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"Que significados opostos têm (...) os termos simplicidade e complexidade? Em que sentido é que a gravitação einsteiniana se diz simples e um peixinho dourado se se diz complexo? Essas questões não são simples – não é simples definir o que é «simples». De facto, é provável que não haja uma única definição de complexidade capaz de abarcar as

nossas noções intuitivas do que a palavra deverá dizer. Poderá ser necessário definir vários tipos diferentes de complexidade e algumas dessas definições poderão não ter ainda sido inventadas."14

Talvez possamos começar por considerar a distinção entre complexo (ou complexidade) e

complicado (ou complicação), dois termos que tendem a ser confundidos pela razão de

ambos se oporem ao termo simples (ou simplificação). Bruno Barronson afirmara esta diferença resumindo-a no exemplo de que “um computador é complicado, o cérebro humano é complexo. O computador tem um comportamento previsível e determinado pela sua estrutura. Pelo contrário, o funcionamento do cérebro escapa a qualquer modelação e reconhece vários sistemas de valores.”15 De certo modo, esta distinção acaba por ser corroborada pela opinião de Donald A. Norman quando (15 anos mais tarde) este diz usar o termo “’complicado’ ou ‘confuso’ para descrever o estado psicológico de uma pessoa a tentar compreender, usar ou interagir com alguma coisa do mundo.”16 Um mundo cujo estado, como este autor considera, é da ordem da complexidade. Na verdade, um

computador é um artefacto, isto é, um objeto que terá sido compreendido no seu projeto, que pode ser usado de acordo com essa compreensão e vir a produzir efeitos espectáveis para esse uso (tudo isto certamente envolvendo a mente a níveis de criatividade, de cognição ou de espectativa). Por seu turno, a complicação associada ao seu projeto, à sua produção, à sua compleição e ao seu uso, tudo isso implica sempre algum grau de interação ou de afetação incremental sobre a complexidade do mundo. É esta complexidade que, segundo Edgar Morim, nos condena ao “pensamento inseguro, a um pensamento crivado de buracos, um pensamento que não tem nenhum fundamento absoluto de certeza”, no entanto, continua, “somos capazes de pensar nestas condições dramáticas”.17

Abordar esta complexidade do mundo com o intuito de lhe compreender todos os seus pormenores em profundidade, desde logo não parece ser uma tarefa com grandes

possibilidades de êxito. No entanto, procurar compreender essa mesma complexidade pela

14 Murray Gell-Mann: O Quark e o Jaguar, p.53. 15 Bruno Barronson: Humanismo e técnica, p.73. 16 Donald A. Norman: Op. cit, p.2. (tradução livre).

17 No seguimento desta ideia Edgar Morin sugere essa interação do complicado com o complexo assim: “A complicação,

que é a confusão extrema das inter-retroacções, é um aspecto, um dos elementos da complexidade. Que lhe permite tolerar nela a desordem, lutar contra os seus agressores, ter a qualidade do sujeito, etc. complexidade e complicação não são dois dados antinómicos [contrariamente ao que afirmaria Bruno Barronson, aqui referido] e não se reduzem uma à outra. A complicação é um dos constituintes da complexidade.” – Edgar Morim: Introdução ao pensamento complexo, p.101.

identificação de certos padrões, princípios ou regularidades que as representam, apresentar- se-á como uma hipótese bem mais viável e útil.

Por via da evolução natural18, a complexidade tende a entretecer-se e tornar-se imperscrutável no que respeita à compreensão de todos os pormenores dos processos interativos entre as partes de um todo, bem como de todos os pormenores da relação dos efeitos com as respetivas causas – aspetos que, por tais especificidades, tendem a

manifestar-se de forma imprevista e indeterminável –. A escala desta complexidade envolve inúmeros ‘componentes’, uma grande diversidade de fatores e multiplicidade de modos de interação, expressos em encadeamentos não lineares de causa/efeito que vão produzindo a realidade a diversos níveis da sua constituição. Por isso, a tratabilidade desta

complexidade tende a restringir-se apenas a uma compreensão geral sintetizada nas suas

regularidades – uma síntese que implicará a abstração de pormenores referentes às interações causais mais profundamente nela envolvidas.

Outra possibilidade para abordar a complexidade é pelo foco da especialização e da subespecialização que, seguindo um certo preceito reducionista e determinista (de herança cartesiana),19 procura encontrar resposta pelo processo complementar da integração (num todo) de cada abordagem e ‘subabordagem’20 (partes desse todo). Mas, como afirma Murray Gell-Mann, “nenhum sistema não linear pode ser adequadamente descrito pela sua divisão em subsistemas ou em diferentes aspetos definidos previamente. Se esses

subsistemas ou esses aspetos, todos em forte interação uns com os outros, forem estudados separadamente, ainda que com grande cuidado, os resultados, quando postos em conjunto, não constituirão um quadro útil de todo”21. Esta noção, perfeitamente consistente com a conhecida expressão de que o todo é superior à somas das partes, leva Gell-Mann a relevar a importância de se olhar para o sistema no seu todo, pois mesmo que tal signifique um olhar grosseiro (“um olhar rápido ao todo”, como ele refere), seguidamente, isso

18 “A complexidade aumenta num sistema com o tempo: esta é a regra geral. No caso dos sistemas vivos, é conhecida por

«evolução».” – Arthur Battram: Navegando na Complexidade, p.45.

