos e um pouco da História e Filosofia da Ciência para as minhas aulas. Entretanto, na prática, outros desafios, externos ao Ensino de Ciências, traziam inúmeras dificuldades. Era maio de 2015 quando eu me dei conta de que meus objetivos de contextualizar o conteúdo, de trazer informações atuais sobre ciência e tecnologia e de desenvolver aulas que levassem em conta as diversas habilidades de meus alunos, por mais que eu planejasse, raramente eram atingidos.

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Desafios externos, como as deteriorações das condições de trabalho, faziam com que alcançar, em sala de aula, o que eu havia buscado na teoria, fosse ainda mais difícil. De acordo com Krasilchik (2000, p. 87), “a realidade das salas de aula têm mudado muito mais em função da deterioração das condições de trabalho do que por injunções legais”.

Além disso, percebi que, ao mesmo tempo em que sonhava e planejava um Ensino de Ciências ideal, na prática eu era intensamente cobrada para dar conta dos conteúdos programados de cada bimestre. Caso isso não se cumprisse, viriam as consequências. Na escola estadual, questionamentos quanto ao atraso ou motivos que justificassem a inversão dos conteúdos, na rede privada, cobrança de planejamentos e justificativas para o atraso que prejudicaria o desempenho dos alunos nas provas externas. A necessidade de cumprir o conteúdo acabou se tornando outro empecilho para alcançar a mudança que eu tanto buscava. Minha vivência vai ao encontro do que afirmam Cachapuz, Praia e Jorge (2004, p. 379): “O Ensino de Ciências, privilegiando a extensão e não a profundidade nas abordagens programáticas, faz confusão entre ‘cumprir’ o programa e promover a excelência das aprendizagens”. Além desses autores, outros estudos de referência, como Amaral (2000), Fourez (2003) e Krasilchik (2000), por exemplo, também versam sobre esses desafios relatados, os quais enfrento ainda hoje ao lecionar Ciências. Procuram ainda, elencar possíveis pontos que podem ser modificados para obtenção de um Ensino de Ciências mais efetivo. Pude então, por meio desses estudos da literatura, compreender um pouco mais sobre os motivos que levavam a essa grande distância entre o Ensino de Ciências “ideal” e o Ensino de Ciências real. Tomada, ainda, por inseguranças quanto à minha prática, comecei a me questionar: O que posso fazer para tornar as aulas de Ciências mais interessantes? Qual a melhor maneira de abordar o conhecimento científico e tecnológico em sala de aula?

Foi quando, ainda em maio de 2015, recebi uma carta (Anexo 1), escrita por uma de minhas alunas do Ensino Médio. A carta, destinada a todos os professores, retratava o sentimento dos alunos quanto às práticas pedagógicas adotadas pelos professores e pela escola e, ainda, o desejo de terem outros conteúdos abordados e outras habilidades desenvolvidas. A carta, curta, porém profunda, terminava assim: “Professor(a), estou te escrevendo, pois, conhecimento não é só aquilo que aprendemos para a prova, tenho certeza que você sabe disso. E professor(a), te escrevo porque enxergo uma mudança nisso tudo. Uma mudança que parte de todos nós. E sabe do melhor? Ela não é impossível”.

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Primeiramente, o sentimento que tive ao terminar de ler a carta foi de conforto, já que os escritos mostram que os problemas não estão apenas na minha área de atuação. Posteriormente, surgiu a preocupação, me dei conta de que a realidade que eu vivia era comum para muitos professores e para muitos alunos. Seguiu-se, então, um grande desejo de mudança. Relembrei as minhas indagações do ano anterior (2014), amadureci a ideia e a vontade de pesquisar, estudei, me empenhei e, mais importante, encontrei pessoas que compartilhavam do mesmo ideal ou das mesmas vontades de mudança. Uma delas, em especial, se propôs a me orientar nesta caminhada e em 2017 demos início a essa pesquisa.

O presente estudo surge, então, como reflexo da minha trajetória enquanto docente, de reflexões sobre a minha própria prática e do desejo de mudança para o Ensino de Ciências despertado em mim. Foram essas indagações que me levaram a voltar aos estudos. Porém, dessa vez, com uma vontade maior de pesquisar e conhecer realidades diferentes da minha. Vontade de vivenciar alternativas que inspirassem a minha prática, vontade de compartilhar essas experiências.

Durante as pesquisas iniciais encontrei relatos, reportagens, entrevistas, blogs e documentários que falavam sobre escolas que se desenvolviam a partir de bases pedagógicas diferenciadas. Tais arquivos, encontrados na mídia, tratavam essas escolas como “escolas alternativas”, dizendo que as mesmas apresentavam metodologias diferentes das empregadas em escolas convencionais. Acreditei, então, ter encontrado as tais “escolas do século XXI”, as quais Cortella havia citado em 2014. Como seria, então, o Ensino de Ciências nessas escolas? Será que as escolas alternativas apresentavam, também, uma forma diferente de ensinar Ciências? Tais indagações seguiram orientando nossa pesquisa e trouxeram a oportunidade de vivenciar diferentes realidades, experimentar diferentes métodos e agora, por meio dessa dissertação, compartilhar todo o conhecimento adquirido.

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2. INTRODUÇÃO

Para Krasilchik (2000), o Ensino de Ciências desenvolvido no contexto escolar acaba refletindo as mudanças históricas, políticas e econômicas da sociedade, modificando seu objetivo de acordo com a visão de Ciência de cada época e sendo diretamente influenciado pelas tendências pedagógicas adotadas pela escola. Ainda, os estudos de Amaral (2000) trazem que, além do contexto histórico, político e social, da visão de Ciência adotada e da tendência pedagógica seguida pela escola, o Ensino de Ciências pode também sofrer modificações de acordo com as concepções de educação e de ambiente. Os múltiplos fatores mencionados por esses autores acabam impulsionando mudanças que atingem o Ensino de Ciências, o qual também se adapta aos diferentes contextos, modificando-se ao longo do tempo. Como, então, caracterizar o Ensino de Ciências atual?

