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O Ensino de Ciências na escola Freinet estudada: leituras, vivências e diálogos

No documento O ensino de ciências em escolas alternativas (páginas 162-178)

4 REFLEXÕES SOBRE AS ESCOLAS NO BRASIL

NOME DO CURSO HORÁRIOS DE FUNCIONAMENTO DOS CURSOS

6.3 Escola Freinet

6.3.2 O Ensino de Ciências na escola Freinet estudada: leituras, vivências e diálogos

Para descrever o Ensino de Ciências na presente escola foram utilizados os dados coletados e transcritos em diário de bordo, tais dados consistem nas informações obtidas durante as entrevistas, observações de aula, observações indiretas durante as visitas, relatos de experiências advindos da participação no curso de formação e apontamentos retirados do site da escola. Além disso, documentos como o PPP escolar e o currículo escolar também foram consultados para que pudéssemos caracterizar o ensino aqui estudado.

Partindo, portanto, da constatação que a presente escola possui um embasamento pedagógico bem definido, retomamos os estudos de Freinet e sobre Freinet com o intuito de melhor compreender o Ensino de Ciências que se dá nessa escola. Como as demais pedagogias alternativas aqui estudadas, a Pedagogia Freinet também propõe uma organização escolar centrada na criança, tomando como objetivo educacional “o desenvolvimento máximo da personalidade da criança no seio de uma comunidade racional a que ela serve e que lhe serve” (FREINET, 2001, p. 9). Dessa forma, por meio do trabalho, de uma criança ativa, Freinet (2001) supõe que a escola se afastará de uma instrução passiva e formal. Freinet acredita que a educação pode ser transformadora, estando intrinsicamente ligada à sociedade. Assim, também concebe as disciplinas científicas como instrumentos de transformação, as quais devem ser ocorrer de forma ativa, por meio do trabalho desenvolvido pelos estudantes.

Diferentemente da pedagogia Waldorf, a pedagogia Freinet não traz um esqueleto curricular pré-estabelecido, também não propõe etapas de organização para as aulas, o que faz com que cada escola que adote sua pedagogia possa desenvolvê-la através de diferentes organizações curriculares ou, até mesmo, usando diferentes práticas escolares. Sendo assim, realçamos que as características observadas no Ensino de Ciências da escola aqui estudada não necessariamente refletem o que ocorre no Ensino de Ciências de todas as escolas Freinet do Brasil.

Entretanto, lembramos que apesar de as obras de Freinet não indicarem um caminho específico a ser seguido pelas disciplinas científicas, os próprios princípios pedagógicos elaborados por ele como o tateio experimental, o método natural, a livre expressão e a cooperação

trazem algumas dicas implícitas de como tais disciplinas podem ser desenvolvidas em uma escola Freinet, como podemos notar na passagem do estudo a seguir:

“O método natural integra a vivência coletiva e individual da criança. Baseada na expressão livre e no tateamento experimental, é um meio notável de aprendizagem que, atingindo bases profundas da vida, favorece a aquisição dos saberes numa linha de unicidade permanente e de integração (não fragmentação ou dispersão) dos conhecimentos científicos. A aprendizagem natural deve ser desenvolvida através do trabalho de pesquisa reflexiva sobre os mais diversos materiais, aptidão para observar, manipular, relacionar, emitir hipóteses, verificá-las, aplicar leis e códigos, compreender informações cada vez mais complexas.” (PAIVA, 1996, p. 14)

Além disso, estudos como o de Gonçalves, Cezar e Souza (2014) elencam algumas influências da pedagogia freinetiana para o Ensino de Ciências sendo que, para os autores, os princípios elaborados por Freinet como o tateio experimental, a livre expressão e a cooperação orientam para que o ensino das disciplinas não ocorra de forma fragmentada, mas sim de maneira interdisciplinar. Também, o mesmo trabalho menciona que o desenvolvimento em aula de alguns instrumentos pedagógicos desenvolvidos por Freinet como as aulas-passeio e a pesquisa por experimentação, favorece o estudo do meio, o contato com a natureza, o desenvolvimento de princípios da Educação Ambiental e o desenvolvimento de atividades investigativas (GONÇALVES; CEZAR; SOUZA, 2014).

Partindo, portanto, dos princípios pedagógicos freinetianos, esperávamos encontrar na análise dos dados um Ensino de Ciências contextualizado, baseado no trabalho, em práticas escolares ativas, interdisciplinares e investigativas. O que, em partes, pode ser observado e vivenciado.

