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Mente.e.cérebro.ed.295.Agosto.2017

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(1)

APRENDIZAGEM

As células cerebrais

especializadas em erros

DEU BRANCO

Por que fi camos paralisados em

situações de grande tensão

ANDARILHOS NOTURNOS

O que a ciência descobriu

sobre o sonambulismo

ESPECIAL | O DESAFIO DE TRATAR A DEPENDÊNCIA QUÍMICA

SOLUÇÕES

ww w.ment ec er ebr o.c om.br 9 771807 156009 00295 ISSN 1807-1562 R$ 15,90 4,90 €

Cientistas desvendam processo que

faz você se apegar a determinados

raciocínios e inibir outros

Os caminhos que o cérebro

percorre para encontrar boas

(2)
(3)

T

odo mundo quer acertar. Não importa a área da vida – ansiamos por ter ideias inteligentes, fazer a melhor escolha, tomar a decisão mais acertada. Não é difícil perceber que vários fatores podem nos atrapalhar no momen-to de privilegiar determinada linha de pensamenmomen-to e seguir esse caminho. O que a maioria das pessoas não percebe é que um aspecto que nos faz nos apegarmos a certos pontos de vista (em detrimento de outros, mais eficientes) está diretamen-te relacionado com nosso próprio funcionamento cerebral.

Essa espécie de “teimosia” é resultado do que os neurocientistas denomina-ram efeito Einstellung (fixação funcional). Trata-se da “persistente tendência do cérebro de se ater a uma solução familiar para resolver um problema – aquela que primeiro vem à mente – e ignorar outras possibilidades”, explicam os cien-tistas Merim Bilalić e Peter McLeod, ambos doutores em psicologia. Eles sabem

do que falam: a pesquisa de Bilalić sobre esse fenômeno ganhou o Prêmio da Sociedade Psicológica Britânica para Contribuições Excepcionais de Pesquisa Médica para a Psicologia e McLeod, presidente da Fundação Oxford para Neu-rociência Teórica e Inteligência Artificial, tem feito importantes incursões nes-se assunto. Os dois reconhecem que, na maioria das vezes, tipo de raciocínio é um processo cognitivo útil, já que por meio dele desenvolvemos métodos bem-sucedidos para resolver os mais variados problemas do cotidiano, desde descascar uma fruta até resolver uma equação matemática. E, se funciona, não há motivo para tentar várias técnicas diferentes toda vez que precisamos nova-mente desempenhar aquela atividade. O problema com esse atalho cognitivo é que ele pode inibir a busca de soluções mais eficientes ou apropriadas.

Diante disso, podemos pensar: se nosso cérebro nos faz acreditar em certas abordagens, a ponto de ignorar outras mais adequadas, ou mesmo desconsi-derar que elas existam, o que podemos fazer? Ficamos reféns desse órgão tão sofisticado, com o qual nos confundimos? Simples: desconfie de suas certezas e não se contente logo de cara com as boas soluções. É claro que, ao compreen-der como esse curioso processo ocorre em sua cabeça, fica muito mais fácil acreditar – e apostar – que, não raro, seu cérebro poderá encontrar outras saídas ainda melhores que a primeira. Boa leitura, boas escolhas!

shut

ter

stock

GLÁUCIA LEAL

,

editora-chefe glaucialeal@editorasegmento.com.br

A teimosia do cérebro

(4)

especial

sumário | agosto 2017

CAPA: SHUTTERSTOCK/FVAL

capa

56

As múltiplas faces do tratamento

68

Armadilhas do DNA

55

20

Andarilhos noturnos

O comportamento de sonâmbulos – que caminham, comem, conversam e podem até ter ações agressivas enquanto dormem – intriga cientistas e leigos

36

A língua e suas salivas

por Elizabeth Brose

A psicanálise trabalha com o equívoco, com o intervalo entre uma palavra dita e a sua reedição; seguindo os preceitos da linguística, é possível evocarmos o que Lacan ensinou: entre um significante e outro, revela-se o sujeito de modo fugidio

40

Alerta antecipado contra Alzheimer

Teste de acompanhamento ocular passa a ser considerado ferramenta importante na luta contra o tipo mais frequente de demência

42

Deu branco

por Amy Arnsten, Rajita Sinha e Carolyn M. Mazure Circuitos neurais responsáveis pelo autocontrole consciente são vulneráveis mesmo em situações de frustração e ansiedade leves. Quando esse sistema é desativado, impulsos primitivos são liberados sem controle, provocando paralisia

24

por Merim Bilalić e Peter McLeod

Boas ideias são sempre bem-vindas, mas algumas linhas de raciocínio podem bloquear outras melhores ainda – e nos prender a determinados padrões de pensamento

Há décadas o poder público tem tentado, sem sucesso, combater o consumo de drogas. Intervenções policiais – como a ocorrida recentemente na região da Cracolândia, em São Paulo – revelam uma situação crônica e persistente que envolve complexas questões de saúde mental e física, sociais, urbanísticas e de segurança pública

química

dependência

O desafio de tratar a

cérebro

teimoso

Artimanhas do

16

Ao longo do tempo

por Stephen L. Macknik e Susana Martinez-Conde A maneira como percebemos truques visuais oferece pistas sobre as mudanças que ocorrem no cérebro à medida que envelhecemos

(5)

seções

agosto2017•mentecérebro 5

12

PSICANÁLISE

Consumo e fantasia

por Christian Ingo Lenz Dunker

82

LIMIAR

Visceral mente

porSidarta Ribeiro

NOTÍCIASNotas sobre fatos relevantes nas áreas de psicologia, psicanálise e neurociência. AGENDA Programação de cursos, congressos e eventos.

Saiba com antecedência qual será o tema da capa da próxima edição

A localização das estruturas cerebrais nas imagens desta edição é apenas aproximada Os artigos publicados nesta edição são de responsabilidade dos autores e não expressam necessariamente a opinião dos editores

www.mentecerebro.com.br

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3

CARTA DA EDITORA

6

PALAVRA DO LEITOR

8

ASSOCIAÇÃO LIVRE Notas sobre atualidades,

psicologia e psicanálise

11

NA REDE

O que há para ver e ler na internet

14

CINEMA

Um instante de amor

por Nayara Cesaro Penha Ganhito

34/50

NEUROCIRCUITO

Padrões mentais

Novidades nas áreas de psicologia e neurociência

52

CIÊNCIA PARA VIVER MELHOR

Aprendendo com os erros

por Markus Ullsperger

78

LIVRO

Reinvenção da intimidade: políticas do sofrimento cotidiano

por Hugo Lana

80

LIVROS/LANÇAMENTOS

colunas

A ciência do sono

Tem gente que jura que dormir é perder tempo. No entanto, o que inúmeras pesquisas revelam é o con-trário: a boa qualidade do sono é fundamental para a saúde física e mental e a insônia já é considerada um problema de saúde pública, associada a quadros de depressão, ansiedade e psicose. No Dossiê Mente e

Cérebro – Ciência do sono, especialistas tratam desse

fenômeno tão fascinante e complexo que é o adorme-cer, bem como das dificuldades nessa área. “A insônia representa hoje um dos distúrbios mais prevalentes na clinica medica. Sabemos que, em uma cidade

como São Paulo, mais de 30% das pessoas sofrem com o problema”, afirma o coordenador do Laboratório do Sono do Hospital Português. A Organização Mundial da Saúde (OMS) ratifica: aproximadamente um terço da população mundial enfrenta problemas para dormir de forma satisfatória.

As longas jornadas em vigília podem, ironicamente, prejudicar nosso tem-po acordados, que tanto prezamos. Um estudo desenvolvido pelo psicólogo Ian Deary, da Universidade de Edimburgo, Escócia, já mostrou, por exemplo, que, depois de uma noite de plantão, a capacidade do médico de lembrar uma série de fatos – como resultados de exames e histórico do paciente – dimi-nui quase 20%. Ou seja: de cada cinco informações, uma seria esquecida por causa do sono atrasado. Procure seu exemplar nas bancas ou compre na Loja Segmento:www.lojasegmento.com.br.

