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2.5 CIÊNCIA e complexidade

2.7.3 A estratégia no design

É pela simultaneidade entre projeto e técnica – na conjunção do modo antecipatório, de um, com o modo executante da outra –245, que a realidade passa a poder ser transformada de uma forma manifestamente diferente daquela verificada desde sempre na Natureza. Com o decurso do tempo evolucional essa diferença foi-se acentuando e o projeto foi assumindo a sua postura estratégica, tornando-se no mais competente modus operandi para se exercer um poder de controlo antecipatório, relativamente às ações interventivas na realidade construída e no ambiente natural ou relativamente às repercussões que, sobre este ambiente ou sobre o contexto sociocultural, possam vir a decorrer de tais ações.

O período que medeia entre os primeiros indícios da ‘capacidade tecno-projetiva’ e as primeiras definições nocionais de projeto parece ter sido recentemente ampliado pela adição de mais de um milhão de anos. Na verdade, a consideração de que as mais antigas ferramentas hominídeas remontavam às capacidades do Homo habilis de há cerca de 2,2 milhões de anos atrás, tem vindo a admitir datações cada vez mais recuadas, chegando-se a

supõe a complexidade, quer dizer, imprevisto, acaso, iniciativa, decisão, consciência dos desvios e das transformações.” – Edgar Morin: Op. Cit., pp.117 e 118.

244 “A palavra estratégia opõe-se à de programa. Para as sequências que se situam num meio estável, convém utilizar

programas. O programa não obriga a estar vigilante. Não obriga a inovar. Assim quando vamos para o trabalho, ao volante do nosso carro, uma parte do nosso comportamento está programado. Se surge um engarrafamento inesperado, é preciso então decidir se se deve mudar de itinerário ou não, infringir o código: é preciso mostrar estratégia.” – Ibidem.

245 Esta relação pode ser lida na nuance que Boutinet apresenta em relação à palavra italiana de progetto, onde verifica

uma “(…) oposição entre o progetto (actividade intelectual de elaboração do projecto) e o progettazione (actividade de realização do projecto)” – Jean Pierre Boutinet: Antropologia do Projecto, p.31.

Esta simultaneidade manifesta-se no próprio Desenho que tanto serve para conceber como para executar: “(…) se a fase de elaboração do conceito é marcada pela indeterminação e ambiguidade, de forma a favorecer a interactividade e a re- interpretação no modo como se utilizam os meios representativos, já a fase de execução dos desenhos que representam objectiva e pormenorizadamente a proposta para fins de produção obedece a códigos e a regras bem definidos, procurando minimizar eventuais espaços de interpretação subjectiva que poderiam conduzir à introdução de alterações relevantes no design proposto.” – Isabel Dâmaso: Op. Cit., p.28.

determinar neste momento, com a recentíssima descoberta de uma “tecnologia

lomekwiense”246, a idade de 3,3 milhões de anos para essas primeiras ferramentas que, assim, se terão de considerar como pré-humanas pois antecipam em cerca de 400 mil anos o advento do género Homo.

Assim, desde os primeiros indícios de manifestação do projeto, em que um outro processo adaptativo – o da técnica – começou a emergir para além daquele estritamente biológico (determinado por seleção natural), terão passado mais de 3 milhões da anos até se

começarem a reconhecer os contornos mais definidos da figura do projeto. Como Boutinet referiu, “o termo «projeto», característico do tempo técnico, tem, pois, uma aparição tardia e reconhecida com o finalizar do séc. XVII. Ele possui, então, um sentido próximo daquele que nós conhecemos hoje em dia. Esta posição pode, de um outro ponto de vista, ser considerada como o sinal pronunciador das Luzes. O conceito era ainda estranho ao pensamento medieval, marcado, tal como a mentalidade da maior parte das sociedades tradicionais, pelo tempo agrário, tempo repetitivo como é, em que o presente se quer reactualização de um passado considerado como nunca cumprido. Mas é desde o

