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Interpolação projetual : explorando o espaço de possibilidades entre a menor complexidade e o maior desempenho

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE BELAS-ARTES

INTERPOLAÇÃO PROJETUAL

Explorando o Espaço de Possibilidades Entre a Menor

Complexidade e o Maior Desempenho

José Alberto Almiro Viana

Orientadores: Professor Doutor Paulo Jorge Martins Parra

Professora Doutora Isabel Maria Dâmaso Rodrigues

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor

em Belas-Artes – Especialidade de Design de Equipamento

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FACULDADE DE BELAS-ARTES

INTERPOLAÇÃO PROJETUAL

Explorando o Espaço de Possibilidades Entre a Menor Complexidade e o Maior Desempenho

José Alberto Almiro Viana Orientadores: Professor Doutor Paulo Jorge Martins Parra

Professora Doutora Isabel Maria Dâmaso Rodrigues

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Belas-Artes - Especialidade de Design de Equipamento

Júri

Presidente: Doutor Fernando António Baptista Pereira, Professor Associado e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

Vogais:

Doutora Maria Inês de Castro Martins Secca Ruivo, Professora Auxiliar da Escola de Artes da Universidade de Évora;

Doutor Eduardo Alberto Vieira de Meireiles Côrte-Real, Professor Associado do IADE-U Instituto de Arte, Design e Empresa – Universitário;

Doutor Fernando António Baptista Pereira, Professor Associado da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa;

Doutor Paulo Jorge Martins Parra, Professor Associado da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, orientador;

Doutor Cristóvão Faria Martins Valente Pereira, Professor Auxiliar da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

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RESUMO

A presente investigação aborda a problemática pela qual a tendência para a

complexidade se opõe à possibilidade da sua simplificação, nos domínios da evolução natural e artificial.

A partir da constatação de que existe uma rotina implicativa que leva a que os

processos evolutivos se encontrem comprometidos com os processos de

complexificação, procura-se aqui revelar alguns dos componentes desta rotina e, com

isso, estabelecer-se adequada compreensão acerca da noção dominante de complexidade e de outras noções que, por oposição ou aproximação, gravitam em torno dela (tal como a de simplicidade ou a de complicado).

Na abordagem teórica ao tema do Projeto, este é tomado como ‘evento charneira’ através do qual o hominídeo pôde emancipar-se de uma injunção evolutiva dominada pela seleção natural.

A tese que aqui se desenvolve incide na hipótese de emancipação do processo evolutivo

relativamente à tendência para o aumento da complexidade. Procura-se apresentar o Projeto quer como via paliativa de simplificação, quer como via efetiva de controlo

sobre a evolução técnica (expressável nas modalidades crescimento, progresso ou

desenvolvimento), tomando-o como a única possibilidade de se contrariar algumas das

tendências para a complexidade.

Alicerçando a temática do Projeto em Design no lema “menos é mais”, apresenta-se aqui a noção de Interpolação Projetual como um preceito pelo qual se instiga a

criatividade a explorar a possibilidade de se incrementar o desempenho dos artefactos,

reduzindo a sua complexidade técnica. A exemplificação da pertinência e aplicabilidade

prática deste princípio encontra-se expressa na fundamentação de quatro projetos desenvolvidos pelo autor no contexto desta investigação.

PALAVRAS-CHAVE

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ABSTRACT

This research deals with the problem in which the tendency for complexity is opposed to the supposed tendency for simplification, in the natural and artificial evolutionary domains.

Starting with the realization that there is an implicative routine that enables evolutionary processes to be bound to the complexity processes, we look to unravel some of the components of this routine and, thereby, to settle proper understanding of the dominant notion of complexity and also other notions which, by opposition or similarity, do gravitate around it (such as simplicity or complication).

In the theoretical approach to the Project theme, this is taken as 'pivotal event' through which the hominid could emancipate itself from an evolutionary drive dominated by

natural selection.

The thesis which we develop here focuses on the hypothesis of the emancipation of the

evolutionary process in opposition to the increase of complexity. We seek to present the

Project as a pave way of simplification, either as a possibility to control over technical

evolution (to be expressed through modes like growth, progress and development)

exploring as the only possibility of offsetting certain tendencies to complication. Building on the theme of the Design Project in the motto "less is more", we present the notion of Project Interpolation as a precept which encourages creativity to explore the

possibility of increasing the performance of artifacts, reducing their technical complexity. The exemplification of the relevance and practical applicability of this

principle is expressed in the grounds of four developed projects by the author in the context of this thesis.

KEY WORDS

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AGRADECIMENTOS

Esta é a etapa culminante de uma longa viagem motivada pelo entusiasmo do conhecimento e pelo desafio de o tornar operativo e válido. O seu itinerário seguiu muitas espectativas, passando por momentos de incerteza ou de deceção, mas também encontrando outros de grande satisfação e motivação, pelas aprendizagens e conquistas alcançadas.

Trata-se de uma caminhada individual mas não solitária, pois foi sendo acompanhada por todos aqueles que, a seu modo, foram dando o seu contributo, para que a chegada se concretizasse no presente trabalho. A alguns pedirei desculpa por eventuais falhas que, não obstante os seus contributos, ainda possam aqui persistir e, a todos eles, quero aqui deixar expresso os meus sinceros agradecimentos:

Aos meus estimados orientadores, Professor Doutor Paulo Parra e Professora Doutora Isabel Dâmaso, pelo crédito que deram a este projeto e pela confiança que desde logo em mim depositaram para o concretizar; a eles estou grato pela palavra dialogante e oportuna, crítica e exigente, sempre orientadora e encorajante.

Ao Professor Doutor João Paulo Queiroz pela generosa disponibilização dos seus préstimos que tão pertinentes e úteis se revelaram.

Ao Professor Doutor Jorge Alves pela espontânea partilha de algumas das suas leituras, reforçada com o empréstimo de alguns livros da sua biblioteca.

A todos os meus colegas que fizeram com que se tornasse menos dificultosa a

conjugação das minhas obrigações letivas, como docente, com as obrigações que este meu trabalho acarretou, nomeadamente durante este último ano da sua conclusão. À Patrícia que, através da sua dedicação e capacidade de organização, soube colmatar muitas das falhas, sanar muitos dos impactos e compensar muitos dos efeitos colaterais provocados por esta tarefa que, durante tanto tempo, permaneceu no meu estado de espírito afetando relações com aqueles que me são mais próximos.

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À Maria, a minha filha Aos meus alunos

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ÍNDICE 1 APRESENTAÇÃO 13 1.1 Introdução 13 1.2 Significados 16 1.3 Questões 17 1.4 Justificativas 17 1.5 Metodologias 20 1.6 Contextura 21 2 ENQUADRAMENTO TEÓRICO 23 2.1 COMPLEXIDADE 23 2.1.1 Simplificar a complexidade 23 2.1.2 Complexo e complicado 26

2.1.3 A complexidade como integração de realidades 30

2.1.4 O sistema adaptável complexo 31

2.1.5 Complexidade e informação 33

2.1.6 Evolução e seus domínios de complexificação 35

2.2 TROCAS e complexidade 38

2.2.1 Trocar – obter algo que possa ser trocado 38

2.2.2 Das trocas fundamentais às trocas vitais 39

2.2.3 Trocar para sobreviver até morrer 40

2.2.4 Projetar o efeito de trocas 41

2.2.5 Das trocas neurais às mentais 42

2.2.6 Efeitos de trocas naturalmente selecionados 44

2.2.7 Trocas para existir, para estar vivo e para estar bem 45 2.2.8 Das trocas espontâneas à emergência da sua negociação 47

2.2.9 Negociar com outros e ‘negociar com outras-coisas’ 48

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2.2.11 Negociar para conseguir ter… 51