Dentro do contexto escolar, o Ensino de Ciências é guiado, principalmente, pela tendência pedagógica adotada. Tanto Amaral (2000) quanto Krasilchik (2000) comentam que a tendência pedagógica traz em si uma concepção de educação, a qual acaba influenciando os objetivos educacionais tomados pela escola e, consequentemente, os objetivos para o Ensino de Ciências. Tendo essa constatação, no início dos anos 2000, Krasilchik discute que, apesar da variedade de modelos pedagógicos existentes, o modelo tradicional de ensino ainda predominava nas escolas brasileiras.

O cenário escolar descrito por Krasilchik (2000) parece não ter mudado muito nas últimas décadas. Focado na mera transmissão do conhecimento, o Ensino de Ciências segue, na maioria das vezes, descontextualizado. Nesse cenário, estudos como os de Amaral (2000), Cachapuz, Praia e Jorge (2004) e Fourez (2003) elencam alguns desafios enfrentados pela área. Dentre os desafios, os trabalho de Amaral (2000) e de Fourez (2003) trazem algumas controvérsias marcantes para o desenvolvimento histórico do Ensino de Ciências, como: ensino teórico ou ensino prático, Ciência como produto ou como processo, mitificação da Ciência ou Ciência como atividade humana, desconsideração ou valorização do cotidiano do aluno, lógica da Ciência ou lógica do aluno, multidisciplinaridade ou interdisciplinaridade, currículo padrão ou flexibilidade curricular, abordagem ecológica ou ambiental, alfabetização científica ou ensino das proezas científicas, formar para conhecimentos específicos ou para competências mais amplas, professor paciente ou professor agente, entre outras.

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Somam-se a essas controvérsias, ainda, os pontos críticos para o Ensino de Ciências escolar, mencionados por Cachapuz, Praia e Jorge (2004), como: 1. O Ensino de Ciências ainda fortemente marcado por visões positivistas e pelo contexto acadêmico, ignorando articulações necessárias com as áreas de Ciências, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), e de Ciência ética; 2. A subvalorização do desenvolvimento de competências e atitudes científicas (por exemplo, quando se passa dos programas propostos à avaliação das aprendizagens, muitas são simplesmente ignoradas em prol da avaliação do “corpo de conhecimentos”); 3. O ensino não experimental; 4. O uso, pelos alunos, das novas tecnologias da informação e comunicação como recurso didático é praticamente simbólico; 5. Interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade estão ausentes; 6. Ensino em que o caráter transmissivo asfixia o investigativo; 7. Ensino das Ciências em que se burocratizaram as funções do professor, a começar pela ritualização da avaliação da aprendizagem; e 8. Privilegia-se a extensão e não a profundidade nas abordagens programáticas (confusão entre “cumprir” o programa e promover a excelência das aprendizagens).

Diante dessa realidade, Amaral (2000), Cachapuz, Praia e Jorge (2004), Fourez (2003) e Krasilchik (2000) propõem caminhos para que o Ensino de Ciências seja capaz de superar os limites e desafios enfrentados. Entre esses, destacamos, neste trabalho, alguns princípios que consideramos essenciais: a interdisciplinaridade; a contextualização dos conteúdos; a abordagem em Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTS/CTSA); abordagens que levem em consideração a História e Filosofia da Ciências e o uso de atividades investigativas.

Conforme discute Fourez (2003), os problemas enfrentados pelo Ensino de Ciências apontam para a necessidade de uma redefinição da ciência escolar e da forma de condução das atividades de ensino. Contreras (2003, 2004) discute que a imagem que temos de escola consolidada em nossa mente como lugar em que meninos e meninas são separados por idade, se sentam diante de um adulto e seguem um plano de ensino planificado, muitas vezes nos impede de enxergar que em outras épocas e em outros lugares existiram ou existem diferentes formas de educação. Para o autor, essas experiências “alternativas” ao ensino convencional tiveram especial ressonância em diferentes épocas, trazendo inovações para as mais diversas áreas de ensino.

No Brasil, por exemplo, o termo “escolas alternativas” surgiu no contexto da Ditadura Militar, através de iniciativas escolares que procuravam ofertar um ensino diferente do técnico militarizado (KÜNZLE, 2011). Entretanto, passado tal contexto ditatorial, autores como Feijó e Vieira (2012) trazem como escolas alternativas aquelas que se contrapõem às escolas

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convencionais, que pautam seus princípios em relações mais horizontais de aprendizagem, que preocupam-se em não eclipsar o desejo de aprender com que a criança/adolescente vem à escola, buscando desenvolver um ambiente de aprendizagem onde educadores, estudantes e família fazem parte do processo de ensino (FEIJÓ; VIEIRA, 2012).

Tais escolas alternativas, por terem sido apontadas por esses trabalhos como escolas que se diferenciam das convencionais predominantes, despertaram o nosso interesse de pesquisa. Levando em consideração, portanto, a nossa vontade de conhecer mais a fundo essas escolas e a falta de conhecimento de como se dá o ensino nas mesmas, elaboramos a seguinte questão de pesquisa: como se dá o Ensino de Ciências em escolas alternativas?