Técnicas para estudar

Existem muitas maneiras de estudar. Alguns preferem sublinhar trechos im-portantes dos textos, outros fazem várias leituras do mesmo conteúdo ou si-mulam testes e questionários. Mas o que de fato funciona para fixar informa-ções? A edição nº 10 de NeuroEducação apresenta a visão da neurociência e da psicologia cognitiva sobre a eficácia de dez técnicas de estudo. O pesquisador Regan Gurung, professor de psicologia e desenvolvimento humano da Univer-sidade de Wisconsin, autor do texto de capa da edição, reúne dicas valiosas para que professores compreendam como os seus alunos estão estudando e possam ajudá-los a utilizar estratégias comprovadamente mais eficazes. Nas bancas e na Loja Segmento:www.lojasegmento.com.br.

nas bancas

D O S S I Ê p s i co l o g i a • p s i c a n á l i s e • n e u ro c i ê n c i a

SONO

A ciência do 1 O que acontece quando adormecemos A relação entre comida e descanso Epidemia de insônia Como recuperar as horas mal dormidas Sonhos que nos preparam para a morte

(6)

palavra do leitor

www.mentecerebro.com.br

Presidente: Edimilson Cardial Diretoria: Carolina Martinez,

Marcio Cardial e Rita Martinez

Editora-chefe: Gláucia Leal Editora de arte: Fernanda do Val Estagiário: Gabriel Seixas (redação) Colaboradores: Maria Stella Valli

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Tratamento de

imagem: Paulo Cesar Salgado Produção gráfi ca:

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www.editorasegmento.com.br Edição no 295, agosto de 2017,

ISSN 1807156-2.

Distribuição nacional: DINAP S.A.

Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678.

LOUCURA ORGANIZACIONAL

É muito bom que

Mente e Cérebro traga

na capa o tema do estresse (edição 294, de julho), dando ao assunto o peso que merece. Passei por uma situação bastante grave de pressão no trabalho, que resultou em um sério problema muscular, acompanhado de um quadro de depressão (hoje atenuado) que durou dois anos. Com a ajuda

inestimável da psicoterapia me reergui e hoje tenho clareza do meu processo de crescimento. Mas durante muito tempo achei que a situação que vivia na vida profi ssional, em uma empresa extremamente predadora, podia ser exagero meu. Quando percebi que as pessoas ao meu redor (colegas, colaboradores e até chefes imediatos) adoeciam mental e fi sicamente, me dei conta de que eu precisava fazer coisas saudáveis por mim, sem me deixar contaminar pela “loucura organizacional”. Foi ótimo ler o artigo sobre o enfrentamento do estresse. Gratidão.

Maria Elisa Cestari São Paulo – SP

O X

p i g p i á c c

OBESIDADE Cirurgia bariátrica muda o corpo, mas não evita angústia NEUROCIÊNCIA Os códigos secr

etos da memória SAÚDE O tempero que combate Alzheimer e Parkinson

MENTE E CÉREBRO

ESPECIAL | NOVAS ESTRATÉGIAS PARA VENCER A DOR CRÔNIC A www .ment ecerebr o.c om.br 9771807 156009 00294 ISSN 1807-1562 R$ 15,90 4,90 € para enfrentaro

estres e

s

Atitudes aparentemente simples podem ter grande impacto sobre os efeitos graves da sobrecarga no trabalho e na vida pessoal

CORRUPÇÃO E PSICOPATIA

Quero sugerir um artigo que fale sobre o que acontece na cabeça de pessoas que se envolvem em corrupção, que egoisticamente prejudicam outras sem o menor peso na consciência. Penso que esse tipo de conduta possa se enquadrar num diagnóstico de psicopatia, mas seria interessante ir mais

fundo para entendermos do ponto de vista da ciência esse comportamento que parece tão disseminado em nosso país.

José Anderson Lima Goiânia - GO

ter

(7)

PARA PENSAR

Olá! Eu me pergunto: uma mente condicionada por política, economia, filosofia, religião, cultura, nacionalismo, propagandas, sentimentalismo, crenças, descrenças e tantas outras coisas pode ser inteligente? Inteligência é uma reação condicionada? Ou inteligência é outra coisa e a confundimos com a memória condicionada? Se podemos recriar um processo, seja qual for, não é apenas imitação? Uma forma de cópia? Nisso pode existir originalidade? Ou criação, como algo jamais visto? É outra coisa? E não se sabe o que é? Uma ideia não

CONCURSO CULTURAL: ESCREVA E GANHE UM LIVRO!

Mande sua opinião sobre um dos artigos desta edição para o e-mail redacaomec@editorasegmento.com.brou uma sugestão e concorra a um livro. Por limitação de espaço, tomamos a liberdade de selecionar e editar as cartas recebidas. A premiada deste mês éMaria Elisa Cestari – São Paulo, SP

é o pensamento como resposta da memória? E nesse caso, a resposta pode ser inédita? Ou tão somente reação do conteúdo armazenado, programado, condicionado? Ideia é um fato? Podemos perceber que, ao olharmos qualquer coisa, esse olhar pode estar livre da palavra, da ideia do simbolismo? E ver realmente? Ou nós nos habituamos a ver, ouvir, etc. com o véu de ideias, sobre o fato? E desse jeito não estaremos embaraçados em ideias, promovendo apenas mais embaraços no viver? Questões para pensar. Abraços.

Linda Seraos Via Facebook

CRIATIVIDADE

Parabéns pelo Especial Criatividade, está muito bom.

Celso Lozano São Paulo - SP EDIÇÃO ESPECIAL 59 ANO XII p s i co l o g i a • p s i c a n á l i s e • n e u ro c i ê n c i a

• O que atrai boas ideias

• O papel dos grupos no processo criativo • Como a paixão nos impele a criar A construção da

(8)

XEXPOSIÇÕES

Olhares e silêncios

entre mães e filhas

Inspirado no conceito de devastação, de Lacan, projeto fotográfico

da artista Paula Huven capta interação íntima entre gerações de mulheres

huven

“DIFÍCIL” foi o comentário mais escutado pela artista depois das sessões de fotos, feitas por trás de um falso espelho

(9)

associação livre

9 agosto 2017• mentecérebro

O

psicanalista Jacques Lacan usou o termo ravage, traduzido em portu-guês como “devastação”, para se referir à complexa relação entre mãe e filha e seu espelhamento nas experiências amorosas e na interação com o próprio corpo. “A filha espera mais substância de sua mãe do que de seu pai”, disse em um de seus seminários. A artista plástica mineira Paula Huven explora esse conceito no campo da arte na série Devastação – fotografias nas quais mães e filhas confrontam seus olhares. As duplas de mãe e filha que par-ticiparam do projeto se sentaram em frente a um falso espelho atrás do qual estava Paula com sua câmera. Assim permaneceram por cerca de 15 minutos, com a chance de se con-templar e confrontar seus olhares. Risadas, choro, desvio de olhar, to-ques e abraços estão entre as reações captadas nesse encontro, permeado por sentimentos de identificação e desconforto.

“Difícil” foi uma das palavras mais escutadas pela artista depois da sessão de fotos. “Se o espelho um dia trouxe a confirmação de nossa diferença, hoje ele restitui o rasgo, transformando parte de um corpo no outro. O olhar que um dia separou hoje gera o encontro, para que, tal-vez, possamos novamente nos sepa-rar”, analisa a antropóloga Carolina Junqueira dos Santos, autora de texto crítico que acompanha os registros fotográficos.

Devastação. Ateliê da Imagem Espaço Cultural. Avenida Pasteur, 453, Urca, Rio de Janeiro. De segunda a sexta, das 10h às 21h; sábado, das 10h às 16h. Informações: (21) 2244-5660. Grátis. Até 20 de agosto.

A

s imagens produzidas por Fábio Magalhães chamam atenção por serem ao mesmo tempo hiper-realistas e surrealistas – compará-las a impossíveis “fotografias do inconsciente” não seria exagero, considerando--se o processo criativo do artista na produção de Além do visível, aquém

do intangível. A intenção de Fábio foi expressar experiências psíquicas e

sentimentos em metáforas, o que resultou nas telas gigantes e oníricas expostas na Caixa Cultural em São Paulo.

As obras foram separadas em cinco eixos temáticos: O grande corpo,

Retratos íntimos, Superfícies do intangível, Latências atrozes e Limites do introspecto. “A pintura de Fábio Magalhães se constitui nesse lugar

in-quietante entre o visível, reconhecível e familiar e o inefável e intangível”, comenta a curadora Alejandra Muñoz.