Em partes, pois, assim como na escola democrática estudada, a escola Freinet também apresentou, em alguns momentos, o distanciamento entre a concepção pedagógica adotada e a prática escolar, enquanto em outros demonstrou desenvolver um Ensino de Ciências mais próximo do preconizado. Assim, para iniciar essa caracterização começamos analisando o currículo adotado pela escola para o desenvolvimento do Ensino de Ciências, apresentado no Quadro 13.

Quadro 13 – Organização do currículo para o Ensino de Ciências – Escola Freinet. Nível Eixo Temático Conteúdo Programático 6ºano Biologia Geociências Astronomia

- Ecologia; Relações ecológicas; Cadeia e teia alimentar; - Estrutura do planeta Terra;

- Rochas e minerais; O solo; Doenças ligadas ao solo; - O lixo;

- Recursos naturais;

- Água; Estados físicos da água; Contaminação e poluição da água; Usos da água; - Atmosfera; Composição do ar; Propriedades do ar;

- Previsão do tempo;

- Doenças veiculadas pelo ar e poluição; - Big bang;

- A Terra e a Lua; - Sistema solar.

7ºano Biologia - Organização dos seres vivos; - Crescimento e obtenção de energia; - Reprodução e evolução;

- Classificação dos seres vivos; - Origem da vida;

- Vírus;

- Reino Monera; - Reino Protista; - Fungos;

- Reino Animal: Poríferos; Cnidários; Nematoides; Platelmintos; Anelídeos; Moluscos; Insetos; Crustáceos, Aracnídeos, Quilópodes; Equinodermos; Peixes; Anfíbios; Répteis; Aves; Mamíferos;

- Algas verdes, pardas e vermelhas;

- Reino das Plantas: Briófitas e pteridófitas; Gimnospermas; Angiospermas (raiz, caule, folhas, flores, frutos e sementes);

- Ambiente aquático e terrestre.

8º ano Biologia - Relacionamento amoroso; - Métodos anticoncepcionais;

- Doenças sexualmente transmissíveis; - Vírus;

- DNA e RNA;

- Sistema imunológico;

- Calendário de vacinação e suas doenças;

- Primeiros socorros e situações de emergência e risco; - Cigarro e bebidas alcoólicas;

- Sistema circulatório/cardiovascular; Sistema locomotor; Sistema nervoso; Sistema excretor; Sistema respiratório; Sistema digestório.

9ºano Química Física

- Matéria, corpo, objeto, substância, molécula e átomo; - Propriedades gerais e específicas da matéria;

- Fenômenos físicos e químicos; - Estados físicos da matéria; - Mudanças de estado físico; - Misturas, separação de misturas;

- Átomo, número atômico e número de massa; - Isótopos, isóbaros e isótonos;

Nível Eixo Temático Conteúdo Programático 9ºano Química Física - Distribuição eletrônica; - Tabela periódica;

- Íons e a teoria dos octetos;

- Ligações químicas e nomenclatura das substâncias; - Reações químicas; - Estequiometria; - Funções químicas; - Transformação de unidades; - Velocidade; - Aceleração; - Leis de Newton;

- Força e sistema de forças; - Trabalho, potência, temperatura; - Óptica;

- Ondas e som; - Eletricidade; - Magnetismo.

Fonte: Currículo escolar – Escola Freinet, 2019

Ao observar o quadro notamos, para os anos finais do Ensino Fundamental, ainda a clássica divisão presente também no Ensino de Ciências das escolas convencionais: 6º ano - Astronomia e Ecologia; 7º ano - Seres Vivos (Biologia – Zoologia e Botânica); 8º ano- Corpo Humano (Biologia – Fisiologia e Anatomia humana); e 9º ano - Química e Física, conforme ilustra o Quadro 13. Além disso, de acordo com a diretora FD e a coordenadora FC, tal currículo se encontra estruturado conforme as orientações advindas dos PCN. Tais dados indicam a presença de um currículo mínimo padronizado, focado no desenvolvimento de conceitos e conteúdo.

Alguns retratos de aulas, obtidos durante as observações, também reforçam esses indícios, indicando que nas práticas de sala de aula também há o respeito à convencional sequência de conteúdo. Sendo que, na aula de Ciências de um 9º ano ministrada pela professora FP1 em abril de 2018 notamos o objetivo de avaliar alguns conceitos de química, como podemos ver no excerto a seguir.

Ao entrar na sala, o que me chamou atenção foi a pouca quantidade de alunos na mesma, somente 10 alunos na turma, reunidos em carteiras sempre em duplas ou trios. Para essa aula a professora FP1 havia preparado uma prova diferente, sobre o conteúdo: Misturas e separação de misturas. Para isso os alunos tinham que ter desenvolvido um trabalho individual sobre o tema e entregue para a professora na presente data. (Diário de Bordo - Escola Freinet, 2018).