2.3 TECNOLOGIA e complexidade 54

2.3.1 Técnica, tecnologia e tecnicismo 54

2.3.2 Fenómenos físicos e fenómenos humanos 55

2.3.3 Conhecimento aplicado 58

2.3.4 O ‘fator antropogénico’ como determinante técnico 60

2.3.5 ‘Fenómenos físicos’ sob o propósito humano 64

2.3.6 Informação, conhecimento, diversidade e evolução tecnológica 65

2.3.7 Genes e memes – dois envolvimentos recombinatórios 67

2.3.8 Imagens neurais e imagens visuais – uma nova via de fertilização 68

2.3.9. Técnica – incorporação de conhecimento no meio 73

2.4 ARTE e complexidade 76

2.4.1 A mente num cérebro de antigamente 76

2.4.2 Adaptações ancestrais em adaptação à atualidade 77

2.4.3 A conquista do tempo 78

2.4.4 Tempo extra para a arte 79

2.4.5 Da função útil à arte 80

2.4.6 Uma simbiose cultural - A técnica faz, a arte diz 82

2.4.7 Do passado adaptativo à inutilidade adaptativa da arte 83

2.4.8 Arte – Evolução sem progresso 87

2.4.9 O valor estatutário da arte 92

2.4.10 Uma questão de aparência 94

2.5 CIÊNCIA e complexidade 99

2.5.1 O erro e teoria, complexidade e artefacto 99

2.5.2 A objetividade da experiência física do artefacto 101

2.5.3 Seleção de conhecimento e de artefactos 104

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2.6 AMBIENTE e complexidade 111

2.6.1 Sustentar a Natureza que nos sustenta 111

2.6.2 Oportunidades para todos 112

2.6.3 Efeito antrópico VS efeito entrópico 114

2.6.4 Ecoeficiência 117

2.7 PROJETO e Complexidade 119

2.7.1 Da complexidade ao projeto 119

2.7.2 Trocas projetadas 121

2.7.3 A estratégia no design 123

2.7.4 O Eu, o Outro e a Outra-coisa 125

2.7.5 Projetar a complexidade 130

3 O QUE SE PROPÕE DE NOVO 135

3.1 INTERPOLAÇÃO PROJETUAL e complexidade 137

3.1.1 Entre a complexidade e o desempenho 137

3.1.2 A mesma complexidade, outros desempenhos 141

4 INVESTIGAÇÃO PRÁTICA 145

4.1 ‘Antes do Lápis Mecânico’ 145

4.1.1 O artefacto de ação gráfica 145

4.1.2. Entre o lápis e a lapiseira – Aproximação à solução interpolar 150

4.1.3 Quatro dimensões para um ‘artefacto riscador’ 159

4.2 ‘Antes da “Grande Complicação” do Relógio’ 169

4.2.1 ‘Artefacto de medir o tempo’ 169

4.2.2 As ‘simples complicações’ do relógio 183

4.2.3 Em direção a uma solução interpolar 186

4.2.4 O que se propõe de novo 193

4.3 ‘Antes do eletrodoméstico’ 200

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4.3.2 Electro mecanização doméstica 202

4.3.3 Antes da assistência eletromecânica 203

4.3.4 Na cozinha sem eletricidade 208

4.4 ‘Antes da Cadeira’ 216

4.4.1 Artefacto de apoio ao sentar e encostar 216

4.4.2 Depois do banco 220

4.4.3 Abertura de um espaço interpolar – entre o plano e a cadeira 222

4.4.4 Aproximação à ideia de cadeira complanar 227

4.4.5 Cadeira complanar – exploração interpolar 237

5 CONCLUSÃO 249

5.1 Uma tecnologia obsoleta não é uma tecnologia estéril 254

5.2 O aumento da complexidade limita a eficácia; a perda de eficácia dita o limite da

simplificação 254

5.3 Simplificar é transformar eficácia em eficiência 255

5.4 Procurar simplificar é querer salvaguardar a complexidade imprescindível 255

5.5 Redução da complexidade – Para lá do minimalismo 256

5.6 Emancipando-se face à evolução natural, em aproximação à Natureza 256 5.7 Reagindo face à complexidade existente e ao desempenho experimentado 258

5.8 Interpolação dentro da interpolação projetual 259

5.9 Receituário, método e preceito - limitações e implicações 259

BIBLIOGRAFIA 261

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1 APRESENTAÇÃO

1.1 Introdução

“Um mundo suficientemente simples para ser plenamente conhecido seria demasiado simples para nele habitarem observadores capazes de o conhecer.”

John D. Barrow1

Qualquer ser animal sentirá alguma espécie de tensão, incómodo, dor ou ameaça no momento em que o seu sistema homeostático lhe deteta a falta de qualquer coisa

imprescindível à sua sobrevivência. Nesse momento, então, qualquer animal mobilizará os recursos de que dispõe a fim de colmatar ou compensar tal falta.

Com o aparecimento da consciência humana o ser dela dotado passa a dispor de um incremento de recursos neurais exponencialmente superior a qualquer outro animal. Através dela, a memória, o raciocínio e a linguagem desenvolvem-se; através dela, permite-se construir significados, emoções e espectativas em torno das necessidades, prevendo-as e antecipando-lhes efeitos. Em suma, através da consciência o ser humano torna-se criativo: mais que detetar necessidades, ele ‘inventa-as’, passando a projetar-se para lá do domínio natural, instaurando um outro nível de homeostase – a do bem-estar, a da qualidade-de-vida e a da felicidade.

O que se revela extraordinário neste novo nível de homeostase é que, nele, os dispositivos culturais que o integram – as convenções, regras, princípios, leis, religião, ciência,

tecnologia ou as artes – não se encontram meramente calibrados para a manutenção de situações de estabilidade, de harmonia e de equilíbrio mas, acima de tudo, para o próprio

aprimoramento dessas mesmas situações. O constante desejo de mais e melhor assume

então o comando do livre-arbítrio.

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Desde então, o bem-estar passa a encontrar-se suscetível a dois tipos de ameaça: uma, manifestando-se quando o ser humano não consegue obter as coisas que deseja, e a outra tendendo a manifestar-se após a obtenção de tais coisas.2

Considerando ser impossível ao ser humano excluir-se desta dilemática condição, existirá alguma forma de (pelo menos) ele conseguir atenuar algum do seu cariz mais ameaçador? Talvez, desde que ele ‘acautele o que deseja’; desde que, na formulação dos seus desejos, o ser humano considere desejável simplificar o que deseja. Ora, isto é algo que não é

propriamente fácil nem intuitivo, pois não é plausível desejar-se simplificar quando isso corresponde a abdicar-se de habituais garantias de bem-estar que foram sendo

conquistadas ao longo da evolução adaptativa/cultural humana e tomadas como dado

adquirido; garantias que permanecem e se atualizam, indefinidamente, no complicativo

culminar do nosso quotidiano projetado.

Se fosse fácil simplificar, a complexidade não seria um problema tão ameaçador; um problema que se constitui na sub-reptícia tendência da complexidade para se desenvolver aditivamente através dos desejos e das necessidades dos seres humanos e para se instalar, através das suas realizações e suprimentos, nos seus mundanos e acomodados quotidianos. Relativamente aos modos como concebemos desejos, como os perseguimos e como os realizamos, aquilo que poderá influenciar tais modos (limitando-os ou possibilitando-os) só poderá ter a ver com a falta ou disponibilidade de recursos: recursos como, o tempo, a

matéria, a energia e o próprio conhecimento ou criatividade para lidar com eles. Por detrás

da complexidade nada mais há para além disto.

A complexidade começou com o nascimento do próprio tempo e, desde então – desde há cerca de 13,82 milhares de milões de anos –, persiste na sua rotineira tendência para se desenvolver e expandir em função deste, apenas envolvendo matéria e energia, e as leis da física que as regem. Num momento mais recente dessa rotina (há pouco menos de 3 mil milhões de anos) raríssimas condições dessa complexidade levaram a que ela, num ‘quase inexistente’ ponto do universo (a que se daria o nome de Terra, hoje com cerca 4,5

milhares de milões de anos), viesse a engendrar a vida. Só a partir desta nova forma de complexidade biológica, a partir da sua enorme capacidade de se diversificar, pôde então

2 Baseado na conhecida frase de Oscar Wilde: “Só há duas tragédias na vida: uma é não se conseguir o que se quer, a

outra é consegui-lo.”