Além do visível, aquém do intangível. Caixa Cultural São Paulo. Praça da Sé, 111, Centro, São Paulo. De terça a domingo, das 9h às 19h. Informações: (11) 3321-4400. Grátis. Até 24 de setembro.

As telas gigantes e perturbadoras

de Fábio Magalhães

divulgação OBRAS Em tempos de incerteza, o devaneio é a via de fuga (170 x 215 cm, à esquerda) e Encontro (190 x 315 cm, acima). A proposta do artista foi criar metáforas visuais para experiências psíquicas e sentimentos

(10)

associação livre

vana marques XTEATRO márcia beal

diz Márcia, que está à procura de apoio de empresas ou institutos para dar continuidade ao projeto e po-der oferecer o serviço com preço acessível para pes-soas com defi ciência visual. “Lembrar-me de Jorge e Carlise dizendo que era a primeira vez que estavam vendo uma fotografi a sem ser pelos olhos de outra pessoa me enche de emoção até hoje”, diz.

Fotógrafa cria álbum sensorial

de bebê para pais cegos

O ENSAIO TRAZ IMAGENS em 3D do rosto da criança, textos em braile, texturas e aromas capazes de despertar lembranças

A

gaúcha Márcia Beal, que produz ensaios fotográficos de gestantes e recém-nascidos, ficou surpresa quando rece-beu em seu estúdio o casal Jorge e Carlise Vieira – ambos eram cegos, mas pretendiam fazer as fotos da filha para mostrar a amigos e à família. Ao fim do ensaio, Márcia teve a ideia de entregar algo além das fotografias ao casal. Jorge, aliás, cego desde o nascimento, não tinha a concepção do que pudesse ser uma foto. Assim, com a ajuda do designer Hayaks Winter e o artista visual Marco Escada, Márcia iniciou um projeto que entregaria aos pais nove meses depois – um álbum sensorial, com imagens tridimensionais do rosto do bebê Natália, de forma que os pais pudessem relembrar usando o tato, além de objetos (como lacinhos que a criança usou), texturas – como tecidos das roupas – e cheiro do perfume da criança. Textos em braile descrevem as cenas fotografadas, contando se a criança está dormindo, se sorri, que roupas usa, se está junto com os pais.

Por enquanto, o álbum foi feito apenas para os pais de Natália. “O custo é alto e não fi ca fi nanceiramente viável”, XINCLUSÃO

V

encedor do prêmio Pulitzer de melhor drama, Agosto ganha sua primeira adaptação para os palcos brasilei-ros. Mais conhecido por sua versão para o cinema, Álbum

de família (2013), protagonizada por Meryl Streep e Julia

Roberts, o texto de Tracy Letts conta a história de uma família

de mulheres cheia de ressentimentos, porém reunida novamente por causa do diagnóstico de câncer termi-nal da mãe e do repentino desaparecimento do pai. A protagonista Violet espera pela morte depois de enfrentar um longo processo de quimioterapia e descobre que fi cará aos cuidados de uma empre-gada que não conhece. O texto foca o período de breve convivência dela com as três fi lhas, que se reúnem para saber o que fazer. A mãe não consegue esconder a mágoa por sua preferida, a mais velha, ter voltado para casa apenas depois de saber que o pai sumiu durante esse período turbulento. Ainda há o confl ito entre a fi lha do meio, que abdicou da própria vida para cuidar dos pais idosos, e a mais jovem, que coloca seus projetos pessoais à frente de qualquer demanda da família.

Agosto. Teatro Oi Futuro Flamengo. Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo, Rio de Janeiro. De quinta a domingo, às 20h. Informações: (21) 3131-3060. R$ 30. Até 17 de setembro.

(11)

11 agosto2017•mentecérebro

o que há para ver e ler

| na rede

reprodução

Mãe de criança com síndrome

de West escreve diário nas redes

E

scrito com a intenção de dividir sua experiência com outros pais e também de elaborar suas vivências, o blog Diário da mãe da Alice fala sobre as experiências da jornalista Mariana Rosa, mãe da garotinha de 3 anos que dá título ao blog e páginas na rede, que tem síndrome de West, um tipo raro e severo de epilepsia na infância, que afeta o de-senvolvimento. Nas redes, Mariana compartilha suas pesquisas sobre tratamentos e formas de entender e lidar com os sintomas, as idas cons-tantes ao hospital e fala sobre inclusão. Referência virtual para famílias com crianças com o mesmo distúrbio,

ela lançou recentemente, com ajuda de financiamento coletivo de seus leito-res, livro homônimo (editora Scrittore, R$ 35,00), uma coletânea de crônicas sobre Alice e sua experiência em ser mãe de uma criança com deficiência: diario-damaedaalice.wordpress.com.

O

que é inconsciente? O que sig-nificam termos como complexo de Édipo e ego? Esses são alguns dos temas abordados de forma didática e acessível na série O que é psicanálise, produzida pelo Museu Freud em Lon-dres. Cinco psicanalistas europeus esclarecem essas dúvidas, divididas em quatro capítulos: fundamentos da abordagem psicanalítica (trata, entre outros temas, da concepção de inconsciente e do método de associa-ção livre), estágios psicossexuais do desenvolvimento, a mãe como objeto primordial de amor e definições de id, ego e superego. A série foi legendada em português pelo núcleo de estudos em psicanálise Elabora e está dispo-nível no canal Elabora Psicanálise, no YouTube.

Série do Museu

Freud explica

conceitos de

psicanálise

EM QUATRO CAPÍTULOS, psicanalistas falam sobre os fundamentos da teoria do inconsciente

A JORNALISTA Mariana Rosa fala sobre inclusão e o cotidiano de cuidados com a fi lha

shut

ter

(12)

psicanálise

inconsciente a céu aberto

CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER

Q

uem observa o mundo corpo-rativo a média distância, com alguma ciência da complexidade repre-sentada por assuntos como motivação, emoção ou liderança, percebe um gran-de gran-descompasso. A exigência gran-de con-trole, verificabilidade e “compliance” dos processos não é compatível com o universo errático dos palestrantes, dos livros de gerência miraculosa ou com os discursos “neuroeconômicos” sobre o capital humano. Ao mesmo tempo é preciso um discurso e uma linguagem que tornem o consumo, a realização, a expressão e a invenção de nossas fantasias. Decisões sobre cam-panhas de marketing e suas escolhas discursivas são tomadas em meio a palpites sustentados pela arrogância personalista dos envolvidos.

É neste cenário que os livros de Isleide Fontanelle, Cultura do consumo (FGV, 2017), e Sintoma e fantasia no

capitalismo comunicacional, de Luiz

Aidar (Estação das Letras e Cores, 2017), surgem como um oásis de so-briedade. Uma caravana de lucidez atravessando o deserto das opiniões. A relação econômica entre produção, a estilística identitária do consumo e os prazeres emocionais nele envolvi-dos são analisaenvolvi-dos de forma conver-gente. No primeiro caso se reconstitui um debate que remonta ao nascimen-to do liberalismo com Adam Smith e sua noção de interesse, retirada de Mandeville, este, médico e filósofo do século 17, que escrevia como a su-pressão de nossos desejos pode nos

fazer adoecer. As disciplinas do consumo divi-dem-se, desde a origem, entre o marketing e a psicologia com-portamental de um lado e as re-lações públicas

e a psicanálise do outro. O papel de Edward Bernays, sobrinho de Freud, na criação do negócio da propaganda nos Estados Unidos do pós-guerra é recuperado, com o intrigante caso so-bre como as mulheres são levadas a fumar como um “ato de libertação”. Também não se deixará de lado que John Watson, criador do behavioris-mo e mentor de Skinner, deixou suas atividades acadêmicas para integrar o mundo da publicidade.

A emergência e consolidação da cultura do consumo (1945-1990), bem como suas formas contemporâneas marcadas pelo consumo de experiên-cias, pelo prossumo (fusão do pro-dutor com o consumidor), pelo con-sumo consciente, responsável, verde, sustentável, ético ou ativista, não pode ser compreendida sem o entendimen-to do capitalismo em sua forma ima-terial, baseado na força da marca, na cultura estruturada como entreteni-mento, no branding e no papel identi-tário e expressivo do consumo, parti-cularmente, com a vida digital.

