• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.5 número2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.5 número2"

Copied!
36
0
0

Texto

(1)

A p a rtir d os a n os 60, a n trop ólog os d e d ife re n te s tra d içõe s n a cion a is p a s-sa ra m a con ve rg ir n o se n tid o d e con sid e ra r q u e o te xto d e M a rce l M a u ss, “ En sa io sob re o Dom : Form a e Ra zã o d a Troca n a s Socie d a d e s Arca ica s” (1991[192324]), con tive sse u m a te oria d a troca , q u e a trib u i à id e n tifica -çã o e n tre a coisa d a d a e o e sp írito d o d oa d or o p rin cíp io d e e xp lica -çã o d a s tra n sa çõe s. De sd e e n tã o e sta te se g a n h ou força e a ca b ou p or se con -solid a r, com o o a te sta m , d e n tre ou tros, su a in corp ora çã o n o ve rb e te “ tro-ca ” d a En cy clop e d ia of S ocial an d Cu ltu ral A n th rop olog y (C a rrie r 1997 [1996]:220-221) e n a b iog ra fia d e M a rce l M a u ss (Fou rn ie r 1994:520).

O ra , e sta re p re se n ta çã o d o te xto d os a n os 20, ce n tra d a n a “ troca ” e n os se u s “ a sp e ctos e sp iritu a is” , con tra sta forte m e n te com a q u e tive ra m os con te m p orâ n e os d e M a u ss, os q u a is re sg a ta ra m su a s d im e n sõe s re la -tiva s a o d ire ito, à s ob rig a çõe s e à s p re sta çõe s tota is. Assim , H e n ry Lé vyBru h l, e m re se n h a p a ra a Re v u e H istoriq u e d u Droit Fran çais e t Etran -g e r, d e sta ca va q u e o a u tor h a via p re sta d o u m a “ a ju d a in e sp e ra d a e d a s m a is e fica ze s à h istória e à p ré -h istória d o d ire ito” e forn e cid o a p rova d e q u e “ a h istória d a s ob rig a çõe s p od e ta m b é m re ce b e r d o e stu d o d a s socie -d a -d e s in fe riore s vá rios e scla re cim e n tos” (Fou rn ie r 1994:521)1. O te m a d o d ire ito foi ta m b é m a q u e le q u e d e sp e rtou a a te n çã o d e Bron isla w M a li-n ow sk i: e m ca rta a M a u ss, li-n o fili-n a l d e 1925, com e li-n ta li-n d o su a p u b lica çã o n o A n n é e S ociolog iq u e , d izia h a ve r ch e g a d o a con clu sõe s se m e lh a n te s à s su a s, tra b a lh a n d o sob re p rob le m a s d o d ire ito e m livro e n tã o n o p re lo (Fou rn ie r 1994:524).

A p e rce p çã o d e q u e h a via ocorrid o u m a d e scon tin u id a d e n a in te r-p re ta ça o d o “ En sa io sob re o Dom ” , d ora va n te ED, d e u -se n o â m b ito d e u m a p e sq u isa q u e , p or tra ta r d os flu xos d e d on s e con tra -d on s, le vou -m e a re tom a r o a rtig o d o A n n é e S ociolog iq u e e a p e rcorre r a va sta lite ra tu ra a e le re fe rid o2. Foi a o ch e g a r a os tra b a lh os d a s ú ltim a s d é ca d a s, com o d e Sa h lin s (1974[1970]), Pa rk in (1976), Ta m b ia h (1993[1984]), G u id ie ri

AS VICISSITUDES DO

“EN SAIO SOBRE O DOM”*

(2)

(1984), We in e r (1992) e G od e lie r (1996) q u e con sta te i a a lu d id a a d e sã o q u a se q u e m a ciça à id é ia -força a re sp e ito d o te xto, a ssim com o u m a in d i-fe re n ça e m re la çã o à s p re ocu p a çõe s d e M a u ss com d ire itos e ob rig a çõe s e a in d a u m a n otá ve l con ve rg ê n cia n o se n tid o d e fu n d a r in te rp re ta çõe s se m p re a p a rtir d a p a ssa g e m d o te xto q u e lid a com a e tn og ra fia m a ori. C h a m ou m e ta m b é m a a te n çã o q u e , e n tre h istoria d ore s q u e se in sp ira ra m n o ED, com o Pa u l Ve yn e (1976:15181), p or e xe m p lo, e e n tre e stu -d iosos -d a e scola sociológ ica fra n ce sa , com o Vog t (1983:177-198), a “ te se ” n ã o tive sse e n con tra d o e co.