Também podemos complementar o conteúdo desta frase com o sentido do ditado: cuidado com o que desejas, pois pode

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emergir um ser (há cerca de 3,3 milhões de anos)3 capaz de produzir artefactos e conhecimento, inaugurando assim a mais recente forma de se produzir complexidade, aquela que mais potencial de diversificação possui em todo o universo: referimo-nos à consciência, ao conhecimento e à criatividade, fatores subjacentes a toda a ordem de complexidade artificial.

O presente trabalho aborda não só as questões que incidem na relação destes fatores com a produção da artificialidade (a realização do que se deseja), mas também aquelas que incidem no seu potencial contributo para a compreensão e controlo de efeitos não desejados dessa mesma artificialidade.

Pressupõe-se, nesta abordagem, que nem sempre é possível tomar consciência de todas as implicações que o crescimento, baseado no desejo e bem-estar e exponenciado pelo

conhecimento e criatividade, provocam. De facto, é mais fácil e motivante compreender e

projetar a complexidade que contribui para tal crescimento, do que compreender e acautelar a complexidade que, decorrendo dele, se vai insidiosamente acumulando ‘debaixo’ do nosso bem-estar. Reconhece-se aqui que não podemos continuar

displicentemente a não querer saber dessa ameaça. Mas também se reconhece que o saber acerca do que se passa com a complexidade que a constitui não é um saber fácil de se adquirir e, tão pouco, um saber fácil de se fazer aplicar à nossa realidade de modo a mantê-la salvaguardada de tal ameaça.

Assim, o leitmotiv do presente trabalho assenta na espectativa de que a intenção consciente de ‘querer simplificar’, só por si, evitará que tenha de se proceder a grandes estudos

prévios em torno da complexidade inerente a futuros artefactos, nomeadamente quando relacionados com tudo aquilo de que dependerão a montante e que provocarão a jusante. Por conseguinte, através do preceito da interpolação projetual que aqui se propõe, ‘bastará’ que se sigam, simultaneamente, as ‘virtudes de simplicidade’ (de uma menor complexidade) de determinado artefacto e as ‘virtudes de desempenho’ de outro (cuja maior complexidade se reconhece ter permitido superar o primeiro) e, apelando à criatividade, ‘procurar encontrar’ um novo artefacto que concilie ambas as virtudes: a ‘prescindência de grandes complexidades’ com a ‘facultação de bons desempenhos’.

3 Muito recentemente (a 21 de Maio de 2015) a revista Nature publicou um artigo (que certamente irá marcar a história da

evolução humana e relançar a discussão na comunidade científica acerca deste assunto) onde se apresentam oficialmente os resultados de uma investigação em torno de uma extraordinária descoberta: a existência de ferramentas de pedra lascada com cerca de 3,3 milhões de anos de idade.

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1.2 Significados

Evitou-se fazer aqui uma compilação dos termos que pudessem eventualmente merecer uma explicação mais pertinente, uma vez que essa explicação passa a ser cumprida à medida que tais termos vão surgindo ao longo deste trabalho (apresentados segundo a sequência lógica dos assuntos nele abordados).

Ainda assim, o conceito de interpolação merece aqui ser previamente definido:

Este termo, interpolação, no sentido dado pela matemática, refere-se ao método pelo qual é

possível obter-se um novo conjunto de dados dentro de um determinado intervalo a partir da interpretação de dados existentes nos extremos desse intervalo.4 Transpondo esta ideia para o contexto do projeto em Design, podemos analogamente referir-nos ao método pelo

qual é possível obter-se um novo artefacto (novo conjunto de dados) dentro de um determinado intervalo evolutivo a partir da interpretação de outros artefactos (dados) existentes nos extremos desse intervalo. Nesta analogia os dados passam a referir-se aos

atributos de desempenho e de complexidade pelos quais se podem caraterizar os artefactos. Cabe também aqui justificar o uso (e abuso) que se fará das aspas simples (‘) ao longo dos textos que se seguem: estas aspas (geralmente usadas para destacar expressões dentro de outras já contidas “entre comas”) passam aqui a ser utilizadas para relevar determinada expressão ao mesmo tempo que indica que ela poderá ter um significado menos literal ou mais metafórico, ou ter um caráter mais coloquial ou idiomático. Estas aspas poderão assim indicar que determinado termo ou expressão poderá resumir alguma ideia que, de outra forma, teria de ser expressa de um modo mais extenso e descritivo.

Quanto ao estilo itálico o seu uso servirá para destacar termos, expressões ou curtos textos, que encerrem significados ou conteúdos-chave.

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1.3Questões

Sabe-se que o incremento da complexidade técnica, em muitos casos, é condição

irrevogável para a instauração, melhoramento e manutenção de desempenhos promotores do bem-estar e da qualidade de vida em qualquer sociedade humana. A propósito desses casos podemos começar por colocar algumas questões:

 Até que ponto e em que circunstâncias a redução da complexidade técnica, inerente a certos artefactos, pode ser exercida sem comprometer desempenhos? Ou, qual o nível de desempenho de que se pode abdicar num dado artefacto que justifique a sua simplificação?

 Quantas hipotéticas alternativas relativamente simplificadas de artefactos nunca terão chegado a existir, ou sequer a serem equacionadas, pelo facto de outros artefactos mais complicados se terem apresentado à realidade como inovações ‘atrativas’, ‘irrecusáveis’ ou ‘superiores’ em termos do seu desempenho? Ou, por outro modo, quantas dessas hipotéticas alternativas mais simples não poderiam ter igualado (ou até superiorizado) eventuais desempenhos vigentes que dependem de uma maior complexidade?

 Não estarão os níveis mais complexos e sofisticados (e em alguns casos

‘exibicionísticos’) da técnica - ao afirmarem-se constantemente na vigência dos seus mais atualizados, eficazes e vantajosos desempenhos - a captar toda a atenção sobre si mesmos e, desse modo, a ‘desviarem a atenção’ do potencial criativo/ exploratório eventualmente existente em níveis tecnológicos mais simples?  Até que ponto estados da arte já ultrapassados, no contexto da evolução

tecnológica, contêm ainda ‘potencial propiciador de novas eficiências’ ou, então, até que ponto tais estados já se encontrarão exauridos relativamente a esse mesmo potencial?

1.4 Justificativas

Como as pessoas tendem a adotar rotinas conducentes a estados de satisfação, recompensa ou bem-estar, isso leva a que deem toda a atenção aos benefícios proporcionados pela artificialidade sem necessariamente terem de dedicar proporcional atenção à complexidade

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técnica (intrínseca e extrínseca) que tais benefícios envolvem ou geram. Este hábito,5 ‘entusiasmado’ pela procura, invenção ou descoberta de ‘estados positivos’ (de satisfação, de vantagem) acaba por se ‘distrair’ dos automatismos da própria dinâmica da

artificialidade cujo funcionamento, a operar num plano de fundo mais discreto e até negligenciável, vai gerando todas as complexidades inerentes ou implicadas em tais ‘estados positivos’. Só quando um certo limiar desta complexidade é ultrapassado, só quando esta assume proporções consideravelmente indiscretas, emergindo como ‘estado negativo’ – manifestando-se a sua impertinência –, é que começa a dar-se-lhe a devida (quantas vezes já tardia) atenção6.

No âmbito do Design é amplamente conhecido o aforismo “menos é mais”, mas nem sempre ele é bem compreendido ou devidamente implementado no nosso quotidiano. Apesar de continuar a ser apontado como regra axial a adotar na prática projetual daquele e doutros âmbitos disciplinares, em termos práticos, e não raras vezes, acaba por não se encontrar ‘condignamente representado’. Muitas vezes, a simplicidade presente nas formas construídas não passa de mera aparência epidérmica de simplicidade; muitas vezes, um certo ‘minimalismo formal’ não é mais que uma estratégia de apresentação visual, cujo envoltório em que se constitui, ou no qual investe, não passará na realidade de mais um incremento às complicações que pretende dissimular – complicações essas que se tornarão coativas por eventualmente não se querer, não se saber ou não se poder abdicar delas. Por outro lado, verifica-se que o aumento de complicações, apesar de muito raramente poder ser tomado como um objetivo em si mesmo, acaba sempre por se tornar na condição para a qual propende todo o progresso tecnológico, entendido no cômputo geral dos seus avanços.