Escritos de forma envolvente e convincente, os dois livros têm um

mérito adicio-nal para o leitor brasileiro, pois concorrem para profissionalizar a discussão so-bre o consumo e os meios de comunicação, mostrando co-mo muito além da prática há um conjunto de problemas mais ou me-nos recorrentes nesta matéria, para a qual economia e sociologia ou an-tropologia e psicologia não podem ser dispensadas. A passagem de uma sociedade da produção para uma cul-tura do consumo inverterá o papel do Supereu, de interditor para o de instância que nos obriga a gozar, nos levando assim à obrigação de felici-dade. Como um carro que acelera e freia, como uma educação que teme o consumismo assim com a exclusão do mercado, que detesta logomar-cas até transformar o próprio eu em uma delas, que quer a liberdade do consumo sem pagar por isso, sem incorporar sua substância perigosa. Assim, o circuito do consumo é, ne-cessariamente, ambíguo, paradoxal e cínico. Sua estrutura precisa ser a da fantasia para nos fazer acreditar, mas não muito.

Consumo e fantasia

pessoal (foto), shut ter stock (imagem)

CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER,

psicanalista, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade

de São Paulo (USP).

A relação com produtos é ambígua, paradoxal e cínica; esse

cenário inverte o papel do Supereu, que passa de interditor

para o de instância que nos obriga a sermos felizes

(13)
(14)

cinema

nome original do filme é Mal de pierres, numa alusão a pedras (ou cálculos) renais. A mãe, que mantém a moça sob estreita vigilância, impõe a ela a escolha entre a internação num sanatório e o casamento com um pedreiro, o calado José, que surpreenderá quem assiste ao filme. Gabrielle escolhe o casamento, mas declara que não tem amor pelo rapaz e não fará sexo com ele.

A jovem ama a palavra escrita. Lê e escreve com avidez, como forma de expressão e escoamento de suas angústias, sobretudo em cartas de amor carregadas de erotismo. Escrita bruta, urgente, sem outro escopo se-não o endereçamento das exigências de sua paixão. Apesar de bela, sua es-crita não chega a ser uma saída subli-matória, nem oferece para Gabrielle uma aspiração ao ofício de escritora. A personagem continua à espreita daquilo que não acredita encontrar na relação com o ma-rido. Entretanto, engravida dele e sofre um aborto; uma crise renal diagnosticada nesse contexto a leva à interna-ção numa clínica de águas termais na Suíça, na melhor tradição da época.

É onde encontrará, finalmente, seu instante de amor: a realização plena, amorosa e sexual na figura de um

te-U

m instante de amor, ambientado

no interior da França dos anos 50, recorre a uma estratégia desconcer-tante para abordar o desejo feminino. Acompanhamos na tela a narrativa clássica, o belo desempenho de Marion Cotillard e a fotografia cuidadosa, mas as luzes se acendem e estranhamos seu aparente anacronismo: o que levou a diretora a filmar essa história em pleno século 21? O “drama de época” seria um convite à reflexão a respeito do que mudou para as mulhe-res após décadas de emancipação? A liberação sexual e o acesso ao mundo do trabalho teriam nos protegido das demandas de nosso próprio desejo? A história de Gabrielle se apresenta tam-bém como história clínica. A premente necessidade de amar – e ser amada pelos homens – é desorganizadora tanto para a personagem quanto para o

meio familiar e social provinciano no qual ela vive. Sua alma dramática, o erotismo exacerbado sem vias de satisfação, a atração pelo impossível e suas misteriosas dores remetem à noção de histeria na teorização freudiana sobre o feminino. A jovem não escapa da intervenção médico-psiquiátrica: “Ela tem estas cãibras”, diz sua mãe ao médico. “Mas com ela nunca sabemos se é de verdade ou se é fingimento.” O

Diz-se que a histeria

como “feminismo

espontâneo” é a

neurose mais plástica

em sua apresentação.

É possível que

sua expressão

assuma hoje

novas roupagens

– na depressão, no

pânico, na anorexia

ou apenas nas

repetitivas histórias

tumultuadas

de amores

insatisfatórios

Uma pedra no caminho do amor

Sob a óptica de mulheres, tanto na direção quanto no roteiro,

filme trata de facetas atualmente não óbvias do feminino, mas

bastante presentes no universo das relações contemporâneas

por Nayra Cesaro Penha Ganhito

UM INSTANTE DE AMOR 120 min – França, 2016 Direção: Nicole Garcia Elenco: Marion Cotillard, Louis Garrel, Alex Brendemül

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15 agosto2017•mentecérebro vez que responde diretamente às imposições culturais. É possível que sua expressão assuma hoje novas roupagens – na depressão, no pânico, na anorexia ou apenas nas re-petitivas histórias tumultuadas de amores insatisfatórios. As saídas sublimatórias no mundo do pensamento e do trabalho poderiam erotizar outros campos da existência, oferecendo certa satisfação pulsional. Talvez não adoe-cesse de amor, sendo a sexualidade menos proibida e já não circunscrita às relações monogâmicas.

Entretanto, os mistérios do amor e do desejo persis-tem numa era que se quer pragmática e libertária, e com eles os impasses nos encontros. Em vez da repressão, li-damos com imperativos de gozo; idealizações do amor romântico coexistem com as relacionadas à experimenta-ção e à liberdade; o sexo não resolve as vicissitudes da es-colha do objeto amoroso e o tipo de relação estabelecida com ele. Restos transgeracionais de séculos de patriarca-do garantem não apenas que Gabrielles ainda estão por aí, mas que todas nós somos um pouco Gabrielle. Nesse filme, mãos femininas na direção e no roteiro permitem que o drama de época transponha o tempo, reconhecen-do na mulher – tantas vezes retratada pelo olhar masculi-no – sua condição de sujeito. A mesma que possibilitaria uma aventura psicanalítica capaz de escutar a feminilida-de em seus feminilida-determinantes contemporâneos.

nente amante da música e da literatura. Embora seduzido pela jovem, trata-se de um homem impotente em face da doença e da morte anunciada. O ardente desejo da jovem fará desse limite o objeto de uma verdadeira recusa (um mecanismo de defesa radical descrito por Freud que retira de um fato ou representação seu significado, a fim de evitar seu efeito potencialmente traumático; para isso, toda a parte da realidade ligada ao elemento desagradável é recusada também).

Essa experiência ressignifica toda a trama a posteriori: nem tudo é o que parece e a cura virá de onde menos se espera, embora ainda sob a égide do amor e da materni-dade, como na resolução clássica da feminilidade preco-nizada por Freud, hoje questionada.

Podemos especular a respeito das Gabrielles de nosso tempo. A abolição da noção de neurose dos compêndios psiquiátricos pode ter mitigado estigmas ligados à histe-ria, desde a Antiguidade ligada às mulheres e ao feminino (hysterus = útero) e fonte de equívocos e preconceitos. Mas o mal-estar sobrevive, separado da sexualidade, disperso nos diagnósticos de transtorno dissociativo, de humor ou compulsivo agora despidos de seu fundo conflituoso. Os médicos do filme são homens – um responde às deman-das da mãe de domar e adequar o comportamento da filha; o segundo afirma secamente: “Não nos interessamos por sua vida privada”. A paixão da protagonista, medicalizada, talvez não fosse escutada hoje mais do que foi no sanatório.

Diz-se que a histeria como “feminismo espontâneo” é a neurose mais plástica em sua apresentação, uma

divulgação

NAYRA CESARO PENHA GANHITO é psiquiatra e psicanalista, professora do curso de psicopatologia psicanalítica na clínica con-temporânea (módulo sono-sonhos), do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

(16)

genética e saúde mental

A maneira como percebemos truques visuais

oferece pistas sobre as mudanças que ocorrem

no cérebro à medida que envelhecemos

OS AUTORES

STEPHEN L. MACKNIK e SUSANA MARTINEZ-CONDE são professores de oftalmologia do Centro Médico SUNY Downstate, em Nova York. São coautores de Truques da mente (Zahar, 2011).

porStephen L. Macknik e Susana Martinez-Conde

Ao longo

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17 agosto 2017• mentecérebro

O

s anos passam e começamos a sentir alterações significativas na percepção óptica, mesmo sem desenvolver ne-nhum tipo de doença ocular ou até algum transtorno mental. Muita gente passa a ter dificuldade com atividades diárias simples, como dirigir com segurança, caminhar em terreno irre-gular ou subir e descer escadas. Infelizmente, os mecanismos subjacentes aos prejuízos relaciona-dos com a idade no modo como assimilamos infor-mações não são bem compreendidos. Há poucos estudos sobre os tipos de mudanças perceptivas que ocorrem na fase adulta, particularmente em indivíduos mais velhos. E existem ainda menos pesquisas que correlacionam essas alterações com funções cognitivas e movimentos oculares.

