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2.5 CIÊNCIA e complexidade

2.5.4 Ciência e tecnologia, independência e sinergias

Em termos de evolução tecnológica, são muito mais comuns, diretas e profícuas as influências que um artefacto pode receber de outro artefacto, do que aquelas que pode receber de conceitos científicos208.

Por seu turno, em termos de evolução científica, enquanto os conceitos científicos vão propiciando novas ideias e teorias, algumas das quais revolucionárias, como foi o caso da teoria da física quântica nos anos 20, muitos foram os artefactos que também exerceram influências determinantes na ciência, operando nesta verdadeiras revoluções209.

207 O uso do prefixo des-, aplicado ao termo conhecimento, parece gerar um particular paradoxo quando quer significar falta de conhecimento. Poder-se-á desconhecer algo que não foi conhecido; poder-se-á desfazer algo que não foi feito?

No mesmo sentido em que se pode desfazer algo, de desconstruir algo, de desconsiderar algo, etc., também poder-se-á proceder à ação de se ‘desconhecer algo’?

208 “(…) a ciência dita os limites da possibilidade física de um artefacto, mas não prescreve a forma final do artefacto: a

lei de Ohm não ditou a forma e os pormenores do sistema de iluminação de Edison, nem as equações de Maxwel determinaram a forma precisa de um circuito num moderno receptor de rádio.” – George Basalla: op. Cit., p.96.

209 “As revoluções geradas por conceitos são aquelas que atraem mais atenção e têm maior impacte na consciência

pública da ciência, mas são relativamente raras. Nos últimos quinhentos anos, houve cinco importantes revoluções geradas por conceitos, associadas aos nomes de Copérnico, de Newton, de Darwin, de Einstein e de Freud, para além da

Instrumentos como o telescópio, o relógio, o microscópio, o dispositivo de raios X ou o computador, são eminentes exemplos disso. Ao mesmo tempo que revelam novas

realidades, que necessitam ser explicados, também permitem investigá-las e aprofundá-las com maior rigor e alcance. Por exemplo, enquanto o telescópio, o microscópio ou os raios X davam a ver realidades outrora inalcançáveis, a medição do tempo210 ou a computação permitiam tratar a informação de forma a proporcionarem mais alcance e determinações mais precisas para o conhecimento científico.

Foram revolucionárias as célebres contribuições do telescópio para os avanços na astronomia (o abandono do paradigma geocêntrico através de Galileu e posteriores aperfeiçoamentos com kepler), tal como importantes foram os avanços na biologia

propiciados pelo microscópio (desde as observações de Robert Hooke, feitas através do seu próprio microscópio e publicadas na sua obra Micrographia, em 1665, passando por posteriores aperfeiçoamentos instrumentais, como os de Leeuwenhoek, Culpeper, Cuff e outros, até chegar à possibilidade de se poderem observar moléculas e os próprios átomos, através do microscópio de tunelamento, inventado em 1981, por G. Binnig e H. Roher). Revolução houve também na medicina, biologia e bioquímica com a investigação sobre o ADN, cuja célebre estrutura (a grande cadeia molecular em dupla hélice) foi possível ser determinada, por F. Crick e J. Watson, graças à difração dos raios X.211

revolução da mecânica quântica que Kuhn tomou como modelo. Durante o mesmo período, houve cerca de vinte revoluções geradas por instrumentos, não tão notórias para o público em geral, mas de igual importância para o progresso da ciência.” – Freeman Dyson, A Evolução - A Sociedade, a Ciência e o Universo, p.158.

210 Roger Penrose refere a invenção do relógio de pêndulo como o instrumento que possibilitou à ciência poder analisar e

medir o mundo para lá da compreensão estática, uma compreensão bem dominada pelos antigos gregos através da geometria. Como ele escreve: “O que lhes faltava [aos gregos] era uma boa teoria dinâmica, ou seja uma teoria da forma maravilhosa como a Natureza controla as mudanças de posição dos corpos de um instante para o outro. Isto devia-se em parte (mas só em parte) à ausência de um método suficientemente preciso para medir o tempo, ou seja de um ‘relógio’ razoavelmente bom. (…) Deste modo, a observação feita por Galileu, em 1583, de que se pode usar um pêndulo como um instrumento fiável para medir o tempo foi de capital importância para ele (e para o desenvolvimento da Ciência em geral!), uma vez que tornou possível a cronometragem precisa do movimento. Cerca de cinquenta anos mais tarde, com a publicação dos Discorsi de Galileu, em 1638, estava fundada a nova ciência da dinâmica – e tinha começado a passagem do misticismo antigo para a ciência moderna!” – Roger Penrose: Op. Cit. p.216, 217.

211 “São os nossos instrumentos, as extensões artificiais dos nossos vários sentidos e da nossa mente, que nos conduzem a

um modo novo. As ideias teóricas surgem na sequência dos instrumentos e das experiências; e estas ideias teóricas, por seu turno, levaram à criação de novos instrumentos. (…) A história da ciência é tanto a história da instrumentação como a história das ideias tóricas.” – Heinz Pagels: Op. Cit., p.398.

Mesmo o navio que levou Darwin na sua investigação, o beagle, Pagels apresenta-o como sendo o principal instrumento utilizado na conceção da sua teoria da evolução: “Já existiam barcos anteriormente. Contudo, esta combinação do homem com o seu instrumento deu origem a uma nova visão da vida no nosso planeta que antes nunca tinha sido possível.” –

Idem, p.402.