Consideramos aqui, como “escolas alternativas”, aquelas que adotam modelos pedagógicos diferentes do convencional e conseguem desenvolvê-los na escola como um todo. Tomamos como base para essa definição estudos como os de Contreras (2003; 2004), Feijó e Vieira (2012), Gadotti (2003), Libâneo (1985; 2009) e Saviani (2005), que descrevem diferentes tendências pedagógicas presentes nas escolas do Brasil e do mundo, classificam tais tendências a partir de diferentes referenciais, porém constatam, em comum, a presença de uma tendência ainda dominante. Trata-se da tendência pedagógica na qual a ênfase está na teoria, o professor é o detentor do conhecimento e o aluno o receptor passivo. Alguns autores chamam essa tendência de “tradicional” (SAVIANI, 2005), outros de “convencional” (CONTRERAS, 2003, 2004; FEIJÓ; VIEIRA, 2012) enquanto outros, ainda, a denominam como “liberal” (GADOTTI, 2003; LIBÂNEO, 1985) fazendo referência a essa mesma abordagem pedagógica dentro de um contexto sociopolítico. O entendimento de alternativo, aqui, é justamente aquilo que se opõe a essa tendência dominante.

Acreditamos, portanto, que em escolas alternativas o Ensino de Ciências também ocorra contrariando a tendência pedagógica convencional. Sendo assim, a partir desse pressuposto, a pesquisa teve como objetivo identificar, descrever e analisar as características do Ensino de Ciências que ocorre em diferentes escolas alternativas. Para isso, realizamos uma pesquisa do tipo estudo de casos múltiplos, trabalhando com três escolas alternativas localizadas em um município do interior de São Paulo. Cada uma das escolas selecionadas adota um modelo pedagógico diferenciado (escola Democrática, Pedagogia Waldorf e Pedagogia Freinet). Dessa forma, foi possível realizar uma análise que levasse em conta as confluências e as discrepâncias do Ensino de Ciências abordado em cada escola.

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Apresentadas nossas motivações e o contexto da pesquisa, a partir daqui esta dissertação foi organizada da seguinte forma. Na Seção 3 trazemos um panorama histórico e perspectivas para o Ensino de Ciências, elencando alguns eixos pedagógicos preconizados pela literatura. Na Seção 4 fazemos uma retomada histórica das tendências pedagógicas no Brasil, origens e influências das escolas alternativas, um levantamento midiático bem como a revisão bibliográfica sobre o tema. Na Seção 5 descrevemos os caminhos percorridos, passando pela escolha do método até a coleta de dados realizada nas escolas selecionadas. Já na Seção 6 trazemos uma análise detalhada sobre o Ensino de Ciências em cada uma das três escolas. E, como encerramento, na Seção 7, apresentamos uma análise com as confluências entre o Ensino de Ciências característico de cada escola estudada, tecendo considerações sobre a forma como se dá o Ensino de Ciências em escolas alternativas, além de possíveis caminhos e contribuições que tornem possível o desenvolvimento, no contexto escolar, de um Ensino de Ciências mais próximo do preconizado pela literatura.

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3. REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS

Utilizando trabalhos de Amaral (2000), Cachapuz, Praia e Jorge (2004), Fourez (2003) e Krasilchik (2000), desenvolvemos a presente seção com intuito de levantar aspectos e características relevantes para o Ensino de Ciências que o levem mais próximo do objetivo de formar cidadãos cientificamente cultos. Partimos do panorama histórico brasileiro e chegamos às características atuais para Ensino de Ciências nacional. Percorrido tal caminho, discorremos sobre os objetivos tomados para o Ensino de Ciências e as discussões em torno do ensino atual, resgatando, por meio da literatura e da análise de diretrizes curriculares, o que se espera para o Ensino de Ciências e quais os caminhos ou princípios a serem desenvolvidos para alcançar o objetivo almejado. Assim, por meio dessas discussões, pretendemos fundamentar a análise do Ensino de Ciências que será realizada em nossos objetos de estudo.

3.1 O Ensino de Ciências no Brasil: histórico, desafios e a atualidade

Sem Ciência não há Ensino de Ciências. Essa afirmação, a princípio tão óbvia, nos fez refletir sobre alguns aspectos como o quanto o que se concebe como Ciência pode influenciar no ensino desta área e o quanto cientistas e pesquisadores têm se debruçado em estudos sobre o assunto no intuito de compreender, discutir e aprimorar o desenvolvimento do Ensino de Ciências. Tais reflexões têm sido motivo de estudos há alguns anos e, por meio de alguns deles, pudemos notar que fatores como a concepção de Ciência, a concepção de educação, a concepção de ambiente adotadas e o contexto histórico, político e cultural de cada época influenciam na maneira como se dá o mesmo.

Para Cachapuz, Praia e Jorge (2004), o modo como se concebe a Ciência influencia na forma como ela é ensinada. Ainda, de acordo com Amaral (2000, p. 212), “o histórico dos modelos curriculares de Ciências é reflexo de mudanças na própria concepção de Ciências, sendo estas derivadas de modificações internas ou da maneira como passaram a ser visualizadas pela sociedade”. Krasilchik (2000), em seu trabalho, relata as mudanças sofridas pelo Ensino de Ciências no Brasil em decorrência das transformações políticas e históricas da nação e da concepção de Ciência e educação trazida em cada contexto. Assim sendo, a partir da identificação da concepção de Ciência adotada em diferentes momentos históricos, culturais e políticos do Brasil, discorreremos um breve histórico para o Ensino de Ciências.

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No princípio, aqui e em outras partes do mundo, predominou até a década de 1950 o chamado “modelo tradicional” (AMARAL, 2000). Com o desenvolvimento científico brasileiro ainda heterônomo e uma política voltada à exportação de matérias-primas e importação de máquinas e tecnologia, o Brasil recebeu grande influência dos ideais exteriores, principalmente norte-americanos e europeus. Sendo assim, nessa época houve o predomínio de uma visão de Ciência neutra e produtora de verdades imutáveis, desvinculada da sociedade e vinculada a uma concepção de ambiente ainda dicotomizada entre homem e natureza.