Mas as ilusões visuais começam a oferecer dados importantes sobre isso. Sabemos que me-canismos ópticos e neurais específicos servem de mediadores de determinados truques visuais; por isso, a forma como a percepção muda com a idade fornece indícios de como o envelhecimento pode afetar populações de células cerebrais rela-cionadas. Essas alterações sugerem também que as ilusões não são apenas um acidente ou erro de evolução, mas fazem parte do modo como assi-milamos informações. E o desgaste com a idade (que, deixemos claro, permite que o observador veja o mundo de forma mais precisa) indica que alguns aspectos da percepção ilusória podem so-breviver por mais tempo. Essa vantagem se torna menos importante à medida que as funções cog-nitivas diminuem com o passar dos anos.

Outros tipos de prejuízos visuais podem nos ajudar a entender a neurodegeneração que ocorre enquanto o cérebro envelhece. No entanto, ilusões podem se destacar em relação a outros biomarca-dores ópticos, porque os cientistas da visão com idade mais avançada – eles mesmos especialis-tas em percepção ilusória – estão profundamente conscientes de que as próprias observações mui-tas vezes não combinam com as dos participan-tes mais jovens de seus experimentos. Uma coisa

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genética e saúde mental

é ter dor nas costas ou perder a capacidade de correr 1,5 quilômetro

em oito minutos ou, ainda, ter problemas para memorizar números de telefone. Essas coisas são irritantes. Mas, quando o cérebro deixa de captar alguns sentidos, como as no-vas e fascinantes ilusões que apresentamos aqui (especialmente quando os colegas mais jovens se mostram animados), a situação pode ficar desanimadora. Certamente, a difi-culdade está relacionada com a mente, o que faz esses neurocientistas se perguntarem se não estão perdendo lentamente a capacidade cognitiva.

O psicólogo Lothar Spillmann, atualmente professor visitante da Universidade Nacional de Taiwan, é um exemplo disso. Ele passou a maior parte de sua carreira na Universidade de Freiburg. Então completou 65 anos (ida-de (ida-de aposentadoria obrigatória no sistema universitário alemão) e teve de disputar um emprego continuado no exterior. Agora, com 77, ele continua sendo um cientista bastante produtivo e uma figura internacional respeita-da no campo respeita-da ciência perceptiva.

Referência mundial na área, o psicólo-go descobriu diversas e importantes “falsas impressões”, como na ilusão de Ouchi- Spillmann, que produz efeito de movimento. Então, você pode imaginar a preocupação de Spillmann quando descobriu (no mesmo ano em que se aposentou na Alemanha) que era cego para a ilusão provavelmente mais signi-ficativa das duas últimas décadas, as “cobras que giram”, de Akiyoshi Kitaoka.

COBRAS NO CÉREBRO

A maioria das pessoas que visualizam as co-bras que giram (apresentadas na forma de um cérebro pelo neurocientista e engenheiro Jorge Otero-Millan) percebe a ilusão. O gene-ticista e pintor Alex Fraser e a bióloga Kimerly J. Wilcox, ambos da Universidade de Cincin-nati, descobriram esse tipo de movimento ilusório em 1979, quando provocaram um efeito de arranjos espirais repetitivos em for-ma de dentes sombreados. O truque visual de Fraser e Kimerly não foi tão eficaz quanto as cobras que giram, desenvolvidas mais de 20 anos depois por Akiyoshi Kitaoka, mas ge-rou diversas ilusões relacionadas. Essa famí-lia de fenômenos perceptivos caracteriza-se pela composição, em intervalos regulares, de manchas coloridas ou em tons de cinza e de brilhos específicos. Em 2005, o neurocientis-ta Bevil R. Conway e seus colegas, então da Escola Médica Harvard, mostraram que o

layout ilusório de Kitaoka ativa os neurônios

sensíveis ao movimento do córtex visual,

ofe-EM MOVIMENTO: ilustracão criada pelo neurocientista e engenheiro Jorge Otero-Millan

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19 agosto2017• mentecérebro recendo uma base cerebral para o porquê de

a maioria de nós perceber a rotação: vemos as cobras girar porque nossas células neurais visuais respondem como se estivéssemos na presença de um deslocamento real.

Em nossa própria pesquisa, com Otero--Millan, agora um colega de pós-doutorado da Universidade Johns Hopkins, encontra-mos uma relação direta entre a percepção de giro e a produção de movimentos oculares transitórios, como o piscar das pálpebras e pequenas ações involuntárias, chamadas de microssacadas. Será que falhas na atividade ocular relacionadas com a idade podem ex-plicar por que Spillmann e outras pessoas mais velhas têm dificuldade para enxergar as “cobras” girar? Talvez. Mas a ilusão de Ou-chi-Spillmann, que ele ainda percebe, parece depender também do funcionamento dos olhos. Portanto, é provável que certos pro-cessos visuais, como a percepção e a adap-tação de movimento, além da assimilação de brilho (também suscetíveis ao envelhecimen-to), estejam envolvidos de maneira diferente com cada ilusão. Ou a perda associada com a idade talvez reflita uma combinação de pre-juízos oculomotores e visuais.

ANO APÓS ANO

Em um estudo de 2009, a psicóloga Jutta Bil-lino e os psicólogos Kai Hamburger e Karl Gegenfurtner, da Universidade Giessen Justus Liebig, na Alemanha, aplicaram uma bateria de testes com truques visuais envolvendo o

movimento, como as cobras que giram, em 139 indivíduos, tanto jovens, quanto idosos. Eles observaram que os participantes mais ve-lhos percebiam uma rotação menos enganosa do que os mais novos, não apenas na ilusão das cobras, mas também nas “linhas que gi-ram inclinadas”, retratadas acima à esquerda.

Para experimentar esse truque visual, mova sua cabeça para a frente e para trás, fixando o olhar na área central (ou, como al-ternativa, mantenha o pescoço imóvel e mexa a tela ou página que está lendo). A maioria dos adultos jovens visualiza um deslocamen-to que não é real: o anel gira em direção às regiões central e circundante. Mas a ilusão de Pinna, que foi a primeira a criar efeito de movimento rotativo (à direita), funciona para a maioria dos observadores, independente-mente da idade: ao mover sua cabeça (ou a imagem) para a frente e para trás, você verá os anéis internos e externos girando em dire-ções opostas.

Seja o que for que altere essas várias per-cepções à medida que os anos passam, não se trata simplesmente de uma falha na assi-milação de movimentos ilusórios, mas reflete mudanças contínuas no cérebro e no siste-ma visual. Esperamos que essas descobertas conduzam a pesquisas futuras e a uma com-preensão mais complexa dos mecanismos subjacentes a esse tipo de percepção, bem como os efeitos neurodegenerativos especí-ficos do envelhecimento em diferentes circui-tos neurais.

PARA SABER MAIS

The neuroscience of illusion. Susana Martinez-Conde e Stephen L. Macknik, em Scientific

American, edição especial,

vol. 20, nº 13, págs. 4-7; inverno de 2013. Microsaccades and blinks trigger illusory rotation in the “rotating snakes” illusion. Jorge Otero-Millan, Stephen L. Macknik e Susana Martinez-Conde, em Journal of Neuroscience, vol. 32, nº 17, págs. 6043-6051; 25 de abril de 2012. Age effects on the perception of motion illusions. Jutta Billino, Kai Hamburger e Karl Gegenfurtner, em

Perception, vol. 38, nº 4,

págs. 508-521; 2009. Neural basis for a powerful static motion illusion. Bevil R. Conway, Akiyoshi Kitaoka, Arash Yazdanbakhsh, Christopher C. Pack e Margaret S. Livingstone, em Journal of Neuroscience, vol. 25, nº 23, págs. 5651-5656; 8 de junho de 2005. Perception of illusory movement. Alex Fraser e Kimerly J. Wilcox, em

Nature, vol. 281, págs.

