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CTS ou CTSA e o Ensino de Ciências

3. REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS

3.2 Perspectivas para o Ensino de Ciências: o ensino atual e o que sugere a literatura

3.2.3 CTS ou CTSA e o Ensino de Ciências

A abordagem CTS teve início com o desenvolvimento dos países capitalistas centrais, sendo que os mesmo começaram a discutir as consequências do desenvolvimento científico e tecnológico somente em meados do século XX, após a euforia de desenvolvimento nesse âmbito ocorrida durante a revolução industrial do século XIX (AULER; BAZZO, 2001). De acordo com a revisão bibliográfica feita por Auler e Bazzo (2001), a abordagem CTS emerge somente quando as consequências de um desenvolvimento científico e tecnológico desenfreado passam a afetar a sociedade de forma negativa, através de desastres ambientais ou de consequências na saúde da população, por exemplo. Em outras palavras, a abordagem CTS emerge de uma demanda da sociedade de compreender mais a fundo quais as consequências do desenvolvimento científico e tecnológico para ela, para a política e para a economia.

Temos então, no contexto internacional, o reconhecimento da importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o desenvolvimento social e econômico das nações, sendo esse movimento mais notório a partir da Corrida Espacial desencadeada na década de 1960, com o desenrolar da Guerra Fria (KRASILCHIK, 2000). Como já vimos, nesse contexto emerge uma visão de Ciência ainda neutra e de produção de um conhecimento científico inquestionável e progressista (AULER; BAZZO, 2001). As escolas começam a inserir em seus planos curriculares um Ensino de Ciências centrado na formação de jovens para seguir a carreira científica.

O progresso científico e tecnológico, tomado por esse novo olhar, vinculado ao progresso político e econômico, despertou novos questionamentos sobre a gestão da área e seus objetivos para com a sociedade. Ao vivenciar as consequências negativas de um progresso tecnocrático desenfreado, sociedades dos países mais desenvolvidos, já ao final dos anos 1970, começam a demandar decisões mais democráticas da comunidade científica e tecnológica. Em outras palavras, ao final da década de 1970, a sociedade passa a possuir algum controle sobre as atividades científicas e tecnológicas, exigindo um desenvolver científico mais vinculado às suas necessidades. É nesse contexto que emerge o movimento CTS (AULER; BAZZO, 2001).

Esse movimento, norteado por uma concepção de Ciência mais comprometida com a sociedade, ainda inacabada e inclusiva, também motiva um novo olhar para o Ensino de Ciências desenvolvido nas escolas ao redor do globo. Busca-se, então, um Ensino de Ciências centrado na alfabetização científica e na formação de cidadãos cientificamente cultos.

O contexto internacional teve seus reflexos em nosso país, entretanto é importante realçar que no Brasil o movimento CTS emergiu posteriormente, tendo em vista que a Ciência aqui se desenvolveu de forma mais tardia em decorrência de um processo histórico de país colônia e, posteriormente, de um país república ainda extremamente dependente da importação de recursos científicos e tecnológicos (AULER; BAZZO, 2001). Tal movimento retardou o desenvolvimento de uma Ciência autônoma e, consequentemente, uma visão de Ciência comprometida com a sociedade também ficou para trás.

O Brasil começa sua alavancada tecnológica e industrial na metade do século XX, importando tecnologias e se desenvolvendo de maneira desenfreada de acordo com os moldes internacionais norte-americanos e europeus, sentindo as consequências negativas desse desenvolvimento e passando a vincular um pouco mais o desenvolvimento científico e tecnológico à sociedade apenas ao final do século XX (AULER; BAZZO, 2001).

Dessa forma, os anos de 1960 à 1980 seguem o reflexo das políticas exteriores e também o momento histórico vivenciado em nosso país a época, sendo que as escolas brasileiras passam a se espelhar no desenvolvimento educacional internacional, desenvolvendo um Ensino de Ciência tecnicista, baseado no método científico e em uma Ciência ainda neutra e desvinculada da sociedade, voltado para a formação de jovens cientistas que pudessem atuar no mercado de trabalho a época. Enquanto, em meados da década de 1990, influenciado pelo movimento CTS emergente, o Ensino de Ciências também passa a ter como intuito a formação cidadã, indo ao encontro das ideias para Ensino de Ciências também desenvolvidas no contexto internacional (KRASILCHIK, 2000).

Ainda, de acordo com Amaral (2000), a abordagem CTS passa a aparecer de forma mais explícita no currículo de Ciências brasileiro a partir dos PCN. Os documentos oficiais dessa época se organizaram de forma a incluir essa abordagem, alegando que “numa sociedade em que se convive com a supervalorização do conhecimento científico e com a crescente intervenção da tecnologia no dia-a-dia, não é possível pensar na formação de um cidadão crítico à margem do saber científico” (BRASIL, 1997, p. 21).

Porém, de acordo com Auler e Bazzo (2001), novos objetivos trazem também novos problemas e desafios, dentre os quais se destacam: a formação disciplinar de professores ser incompatível com a perspectiva interdisciplinar do movimento CTS; as diferentes concepções de Ciências levarem a diferentes formas de interpretação sobre a abordagem CTS; o desafio de

implementar o enfoque CTS em sala de aula; a necessidade de desenvolver materiais didáticos- pedagógicos que tenham um enfoque CTS; e o desafio de redefinir o conteúdo programático tendo como objetivo a aproximação dos conhecimentos científicos dos conhecimentos sociais.