Quattrocento que aparece uma primeira tentativa de formalização do projeto através da

criação arquitetural.”247

Compreende-se facilmente que a arquitetura – pela sua capital importância e pela sua complexidade e escala construtiva (do grego arkhé, que significa primeiro ou principal, e

tékhton que significa construção), correspondendo ao campo de produção das maiores,

mais pesadas, mais perenes e custosas estruturas artificiais, e que tendem a envolver, quer na sua construção quer no seu usufruto, um grande número de pessoas – se tenha

constituído naquele âmbito onde o conceito de projeto se terá anunciado mais cedo,

246 No seu artigo do público, Teresa Firmino menciona este termo relacionando-o com o nome Lomekwi, a zona (no

Quénia) onde foram encontrados, pela equipa chefiada por Sonia Harmand e Jason Lewis, os mais antigos instrumentos líticos conhecidos. Acerca desta noticiada descoberta, apresentamos aqui o abstract do artigo publicado on line pela revista Nature (a 20 de Maio de 2014): “Human evolutionary scholars have long supposed that the earliest stone tools were made by the genus Homo and that this technological development was directly linked to climate change and the spread of savannah grasslands. New fieldwork in West Turkana, Kenya, has identified evidence of much earlier hominin technological behaviour. We report the discovery of Lomekwi 3, a 3.3-million-year-old archaeological site where in situ stone artefacts occur in spatiotemporal association with Pliocene hominin fossils in a wooded palaeoenvironment. The Lomekwi 3 knappers, with a developing understanding of stone’s fracture properties, combined core reduction with battering activities. Given the implications of the Lomekwi 3 assemblage for models aiming to converge environmental change, hominin evolution and technological origins, we propose for it the name ‘Lomekwian’, which predates the Oldowan by 700,000 years and marks a new beginning to the known archaeological record.” – AAVV:

http://www.nature.com/nature/journal/v521/n7552/full/nature14464.html#access, Acedido a 25 de Maio, de 2014.

afirmando-se pertinente pelo seu carácter antecipatório e pela sua capacidade operativa para exercer a articulação entre conceção e realização.

Se também aqui, na arquitetura, o próprio projeto permitiu que se inaugurasse a vantajosa separação entre conceção e edificação248, já a conciliação da sua ordem simbólica

[digamos, a da componente artística que faz uso de uma certa ênfase na aparência como via de expressão estética (q.v. It. 2.5.5; 2.5.6)] com a sua ordem técnica [digamos, a do aproveitamento dos fenómenos físicos que possibilitam a concretização funcional/

estrutural do espaço físico a habitar (q.v. It. 2.3.2)] parece ter-se desde logo afirmado a

‘pedra de toque’ (do projeto e da arquitetura) definidora de uma prática projetual que se estendeu até ao Design e até aos nossos dias. Isto deve-se a outro desempenho operativo do

projeto – aquele que aqui podemos designar de ‘harmonização integrativa de síntese’, e

que se referirá ao processo de desenvolvimento projectal pelo qual se vão selecionando e conjugando diversos fatores (podendo estes estar de algum modo desarticulados,

desproporcionados ou em conflito entre si) os quais, assim, poderão passar ser

incorporados (q.v. It. 2.3.9) de forma harmonizada, concordante ou sinergética segundo uma qualquer consubstanciação artefactada (q.v. It. 2.5.6).

Será, portanto, esta característica que aqui enfatizamos como ‘limiar ontológico’ a partir do qual os dois domínios, o da arquitetura e o do design, se podem aproximar entre si; pelo qual ambos procuram ir além do estritamente técnico da engenharia ou do estritamente

estético da arte, e antes do qual estes últimos domínios se encontrarão afastados, opostos

ou desarticulados entre si. Será, portanto, a partir de um tal processo de síntese que se procurará pelo projeto, seja em arquitetura ou em design, exercer a ‘negociação’ entre o ‘requisito técnico’ e o ‘requisito estético’, em ‘troca’ da obtenção de um reclamado ‘efeito

resolutório’.