565-566; 18 de outubro de 1979.

Japanese optical and geometrical art. Hajime Ouchi. Dover Publications, 1973. jorge otero-millan (br ain-shaped rot a ting snakes illusion ); from “ anew motion illusion: the rot a ting-til ted-lines illusion,”by simone gor i and kai hamburger, in perception, vol. 35, nº. 6; june 2006 (rot a ting-til ted-lines illusion); from “ a new visual illusion of rela tive motion,” by b

aingio pinna and ga

vin j. brelst

aff

, in vision research, vol. 40, nº. 16; july 1, 2000 (pinna illusion)

PESSOAS MAIS VELHAS percebem rotação menos enganosa do que os mais novos

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21 agosto 2017• mentecérebro

Há muito, o comportamento de pessoas

que caminham, comem e até conversam

dormindo, como se estivessem num

sonho, intriga tanto cientistas quanto

leigos. Em algumas situações, os

sonâmbulos podem ter ações agressivas

sem a menor consciência do que fazem

shut

ter

stock

O

sonambulismo está aumentando. Segundo

psiquiatras da Universidade Stanford, só nos Estados Unidos 8,4 milhões de adultos – o que representa 3,6% da população americana com mais de 18 anos – têm tendência ao sonambulismo. Especia-listas falam de um aumento de 2% no número encontrado pelos mesmos autores há uma década. Um subgrupo desses andarilhos noturnos pode ser perigoso para um fenômeno preocupante e arriscado: a violência no sono. O sonambu-lismo agressivo na população geral gira em torno de 2%, segundo pesquisas conduzidas nos Estados Unidos e na Europa. Nem todos os sonâmbulos exibem comportamento agressivo – e o que causa essa reação ainda é um mistério –, mas identificam-se três distúrbios associados à violência no sono.

Em transtornos de sonambulismo, a pessoa opera em um estado mental que fica entre o sono e o despertar, apre-sentando comportamentos complexos sem consciência evidente. Em comparação, pessoas com epilepsia notur-na do lobo frontal experimentam ações inotur-nadvertidamente violentas, repetitivas e breves, como correr ou chutar, que precedem uma convulsão. Um terceiro problema, o

distúr-Andarilhos

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sono

Noites em claro podem causar

distúrbios psiquiátricos

Não há dúvida de que as pessoas precisam dormir. A qualidade do descanso está associada a várias disfunções físicas e psíquicas, desde problemas no sistema imunológico, défi cits cognitivos, até o descontrole do peso. “Quase todas as desordens psiquiátricas mostram alguns problemas com o sono”, avalia o psicólogo Matthew Walker, da Universidade da Califórnia. Antigamente os pesquisadores acreditavam que problemas psiquiátricos é que desencadeavam problemas do sono. Novas pesquisas, no entanto, sugerem que o que ocorre, na verdade, é o inverso. Ou seja, problemas com o sono é que podem causar distúrbios mentais.

A equipe de Walker e seus colaboradores da faculdade de Medicina da Universidade Harvard chegaram a essa conclusão, publicada recentemente na Current Biology, depois de estudarem 26 estudantes saudáveis, com idades entre 24 e 31 anos, que

passaram algumas noites acordados (estudando) ou dormindo a noite toda. Desse total, 14 voluntários fi caram 35 horas seguidas sem “pregar os olhos” antes de serem submetidos a um exame de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) que esquadrinhava o cérebro dos participantes enquanto viam um conjunto de 100 fotos que se tornavam gradativamente mais perturbadoras. As primeiras imagens eram fotos de cestos de vime vazios sobre uma mesa; depois, de uma tarântula sobre o ombro de uma pessoa e, fi nalmente, fotos de vítimas de queimaduras e outros acidentes traumatizantes.

Os pesquisadores monitoraram principalmente a amígdala – uma estrutura cerebral que decodifi ca a emoção – e observaram que os dois grupos de voluntários exibiam o mesmo padrão de atividade cerebral quando eram mostradas imagens leves. Mas, quando as cenas se tornavam mais assustadoras e violentas, a amígdala dos que tiveram privação do sono “surtou”, mostrando atividade 60% maior que em relação à resposta normal. Além disso, os pesquisadores observaram que entre os que fi caram sem dormir havia cinco vezes mais neurônios transmitindo impulsos no cérebro.

Walker descreveu a resposta emocional ampliada, quando se está cansado, como “profunda”. “Nunca vimos uma diferença tão grande entre dois grupos em nossos estudos anteriores”, comentou. A equipe também verifi cou os resultados da fMRI para determinar se qualquer outra região do cérebro tinha um padrão similar de atividade, o que indicaria que as regiões do cérebro estavam se comunicando. Nos participantes normais, a amígdala parecia estar interagindo com o córtex medial pré-frontal – uma camada externa do cérebro que ajuda a contextualizar experiências e emoções. Mas nos cérebros cansados, a amígdala parecia estar “reconectada” a uma área do cérebro chamada locus coeruleus, que secreta norepinefrina – um precursor do hormônio adrenalina que aciona reações do tipo atacar ou fugir.

“O córtex medial pré-frontal é um policial do cérebro emocional”, observa Walker. “Ele nos torna mais racionais. A conexão inibidora piora quando as pessoas sofrem privação de sono. A amígdala parece ser capaz de ser estimulada repentinamente. Pessoas nesse estado parecem exibir um comportamento emocional pendular, passando de aborrecidas ou irritadas a apáticas ou sonsas, momentaneamente.”

“Parece haver uma relação causal entre o sono afetado e alguns transtornos psiquiátricos”, comenta Robert Stickgold, professor associado de psiquiatria na Universidade Harvard, não envolvido no estudo. Ele menciona pesquisas relacionando a apneia do sono (quando a respiração é interrompida) com défi cits de atenção, hiperatividade e evidências de conexão entre depressão e insônia como exemplos. “Pode ser que regiões mediais frontais enviem ao resto do cérebro comandos para relaxar circuitos extremamente cansados ou alterados pela falta de sono”, diz.

A equipe de Walker, agora, planeja examinar os efeitos da interrupção de certos tipos de sono, como o REM ou o de ondas lentas. “Acredito que podemos começar a pensar em uma nova função para nosso cérebro, ao dormir: parece mesmo que, entre outras coisas, o sono, na verdade, prepara o cérebro para as interações sociais e emocionais do dia seguinte”, diz o cientista.

A privação de sono causa rearranjos no circuito neural,

o que torna as pessoas mais sujeitas a perturbações mentais

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23 agosto2017•mentecérebro nha motivo aparente e era conhecido por ter

uma relação positiva com a vítima. Os dois homens alegaram não se lembrar do ataque. Cartwright acrescenta que essas pessoas es-tavam passando por intenso estresse pessoal e privação de sono na época do ataque, o que aumenta o risco de distúrbios do sono. Fa-later estava tomando pílulas de cafeína pela primeira vez em muitos anos. Cartwright ob-servou que a adição desse estimulante à sua rotina diária pode ter aumentado ainda mais o risco de ter o sono interrompido. Os julga-mentos, porém, tiveram resultados muito di-ferentes. Enquanto o caso do Canadá acabou em absolvição, os jurados ficaram céticos em relação à história de sonambulismo de Fala-ter. Ele foi considerado culpado de homicídio e condenado à prisão perpétua.

Como Cartwright aponta no relatório, não existe teste único para diagnosticar transtor-nos do sono com certeza. Ela conduziu uma bateria de testes psicológicos e quatro noites de estudos antes de testemunhar que um distúrbio do sono poderia estar envolvido no caso de Falater. Mesmo assim, é praticamente impossível – e eticamente problemático – reconstruir as circunstâncias de uma dada noite ou induzir um paciente a caminhar ou falar durante o sono.

Cramer Bornemann salienta que a violên-cia no sono apresenta desafios importantes para o sistema legal. Apesar de o sistema atual reconhecer apenas a mens rea, uma mente culpada é requisito para um ato culpo-so – talvez a compreensão tudo-ou-nada da mente seja inapropriada. Em vez disso, a vio-lência no sono pode ser mais bem explicada em termos de níveis de consciência, desper-tar, autocontrole e sono.