Enquanto a aula de Ciências do 6º ano, observada nessa mesma data, porém ministrada pelo professor FP2, seguiu com os estudos geológicos das camadas da Terra e placas tectônicas, conforme podemos notar na parte do registro destacada a seguir.

Para cada assunto o professor produz uma ficha impressa, com os conceitos básicos descritos. O professor pediu para que os alunos achassem na ficha o conceito de litosfera e, depois, o conceito de placas tectônicas. Foi feita uma leitura compartilhada, na qual o professor ia mediando, fazendo perguntas. Ao final da leitura, após responder as perguntas feitas oralmente pelo professor, os alunos compreenderam ser o movimento das placas tectônicas o causador dos terremotos, da elevação de montanhas e da erupção de vulcões. Porém, não conseguiam explicar ainda o conceito de placas tectônicas. Isso ficou evidente no feedback pedido pelo professor. Ele perguntou o que eram placas tectônicas e os alunos tiveram dificuldade para responder. Ao identificar tal problema o professor pode deixar mais claro esse conceito para os alunos. Ainda, para exemplificar o movimento das placas tectônicas o professor começou a transmitir um vídeo sobre a quebra das geleiras na era glacial, o qual ficou para ser terminado na aula seguinte. (Diário de bordo escola Freinet, 2018).

Como pudemos observar, ambas observações demonstram o desenvolvimento dos conteúdos de Ciências de acordo com o proposto para cada etapa. Ainda, algumas falas obtidas durante as entrevistas também trazem pontos importantes a serem discutidos a respeito do currículo elaborado.

“O currículo está definido com essa grade de conteúdo, mas ao mesmo tempo

existe esse trabalho de sempre fomentar a pergunta da criança, fomentar a “perguntação”. (Diretora FD)

“Enquanto não vem uma pergunta que venha, assim, deles (alunos), a gente vai trabalhando a sequência, mudando uma coisa ou outra. A gente tem assim, essa dinâmica, né?” (Coordenadora FC)

“Tem muita coisa que a gente precisa dar uma sequência, porque é base, sabe?!

Mas as coisas que não exigem essa base a gente pode mexer.” (Professor FP2)

Tais falas indicam que o currículo base é seguido pelos professores, no entanto, os mesmos podem fazer alterações ou inserções conforme demanda e/ou curiosidade dos alunos. Esses dados, nos levaram a perceber que, apesar do engessamento presente no desenvolvimento de um currículo dividido de forma clássica e padronizada, os professores possuem autonomia para fazer alterações e inserções ao mesmo. Entretanto, as alterações ou inversões, que de fato caracterizariam uma flexibilização curricular, ainda são timidamente observadas na prática escolar, pois, como

podemos notar na fala da professora FP1 e do professor FP2, elas só ocorrem trazendo elementos vinculados ao currículo base e acrescentando conceitos e práticas a um elemento da grade curricular programada.

“Por exemplo, no ano passado uma turma queria muito discutir sobre drogas.

Não fazia parte do currículo da turma, mas a gente, de uma forma ou de outra, foi abordando, de forma a encaixar com o conteúdo que deveria ser trabalhado. Não ficou solto, nem uma coisa pontual apenas. No começo do ano a gente conversou sobre os conteúdos que seriam trabalhados e aí eu falei: Olha, dá pra encaixar o tema “drogas” quando formos falar desse conteúdo, e aí ficou muito legal. Então foi uma coisa deles, a partir deles foi incluído um assunto.”

(Professora FP1)

“Ah, gente faz isso, essa alteração ou inserção de conteúdo, frequentemente. Por

exemplo, a gente está falando de Terra e Universo, nos 6ºs anos. Aí agora a gente começa a falar dos materiais, da formação do planeta Terra, da estrutura e tal... coisa que eles já viram, inclusive, em outros anos e a gente começa com outro entendimento agora que eles é.... fica um pouco mais complexo até. Então é típico que apareça a curiosidade do que que é um cometa, um meteoro... esses corpos celestes, né? O que que eles são afinal? É muito típico isso aparecer. Aí eu insiro esse tema conforme surge a curiosidade.” (Professor FP2)

De acordo com os estudos de Amaral (2000), Cachapuz, Praia e Jorge (2004) e Pacheco (1996), a discussão entre padronização curricular ou flexibilização curricular é uma das controvérsias presente no desenvolvimento histórico do Ensino de Ciências no Brasil, sendo que, nem sempre que se adota uma flexibilização curricular o educador e/ou a escola deixam de adotar um currículo mínimo, ou seja, uma sequência de conteúdo a ser seguida como “requisitos básicos”. É o que parece acontecer na presente escola, de acordo com os relatos e documentos aqui avaliados. Ainda, apesar de não observada essa forma de organização no currículo trazido pelos documentos escolares (Quadro 13), todos os atores participantes da pesquisa nessa escola dizem que o currículo se desenvolve de forma espiral, permitindo que os conteúdos sejam trabalhados gradualmente ao longo dos anos, como podemos perceber nas falas destacadas a seguir.