Em um contexto educacional e cultural ainda dominado pelos ideais jesuítas, baseados nos princípios de governo, disciplina e instrução educativa, tais concepções de Ciência e de ambiente desvinculado da ação humana, levaram à estruturação de um currículo rígido, regado de verdades científicas inquestionáveis e de professores transmissores do conhecimento, passivos ao processo de construção desse currículo, bem como alunos receptores de um conhecimento científico já pronto. De acordo com Amaral (2000), Cachapuz, Praia e Jorge (2004) e Krasilchik (2000), foi o Ensino de Ciências desenvolvido com essas características, apenas transmissivas, que recebeu a denominação de tradicional.

De 1950 a 1960, começam a emergir questionamentos quanto a prática tradicional de ensino. O cenário Mundial vivenciava a Guerra Fria e o lançamento do satélite russo Sputnik, em 4 de outubro de 1957, deu início à Corrida Espacial. Tal cenário despertou a consciência quanto a importância da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento econômico e cultural, enfatizando a importância do mesmo para as questões políticas das nações (KRASILCHIK, 2000). A Ciência passa ser concebida como área de desenvolvimento capaz de alavancar política e economicamente o país, porém a repercussão de sua influência para a sociedade ainda é pouco considerada; temos um desenvolvimento científico mais valorizado e reconhecido, mas ainda “neutro” e acessível apenas às “grandes cabeças”.

Tendo em vista o reconhecimento recebido pela Ciência nessa época, o Ensino de Ciências também passa a ser visto com outros olhos, sendo objeto de várias transformações, inclusive no Brasil. O objetivo educacional que predominava nesse contexto era o de identificar jovens talentos e incentivá-los ao ingresso nas carreiras científicas, buscando assim, o progresso nacional da Ciência e Tecnologia, das quais o nosso país, em processo de industrialização, dependia (KRASILCHIK, 2000). Para Amaral (2000), como resultado desse processo e de tal concepção de Ciência, mais reconhecida, porém ainda conservadora, desenvolve-se um novo Ensino de Ciências,

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com objetivo de formar “pequenos cientistas”, levando os estudantes a vivenciar “o método científico” através de metodologias experimentais e investigativas. “Nesse novo cenário, a sala de aula, palco das longas e minuciosas exposições teóricas típicas do ensino tradicional, deveria ser substituída pela sala-laboratório” (AMARAL, 2000, p. 215). De acordo com o autor, surge aí o modelo de redescoberta, no qual, por meio do desenvolvimento do método investigativo e experimental, o estudante seria levado a redescobrir os conceitos científicos.

As novas tecnologias trouxeram diversos avanços para a humanidade, porém, o uso abusivo de algumas delas e a produção industrial fortaleceram a formação de uma sociedade de consumo. As consequências desses avanços para o ambiente, bem como sua vinculação com as guerras, fizeram com que a Ciência e a Tecnologia se tornassem alvo de um olhar mais crítico e que a concepção ambiental de homem-natureza de forma desvinculada começasse a ser questionada. No cenário internacional, entre as décadas de 1960 e 1970, o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) emerge nos países capitalistas centrais propondo o desenvolvimento de um tipo diferente de Ciência e Tecnologia, com uma maior participação da sociedade (AULER; BAZZO, 2001). Tal movimento emerge mais tardiamente no Brasil.

Aqui, de 1964 à década 1980, enquanto o cenário mundial era caracterizado pelo desenvolvimento tecnológico, o Brasil mergulhava em uma ditadura militar (KRASILCHIK, 2000). Dessa forma, enquanto no exterior ocorria um amplo desenvolvimento e aproximação da Ciência com a sociedade, o Brasil vivenciava uma concepção de Ciência ainda conservadora e tecnicista, que predominou durante toda a década de 1970, a qual norteou mudanças no Ensino de Ciências que foram planejadas e elaboradas por especialistas e que foram implementadas por meio dos currículos oficiais, do treinamento docente, de guias de projetos a serem desenvolvidos por professores e de receituários para realização de atividades de laboratório (AMARAL, 2000).

Tem-se, então, o modelo tecnicista. “Nessa pedagogia, o professor tem a incumbência de modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais, e sua principal tarefa é levar o aluno a apresentar comportamentos adequados ao controle do ensino” (CAMPOS et al., 2011, p.4). Assim, enquanto os demais países desenvolviam diferentes formas de ensino baseadas em modalidades didáticas distintas como projetos e discussões, o Ensino de Ciências brasileiro permaneceu tecnicista e com o intuito de formar o trabalhador capaz de atuar na área científica. Nesse contexto, em nosso país, as disciplinas científicas continuaram a ser oferecidas por meio de aulas expositivas e práticas experimentais (AMARAL, 2000).

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Historicamente, passado o período da ditadura militar, nosso país passa por um processo de redemocratização durante a década de 1980, sendo que, nesse momento, em termos de visão científica, começa a despontar no Brasil o movimento filosófico crítico à Ciência Moderna, o qual é representado pelo inconformismo com a abordagem excessivamente especializada do conhecimento e a fragmentação da realidade trazidos por ela. “No âmbito educacional, esses questionamentos levam à proposição curricular da Ciência Integrada” (AMARAL, 2000, p. 217), a qual, segundo o autor, não contestava com a metodologia proposta pelos modelos de redescoberta e tecnicista, mas oferecia uma solução para impasses curriculares advindos das mesmas.

Após décadas de desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, a globalização chega, trazendo novos, mais fáceis e ágeis meios de transporte e de comunicação. A década de 1990 emerge nesse cenário, o que exige a aquisição de novos conhecimentos e um desenvolvimento científico com outros objetivos. A Ciência deixa de ser encarada como verdade absoluta e de caráter neutro, passando a estreitar seus laços com a sociedade e a se desenvolver conforme o contexto político e econômico da época (AMARAL, 2000). O movimento CTS, intrinsecamente ligado às questões políticas, econômicas, culturais e sociais de nosso país, traz também influências ao contexto educacional (AULER; BAZZO, 2001). Os estudos de Auler e Bazzo (2001) indicam que a integração do movimento CTS ao Ensino de Ciências faz parte da tentativa de formar cidadãos científica e tecnologicamente alfabetizados.

