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Cada tarefa que envolva a sua antecipação consciente, uma escolha refletida, uma

adequação intencionada, enfim, que não dependa de condicionantes meramente prescritas por seleção natural, resulta de um certo conhecimento que se ‘projeta’ em algo para além de si mesmo; algo que não é propriamente conhecimento mas que depende dele para ser realizado; algo como um procedimento ou o efeito deste – seja isso um artefacto ou aquilo que este permite alcançar –, relativamente aos quais se pode refletir e produzir novo

conhecimento, i.e. produzir e propor variantes ou melhoramentos adaptativos.

O conhecimento é, por conseguinte, o fator determinante para que a tecnologia se

manifeste; qualquer processo ou dispositivo, para poder pertencer ao domínio tecnológico – para poder ser construído, para poder funcionar enquanto é usado e poder evoluir, – tem de envolver alguma forma e grau de conhecimento (coletivo, individual, empírico,

científico, proposicional, explícito ou tácito).

Mas, mais que um fator determinante, o conhecimento é um recurso indispensável – mesmo mais que os próprios recursos energéticos e materiais – para que alguma forma de

tecnologia possa ser expressa. Neste sentido, o uso do conhecimento, (felizmente) não

implica qualquer diminuição da sua própria qualidade ou quantidade como recurso; ao invés do que acontece com o uso de outros recursos, quanto mais conhecimento é utilizado, mais e melhor conhecimento é produzido107 e, obviamente, mais e melhor conhecimento se

107 (…) quanto mais conhecimento utilizamos, mais criamos. (…) O conhecimento é na sua essência, inesgotável” –

Alvin Toffler et al.: A Revolução da Riqueza, p.115.

Este carácter exponencial do crescimento do conhecimento tem limites e, segundo John Barrow (Op. Cit., p.88) “A grande aceleração do progresso científico significa que, se há limites, estes estão a ser alcançados.” Observando as

encontra à disposição da tecnologia. Este facto pode explicar, por si só, o potencial acelerativo da tecnologia, cuja expressão, em termos de progressão de eficácias e da sua diversificação, se apresenta no nosso tempo de forma paradigmática.

Na verdade, é isto que acontece com o conhecimento; cada vez dispomos de mais diversidade e melhoramento de conhecimento, de forma cada vez mais rápida e mais disseminada. Como poderia uma tecnologia, tão coincidente com o uso e produção de

conhecimento, ter uma outra propensão que não fosse esta – diversificar, melhorar, disseminar?

Nesta perspetiva, um teor básico de conhecimento corresponderá naturalmente a um ‘estádio tecnológico mais básico’, enquanto um conhecimento de carácter científico corresponderá a um ‘estádio tecnológico mais sofisticado’ e, tendencialmente, mais complexo. No domínio tecnológico, um ‘conhecimento competente’ pode corresponder à uma associação minimamente entendida, inferida ou simplesmente intuída, entre um determinado efeito e as suas causas. Aos humanos do Paleolítico Superior nunca foi necessário compreenderem propriamente os fenómenos físicos (de limite deformação elástica, de energia potencial, de propagação da onda de vibração, de comportamento dos materiais e suas propriedades reológicas, de fratura concoide, etc.) que se encontram envolvidos na ação de percutir um pedaço de sílex e que resulta numa artefactada lasca de pedra provida de qualidades instrumentais; bastou-lhes, como sujeitos dotados de

consciência, (a algum nível, em algum momento, há mais de 3 milhões de anos) observar essas qualidades e correlacioná-las com os efeitos dessa ação, para, posteriormente, a partir de tal experiência prática, poderem reproduzir os mesmos resultados e até melhorá-los (selecionar ou construir diversos tipos de percutores e ferramentas coadjuvantes, conforme os resultados práticos que iam obtendo e experimentando através de um contacto com uma certa porção de realidade). Tal procedimento - empírico, pragmático tácito ou intuitivo - constituiu-se nos alvores da tecnologia. Neste caso, tratava-se de uma tecnologia lítica que muito pouco progrediu em mais de dois milhões de anos. 108

consequências disto na tecnologia, pode apontar-se o caso paradigmático da lei de Moore (que se tem verificado na duplicação da potência dos computadores a cada 18 meses) como um bom exemplo de um limite que estará prestes a ser atingido, ou ultrapassado, como o sugere Michio Kaku: “Se a lei de Moore imperar durante mais cinquenta anos, é concebível que os computadores não tardem a ultrapassar a capacidade computacional do cérebro humano.” – A Física do

Futuro, p.60.

108 Investigações e descobertas mais recentes poderão vir a alterar esta relação cronológica. De momento, podemos

começar por nos surpreender com uma recente notícia, de duas páginas no jornal Público, que começa assim: “É oficial: descobriram-se as primeiras ferramentas pré-humanas. Têm 3,3 milhões de anos, por isso só podem ter sido fabricadas antes do aparecimento dos primeiros humanos – ou seja, cerca de 400 mil anos antes dos primeiros membros conhecidos do género Homo. São de pedra, incluindo várias lascas resultantes do talhe de blocos de pedra com pancadas de outras

Contudo, não terá sido a falta de um melhor conhecimento acerca dos fenómenos físicos implicados nessa tecnologia que impediu que nela se registasse um maior progresso; durante esse longo período, tais fenómenos, por si só, independentemente de qualquer consciência, ciência ou conhecimento mais profundos que se pudessem desenvolver acerca deles, determinou os próprios limites de progresso daquela tecnologia. De certo modo, podemos ver no período Paleolítico uma certa velocidade evolutiva quase regida em exclusivo pela rotina da Natureza (agindo pelos seu próprios fenómenos). Afinal de contas tratava-se de um período de arranque – de ‘passagem de testemunho’ do natural para o artificial109 – para uma nova forma de evoluir que, desde então, pouco a pouco, começara a ganhar o seu ímpeto (recursivamente aproveitando e produzindo novos ‘fenómenos

humanos’).

Retomando a ideia de que a tecnologia não é mais que exercer, através de adequadas instruções,110 a correspondência entre determinados efeitos que se pretendem alcançar e os procedimentos ou dispositivos que poderão servir tal pretensão, podemos interrogar-nos: que outros efeitos poderia um humano do Paleolítico pretender alcançar e que outros procedimentos ou dispositivos poderiam ter servido as suas pretensões técnicas que não fossem aquelas que ele tanto explorou até ao limite? É certo que o período em questão é imenso, mas as condições recursais (as contingências materiais, energéticas e cognitivas) existentes eram limitadíssimas. Ainda assim, os efeitos/resultados obtidos apresentam extrema sofisticação, denotando o envolvimento de diversos procedimentos de alto nível de especialização, o que revela que todas aquelas ‘instruções’ que exerceram a correlação entre tais efeitos e os procedimentos ou dispositivos implicados na sua obtenção

dificilmente poderiam ter sido outras.