Por enfrentar tais desafios, a abordagem CTS no Ensino de Ciências tem sido motivo de diversos estudos, tendo se tornado uma área de pesquisa dentro do Ensino de Ciências. Amaral (2000), Cachapuz, Praia e Jorge (2004) e Fourez (2003) discorrem sobre a ideia de que práticas interdisciplinares e/ou ainda práticas investigativas possam auxiliar no desenvolvimento de práticas CTS. Fourez (2003) traz ainda a importância da real inserção das tecnologias em sala de aula, para que essas possam ser utilizadas não apenas como um instrumento didático, mas também como geradoras de discussões e de desenvolvimento da cidadania. Outros trabalhos, como o de Krasilchik (2000), trazem também a introdução da História e Filosofia da Ciência como possível abordagem que facilite a implementação do enfoque CTS.

Indo ao encontro dessas diferentes discussões, a revisão bibliográfica realizada por Auler e Bazzo (2001) mostra que “não há uma compreensão e um discurso consensual quanto aos objetivos, conteúdos, abrangência e modalidades de implementação do movimento CTS no ensino.” (Idem, p. 2). Dessa forma, o enfoque CTS pode ser utilizado desde apenas como fator motivador para o Ensino de Ciências, até como fator essencial para compreensão da interação ciência, tecnologia e sociedade como objetivo para o Ensino de Ciências.

Santos e Mortimer (2000) discutem sobre como um currículo CTS pode ser desenvolvido, destacando que “nesses currículos, procura-se evidenciar como os contextos social, cultural e ambiental, nos quais se situam a ciência e a tecnologia, influenciam na elaboração dos conteúdos científicos presentes no mesmo” (Idem, 2002, p. 120). Em outras palavras, um currículo de Ciências com enfoque CTS deve ser organizado de forma a permitir uma abordagem interdisciplinar, para que os conteúdos científicos sejam abordados sempre levando-se em consideração o contexto cultural, social e ambiental no qual ele foi produzido.

Ainda, no decorrer do século XXI uma nova abordagem emerge como uma alternativa ao enfoque CTS, se trata da abordagem Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). Para Zeidler e colaboradores (2005), o enfoque CTSA é um pouco mais amplo que o CTS por incluir a dimensão ambiental em seu desenvolvimento. De acordo com os autores, a inclusão da dimensão ambiental estimula os alunos a refletirem sobre o mundo físico, além do social, em torno deles. Para Sutil e colaboradores (2008), “a abordagem CTSA pressupõe considerar o entendimento de

questões ambientais, qualidade de vida, economia e aspectos industriais da tecnologia em relação à falibilidade e natureza da Ciência, assim como discussões sobre opiniões e valores, implicando uma ação democrática” (SUTIL et al., 2008, p. 5).

Entretanto, apesar de possuir um enfoque mais amplo, tanto a abordagem CTS quanto a CTSA têm sido marginalizadas no currículo e na prática escolar (ZEIDLER et al., 2005). Como vimos, desenvolver práticas em Ensino de Ciências com enfoque CTS/CTSA não é uma tarefa fácil. Um estudo recente, desenvolvido por Bazzo (2018), mostra que mesmo com quase três décadas de discussões sobre o enfoque CTS no Brasil, sua repercussão no ensino ainda é escassa, ou então, quando presente, é desenvolvido de forma superficial.

Notamos, portanto, que apesar do desenvolvimento científico e tecnológico nacional ocorrido nas últimas décadas, o mesmo não tem sido inserido de forma efetiva no contexto educacional. De acordo com Bazzo (2018), isso ocorre, pois, as escolas ainda se centram em ementas e metodologias arcaicas e obsoletas, se prendem demasiadamente a burocracias e não conseguem abrir espaço para mudanças ou inclusão de discussões que tragam a realidade ou as questões presentes.

Vale lembrar que, somado ao contexto das políticas educacionais, a própria história da Ciência no Brasil, comentada anteriormente, traz suas defasagens e evidencia o desenvolvimento tardio da Ciência nacional, o que, sem dúvidas, dificulta a inclusão de uma abordagem CTS/CTSA em sala de aula. Como abordar Ciência, Tecnologia e Sociedade em um país que pouco investe e valoriza essa área? Não é objetivo deste trabalho desenvolver essa discussão, nem tão pouco ditar moldes de como desenvolver uma abordagem CTS/CTSA nas escolas. Entretanto, compreendemos que o desenvolvimento científico e tecnológico do país e a sua respectiva valorização estão intrinsecamente ligados com as discussões e mudanças para o Ensino de Ciências. Além disso, compreendemos que a perspectiva CTS/CTSA é múltipla e envolve a relação entre diversas áreas do conhecimento, o que a induz para práticas interdisciplinares. Entretanto, assim como nos demais trabalhos citados, compreendemos que o eixo CTS/CTSA pode ser abordado de diversas formas nas escolas, tratado disciplinarmente ou de forma interdisciplinar, porém, deve haver sempre um objetivo comum, o de auxiliar na formação de cidadãos cientificamente cultos.