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3.1 INTERPOLAÇÃO PROJETUAL e complexidade

4.2.2 As ‘simples complicações’ do relógio

Pretendendo-se resumir aquilo em que consiste a mecânica de um relógio, este poderia descrever-se como um conjunto de peças engrenadas a rodarem sob diversas velocidades, em que as mais lentas estão mais directamente próximas da fonte motriz (tambor da corda ou qualquer forma de energia potencial denominável de reserva) e as velocidades mais rápidas estarão mais directamente próximas do sistema regulador (volante, âncora e roda

de escape).

Esta genérica organização mecânica acaba por poder descrever, de forma tão metafórica quanto tangível, a própria noção abstrata do tempo – a duração de acontecimentos em qualquer contexto, lugar ou espaço; um relógio não é mais que um contexto físico onde certos acontecimentos mecânicos correlacionados entre si têm lugar segundo uma certa

regularidade obtida artificialmente; cada movimento descrito no maquinismo interno de um relógio representa aquilo que o tempo faz: o tempo gera todo o tipo de acontecimentos, os quais, embora possam ser de difícil compreensão ou descrição, pelo menos, no que respeita à sua duração, sempre poderão ser comparados e medidos, desde que para isso se disponha de um termo de comparação. Neste sentido, o termo de comparação tomado como referencial cronométrico mais universalmente tangível e natural para o ser humano será, sem dúvida, o dia, ou seja, o período padrão (dia solar verdadeiro) que se refere ao tempo que o Sol leva a voltar (mais ou menos) à mesma posição em relação a uma dada posição na terra.

O ser humano pode não ter a noção exacta da duração sucessiva das horas, mas facilmente percebe a fenoménica duração e sucessão dos dias.

Na verdade, a humanidade desde sempre teve ao seu dispôr o natural ‘funcionamento’ do seu próprio planeta, como se este fosse um ‘dispositivo cronométrico’ absolutamente fiável; a rotação cíclica da Terra, em torno do seu eixo, face ao Sol (mesmo desprezando- se a oscilação do seu eixo e a sua variável coordenação com o movimento de translacção em torno desta estrela) nunca deixou de exercer o transcurso dos dias e a impressão de regularidade cronométrica na mente humana.

Neste sentido, o tempo não é uma concepção artificial, abstracta ou subjectiva; o tempo corresponde a algo que está a acontecer (independentemente da volição e imaginação humanas), a factos reais balizados pelos limites da sua duração, como é o caso dos dias que se sucedem na infindável cadência dos seus respectivos ocasos e nascimentos do sol; factos como o dia sideral281 e o dia solar282 que resultam noutros factos, como sejam a variação da duração entre o dia e a noite ao longo do ano ou os ritmos circadianos que regulam a vida no nosso planeta e que são induzidos pela vital exposição à radiação solar em alternância com as noites. É, por conseguinte, natural (em sentido literal) que a noção da duração do dia se tenha tornado na referência cronológica mais marcante e indefectível para o ser humano.

281 Tempo que a Terra demora a realizar uma volta completa sobre si mesma.

282 Tempo superior ao dia sideral, de duração variável ao longo do ano, corresponde a duas passagens sucessivas do Sol

Se as divisões do dia em 24 horas283, da hora em 60 minutos e do minuto em 60 segundos correspondem, desde os tempos dos relógios de sol, das clepsidras das ampulhetas, à remonta necessidade de medir e relacionar eventos em termos da sua duração, já a

invenção do relógio mecânico corresponderá à necessidade de regularizar e de independer essa regularidade face a influências ou a constrangimentos externos (sejam estes de ordem astral ou atmosférica), tornando-a, o mais possível, autónoma, precisa e fiável.

Nestes termos, o relógio monoagulha com mostrador graduado a 24 horas poderá

apresentar-se como um dispositivo mecânico simplificado relativamente àquilo que é capaz de representar, isto é, indicar o decurso de um dia inteiro através da sucessão das horas que o compõem e, de um modo menos preciso, indicar a sucessão dos minutos (embora não descriminadamente) que compõem cada uma dessas horas. O que no fundo tornará interessante esta simples fórmula de ponteiro único de uma só volta por dia, é que num relógio assim acaba por se verificar uma coerente correspondência com os componentes do próprio fenómeno real que ele pretende representar; os 360 graus do seu mostrador circular correspondem ao círculo máximo da Terra, coincidente com o seu plano de rotação,

enquanto que o movimento do único ponteiro que o percorre coincide devidamente com o próprio movimento de rotação deste planeta.

Em termos práticos, para o comum quotidiano das pessoas, a informação da hora com a indicação do período AM ou PM284 a que se refere, não é tão pertinente quanto o será a indicação rigorosa dos minutos, estes passíveis de conferirem mais precisão àquela

informação. Ora, como já foi referido, o principal problema deste tipo de relógio reside no facto de a leitura dos minutos ser conseguida de forma bastante dificultada, limitada e imprecisa.

Na verdade, o movimento monoagulha (de «mostrador diário» ou «semi-diário») poderá considerar-se um tipo de relógio pouco complicado - imediatamente anterior ao normal movimento dos minutos e até dos segundos, e ainda muito antes das grandes

complicações, complexidades mecânicas ou múltiplas funcionalidades de alguns modelos.

Tal relógio, no entanto, devido à acentuada redução da dimensão de cada sector horário do

283 “A hora foi definida originalmente pelas civilizações antigas (incluindo o Egito, Suméria, Índia e China) tanto como 1 doze avos do tempo entre o nascer e o pôr-do-sol ou como 1 vinte e quatro avos de um dia. Em ambos os casos a divisão

reflectia o amplo uso do sistema de numeração duodecimal e do costume de manter o padrão entre diferentes grupos de informação (12 meses, 12 signos do zodíaco, 12 pontos principais no compasso, uma dúzia)”.- (fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hora)

284 Acrónimos que radicam nos termos latinos, Ante Meridiem (AM) que significa "antes do meio-dia" e Post Meridiem

seu mostrador e à acentuada lentidão do ponteiro que percorre tal divisão, parece

inviabilizar qualquer possibilidade prática de os minutos que compõem a hora poderem ser aí inscritos e notados, bem como poderem ser indicados discriminadamente através de um

único ponteiro accionado por um simples e lento movimento.