Leia mais assuntos relativos a este tema no Dossiê Mente e Cérebro – Sono, já nas bancas.

D O S S I Ê p s i co l o g i a p s i c a n á l i s e n e u ro c i ê n c i a

SONO

A ciência do 1 O que acontece quando adormecemos A relação entre comida e descanso Epidemia de insônia Como recuperar as horas mal dormidas Sonhos que nos preparam para a morte bio comportamental do sono REM (sigla em

inglês para “movimento rápido dos olhos”), ocorre quando os centros de movimento no tronco cerebral – que criam paralisia durante o sono profundo – se deterioram, geralmen-te devido a uma doença do sisgeralmen-tema nervoso, como Parkinson. Sem essa paralisia, o corpo fi ca livre para se mover e agir como se estives-se no sonho, causando ferimentos acidentais tanto a quem dorme quanto à pessoa com quem divide a cama. Há alguns anos, o pes-quisador Eric Olson, do Centro Mayo de Dis-túrbios do Sono, revisou os registros de 93 pacientes com o distúrbio comportamental do sono REM e descobriu que 64% atacaram seus cônjuges e 32% haviam se machucado durante o sono.

Como várias doenças podem estar por trás da violência no sono, investigar os incidentes é compreensivelmente difícil. O pesquisador Michael Cramer Bornemann, especialista em sono do Centro Regional de Distúrbios do Sono de Minnesota, e seus colegas do Sleep Forensics Associates já lidaram com mais de 200 casos forenses relacionados a distúrbios do sono, geralmente a pedido da lei. Desses casos, apenas os de sonambulismo foram as-sociados a comportamentos criminosos. Ele estima que cerca de um terço das situações registradas envolve sedativos, como o Am-bien, que podem aumentar o risco de trans-tornos de sonambulismo. Em um estado que fi ca entre o despertar e o adormecer, essas pessoas podem caminhar, comer, ou até diri-gir enquanto dormem. Porém, mesmo sendo possível avaliar a probabilidade de alguém ter distúrbios de sono, decidir se aquele indiví-duo estava acordado ou dormindo durante um incidente específi co é outra história. Em 1997, Scott Falater, do estado do Arizona, es-faqueou repetidamente sua mulher e a em-purrou na piscina do casal. Quando a polícia – acionada por um vizinho – chegou, Falater parecia inconsciente do que havia acontecido com sua mulher. Ele alegou estar adormecido durante o incidente.

A psicóloga Rosalind Cartwright – con-sultada pela defesa de Falater – escreveu um relatório do caso, fazendo um paralelo com um assassinato por sonambulismo no Canadá. Nos dois casos, o assassino não

ti-É praticamente impossível – e

eticamente problemático – reconstruir

as circunstâncias de uma dada noite ou

induzir um paciente a caminhar

ou falar enquanto dorme

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25 agosto 2017• mentecérebro

OS AUTORES

MERIM BILALIć é doutor em psicologia, professor de ciência cognitiva na Universidade de Klagenfurt, na Áustria, e pesquisador sênior associado da Universidade de Tübingen, na Alemanha. Sua pesquisa sobre o efeito Einstellung ganhou o Prêmio da Sociedade Psicológica Britânica para Contribuições Excepcionais de Pesquisa Médica para a Psicologia em 2008. PETER MCLEOD é doutor em psicologia, membro emérito da Universidade de Oxford. É presidente da Fundação Oxford para Neurociência Teórica e Inteligência Artificial.

Boas ideias são sempre bem-vindas, mas algumas linhas

de raciocínio podem bloquear outras melhores ainda –

e nos prender a determinados padrões de pensamento.

Enquanto refletimos sobre determinada questão, a

tendência de nos atermos a ideias familiares pode inibir

soluções ainda mais promissoras. Entender como esse

processo funciona ajuda a evitar armadilhas cerebrais

porMerim Bilalić e Peter McLeod

cérebro

teimoso

(26)

capa

E

m um experimento clássico de

1942, o psicólogo americano Abrah-am Luchins pediu a voluntários que fizessem alguns exercícios básicos de matemática visualizando mentalmente jarros de água. Considerados três recipientes vazios, com diferentes capacidades, os volun-tários deveriam calcular como transferir pre-cisamente determinada quantidade de água entre as vasilhas. Os participantes podiam encher e esvaziar cada jarro quantas vezes quisessem, mas tinham de colocar o líquido até o limite dos recipientes. A solução era simples: primeiro, encher o segundo jarro, que era o maior deles, depois esvaziá-lo no primeiro e, finalmente, encher o terceiro reci-piente duas vezes.

Luchins apresentou aos seus voluntários vários outros problemas que podiam ser re-solvidos essencialmente com os mesmos três passos. Eles realizaram as tarefas rapida-mente. Mas, quando o psicólogo apresentou um desafio com uma solução mais simples e rápida que as anteriores, os voluntários não conseguiram enxergá-la.

Dessa vez, Luchins pediu aos participan-tes que distribuíssem 20 unidades de água utilizando recipientes com capacidade de 23, 49 e três unidades de líquido. A solução é óbvia, certo? Basta encher o primeiro jarro e esvaziá-lo no terceiro: 23 - 3 = 20. Mas muitas pessoas insistiram em resolver o problema mais fácil do jeito antigo, esvaziando o se-gundo recipiente no primeiro e depois duas vezes no terceiro: 49 - 23 - 3 - 3 = 20.

Quan-do Luchins lhes deu um problema com uma solução de dois passos, mas impossível de ser resolvido com o método de três etapas ao qual os voluntários haviam se acostumado, a maioria desistiu dizendo que era impossível.

O experimento dos jarros de água é um dos exemplos mais famosos do efeito

Eins-tellung (fixação funcional): a persistente

ten-dência do cérebro de se ater a uma solução familiar para resolver um problema – aquela que primeiro vem à mente – e ignorar outras possibilidades. Frequentemente esse tipo de raciocínio é um processo cognitivo útil. Por meio desse processo, denominado heurísti-ca, a pessoa encontra um método bem-suce-dido para, por exemplo, descascar uma laran-ja – e não há motivo para tentar uma série de técnicas diferentes toda vez que precise novamente tirar a casca da fruta. O proble-ma com esse atalho cognitivo é que ele pode inibir a busca de soluções mais eficientes ou apropriadas.

Com base no trabalho inicial de Luchins, psicólogos replicaram o efeito Einstellung em vários estudos laboratoriais que envolveram tanto novatos como experts em áreas espe-cíficas e a avaliação de uma gama de habi-lidades mentais. Mas como e por quê exa-tamente o efeito ocorria nunca havia ficado claro. Recentemente, ao registrarmos os mo-vimentos oculares de enxadristas altamente qualificados, desvendamos o mistério. Ocor-re que pessoas sob a influência desse atalho cognitivo ficam literalmente cegas para cer-tos detalhes que poderiam oferecer solução

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mais eficaz. Novas pesquisas sugerem tam-bém que muitas propensões cognitivas des-cobertas por psicólogos, como as que ocor-rem em uma sala de tribunal e nos hospitais, por exemplo, de fato são variações do efeito

Einstellung.

VOLTA À ESTACA ZERO

Desde o início dos anos 90, psicólogos têm estudado o efeito Einstellung ao recrutar en-xadristas de vários níveis de habilidade, de amadores a grandes mestres. Nesses expe-rimentos, pesquisadores apresentaram aos jogadores disposições específicas de peças de xadrez em tabuleiros virtuais e lhes pedi-ram que chegassem ao xeque-mate com o menor número possível de lances. Os nossos estudos, por exemplo, confrontaram enxa-dristas peritos com cenários em que poderiam realizar jogadas sofistica-das usando uma sequência bem conhecida, chamada “mate sufocado” (ou mate de Phili-dor). Nessa manobra de cin-co lances, a rainha é sacri-ficada para atrair uma das peças do adversário para uma casa com o objetivo de bloquear a rota de fuga do rei. Os jogadores tinham também a opção de colocar o rei em xeque-mate em ape-nas três lances, com uma se-quência muito menos familiar. Como nos estudos dos jarros de

shut

ter

(28)

capa

Muito além do que os olhos veem

O jogo intelectualmente exigente de xadrez provou ser um meio excelente para psicólogos estudarem o efeito Einstellung – a tendência do cérebro de se ater a soluções que já

conhece em vez de procurar por outras potencialmente superiores. Experimentos mostram que essa propensão cognitiva literalmente muda a forma como até enxadristas experientes veem o tabuleiro à sua frente.