“O que é importante nisso, em termos de uma perspectiva de uma pedagogia alternativa: Primeiro essa ideia do currículo em espiral, na qual os conteúdos vão sendo aprofundados com o passar dos anos. Segundo, que a pedagogia Freinet tem muito forte o princípio de partir do interesse das crianças, essa é uma premissa muito forte de Freinet.” (Diretora FD)

“Isso funciona (a inversão de conteúdos e a elaboração de um plano anual de trabalho), pois, uma pedagogia que possui o currículo em espiral, te dá essa abertura.” (Professor FP1)

“É... nos conteúdos a gente tem o objetivo de trabalhar de uma maneira que eles consigam revisitar... então, por exemplo, a gente trabalha coisas que a gente pode falar... Oh! Isso aqui vocês vão ver com maior detalhes no 8º ano, né?! Mas eles podem adiantar um pouco e aí depois rever coisas que viram no 6º e no 7º, que no 8º ano é a outra professora, FP1, né?!” (Professor FP2)

Todos os dados aqui apresentados a respeito do currículo de Ciências nos levaram a concluir que, apesar de os professores possuírem autonomia para a flexibilização curricular, o mesmo ainda se encontra centrado no desenvolvimento de conceitos e não dos fenômenos, sendo predominantemente padronizado. Assim, o currículo básico dessa escola está envolto de uma concepção ainda tradicional, o que faz com que ele assemelhe ao das demais escolas convencionais.

Ao retomarmos, ainda, os relatos de aulas assistidas (p. 163), também notamos a presença de algumas práticas tradicionais. Sendo que, apesar de FP1 e FP2 demonstrarem o desenvolvimento de estratégias diferenciadas de avaliação, a aula sobre tectônica de placas, ministrada por FP2, apresentou elementos da concepção pedagógica tradicional como exposição de conceitos, leitura de fichas conceituais e elementos de verificação da aprendizagem, sendo identificados apenas alguns elementos construtivistas quando, durante a aula, o professor realiza o levantamento de conhecimentos prévios, abre espaço para o diálogo e para perguntas, permitindo a construção de alguns conceitos em conjunto com a classe. Ainda, a substituição do livro didático pelas fichas conceituais, reforça a presença de elementos ainda convencionais em sua prática, conforme podemos ver a seguir.

“Então eu já tenho algumas fichas que assim, se aparece essa dúvida... Opa! Na semana seguinte a gente então trabalha com isso e dá para eu fazer a cópia e trabalhar com eles. Porque, como a gente não usa o livro didático, às vezes ter um material de apoio otimiza para a gente não precisar é, na sala, escrever muito.” (Professor FP2)

As fichas conceituais impressas mencionadas no excerto acima são elaboradas pelo próprio professor FP2, conforme seus estudos e pesquisas, são impressas e posteriormente xerocadas para os estudantes conforme necessidade na abordagem de cada conteúdo. Segue a figura da ficha conceitual produzida e disponibilizada por FP2 em sua aula sobre placas tectônicas.

Figura 5 – Ficha conceitual sobre tectônica de placas.

Realçamos ainda que, de acordo com o professor FP2, tais fichas são utilizadas apenas como material de apoio, as quais trazem alguns conceitos básicos que os alunos podem consultar em caso de dúvidas. Para FP2, tais fichas otimizam o tempo, permitindo aos estudantes maior interação e diálogo entre eles e com o professor, ao invés de despender tempo copiando conceitos do quadro.

Sendo assim, após toda essa discussão inicial, compreendemos que há um distanciamento entre a concepção pedagógica adotada e a praticada durante algumas aulas regulares. Na verdade, podemos dizer que, na prática, foram notadas misturas de diferentes concepções pedagógicas, sendo que ora os professores se orientam predominantemente por Freinet, ora se orientam por concepções tradicionais/convencionais e ora por concepções construtivistas. Tal constatação reforça o que Fernandes (2015) comenta em seu trabalho, de que em boa parte das práticas escolares em Ciências é muito comum o professor utilizar (ou misturar) diferentes modelos pedagógicos. Laburú, Arruda e Nardi (2003, p. 252), por sinal, defendem que a prática docente seja plural. Para os autores, “[...] a sala de aula impõe impedimentos às aplicações pedagógicas fundamentadas em exclusivas entidades teóricas e objetivas, redutoras da totalidade da realidade humana”.