19 “O reducionismo sistematiza o espírito de análise. A análise consiste em conhecer cada um dos subconjuntos de um

conjunto. O reducionismo postula que a análise de cada uma das partes permite um conhecimento completo do todo. A compreensão do todo pode ser obtida para análise de cada uma das partes. Este postulado, que já vem de Descartes, não está demonstrado, mas possui um grande poder. Permite, com efeito, dividir os problemas em subproblemas mais simples.” – Bruno Barronson: Op. Cit., p.56.

20 “A isto pode também chamar-se abordagem «ascendente» da Natureza.” – John D. Barrow: impossibilidade, p.108. 21 Murray Gell-Mann: Op. Cit., p.368.

poderá permitir que possíveis simplificações possam emergir do trabalho investigativo multidimensional22.

Assim, enquanto a evolução do nosso mundo natural, informacional e económico23 gera aquilo que aqui denominamos de complexidade, a complicação será aquilo que concorre para a evolução do nosso mundo construído.24 O complicado passa então a referir-se à artificialidade que decorre da capacidade humana de projetar, construir e de controlar (nem sempre verificável) as produções técnicas que a constituem, gerindo a compleição e as interações que elas envolvem. A complicação tende a decorrer, portanto, de qualquer determinação projetual, podendo referir-se àquilo que é apreensível, descritível e previsível na artificialidade e que contribui para o controlo da sua própria construção, ao contrário do que acontece com a complexidade do mundo (que é dificilmente apreensível, descritível, previsível ou controlável na sua formação). Porém, a complicação tem sempre a sua cota parte de implicação na complexidade (já estabelecida na realidade), interage com ela e contribui para o seu incremento.

Uma coisa parece certa, tanto a complexidade como a complicação suscitam em nós doses de abstração cognitiva em relação a ambas, mas certamente que tais doses serão

incomensuravelmente mais elevadas relativamente à primeira.

Esta distinção entre complexidade e complicação pode parecer um tanto desnecessária, uma vez que o desempenho semântico do termo complexidade é suficientemente abrangente, podendo servir adequadamente para nos referirmos também àquilo a que o próprio termo complicação pretende aqui significar. Na verdade, a complexidade ao poder manifestar-se sob diversos teores, relativamente elevados ou reduzidos, poderá sempre ser referida pelos termos complexidade ou complexo, desde que a estes se lhe acrescentem a respetivas variações adjetivais em grau: maior e menor ou mais e menos.

22 “A consciência do multidimensional conduz-nos à ideia que qualquer visão unidimensional, qualquer visão

especializada, parcelar é pobre. É preciso que esteja ligada a outras dimensões: daí a crença de que se pode identificar a complexidade com a completude.” – Edgar Morin: Op. Cit., p.100.

23 “As estruturas complexas têm uma característica geral: apresentam complexidade devido à organização intrincada de

um vasto número de componentes simples. Quer seja uma economia, um sistema meteorológico, um líquido ou um cérebro, essa estruturar é aquilo que é e faz o que faz devido ao modo como as suas partes constituintes estão organizadas e não necessariamente devido aquilo que elas são.” – John D. Barrow: Ibidem.

24 No seu livro The colapse of chaos, Jack Cohen e Ian Stewart fazem a grande distinção entre o que é complexo e o que é complicado através da comparação entre as abelhas e os automóveis: as abelhas produzem ovos que produzem outras

abelhas, enquanto os carros não produzem fábricas que fabricam outros carros. A propósito desta menção referenciada por Arthur Battram (Op. it., p.36) podemos também (ainda relacionado com computadores e cérebros) referir o

comentário de Daniel Mange que segue o mesmo sentido: “Não há criação de matéria, contrariamente ao que se passa na biologia, que é capaz de agir nos três eixos do mundo físico, a informação, a energia e a matéria. Um organismo vivo divide-se materialmente, o que não é ainda o caso dos nossos organismos artificiais.” – Da Vida in Silico, in Réda Benkirane (ed.): A Complexidade – Vertigens e promessas, p.75.

Assim, apenas pelo motivo do presente trabalho se desenvolver em torno daqueles aspetos reportantes à técnica, ao Design e aos artefactos, podemos então aqui adotar as palavras

complicação e complicado como termos específicos para nos referirmos aos níveis de

complexidade (de menor grau) que se encontram relacionados com tais domínios temáticos25.