Dispositivos de monitoramento ocular revelaram que, assim que enxadristas

identificaram o mate sufocado como uma solução, passaram muito mais tempo olhando para as casas relevantes para essa manobra familiar (laranja), que para casas pertinentes à sequência mais eficiente de três lances (magenta), apesar de insistirem que estavam procurando outras possibilidades. Inversamente, quando o mate sufocado era inviável, o olhar dos jogadores se deslocava para regiões do tabuleiro cruciais para a estratégia mais rápida.

Problema com duas soluções

Problema com uma solução

Período de resolução Tempo gasto olhando para casas-chave (%) 40 30 20 10 0 10 segundos iniciais Intermediário 5 segundos finais Período de resolução Tempo gasto olhando para casas-chave (%) 40 30 20 10 0 10 segundos iniciais Intermediário 5 segundos finais

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29 agosto2017•mentecérebro água de Luchins, a maioria dos jogadores não

conseguiu encontrar a solução mais eficiente. Durante alguns desses estudos, pergunta-mos aos jogadores o que se passava em suas mentes. Eles disseram que haviam encontra-do a solução encontra-do mate sufocaencontra-do e insistiram que estavam procurando um caminho mais curto, sem sucesso. Mas os relatos verbais não ofereceram nenhuma explicação sobre o motivo pelo qual eles não conseguiam encon-trar a solução mais rápida. Decidimos então tentar algo um pouco mais objetivo: acompa-nhar movimentos oculares com uma câmera infravermelha. Saber para que parte do tabu-leiro as pessoas olhavam e por quanto tempo elas fixaram os olhos nas diferentes áreas nos revelaria, sem equívocos, quais aspectos do problema estavam notando ou ignorando. TRAQUINAGEM NA FILOSOFIA

Nesse experimento, seguimos o olhar de cinco enxadristas experientes enquanto eles examinavam um tabuleiro que podia ser re-solvido tanto com a manobra mate sufocado, mais longa, quanto com a sequência mais curta, de três lances. Após uma média de 37 segundos, todos os jogadores insistiram que o mate sufocado era a maneira mais rápida possível para encurralar o rei. Mas, quando apresentamos um tabuleiro que só podia ser resolvido com a sequência de três lances, eles encontraram a solução sem nenhum proble-ma. E, quando dissemos aos jogadores que esse mesmo xeque-mate rápido tinha sido possível no tabuleiro anterior, eles ficaram chocados. “Não, isso é impossível”, excla-mou um jogador. “É um problema diferente; tem de ser. Eu teria notado uma solução tão simples.” Claramente, a mera possibilidade da sequência para um mate sufocado estava mascarando teimosamente soluções alterna-tivas. De fato, o efeito Einstellung foi potente o suficiente para rebaixar experientes mestres de xadrez temporariamente ao nível de joga-dores muito mais fracos.

A câmera infravermelha revelou que, mes-mo quando os jogadores afirmavam estar procurando por uma solução mais rápida, e de fato acreditavam estar fazendo isso, na realidade não desviavam o olhar das casas que já haviam identificado como parte da

sequência de lances para o mate sufocado. Comparativamente, quando apresentados ao tabuleiro de uma solução, os jogadores inicialmente olharam para as casas e peças importantes para o mate sufocado e, uma vez que percebiam que isso não funcionaria, dirigiam sua atenção para outras casas e logo descobriam a solução mais curta.

Recentemente, a pesquisadora Heather Sheridan, da Universidade de Southampton, na Inglaterra, e Eyal M. Reingold, da Univer-sidade de Toronto, publicaram estudos que corroboram e complementam nossos ex-perimentos de monitoramento ocular. Eles apresentaram duas situações diferentes a 17 enxadristas novatos e 17 experientes. Em um cenário, uma manobra familiar de xeque--mate, como o mate sufocado, era vantajosa, mas perdia para uma solução menos óbvia. Na segunda situação, a sequência mais co-nhecida seria um erro claro. Como em nos-sos experimentos, uma vez que amadores e mestres enxadristas olhavam para a manobra familiar e útil, seus olhos raramente se des-viaram para casas que lhes indicariam o ca-minho para a melhor solução. Mas, quando a sequência bem conhecida era obviamente um erro, todos os peritos, e a maioria dos no-vatos, detectaram a alternativa.

O efeito Einstellung não é, de forma algu-ma, limitado a experimentos controlados em laboratório e nem mesmo a jogos mental-mente desafiadores, como o xadrez. Em vez disso, é a base de muitas propensões cog-nitivas. O filósofo, cientista e ensaísta inglês Francis Bacon foi especialmente eloquente sobre uma das formas mais comuns de

pro-O efeito Einstellung é a tendência

do cérebro de se ater à solução

mais familiar para um problema e

teimosamente ignorar alternativas;

psicólogos conhecem esse fenômeno

mental desde a década de 40, mas

só agora têm uma compreensão

sólida de como isso ocorre

(30)

capa

Nem tão racional quanto imaginamos

Ao voltar de uma viagem de férias, José e Maria perceberam que a empresa aérea havia danificado objetos de arte idênticos que os dois tinham comprado. O gerente da empresa garante que ficaria muito feliz em compensá-los pelos danos, mas ele está em apuros, pois não faz a menor ideia de quanto esses objetos raros podem ter custado. Ele acredita que, se perguntar o preço aos passageiros, eles certamente irão inflacioná-lo.

Então, o gerente resolve ser mais ardiloso. Pede que cada um dos viajantes, separadamente, anote em um papel o preço das peças quebradas, atribuindo um valor inteiro, em dólares, entre 2 e 100. Se os dois marcarem o mesmo número, ele aceitará o valor e pagará a cada um deles a quantia mencionada. Mas, se escreverem números diferentes, poderá considerar o valor mais baixo como o preço correto e desconsiderará o maior. Pagará então aos dois o valor mais baixo incluindo um bônus e uma penalidade – a pessoa que tiver anotado o número mais baixo receberá US$ 2 a mais como prêmio

por sua honestidade, e a que marcar o valor mais alto terá US$ 2 a menos do que o valor mais baixo, como uma espécie de punição pela desonestidade.

Na hora de tomar decisões, muitas pessoas rejeitam a opção lógica e acabam obtendo um resultado melhor. Mas para isso é preciso

descobrir formas menos convencionais de pensar; para entender como o cérebro faz essas escolhas, cientistas usam uma atividade lúdica

por Kaushik Basu

Cenários como esse, nos quais as pessoas fazem escolhas e são

recompensadas de acordo com a decisão que tomam, são conhecidos como jogos. Chamei esse de “dilema do viajante”. O objetivo era confrontar a proximidade entre o comportamento racional e os processos cognitivos, estudando o funcionamento mental diante de opções complexas, que envolviam perdas e ganhos.

O dilema do viajante (DV) atinge esses objetivos porque a lógica do jogo estabelece que 2 é a melhor opção, ainda que muitas pessoas prefiram um número próximo de 100. Os jogadores amealham uma grande recompensa por não obedecerem à razão. Pode parecer contraditório, mas, ao jogar o DV, é preciso usar certa racionalidade ao optar por não ser racional.

Outros pesquisadores que usaram o DV e tentavam expandi-lo relatavam descobertas resultantes de experiências em laboratório, com insights sobre a tomada de decisão. Apesar disso, permanecem sem resposta as questões sobre como a lógica e a razão podem ser aplicadas ao DV. Porque 2 é a escolha racional, pense em uma linha de raciocínio que Maria deverá seguir: a primeira ideia que lhe vem à cabeça é que deve escrever o maior número possível, 100, pois assim receberá US$ 100 – desde que José seja igualmente ambicioso, ou vice-versa. (Se o objeto custou muito menos que US$ 100, os passageiros estariam tentando tirar proveito da proposta feita pelo gerente.)

No entanto, logo ocorre a Maria que se em vez de 100 ela marcar 99, vai conseguir um pouco mais de dinheiro, porque receberá US$ 101. Mas certamente José também teria

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Referências

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