Paralelamente a esse contexto, no campo pedagógico as pesquisas também trouxeram dados que demonstravam não haver evidências significativas de que o ensino experimental colocado em prática, até meados da década de 1980, havia proporcionado melhores resultados do que o ensino tradicional (AMARAL, 2000). Dessa forma, da metade da década de 1980 até os anos 1990, há a emergência também, no Brasil, do modelo construtivista de ensino, advindo das novas ideias pedagógicas em que o conhecimento escolar deixa de ser compreendido como um produto pronto e passa a ser encarado como um processo (AMARAL, 2000).

Krasilchik (2000) retoma ainda que, na década de 1990, no Brasil, uma nova Lei de Diretrizes e Bases é aprovada, a Lei nº 9394/96, a qual estabelece que a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Buscando colocar em prática as prescrições desta Lei, o Ministério da Educação (MEC) desenvolve os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os quais trazem novos objetivos e uma reorganização para o Ensino de Ciências.

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Segundo os PCN de Ciências Naturais (BRASIL, 1997), antes da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional na década de 1960 (Lei n. 4.024/61), o cenário escolar era dominado pelo ensino tradicional, cabendo ao professor a transmissão dos conhecimentos acumulados pela humanidade. Dessa forma, o texto introdutório desse documento (PCN) enfoca que o desenvolvimento do ensino, de maneira geral, ocorra de forma distinta, levando em consideração a formação para a cidadania. De acordo com Azanha (2005), os autores da parte introdutória dos PCN deixam clara a abordagem construtivista tomada para o ensino e aprendizagem, sendo esta compreendida como uma proposta que traz o aluno como protagonista do processo, não sendo mais visto como uma tábula rasa, podendo participar, durante as aulas, do processo de construção do conhecimento. O construtivismo, concepção pedagógica recomendada nos documentos oficiais de 1990, tem como objetivo instigar os alunos a construírem, em conjunto com os professores, o aprendizado, e não apenas receber os conteúdos como um conhecimento pronto e imutável.

Esses avanços relatados pelos PCN e por diversos pesquisadores, vieram em decorrência do contexto vivido em cada época e da concepção de Ciência adotada. No Quadro 1 há uma síntese da situação mundial e brasileira com relação às tendências de ensino ao longo da segunda metade do século XX.

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Quadro 1 - Evolução da Situação Mundial e Brasileira, segundo Tendências no Ensino de 1950-2000. Tendências no Ensino Situação Mundial 1950 – 1960

Guerra Fria / Corrida Espacial 1970 - Guerra Tecnológica 1990 – 2000 Globalização/ Problemas Ambientais Situação no Brasil 1950 – 1960 Industrialização 1964 – 1985 Ditadura 1990 – 2000 Transição política/ Globalização; problemas ambientais

Objetivo de Ensino - Formar Elite. - Programas rígidos. - Formar cidadão trabalhador. - Propostas curriculares estaduais. - Formar cidadão-trabalhador-estudante. - Parâmetros curriculares federais. Concepção de Ciência

- Atividade neutra. - Evolução histórica. - Pensamento lógico-crítico.

- Atividade com implicações sociais.

Influências

preponderantes no ensino

- Escola Nova. - Comportamentalismo e cognitivismo. - Construtivismo. - Abordagem histórico-cultural. Modalidades didáticas recomendadas

- Aula práticas. - Projetos e discussões (cenário mundial).

- Aulas expositivas e aulas práticas (cenário brasileiro). - Jogos: exercícios no computador. - Aulas dialogadas. - Resolução de problemas. - Casos simulados. Modelos pedagógicos emergentes - Modelo tradicional. - Modelo de redescoberta. - Modelo tecnicista. - Modelo de redescoberta. - Modelo construtivista. - Modelo CTS.

Fonte: Adaptado de Krasilchik (2000, p. 86) e Amaral (2000, p. 213-226).

Como pudemos observar, o Ensino de Ciências passou por uma grande evolução histórica e pela emergência de novos modelos pedagógicos ao longo de sua trajetória, o que fornece aos professores, atualmente, uma pluralidade de práticas possíveis dentro da sala de aula. Entretanto, estudos de Krasilchik (2000) indicam que até os anos 2000 as práticas tradicionalistas, apesar de todas as mudanças educacionais ocorridas, ainda prevaleciam não só no Brasil, mas também nos sistemas educacionais de países em vários níveis de desenvolvimento.

Porém, atualmente, “não há, em boa parte das práticas escolares em ciências, ou até mesmo na maior parte delas, uma homogeneidade teórico-metodológica na realização de uma ou mais práticas sequenciais. Mais comum é o professor utilizar (ou misturar) diferentes modelos pedagógicos” (FERNANDES, 2015). Sabe-se, no entanto, que “o Ensino de Ciências na escola,

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apesar da sua importância, tem acontecido de maneira fragmentada e descontextualizada” (SOARES et al., 2014, p. 83). Ainda, na maioria das vezes, o Ensino de Ciências é entediante aos alunos, por se pautar em conceitos e listas intermináveis de nomes difíceis e, muitas vezes, ficar em torno apenas da catalogação ou da repetição de conceitos. É um mundo teórico que parece ser inquestionável na sala de aula (VIEIRA; PEREIRA; MATAS, 2014).