Também Paulo Parra interpreta esta ‘extensão do ser humano através do artefacto’ designando-a de cosimbiose: “(…) a partir do século XV, uma nova simbiose viria a dar origem a algumas das novas mutações planetárias. A nova simbiose foi perpetuada pelo Homem, em cosimbiose com uma espécie criada pelo ser humano (a tecnoespécie barco) e com um terceiro elemento, o macro organismo percorrido e explorado pelo homem, a Terra. – Op. Cit., p.318.

Por seu turno, num mundo em que a abordagem à complexidade se tornou numa condição para se estabelecer uma compreensão mais adequada e profunda da realidade, o

computador tornou-se num instrumento altamente versátil, capaz de efetuar, com rigor e velocidade cada vez maiores, cálculos, determinações e simulações de eventos ou de padrões complexos dessa realidade, contribuindo para a sua compreensão e controlo. Esta confiabilidade nas potencialidades da computação automática, transversal a tantas áreas do conhecimento, merece aqui o comentário de John Barrow: “A tarefa de

compreender o Universo exige que recrutemos a ajuda de computadores, para simular o modo como funcionam os processos naturais mais complicados e cansativos. Infelizmente, isto confronta-nos com problemas enormes de tratabilidade. Mesmo os problemas que podemos resolver passo a passo com a ajuda de computadores incluem numerosos problemas menores cuja solução exige grandes períodos de tempo (muito superiores à idade do Universo). Estas dificuldades práticas imporão fortes limites à nossa capacidade de fazer previsões, de reproduzir, de explicar e de compreender o funcionamento do Universo, a menos que encontremos um método completamente novo de simular o comportamento dos processos naturais.”212

Heinz Pagels lembra que a matemática, na sua perspetiva computacional, “apesar de todo o seu carácter transcendental, é, em última análise, a consequência de um órgão material, o cérebro.”213 Neste sentido, não haverá nada a fazer quanto à hipótese de a ‘inteligência artificial’, tanto quanto a natural, se encontrarem limitadas por constrangimentos das leis físicas do nosso universo – levando a que em qualquer uma delas se produzam as mesmas estruturas lógicas e matemáticas –? Ou será possível “criar mentes artificiais que possam ver a matemática de uma forma muito diferente e construir um universo distinto de objetos matemáticos?”214 Pagels avisa que ainda estamos longe de obter resposta a estas questões e que, por enquanto, temos de saber lidar com estas limitações materiais, que utilizamos para

212 John D. Barrow, Op. Cit., p.169.

213 “Por muito poderosos que os computadores se tornem ou por muito longe que eles cheguem, simulando as

capacidades da mente humana serão sempre artefactos materiais, sujeitos às leis da natureza. Neste sentido, a mente mais poderosa do raciocínio lógico e matemático estará sujeita às limitações materiais do universo.” – Heinz Pagels: Op. Cit., p.387.

214 Heinz Pagels: Op. Cit., p.385.

214 “A manipulação lógica de símbolos deve obedecer às leis da natureza; as leis da natureza são expressas por símbolos

lógicos. A relação do mudo transcendental da mente e o mundo natural da matéria é semelhante à uroboros – a cobra que se devora a si mesma.” – Heinz Pagels: Op. Cit., p.387.

explicar e compreender as realidades, não conseguindo evitar-se uma certa “realimentação de autorreferência”215 implicada nesse esforço.

Seja como for, quando se trata de lidar com informação, a mente propende para o conhecimento, ou seja, para a dependência de mais informação, ou seja, para ter que conhecer mais, lançando-se à procura de mais dados, de mais informação e de mais conhecimento, lançando mão de toda a instrumentação física e intelectual disponível ou construída para o efeito216. Esta propensão será tão mais acentuada quanto mais científico for o empenho nela investido.

Por tudo isto se entenderá a razão pela qual, hoje em dia, é ainda possível conseguir-se prescindir de alguma complexidade técnica do domínio material/ energético/ mecânico, ao passo que, noutro sentido, é (cada vez mais) ‘menos possível’ prescindir-se da

complexidade técnica do domínio cognitivo/ informático/ digital.

Há que considerar que a presença de algo problemático no seio de uma teoria, no âmbito do conhecimento, ou a presença da complexidade (constituição problemática) num artefacto, no âmbito material, nem sempre se encontram expostos à ‘sensibilidade

intelectual’ ou à ‘estimulação da observação’ por parte do cientista ou do técnico, pelo que o melhor instrumento que nos pode ajudar é aquele ‘dispositivo conceptual’ que de um lado tem um ‘sensor’ ativável pela desconfiança, inquietude ou perplexidade; no meio tem uma conjugação entre especulação e exploração de hipóteses, e, no outro lado, tem a verificação e a comprovação, de onde se espera que ‘saia’ algo parecido com uma descoberta, uma invenção ou uma alternativa ao já existente, seja isso uma crença, uma verdade ou uma simplificação.

215 “Existe, hoje em dia, um vasto leque de instrumentos materiais e cognitivos que exploram tanto o macrocosmo como

o microcosmo, duas fronteiras que representam os limites da capacidade sensorial humana. (…) Sem dúvida que nos aguardam grandes surpresas, à medida que a qualidade dos nossos instrumentos se for aperfeiçoando e novas grandes descobertas forem efectuadas.” – Heinz Pagels, Op. Cit., p.404.

216 “Existe, hoje em dia, um vasto leque de instrumentos materiais e cognitivos que exploram tanto o macrocosmo como

o microcosmo, duas fronteiras que representam os limites da capacidade sensorial humana. (…) Sem dúvida que nos aguardam grandes surpresas, à medida que a qualidade dos nossos instrumentos se for aperfeiçoando e novas grandes descobertas forem efectuadas.” – Heinz Pagels, Op. Cit., p.404.

2.6 AMBIENTE e complexidade