Sendo assim, ressaltamos ainda que tais aulas observadas são apenas um retrato das atividades desenvolvidas na escola, sendo que, conforme observações feitas no ateliê “Agrotóxicos” e conforme relatos de práticas que ocorrem em outros momentos das semanas temáticas e até mesmo das semanas regulares, a realidade parece ser outra. Dizemos isso, pois, os esforços dos professores e da comunidade escolar para que a concepção pedagógica freinetiana seja implementada foram notados, nos levando a compreender que em outros espaços e/ou em outros momentos que não pudemos vivenciar (apenas ouvir os relatos), o Ensino de Ciências traz características que o aproximam do preconizado pela literatura.

Alguns relatos feitos durante as entrevistas nos permitiram perceber que trabalhar de forma interdisciplinar é uma preocupação. Por exemplo, a coordenadora FC, quando questionada sobre o Ensino de Ciências que se dá neste escola, responde o seguinte:

“O Ensino de Ciências aqui estimula a criança a perguntar, a perceber que a

Ciência, ela se comunica com todas as outras disciplinas. As crianças vão percebendo, num conteúdo ali de Ciências que ele está se comunicando com Geografia, com História, a História do Mundo, né? Então eu acho que isso a gente consegue fazer bastante aqui.” (Coordenadora FC)

Entretanto, apesar dessa preocupação estar presente na fala da coordenadora e dos educadores entrevistados, durante as aulas que foram observadas não foi possível notar o desenvolvimento de características interdisciplinares, sendo que as aulas ministradas pelos professores FP1 e FP2, conforme relato evidenciado anteriormente, apresentaram seus objetivos voltados especificamente ao conteúdo previsto no currículo de Ciências. Por mais que o professor FP2 tenha utilizado conhecimentos de outras áreas para explicar sobre as placas tectônicas, ou ainda a professora FP1 tenha utilizado diferentes estratégias para desenvolver sua avaliação, os objetivos de ambos ainda permaneceram isolados dentro de uma única disciplina. Assim, pudemos perceber nas aulas assistidas o desenvolvimento de um Ensino de Ciências ainda disciplinar, sendo desenvolvido por um único professor com objetivo no conteúdo de uma única área, ou ainda pluridisciplinar em outros momentos, como durante a elaboração de projetos ou pesquisas dentro das aulas regulares. Recordamos que o ensino pluridisciplinar, para Japiassu (1976), é aquele que ocorre com um pouco de colaboração das disciplinas, porém as mesmas ainda se desenvolvem com intuitos distintos.

Ressaltamos novamente que, não é porque não foi observado que o ensino de forma interdisciplinar não ocorre na presente escola. O PPP escolar e o relato da coordenadora, já mencionados na seção anterior, trazem que a interdisciplinaridade se faz mais presente nos ateliês e no desenvolvimento de projetos como Projeto Arte Popular; a Exposição Científico-cultural; os Jogos da Amizade e o Projeto Temático anual desenvolvido desde o início do ano letivo com os estudantes, os quais não puderam ser vivenciados ao longo desse estudo.

Ainda, quando questionados sobre como preparam suas aulas, ambos os professores (FP1 e FP2) relataram recorrer às orientações do PCN e à livros, vídeos e demais materiais, porém, também citaram ser de grande importância a formação continuada oferecida pela escola, na qual eles podem manifestar seus problemas, buscar uma solução em conjunto com a equipe e ainda compartilhar experiências. Tais relatos dão indícios de que uma formação interdisciplinar aconteça, entretanto, não foram encontrados dados durante as vivências e análises realizadas que sustentassem essa afirmação.

Em contrapartida, algumas das práticas escolares para o Ensino de Ciências apresentaram- se desenvolvidas através de atividades investigativas, como a observada no ateliê “Agrotóxicos”.

“O ateliê começou com o professor FP2 expondo o conceito de agrotóxicos e mostrando aos estudantes uma pesquisa muito interessante realizada pela SISÁGUA, um órgão governamental que mapeou a quantidade de agrotóxicos presente em amostras de água coletadas ao redor de todo o país. A partir de tal pesquisa o professor conseguiu mostrar a quantidade de contaminantes tóxicos

No documento O ensino de ciências em escolas alternativas (páginas 162-178)