De acordo com os estudos de Cachapuz, Praia e Jorge (2004), o caráter acadêmico e não experimental que marca os currículos de Ciências e o seu ensino é, provavelmente, o maior responsável pelo desinteresse dos alunos por estudos de Ciências. Para os autores, “a Ciência que se legitima nos currículos está desligada do mundo a que, necessariamente, diz respeito” (Idem, p. 368). Cachapuz, Praia e Jorge (2004) acreditam que algo deve ser mudado nos currículos de Ciências caso queiramos motivar os alunos às disciplinas científicas. De acordo com os autores, a forma como o currículo se organiza lembra os moldes enciclopédicos, nos quais, sobre o pretexto da objetividade, os conceitos são desenvolvidos de forma a sacrificar a reflexão crítica, essencial para o desenvolvimento do raciocínio científico. Ainda, os estudos apresentados por Amaral (2000) indicam que, apesar das diversas incorporações e mudanças feitas no currículo de Ciência, ele ainda apresenta acentuada tendência de organização multidisciplinar e conteúdos compartimentalizados.

Após quase vinte anos das análises realizadas por esses estudos, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), apesar de trazer algumas mudanças para o Ensino de Ciências, apresenta os conteúdos organizados dentro de grandes áreas temáticas e sugere o desenvolvimento das mesmas por meio de habilidades e competências, sendo que estas características indicam uma reedição do que documentos oficiais elaborados por governos anteriores já propunham (COMPIANI, 2018).

Para Compiani (2018), a versão aprovada da BNCC orienta o desenvolvimento das habilidades descritas por meio da perspectiva cognitivista da taxonomia de Bloom. Além disso, de acordo com o autor, as Unidades Temáticas (UT) propostas por esse documento para a organização do Ensino de Ciências (UT1 – Matéria e energia; UT2 – Vida e Evolução; UT3 – Terra e Universo) se assemelham muito às orientações curriculares clássicas (UT1 – Física e Química, UT2 – Biologia e UT3 – Geociências/Astronomia) já utilizadas por nossas escolas atualmente. De acordo com Compiani (2018, p. 105), “pode-se inferir que há fortes pistas com esse tipo de estrutura, de que a BNCC se transforme em uma aplicação passo a passo”. Dessa forma, ao refletir sobre tais

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características do documento atual, acreditamos que as mesmas favorecem o desenvolvimento de um ensino tecnicista e disciplinar, em contraposição ao objetivo almejado para a formação de cidadãos cientificamente cultos. Ou seja, os documentos oficiais atuais apresentam algumas concepções pedagógicas ainda conservadoras.

De acordo com estudos de Pacheco (1996), concepções pedagógicas mais conservadoras refletem na prática de sala de aula. Ao observar e analisar as aulas de uma professora de Ciências para um 6º ano, o autor nota que ela se encontra em um dilema entre lecionar utilizando a metodologia tradicional ou desenvolver o método por descoberta. Ao optar por um novo método de ensino, a professora entra em conflito com seus objetivos e não consegue dar continuidade no desenvolvimento de sua aula através do método por descoberta, retomando o método tradicional de ensino. Para Pacheco (1996) o conflito se deu, pois, mesmo optando por uma trajetória alternativa, a professora manteve-se orientando-se por um currículo conservador, organizado apenas em conceitos.

De acordo com o autor, currículos que possuem uma organização somente conceitual do conteúdo são característicos de um modelo tradicional de ensino, fazendo com que, mesmo que se busque por metodologias alternativas, se o Ensino de Ciências estiver pautado em um currículo desse tipo, as práticas de sala de aula tenderão a retornar para uma perspectiva tradicional. Para Pacheco (1996), metodologias alternativas para o Ensino de Ciências exigem um currículo mais amplo do que o embasado apenas em conceitos.

Não faz parte de nossos objetivos detalhar de forma mais profunda as características curriculares para o Ensino de Ciências, entretanto, acreditamos que um currículo mais flexível, que se desenvolva por meio da observação, da contextualização, da investigação, da história e filosofia da Ciência e de abordagens CTS possibilite uma formação científica mais ampla do que o currículo embasado somente no desenvolvimento de conceitos.

Dando continuidade, portanto, as nossas reflexões sobre o Ensino de Ciências, podemos dizer que, de acordo com alguns autores aqui estudados (AMARAL, 2000; BAZZO, 2018 CACHAPUZ, PRAIA, JORGE, 2004; FOUREZ, 2003), a reorganização curricular não é o único desafio que acomete o Ensino de Ciências atual. Os estudos de Cachapuz, Praia e Jorge (2004), por exemplo, realçam que "adquirir" conhecimento científico não leva à compreensão de como a Ciência funciona. De acordo com os autores “o que os alunos aprendem hoje de Ciência é uma retórica de conclusões, precisamente o que a Ciência não é” (Idem, p. 370). Assim, para eles, além

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da organização curricular, a dimensão de Ciência adotada por professores, pelos documentos oficiais e/ou pela escola também pode influenciar na forma como se dá o ensino.

Para Cachapuz, Praia e Jorge (2004), as visões de Ciência podem ser divididas em positivista e pós-positivista, sendo que se compreende como Ciência positivista o conceito tradicional de Ciência autônoma, que se impõe de forma absoluta e única, capaz de desvendar o desconhecido e descobrir verdades. Trata-se de uma Ciência autoritária, reducionista e determinista. Enquanto a Ciência pós-positivista se caracteriza por levar em consideração as confluências de diversos campos do conhecimento para a construção dos saberes científicos. Trata-se de uma Ciência construída através de um confronto com diferentes ideias de mundo, mais dinâmica, replicável e humana, feita pelo ser humano para o ser humano.