A dinâmica do progresso e crescimento, que caracteriza a nossa cultura material e tecnológica, encontra-se animada pelas mais diversas formas de conhecimento,

criatividade e inovação. Bastará que tais formas apresentem (ou prometam) qualidades de maior bem-estar, melhor performance ou de superior eficácia, para elas passarem de

5 “(…) quando emerge um hábito, o cérebro deixa de participar plenamente na tomada de decisões, deixa de trabalhar

com tanto empenho, ou passa a concentrar-se em outras tarefas. A menos que combatamos deliberadamente um hábito, a menos que descubramos novas rotinas, o padrão será desencadeado automaticamente.” – Charles Duhigg: A Força do

Hábito, p.44.

6 “Cada vez que produzimos alguma coisa que quisemos, produzimos inevitavelmente alguma coisa que não quisemos.

Quando mas desloco de carro, produzo a deslocação que quis e gases poluentes que não quis. Quando estes efeitos indesejáveis se tornam não desprezáveis como hoje em dia, o homem é obrigado a utilizar a sua própria tecnologia para eliminar esses resíduos. Mais um limite que faz duvidar da capacidade da ciência em solucionar os problemas, em particular o que ela mesma provoca.” – Bruno Jarrosson: Humanismo e Técnica, p.24.

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imediato a constituir-se no próprio ‘alimento’ dessa dinâmica. Tomadas pelo seu ‘caráter inovativo’, essas qualidades, rapidamente, passam a ser ‘digeridas’ por uma realidade que, assim, a cada passo, vai ampliando a sua dimensão de artificialidade, incrementando o seu nível de sofisticação técnica e aumentando todo um ‘peso’ que acaba por ser exercido sobre a Natureza. Nesta metáfora ‘nutricional’, o eventual teor de complexidade contido em tal ‘alimento’ não constitui para o progresso qualquer ‘perturbação digestiva’, pelo que ele continuará no seu ‘entusiasmado e desregrado’ aumento. Apenas o ambiente natural parece ressentir-se desse ‘regime alimentar’ com tão elevado e desconhecido teor de complexidade – uma espécie de toxidade cumulativa provocada por um aditício progresso (conforme uma metáfora ‘branda’ dos açucares e gorduras de uma certa dieta desregrada, ou conforme uma metáfora ‘forte’ das drogas aditivas).

Muitas vezes a avidez por mais satisfação e bem-estar – o apetite por mais poder e mais eficácias, insidiosamente permitido por um consumismo acrítico ou fomentado por sub-reptícios interesses económicos dominantes – é quanto baste para se esquecerem quaisquer questões acerca da ‘composição e confeção de apetitosas inovações’ que tão facilmente acabam por ‘cair no goto’ de uma sociedade desejosa por conseguir ‘saborear’ todas as ‘deliciosas’ facilidades e comodidades.

Na verdade, num mundo animado por fortes apetites e pulsões, de pouco valerá a afixação, à vista de todos, do lacónico dístico menos é mais; num mundo em que prevalece a vontade de se querer cada vez mais, em que o bem-estar tem de ser atendido de imediato, tal dizer tenderá a ser simplesmente ignorado ou, então, a ser insuficiente ou desadequadamente interpretado.

Assim, aproveitando este argumento, a justificação para o presente trabalho pode

encontrar-se na persistência da divisa “menos é mais”, mas, destarte, tornando-a extensível à exploração criativa do seguinte incitamento: mesmo que níveis superiores de

complexidade já se encontrem a exibir e a proporcionar os seus melhores desempenhos (através dos seus mais apetecíveis ou habituais artefactos), há que insistir sempre na procura de desempenhos equiparáveis em níveis de complexidade inferior.

Sabemos que nem tudo pode ser simplificado; sabemos que existe complexidade da qual não conseguimos abdicar; sabemos que descomplicar (identificando as complicações de que se pode abdicar) nem sempre é tarefa simples, mas também sabemos que isso deve ser sempre tentado; sabemos que existe ‘por aí’ muita complicação relativamente à qual não

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nos devemos isentar de lhe escrutinar a razão de existir e de, eventualmente, lhe propor alternativas mais simples.

1.5 Metodologias

Os desenvolvimentos teóricos ora se apresentam como parte de reflexão, explicação e descrição em torno dos desenvolvimentos exploratórios práticos aqui apresentados, ora se apresentam como parte investigativa para a angariação de dados passíveis de

contextualizarem e coadjuvarem esses desenvolvimentos.

Por seu turno, eventuais desenvolvimentos práticos, já existindo fora do contexto autoral do presente trabalho, poderão ser apontados como ‘casos ilustrativos’ dos

desenvolvimentos teóricos. De outra forma, os desenvolvimentos práticos, quando propostos e desenvolvidos no âmbito autoral deste trabalho, corresponderão a conceções experimentais de ‘artefactos de design’, cujo envolvimento exploratório da metodologia projetual permitirá uma mais estreita e operativa relação com os conceitos formulados ou com as explicações dadas em contexto de teorização.

Temos assim neste trabalho:

a) Pesquisas e explorações de âmbito teórico para esclarecimento e contextualização da problemática abordada – a complexidade, a evolução e o projeto –. Em torno destas temáticas, diversas fontes bibliográficas foram consultadas, servindo para coligir informação útil à compreensão de conceitos relacionados com os latos temas da complexidade e da evolução, os quais se pretende virem a proporcionar uma certa perspetiva holística e ontológica na abordagem ao tema mais específico do

projeto. Pretende-se que esta vertente explicativa de ‘largo espetro’ convirja para, e

contextualize, a compreensão do conceito de interpolação projetual – um particular sentido do projeto orientado para a procura da redução de complicações e

simultâneo aumento ou manutenção de ‘efeitos resolutórios’ –, correspondendo a formulações de enunciados conducentes a algumas exemplificações práticas complementárias dessa mesma vertente.

b) Pesquisas e desenvolvimentos prático-projetuais – em sede autoral onde se procurou a exploração de um certo conhecimento tácito em aplicação à prática (experimental/ laboratorial) – que visa a conceção/produção de artefactos (artefactos interpolares) como meio de experimentação, verificação e

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teórica, bem como meio de angariação de eventuais dados observáveis capazes de corroborarem as principais considerações teóricas em torno do conceito de

interpolação projetual.

1.6 Contextura

Após esta primeira parte – onde foram feitas as apresentações introdutórias à

especificidade temática deste trabalho; onde se levantaram (e desdobraram) algumas questões de fundo; onde se apresentaram as tónicas motivacionais que procuram fundamentar e contextualizar este trabalho e onde se sugeriu o modo teórico-prático envolvido no mesmo – seguem-se os capítulos onde se procura abordar alguns aspetos temáticos que aqui são tomados como pertinentes para uma certa consideração evolucional e ontológica da dimensão do projeto, da artificialidade e do Design. Assim:

A segunda parte é composta por sete capítulos através dos quais se faz alguma revisão bibliográfica acerca da ampla temática da correlação entre processos evolutivos e

complexificação, tomada aqui como plano de fundo sobre o qual se identificam alguns

temas mais específicos que passam a ser desenvolvidos sob as seguintes tónicas:

o tema da COMPLEXIDADE sob a tónica da relação entre complexificação e simplificação; o tema das TROCAS e Complexidade, sob a tónica das negociações (desde um

entendimento mais metafórico ao mais literal); o tema da TECNOLOGIA e Complexidade

que incide na tónica da eficácia e do progresso; o tema ARTE e Complexidade, sob a tónica

da aparência sensível e da expressividade; o tema da CIÊNCIA e Complexidade, incidindo

nos aspetos do questionamento crítico e do conhecimento; a tónica do AMBIENTE e Complexidade, acerca das questões da sustentabilidade, e, finalmente, o tema do PROJETO

e Complexidade, a incidir na tónica do Design e da criatividade, com o qual se acabará por

fazer a transição para o tema central a desenvolver-se na sequente terceira parte.

Cada um destes capítulos pretende representar (pelo teor dos seus conteúdos temáticos e diversidade de áreas do conhecimento envolvidas) cada terreno de onde a evolução fez brotar as raízes do projeto, permitindo que este se fosse nutrindo ao longo do tempo

evolucional humano. Esta parte encontra-se assim dividida por grandes áreas temáticas que se abordam segundo o critério da necessidade de contextuar a atividade projetual humana dentro dos seus parâmetros mais essenciais e condicionadores – desde a sua manifestação mais geral até outras formas mais específicas (como seja a do Design) – e, ao mesmo

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tempo, segundo a pertinência de se enfatizar a oposição existente entre os modos evolutivos natural e artificial, e a relação de ambos com a complexificação da nossa realidade; relação através da qual – seja pela sua consideração em cada uma daqueles temas ou pela combinatória entre eles – se passa a manifestar o incremento da

complexidade na nossa realidade mental, natural e construída.

A terceira parte aproveita assim os desenvolvimentos deste último capítulo, DESIGN e

complexidade (capítulo que, de resto, terá beneficiado do efeito de contextuação dos

conteúdos desenvolvidas nos capítulos que o antecederam), para, então, se focar na centralidade temática deste trabalho – a Interpolação Projetual.

Nesta parte, sob o título O QUE SE PROPÕE DE NOVO, abordam-se as questões levantadas pela relação do desenvolvimento tecnológico com a complexidade e bem-estar ambiental, nomeadamente as que confrontam a complexificação ou a simplificação dos artefactos técnicos com os seus próprios desempenhos. Serão aqui sugeridos modos de atuação, de reflexão e de debate sobre tais questões, procurando-se, com isso, concluir a vertente mais teorizante acerca do projeto em Design – procedendo-se nomeadamente à apresentação do preceito aqui designado de Interpolação Projetual – e preparar a introdução à vertente prática do projeto interpolar, a que se irá reportar a próxima parte.

A quarta parte vem, então, complementar a compreensão dos conteúdos teóricos do capítulo anterior, constituindo-se na sua componente ilustrativa, exemplificativa ou

demonstrativa, responsável pela provisão da ‘cota-parte pragmática’ desta tese. Nesta parte são apresentados alguns resultados concretos de projetos desenvolvidos no contexto mais condicionadamente autoral deste trabalho, pretendendo-se assim dar uma amostra de alguns produtos experimentais, propositadamente desenvolvidos para o mesmo. Nesse sentido, procura-se que tais experimentos se encontrem consistentes com o ‘preceito’ da

Interpolação Projetual e constituam exemplos de resposta às sugestões e reflexões

apresentadas na antecedente terceira parte.

Por último, a quinta parte, sendo dedicada às reflexões mais conclusivas relativas a esta investigação, dará lugar a uma sucinta revisão das matérias abordadas procurando-se relacionar as questões levantadas com as práticas desenvolvidas.

(27)

2 ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.1 COMPLEXIDADE

2.1.1 Simplificar a complexidade

Procurar a simplicidade implica inevitavelmente o encontro com a complexidade. A

simplificação só pode ser entendida como ação atinente a uma complexidade preexistente; simplificar supõe sempre que se esteja perante algum ‘estado de complexidade’

relativamente ao qual alguma ação física, intencionada ou não, ou alguma atitude cognitiva possa vir a alterar para um estado mais simples ou mais compreensível. Assim, o termo

simplificação só pode servir para nos referirmos a qualquer processo de redução da

desordem, da confusão, da quantidade compleicional e interaccional inerentes à

complexidade ou à complicação. Importa, no entanto, considerar que uma tal redução

requer um esforço e uma conceção intelectiva para o dirigir7. Nesse sentido, o simples tende a tornar-se idealizado8, a adquirir a forma virtual de um princípio essencial ou de uma lei capaz de se fazer corresponder com algum fator irredutível, originário ou regrante de fenómenos transformativos cujos efeitos se foram tornando progressivamente

complexos9. Mas, se o processo de simplificação pode ser capaz de vir a facultar

efetivamente alguma redução da complexidade existente numa dada realidade (em algum artefacto, sistema ou conceção), essa facultação acabará sempre por gerar ocorrências de

abstraimento relativamente a certos níveis de complexidade implicados em tal realidade.

Ora, como é óbvio, não será esse tipo de abstraimento que poderá fazer-se corresponder a reduções ou eliminações de qualquer aspeto concreto da complexidade que nos envolve. Eventualmente, poderá apenas evitar algum nível de confronto com qualquer confusão incompreensão ou conflito que venha a ocorrer no plano mental10; a abstração apenas leva a que ‘grande parte da complexidade’ possa ser acolhida numa certa ‘dimensão virtual’,

7 Isto também é consistente com a ideia de Donald Norman quando ele afirma que “simplicity is a mental state, highly

coupled with understanding. Something is perceived as simple when its actions, options, and appearence match the person’s conceptual model” [“A simplicidade é um estado mental, altamente associado à compreensão. Algo é percebido como simples quando as suas ações, opções e aparência correspondem ao modelo conceptual da pessoa” (tradução livre)] – Donald A. Norman: Living on Complexity, p.47.

8 “A obsessão da simplicidade conduziu a aventura científica às descobertas impossíveis de conceber em termos de

simplicidade.” – Edgar Morim: Introdução ao Pensamento Complexo, p.87.

9 “Um excelente exemplo dos princípios simples da natureza é a lei da gravidade, especificamente a teoria da gravitação

relativista de Einstein (…) O fenómeno da gravitação deu origem, no curso de evolução do universo, ao agrupamento de matéria em galáxias e depois em estrelas e planetas, incluindo a terra.” – Murray Gell-Mann: Op. Cit., p.53.

(28)

dentro da qual tenderá a permanecer afastada da possibilidade de afetar o momento em que a atenção se encontra a incidir sobre a ‘outra parte da complexidade’ (que, por alguma razão, se apresenta mais notada, pertinente ou, simplesmente, mais controlável). Abordar isoladamente partes da realidade pode ser uma estratégia necessária para se lidar com a sua inerente complexidade, mas não será hoje a única, nem poderá ser tomada como suficiente (como adiante se referirá).

Por seu turno, o processo de complexificação é mais ‘automático’ – ocorre ‘por defeito’ (como ocorrência padrão) na formação de qualquer existência -, o que leva a que a própria

complexidade se torne na manifestação mais vulgarizada da nossa realidade,

independentemente de qualquer consciência, vontade ou empenho nela eventualmente votada. Portanto, para que ocorra complexificação, basta à realidade ‘deixar-se ir’ em complacente obediência às leis da termodinâmica, da auto-organização ou da seleção natural. Mas, como se isso não bastasse, a própria artificialidade viria a contribuir também para reforçar o automatismo e espontaneidade desse processo de complexificação. Na verdade, a artificialidade, não obstante o somatório de todos os seus ímpetos e esforços para simplificar ou conferir ordem ao quotidiano do ser humano, acaba por se revelar numa poderosa fonte de diversidade que irá interferir com aquela que a própria Natureza produz por si mesma, acabando por concorrer para a complexidade do todo.

Os desenvolvimentos que se seguem irão insistindo na referência a este constante

confronto entre o modo natural de produzir ordem e complexidade na realidade – ausente de qualquer pensamento, mas beneficiando dos efeitos trazidos por todo o tempo do universo – e o modo artificial que, perante a mente humana, procura compreender tal realidade e, ao mesmo tempo, produzir outras ordens de complexidade.

A necessidade de simplificação e de regras lógicas poderá ter chegado à mente humana por via de um processo evolucionário biológico, o qual – ele mesmo – parece fazer uso de um modelo de simplificação e de ‘lógica parcimoniosa’ inerente à própria Natureza11.

“A natureza é por si económica e não se multiplica em vão", afirmara já no século XIV o frade franciscano William de Ockam. Crê-se que tenha sido este frade (também conhecido por Guilherme de Ockam) o criador do princípio lógico da parcimónia, (Lex Parsimoniae)

11 “The laws of logic are not independent of biology but implicit in the very evolutionary processes that enforce them.