Ainda, autores como Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998) apontam que no auge da década de 1960 muitos cientistas sociais mobilizados pelas críticas à ciência tradicional buscavam caminhos para a efetivação de uma ciência mais comprometida com a sociedade. De acordo com os autores, é nesse contexto que emergem os modelos “alternativos” ao positivismo, tendo, na década de 1980, três principais paradigmas apontados como sucessores do mesmo, o construtivismo social, o pós-positivismo e a teoria crítica. Para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998), o construtivismo social caracteriza-se por privilegiar às percepções dos atores, possuir uma ontologia relativista, uma interação pesquisador/pesquisado e uma metodologia na qual às construções individuais são provocadas e refinadas através da hermenêutica e confrontadas dialeticamente. O pós-positivismo é o paradigma que enfatiza o uso do método científico como única forma válida de produzir conhecimentos confiáveis. Enquanto a teoria crítica é caracterizada por uma análise rigorosa da argumentação e do método, além de possuir uma abordagem que enfatiza o estudos das condições de regulação social, desigualdade e poder, em outras palavras, o paradigma teórico-crítico é aquele que tem ênfase no papel da ciência como transformadora da sociedade.

Assim, dependendo da visão de Ciência adotada, o Ensino de Ciências pode ser orientado de formas distintas. Por exemplo, ao adotar uma visão de Ciência positivista, o professor/escola/currículo tenderá a desenvolver um Ensino de Ciências ainda teórico, descontextualizado, compartimentalizado e conceitual, enquanto a adoção de uma visão de Ciência alternativa ao positivismo pode estimular o desenvolvimento de um ensino mais prático, processual e contextualizado (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2004).

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Somando-se ainda aos estudos de Cachapuz, Praia e Jorge (2004), o trabalho de Amaral (2000) acrescenta que, além da influência dessas diferentes concepções de Ciência, o Ensino de Ciências também pode ser moldado por diferentes concepções de educação e de ambiente, sendo que, essas diferentes concepções (Ciência positivista x Ciência pós-positivista; abordagem ecológica x abordagem ambiental; educação tradicional x educação progressista) são responsáveis pelas controvérsias históricas observadas no Ensino de Ciências. Como controvérsia histórica, Amaral (2000) se refere às divergências teóricas básicas entre especialistas da área de Ensino de Ciências e a discordâncias práticas entre professores da área. De acordo com o autor, foram as controvérsias históricas, geradas a partir de diferentes concepções de Ciência, ambiente e educação, que marcaram o desenvolvimento histórico do Ensino de Ciências e contribuíram, direta ou indiretamente, para a estruturação dos diferentes modelos de ensino ao longo dos anos. Em outras palavras, as controvérsias históricas surgem quando diferentes componentes da sociedade (por exemplo: educadores, políticos, comunidade) assumem concepções distintas sobre Ciência, ambiente e educação, gerando esse descompasso na forma como se dá o Ensino de Ciências.

Assim, além da controvérsia existente entre currículo conceitual padronizado e currículo flexível, Amaral (2000) levanta mais oito grandes conjuntos do que diz serem as controvérsias mais marcantes no desenvolvimento histórico para o Ensino de Ciências, sendo elas: a polêmica entre ensino teórico ou prático; apresentar a Ciência como produto ou como processo; abordar a Ciência como mito ou como atividade humana; desconsiderar ou valorizar o cotidiano do aluno; prevalência da lógica da Ciência ou da lógica do aluno; multidisciplinaridade ou interdisciplinaridade; abordagem ecológica ou ambiental; a visão do professor como agente de mudanças pedagógicas ou como paciente.

Também Fourez (2003), em seu trabalho, relata serem essas controvérsias as responsáveis pelo que ele denomina como crise no Ensino de Ciências. Dessa forma, além das controvérsias que convergem com as já elencadas por Amaral (2000), o trabalho de Fourez (2003) traz também as seguintes polêmicas: quantidade de matéria versus qualidade da formação; uma alfabetização de Ciência e Tecnologia individual ou coletiva; formar para competências bastante amplas versus formar para competências específicas.

Assim como Amaral (2000), Fourez (2003) assume que são as diferentes concepções de Ciência adotadas que levam a estas controvérsias. Porém, este autor descreve como a concepção de Ciência muda de acordo com os diferentes atores da sociedade, sendo que, para ele, os

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estudantes são portadores de uma visão de Ciência neutra, distante da sociedade e por isso acabam se desinteressando por essa área. Enquanto os professores, em sua maioria, ainda a tomam de forma neutra e como verdade científica, transmitindo-a de forma descontextualizada, e os dirigentes de empresas e cidadãos em geral enxergam a Ciência de forma técnica, relacionando-a como importante para sociedade somente no âmbito do desenvolvimento de novas tecnologias.

Somam-se a todos esses desafios e a essas controvérsias da área de ensino, ainda, os desafios enfrentados todos os dias por professores de Ciências devido a um contexto educacional mais amplo como, por exemplo, as deteriorações das condições de trabalho, a implementação de currículos compulsórios, a falta de infraestrutura em algumas escolas, os modelos pedagógicos impostos de forma hierárquica e que não levam em consideração a opinião e experiência dos educadores, entre outros. O trabalho de Krasilchik (2000), ao resgatar o contexto histórico, político e social de diferentes épocas, demonstra como esses fatores, externos à prática pedagógica do professor têm ampla influência na forma como se dá e se constrói o Ensino de Ciências do Brasil. Podemos dizer, portanto, que os mais diversos fatores influenciam diretamente na forma como o Ensino de Ciências ocorre. Não é objetivo do presente trabalho discorrer, neste momento, sobre como cada um desses desafios e/ou controvérsias influi sobre o ensino da área, entretanto, ao refletir sobre nossa prática em sala de aula e nossas experiências enquanto professoras, notamos que os mesmos se fazem presente ainda nos dias atuais.

Para Bazzo (2018, p. 51), “ainda nos prendemos em demasia à burocracia de ementas ultrapassadas, temas obsoletos e metodologias arcaicas que, na grande maioria das vezes, são destituídos de qualquer realidade com as questões presentes”. De acordo com o autor, a educação científica brasileira permanece pautada em currículos herméticos, em um ensino que não leva em conta as descobertas científicas dos últimos trinta anos, que se desenvolve através de metodologias ultrapassadas, que não investe na atualização de seus professores e que, portanto, se mantém desatualizado e descontextualizado.

Dessa forma, ao observar características realçadas pela literatura e que ainda hoje acomete o Ensino de Ciências, somos capazes de melhor compreender a forma predominantemente tradicional através da qual se desenvolve o ensino atualmente. Tendo, portanto, observado o caminho histórico do Ensino de Ciências brasileiro, os desafios e controvérsias que o acometem e caracterizando-o atualmente como predominantemente tradicional, compreendemos que, na prática, existem diferentes posicionamentos em relação a Ciência e a seu ensino, sendo que tais

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posicionamentos podem resultar em diferentes dimensões de como a Ciência e a Tecnologia são apresentadas na situação escolar. Pergunta-se então: como a Ciência e a Tecnologia devem ser apresentadas no contexto escolar? Acreditamos não haver uma resposta única para isso, haja vista a complexidade do sistema escolar brasileiro e as diversas formas de se ensinar Ciências. Porém, algumas discussões têm sido levantadas a esse respeito e nos trazem algumas perspectivas que merecem ser comentadas.

3.2 Perspectivas para o Ensino de Ciências: o ensino atual e o que sugere a

literatura

Os diversos estudos realizados nessa área trazem inúmeras contribuições e diversas perspectivas para o desenvolvimento do Ensino de Ciências (EC). Para isso, os trabalhos de EC, geralmente, elencam os desafios enfrentados, relatam as implicações desses desafios para o Ensino de Ciências e, a partir daí, elaboram perspectivas para ele. A presente seção também se organizou dessa forma, sendo que, tendo já apresentado as características do ensino atual e os desafios e as controvérsias que o acometem, seguimos tomando como principais referências os trabalhos de Amaral (2000), Cachapuz, Praia e Jorge (2004), Fourez (2003) e Krasilchik (2000) na elaboração de suas perspectivas.

Os estudos de Cachapuz, Praia e Jorge (2004) afirmam que, antes de discutir “como” ensinar Ciências precisamos compreender “para quê” ensiná-la. Para os autores, é exatamente a compreensão do “para que” se dá o Ensino de Ciência que nos orienta quanto às mudanças necessárias. Assim sendo, buscaremos esclarecer, primeiramente, o que tomamos como objetivo para o Ensino de Ciências e, a partir daí, elencar algumas perspectivas para essa área de ensino.

Cachapuz, Praia e Jorge (2004) relatam que definir o objetivo para o Ensino de Ciências é um dos maiores desafios para a comunidade científica. Entretanto, após discussão, os autores assumem defender o Ensino de Ciências voltado para a formação de um cidadão cientificamente culto, sendo que, para isso o Ensino de Ciências deve ser inserido desde o início da escolaridade, com foco na exploração de saberes cotidianos para os mais novos e, para os mais velhos, cursistas dos anos finais, com ênfase na preparação para futuros estudos científicos, porém, sem seguir um estudo livresco, disciplinar ou meramente acadêmico.

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Ainda, Amaral (2000, p. 222) aponta como metas modernas para o Ensino de Ciências as seguintes: “atender as necessidades pessoais de saúde, bem-estar e desenvolvimento humano; contribuir para a resolução de problemas da sociedade e do ambiente; fornecer bases para a continuidade nos estudos; e subsidiar a escolha futura da carreira profissional”. Em outras palavras, o Ensino de Ciências deve ser capaz de formar o cidadão, além de fornecer bases para o desenvolvimento humano, profissional e educacional.

De acordo com o autor (Idem, 2000), desde as décadas de 1970 e 1980 as pesquisas já não detectavam evidências significativas de que o ensino experimental e/ou o ensino tradicional colocado em prática haviam proporcionado melhores resultados em termos de formação do pensamento lógico científico nos estudantes.

Se partirmos para análise das diretrizes curriculares atuais3 encontraremos como intuito do Ensino de Ciências presente nos PCN: “mostrar a Ciência como um conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e suas transformações, para reconhecer o homem como parte do universo e como indivíduo” (BRASIL, 1997, p. 21). Ou ainda, de acordo com a BNCC, “a área de Ciências da Natureza tem um compromisso com o desenvolvimento do letramento científico, que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e processuais das ciências” (BRASIL, 2017, p. 321).

Tais proposições, advindas de pesquisas ou dos documentos oficiais nacionais, apontam como grande objetivo para essa área de ensino a formação do cidadão cientificamente culto. Tomamos como cidadão cientificamente culto aquele que, através da compreensão dos fenômenos e conteúdos científicos, se torna capaz de ajudar a formular e debater responsavelmente um ponto de vista sobre problemáticas de índole científico/tecnológica, ou ainda, ser capaz de participar do processo democrático de tomada de decisões e/ou apresentar uma melhor compreensão de como as ideias da Ciência e Tecnologia são utilizadas nos contextos sociais, econômicos e ambientais (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2004).

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Nos encontramos em um momento de transição de diretrizes curriculares nacionais. Até 2017 a elaboração dos currículos se encontrava sobre orientação dos PCN. Entretanto, em 20 de dezembro de 2017, a Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Fundamental foi homologada, trazendo algumas mudanças nos objetivos para o Ensino de Ciências e na organização dos conteúdos por série. Tal base deve ser implementada após dois anos de sua homologação, por esse motivo, optamos por apresentar aqui os objetivos descritos pelos dois documentos oficiais mais recentes.

Referências

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