The processes determine the laws.” [“As leis da lógica não são independentes da biologia mas encontram-se implicadas em muitos processos evolutivos que as impõem. Os processos determinam as leis.” (tradução livre nossa)] – William S. Cooper: The Evolution

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conhecido por “Navalha de Ockham”. Este princípio, que afirma que “nada deve ser adicionado sem necessidade” (pluralitas non est ponenda sine neccesitate) ou que “as entidades não devem ser multiplicadas para lá do necessário” (entia non sunt multiplicanda

praeter necessitatem),12 é aqui considerado subtilmente diferente do processo de

simplificação: enquanto o princípio parcimonioso inibe a ação de se adicionar o que não é

necessário (posicionando-se a montante de certa complexidade), a simplificação é a ação de retirar aquilo que se encontra em excesso (posicionando-se a jusante de certa

complexidade). Portanto, podemos considerar que, relativamente à complexidade, a parcimónia tem o ‘carácter profilático’, enquanto a simplificação é ‘corretiva’.

Aparentemente, poder-se-á aqui relacionar a parcimónia com os processos que organizam as formas na natureza biológica (onde parece não haver lugar para excessos de

complexidade), ao mesmo tempo que se poderá relacionar a simplificação com o processo de eliminação (do erro, da desordem, do desvio, do excesso e das disfunções que vão eventualmente ocorrendo na Natureza) designado por seleção natural. Esta seleção acaba por eliminar o que está ‘a mais’, i.e., aquilo que ‘não funciona’.

A maneira que leva a funcionar ou a explicar algo sem que tenha de se lhe adicionar ou retirar o quer que seja, deve portanto ser mantida13 pois encontra-se no seu estado ‘mais simplificado’. Esta regra do necessário e suficiente tornou-se clara nas palavras de Albert

Einstein quando ele afirmou que "tudo deve ser feito da forma mais simples possível, mas não mais simples que isso", sugerindo que existirá um limite de simplificação que deverá evitar-se ultrapassar sob pena de aquilo que se tornou simples passar a ficar precário, tornando-se assim insuficiente para a consecução de certa compreensão, explicação ou para a obtenção de qualquer ‘estado resolutório e integro’.

A simplificação, sendo o processo pelo qual se pode fazer certa aproximação à perfeição, terá sempre de se envolver com a complexidade por duas vertentes: a da complexidade que se pretende reduzir e a da complexidade inerente ao próprio processo de redução, i.e., de

simplificação – esse processo que, de facto, pode não ser assim tão simples quando se trata

de proceder à completação de algo retirando-lhe algo –. Na tarefa para conseguir ‘retirar

12 Geralmente estas frases surgem atribuídas a Guilherme de Ockham, embora elas não se encontrem em nenhum dos

seus escritos conhecidos. A frase "É vão fazer com mais o que se pode fazer com menos" (Frustra fit per plura quod

potest fieri per pauciora) é aquela que talvez mais se aproxime daquelas expressões.

http://www.fciencias.com/tag/navalha-de-ockham/ (acedido a 22.10.2014)

13 No contexto da gestão é vulgarmente referida a expressão “Keep it Simple, Stupid”, também conhecida pelo princípio KISS (o seu acrónimo), relativamente ao qual talvez se possa preferir a igualmente conhecida correspondência com a

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complexidade’ sem que isso comprometa determinada ‘completude’ ou ‘integridade funcional’ de algo, haverá sempre o envolvimento de uma certa complexidade, tanto cognitiva como operativa.

A frase de Antoine de Saint-Exupéry que nos diz que “a perfeição não é alcançada quando já não há mais nada para adicionar, mas quando já não há mais nada que se possa retirar”, leva-nos a considerar que o termo perfeição (tal como o termo simplicidade) encerra noções que se relativizam face ao contexto funcional em que esse termo vai adquirindo significado. A perfeição é uma idealização, é um termo vago e volúvel que, na nossa realidade evolutiva, apenas serve para nos podermos referir a coisas acerca das quais se percebe que, em determinado momento, qualquer intervenção que sobre elas se faça só fará aumentar aquilo que nelas se pretende reduzir, ou seja, a sua complexidade ou a sua

incompletude.

Se tomarmos o preceito enunciado por Saint-Exupéry, levando-o a aplicar-se à

determinação dos artefactos técnicos, podemos considerar que a perfeição poderá ainda ser ‘melhorada’ mesmo “quando já não há mais nada que se possa retirar”. Um artefacto nesta circunstância ideal, num determinado contexto (temporal, espacial ou cognitivo) pode funcionar em perfeita consonância com os parâmetros de desempenho para que foi projetado. No entanto, esse artefacto, sem que os atributos que lhe são intrinsecamente próprios se alterem (sem retirar ou adicionar nada à sua compleição individualizante), pode ver-se a desempenhar funções acrescidas, o que corresponderá, digamos, a uma

potenciação da sua ‘perfeição’. Referimo-nos a uma eventual potenciação dos efeitos da

própria simplicidade, ou seja, à relação (ou se quisermos, à relativização da relação) da constituição física do artefacto com o seu contexto de uso; o ‘círculo da simplificação’ de um artefacto só se completará com o seu uso, podendo amplificar a sua relativa ‘perfeição’ quando se verifica que ele é capaz de proporcionar um desempenho adicional, não obstante ‘nada de tangivelmente adicional’ ter sido acrescentado ou retirado ao seu (relativamente adequado) estado compleicional.

2.1.2 Complexo e complicado

"Que significados opostos têm (...) os termos simplicidade e complexidade? Em que sentido é que a gravitação einsteiniana se diz simples e um peixinho dourado se se diz complexo? Essas questões não são simples – não é simples definir o que é «simples». De facto, é provável que não haja uma única definição de complexidade capaz de abarcar as

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nossas noções intuitivas do que a palavra deverá dizer. Poderá ser necessário definir vários tipos diferentes de complexidade e algumas dessas definições poderão não ter ainda sido inventadas."14

Talvez possamos começar por considerar a distinção entre complexo (ou complexidade) e

complicado (ou complicação), dois termos que tendem a ser confundidos pela razão de

ambos se oporem ao termo simples (ou simplificação). Bruno Barronson afirmara esta diferença resumindo-a no exemplo de que “um computador é complicado, o cérebro humano é complexo. O computador tem um comportamento previsível e determinado pela sua estrutura. Pelo contrário, o funcionamento do cérebro escapa a qualquer modelação e reconhece vários sistemas de valores.”15 De certo modo, esta distinção acaba por ser corroborada pela opinião de Donald A. Norman quando (15 anos mais tarde) este diz usar o termo “’complicado’ ou ‘confuso’ para descrever o estado psicológico de uma pessoa a tentar compreender, usar ou interagir com alguma coisa do mundo.”16 Um mundo cujo estado, como este autor considera, é da ordem da complexidade. Na verdade, um

computador é um artefacto, isto é, um objeto que terá sido compreendido no seu projeto, que pode ser usado de acordo com essa compreensão e vir a produzir efeitos espectáveis para esse uso (tudo isto certamente envolvendo a mente a níveis de criatividade, de cognição ou de espectativa). Por seu turno, a complicação associada ao seu projeto, à sua produção, à sua compleição e ao seu uso, tudo isso implica sempre algum grau de interação ou de afetação incremental sobre a complexidade do mundo. É esta complexidade que, segundo Edgar Morim, nos condena ao “pensamento inseguro, a um pensamento crivado de buracos, um pensamento que não tem nenhum fundamento absoluto de certeza”, no entanto, continua, “somos capazes de pensar nestas condições dramáticas”.17

Abordar esta complexidade do mundo com o intuito de lhe compreender todos os seus pormenores em profundidade, desde logo não parece ser uma tarefa com grandes

possibilidades de êxito. No entanto, procurar compreender essa mesma complexidade pela

14 Murray Gell-Mann: O Quark e o Jaguar, p.53. 15 Bruno Barronson: Humanismo e técnica, p.73. 16 Donald A. Norman: Op. cit, p.2. (tradução livre).

17 No seguimento desta ideia Edgar Morin sugere essa interação do complicado com o complexo assim: “A complicação,

que é a confusão extrema das inter-retroacções, é um aspecto, um dos elementos da complexidade. Que lhe permite tolerar nela a desordem, lutar contra os seus agressores, ter a qualidade do sujeito, etc. complexidade e complicação não são dois dados antinómicos [contrariamente ao que afirmaria Bruno Barronson, aqui referido] e não se reduzem uma à outra. A complicação é um dos constituintes da complexidade.” – Edgar Morim: Introdução ao pensamento complexo, p.101.

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identificação de certos padrões, princípios ou regularidades que as representam, apresentar-se-á como uma hipótese bem mais viável e útil.

Por via da evolução natural18, a complexidade tende a entretecer-se e tornar-se imperscrutável no que respeita à compreensão de todos os pormenores dos processos interativos entre as partes de um todo, bem como de todos os pormenores da relação dos efeitos com as respetivas causas – aspetos que, por tais especificidades, tendem a

manifestar-se de forma imprevista e indeterminável –. A escala desta complexidade envolve inúmeros ‘componentes’, uma grande diversidade de fatores e multiplicidade de modos de interação, expressos em encadeamentos não lineares de causa/efeito que vão produzindo a realidade a diversos níveis da sua constituição. Por isso, a tratabilidade desta

complexidade tende a restringir-se apenas a uma compreensão geral sintetizada nas suas

regularidades – uma síntese que implicará a abstração de pormenores referentes às interações causais mais profundamente nela envolvidas.

Outra possibilidade para abordar a complexidade é pelo foco da especialização e da subespecialização que, seguindo um certo preceito reducionista e determinista (de herança cartesiana),19 procura encontrar resposta pelo processo complementar da integração (num todo) de cada abordagem e ‘subabordagem’20 (partes desse todo). Mas, como afirma Murray Gell-Mann, “nenhum sistema não linear pode ser adequadamente descrito pela sua divisão em subsistemas ou em diferentes aspetos definidos previamente. Se esses

subsistemas ou esses aspetos, todos em forte interação uns com os outros, forem estudados separadamente, ainda que com grande cuidado, os resultados, quando postos em conjunto, não constituirão um quadro útil de todo”21. Esta noção, perfeitamente consistente com a conhecida expressão de que o todo é superior à somas das partes, leva Gell-Mann a relevar a importância de se olhar para o sistema no seu todo, pois mesmo que tal signifique um olhar grosseiro (“um olhar rápido ao todo”, como ele refere), seguidamente, isso

18 “A complexidade aumenta num sistema com o tempo: esta é a regra geral. No caso dos sistemas vivos, é conhecida por

«evolução».” – Arthur Battram: Navegando na Complexidade, p.45.

19 “O reducionismo sistematiza o espírito de análise. A análise consiste em conhecer cada um dos subconjuntos de um

conjunto. O reducionismo postula que a análise de cada uma das partes permite um conhecimento completo do todo. A compreensão do todo pode ser obtida para análise de cada uma das partes. Este postulado, que já vem de Descartes, não está demonstrado, mas possui um grande poder. Permite, com efeito, dividir os problemas em subproblemas mais simples.” – Bruno Barronson: Op. Cit., p.56.

20 “A isto pode também chamar-se abordagem «ascendente» da Natureza.” – John D. Barrow: impossibilidade, p.108. 21 Murray Gell-Mann: Op. Cit., p.368.

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poderá permitir que possíveis simplificações possam emergir do trabalho investigativo multidimensional22.

Assim, enquanto a evolução do nosso mundo natural, informacional e económico23 gera aquilo que aqui denominamos de complexidade, a complicação será aquilo que concorre para a evolução do nosso mundo construído.24 O complicado passa então a referir-se à artificialidade que decorre da capacidade humana de projetar, construir e de controlar (nem sempre verificável) as produções técnicas que a constituem, gerindo a compleição e as interações que elas envolvem. A complicação tende a decorrer, portanto, de qualquer determinação projetual, podendo referir-se àquilo que é apreensível, descritível e previsível na artificialidade e que contribui para o controlo da sua própria construção, ao contrário do que acontece com a complexidade do mundo (que é dificilmente apreensível, descritível, previsível ou controlável na sua formação). Porém, a complicação tem sempre a sua cota parte de implicação na complexidade (já estabelecida na realidade), interage com ela e contribui para o seu incremento.

Uma coisa parece certa, tanto a complexidade como a complicação suscitam em nós doses de abstração cognitiva em relação a ambas, mas certamente que tais doses serão

incomensuravelmente mais elevadas relativamente à primeira.

Esta distinção entre complexidade e complicação pode parecer um tanto desnecessária, uma vez que o desempenho semântico do termo complexidade é suficientemente abrangente, podendo servir adequadamente para nos referirmos também àquilo a que o próprio termo complicação pretende aqui significar. Na verdade, a complexidade ao poder manifestar-se sob diversos teores, relativamente elevados ou reduzidos, poderá sempre ser referida pelos termos complexidade ou complexo, desde que a estes se lhe acrescentem a respetivas variações adjetivais em grau: maior e menor ou mais e menos.

22 “A consciência do multidimensional conduz-nos à ideia que qualquer visão unidimensional, qualquer visão

especializada, parcelar é pobre. É preciso que esteja ligada a outras dimensões: daí a crença de que se pode identificar a complexidade com a completude.” – Edgar Morin: Op. Cit., p.100.

23 “As estruturas complexas têm uma característica geral: apresentam complexidade devido à organização intrincada de

um vasto número de componentes simples. Quer seja uma economia, um sistema meteorológico, um líquido ou um cérebro, essa estruturar é aquilo que é e faz o que faz devido ao modo como as suas partes constituintes estão organizadas e não necessariamente devido aquilo que elas são.” – John D. Barrow: Ibidem.

24 No seu livro The colapse of chaos, Jack Cohen e Ian Stewart fazem a grande distinção entre o que é complexo e o que é complicado através da comparação entre as abelhas e os automóveis: as abelhas produzem ovos que produzem outras

abelhas, enquanto os carros não produzem fábricas que fabricam outros carros. A propósito desta menção referenciada por Arthur Battram (Op. it., p.36) podemos também (ainda relacionado com computadores e cérebros) referir o

comentário de Daniel Mange que segue o mesmo sentido: “Não há criação de matéria, contrariamente ao que se passa na biologia, que é capaz de agir nos três eixos do mundo físico, a informação, a energia e a matéria. Um organismo vivo divide-se materialmente, o que não é ainda o caso dos nossos organismos artificiais.” – Da Vida in Silico, in Réda Benkirane (ed.): A Complexidade – Vertigens e promessas, p.75.

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Assim, apenas pelo motivo do presente trabalho se desenvolver em torno daqueles aspetos reportantes à técnica, ao Design e aos artefactos, podemos então aqui adotar as palavras

complicação e complicado como termos específicos para nos referirmos aos níveis de

complexidade (de menor grau) que se encontram relacionados com tais domínios temáticos25.

2.1.3 A complexidade como integração de realidades

Apreender, explicar, prever26 ou controlar a complexidade do mundo já não se compadece com o paradigma mecanicista da revolução newtoniana do século XVIII. É certo que a organização determinística do real, possibilitada pelo desempenho das ciências de ‘simplificação racionalizante’27 desse século, pôde certamente gozar de alguma

complementaridade da ‘mecânica estatística’, surgida no século seguinte para lidar com uma certa complexidade desorganizada do nosso mundo termodinâmico28. Porém, serão os desenvolvimentos nos campos da biologia, da física quântica e da teoria do caos29,

realizados no século passado, que acabaram por levar à requisição de um novo paradigma para a compreensão da realidade – o paradigma complexo.30

Este paradigma não consiste propriamente numa compilação de teorias, mas antes numa articulação entre diversos campos de estudo interessados em formular questões, definir conceitos e propor hipóteses de trabalho para lidar satisfatoriamente com os problemas

25 De resto, para muitos dos especialistas que estudam a complexidade, como Murray Gell-Mann, Mitchell Waldrop ou

Stuart Kauffman (investigadores no Santa Fé Institute, o centro mundial de investigação sobre a complexidade), a distinção que aqui fazemos entre os termos complexidade e complicação não será assim tão relevante.

26 “Façamos aqui a distinção entre explicar e prever. Uma tabela de marés prevê, não explica. A teoria de Newton prevê e

explica. Há muitos biólogos que pensam que a teoria de Darwin explica, mas é fraca em termos de previsão. A nossa teoria final da física poderá muito bem explicar, mas é quase certo que não preverá em pormenor.” – Stuart Kauffman: O

Universo a Nossa Casa, p.32.

27 “A racionalização consiste em querer encerrar a realidade num sistema coerente. E tudo o que, na realidade, contradiz

este sistema coerente é desviado, esquecido, posto de lado, visto como ilusão ou aparência.” – Edgar Morin: Op. Cit., p.102.

28 “Pudemos estabelecer, através da termodinâmica, que a complexidade é uma propriedade que advém do não-equilíbrio

e da não-linearidade, e exemplos disso abundam na física, na química e na biologia.” – Ilya Prigogine: O Fim das

Certezas, in Réda Benkirane (ed.): Op. Cit., p.39.

29 “A própria impossibilidade de previsão já pode ser prevista em pelo menos dois campos. O primeiro é o da mecânica

quântica, que assegura um indeterminismo fundamental ao nível subatómico. Uma vez que o indeterminismo tem consequências macroscópicas – por exemplo, um evento quântico aleatório pode acusar uma mutação nas moléculas do ADN – parece-nos ser completamente impossível fazer derivar previsões específicas pormenorizadas sobre todos os eventos moleculares e supramoleculares. A segunda dificuldade deriva do campo matemático agora conhecido por teoria do caos. A ideia central é simples e vem do chamado «efeito de borboleta»: uma borboleta lendária que ao bater as asas no Rio muda o tempo em Chicago.(…) Chegamos assim à conclusão conhecida: para os sistemas caóticos, não se podem prever comportamentos a longo prazo. Note-se uma vez mais, que a impossibilidade de prever não significa

impossibilidade de compreender ou de explicar.” – Stuart Kauffman: Ibidem.

30 “O paradigma mecanicista deu o melhor de si mesmo, mas atingiu no presente o limite das suas capacidades. Para que

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relacionados com a gestão – controlo, previsão, análise ou descrição – da complexidade. Entre estes campos de estudo contam-se aqueles relacionados com as ciências da vida, as ciências cognitivas, as ciências sociais, ciências da computação, a tecnologia, a economia, a filosofia, a meteorologia, a ecologia, a astronomia, etc. As manifestações emergentes, tais como turbulência, instabilidade, permanência, adaptabilidade, aprendizagem,

auto-organização, rendimentos crescentes, necessitam ser olhadas para além do alcance da ótica redutiva e disjuntiva que proporcionará algum conhecimento sobre comportamentos isolados – por vezes contraditórios, como o ‘comportamento corpuscular VS ondulatório’ de uma partícula; como o ‘comportamento psicológico VS sociológico’ do indivíduo; como o ‘comportamento de replicação VS individuação’ da célula; como o

‘comportamento de desordem VS ordem’ por todo o universo, etc. –31 e passarem também a poder ligar-se, aproximando os diversos campos de estudo segundo o “princípio da complexidade”32.

2.1.4 O sistema adaptável complexo

Em termos de senso comum, a complexidade poderá ser vista a manifestar-se sob diversos graus relativos de ‘intensidade’ ou amplitude, (por assim dizer: baixa, alta e noutros graus intermédios). Mas a complexidade também pode ser representada pela ‘forma como se comporta’ dentro daquilo que os especialistas da complexidade designam como “espaço de estado”33. Neste espaço, a complexidade pode manifestar diversos padrões em

correspondência com mudanças cíclicas de estados que caracterizam a sua dinâmica. Um padrão com um número muito reduzido de mudanças num ciclo de estado corresponderá a um regime designado por estase; se integrar um número relativamente pequeno de

mudanças num ciclo de estado, será um padrão ordenado (por mais complexo que seja); se o ciclo de estado apresenta um número extremamente grande de mudanças até poder ser completado, então o seu padrão será caótico.34 A complexidade processável, dentro de uma

31 “No modo corrente de pensamento, a contradição assinala um erro de pensamento e, no entanto, quando se chega a um

problema de fundo, deparamos com uma contradição que é necessário assumir.” – Edgar Morim, in Réda Benkirane (ed.): Op. Cit., p.26.

32 “Crê-se que se «conhece» ao isolar o objecto. O primeiro aspecto da simplificação é a disjunção, e o segundo aspecto é

a redução: reduziomos o conhecimento de um conjunto ou de um todo ao conhecimento das partes sem compreender que o todo tem qualidades que não se encontram nas partes. O princípio da complexidade, pelo contrário, é um princípio que consiste em ligar – em distinguir, mas ligando – os objectos. Consequentemente, tentei desenvolver todos os instrumentos necessários para ligar os objectos do conhecimento, tais como o anel retroactivo, o anel recursivo, a dialógica, etc.” –

Idem, p.25.

33 “Dá-se o nome de espaço de estado a esta série de comportamentos possíveis. Podemos conceber isto como o universo

matemático no qual o sistema é livre de vaguear.” – Stuart Kauffman: Op. Cit., p.102.

34 Este “espaço de estado” é passível de ser simulado por uma rede de conexões booleanas. Stuart Kauffman refere-se

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certa escala operativa, encontrar-se-á no regime ordenado ou perto da zona de transição para uma certa intratabilidade e imprevisibilidade – no “limiar do caos”35.

Coisas como matéria, artefactos, planetas, galáxias ou estrelas, comportam as suas

complexidades, interatividades, diversidades, quantidades ou individualidades. Porém, é no âmbito da vida e dos seus processos evolutivos que essas propriedades adquirem outra dimensão de significado da complexidade ao referirem-se aos chamados sistemas

adaptáveis complexos. O ‘funcionamento’ da vida explica a emergência destes sistemas e o

‘funcionamento’ destes sistemas explica a evolução da vida até ao seu ápice humano. O estudo das semelhanças e diferenças entre vários sistemas adaptáveis complexos, bem como da relação entre o simples e o complexo são relevantes, como o refere Gell-Mann, “em processos tão diversos como a origem na Terra, a evolução biológica, o

comportamento de organismos em ecossistemas, o funcionamento de sistema imunitário dos mamíferos, a aprendizagem e o pensamento nos animais (incluindo os seres humanos), a evolução das sociedades humanas, o comportamento dos investidores em mercados financeiros e o funcionamento do software e/ou hardware de computadores concebidos para elaborarem estratégias ou efetuarem previsões baseadas em observações anteriores. A característica comum de todos estes processos é que cada um deles envolve um sistema (sistema adaptável complexo) que adquire informação sobre o seu ambiente circundante e as suas interações com esse ambiente, identificando regularidades nessa informação, condensando essas regularidades numa espécie de «esquema» ou modelo e, finalmente atuando de alguma forma sobre o mundo real com base nesse esquema.”36

A mais complexa manifestação de um sistema adaptativo vivo é aquela que relaciona o cérebro humano com a realidade construída. Na verdade, à medida que os humanos transformam a realidade, as relações entre si mesmos, e entre estes e essa realidade, também se transformam, o que os compelirá a exercerem novas adaptações,

consecutivamente. Assim, à complexidade proveniente das infinitas recombinações

naturais, o ser humano soma-lhes mais complexidade, talvez sem intensão mas certamente

estabilizar num ciclo de estado, mas o número de estados num tal padrão recorrente pode ser pequeno – tão pequeno como um estado estacionário único – ou tão hiperastronómico que os números deixa de ter sentido. Se um sistema entrar num ciclo de estado pequeno, comportar-se-á de uma forma ordenada. Mas se o ciclo de estado for demasiado vasto, o sistema comportar-se-á de uma forma que é basicamente imprevisível.” – Idem, p.105.

35 “(…) Mesmo no limiar do caos, podem ocorrer o comportamentos mais complexos – suficientemente ordenados para

assegurar estabilidade, mas cheios de flexibilidade e surpresa. Na verdade, é a isto que chamamos complexidade.” –

Idem, p.116.

Referências

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