C om e ce i e n tã o a m e p e rg u n ta r sob re o sig n ifica d o d e sta s vicissitu -d e s -d o tra b a lh o -d e M a u ss, n a le itu ra q u e -d e le fize ra m os a n trop ólog os. O p rob le m a re sid ia e m e n te n d e r com o a in fle xã o h a via se p rod u zid o. M a s, com o e n fre n tá -lo se m volta r a o te xto d e 1924-25? Este p a re ce u -m e se r u m u m p on to d e p a rtid a in con torn á ve l p a ra e n con tra r e le m e n tos d e re sp osta : e ra sp re ciso n e le loca liza r, e com sp re cisã o, o q u e h a via sid o d e sta -ca d o, com o a te oria d a tro-ca , o e sp írito d o d oa d or, o d ire ito, a s ob rig a çõe s e a s p re sta çõe s tota is. N ã o p od ia , n o e n ta n to, fa zê -lo lim ita n d m e tã o-som e n te a p in ça r ta is te m a s n o te xto. Este p roce d im e n to, d e p ra xe e m m u itos e scritos sob re o ED (m a s n ã o a p e n a s) e d o q u a l os com e n tá rios d e Au g é (1999:67) con stitu e m o e xe m p lo m a is re ce n te , su p õe n e ce ssa ria -m e n te a a d oçã o d e u -m p on to d e vista p a ra re a liza r a se le çã o. N ã o se n d o n u n ca e xp licita d o, tu d o q u e n e le h á d e a rb itrá rio se n a tu ra liza . Da í q u e u n s te m a s se ja m p rioriza d os e m d e trim e n to d e ou tros, ta lve z a té m a is ca ros e xp licita m e n te a o a u tor d o tra b a lh o com e n ta d o. De ixe i d e la d o e n tã o os “ te m a s” e ce n tre im e n o p la n o d o tra b a lh o. Procu re i a com p a -n h á -lo p a sso a p a sso, ta l q u a l a s e ta p a s d e u m a e q u a çã o, se m “ p u la r” n e n h u m a d e la s, p a ra n ã o e rra r n o fin a l, i.e ., p e rd e r o fio d o p e n sa m e n to d o a u tor. Em se g u id a , tra te i d e ra stre a r a s re fe rê n cia s a o ED. N ã o b u s-q u e i e sg otá -la s — ta re fa in viá ve l e se m p e rtin ê n cia p a ra o m e u ob je to —, m a s re in scre vê -la s e m u m a cron on olog ia p re cisa , q u e p e rm itisse in d ica r o m om e n to e m q u e a in fle xã o n a le itu ra h a via se p rod u zid o, se m p re te n -d o o cu i-d a -d o -d e i-d e n tifica r q u e m e sta va -d ize n -d o e xa ta m e n te o q u e sob re o te xto e com o o fa zia . Pre ocu p e i-m e e m a ssu m ir e m re la çã o a os a u tore s u m a p ostu ra com p re e n siva , n o se n tid o w e b e ria n o d o te rm o, te n ta n d o e n te n d e r, se m p re q u e e vid ê n cia s h ou ve sse , o se n tid o q u e p od e ria te r p a ra e le s a s a p re cia çõe s q u e fa zia m sob re o tra b a lh o d e M a u ss.

(3)

lid a r com os n a tivos, m a s, via d e re g ra , ig n ora d a q u a n d o e stá e m jog o a re fle xã o a ce rca d a s id é ia s d os cole g a s: com o se con stitu e m e re p rod u ze m a s re p re se n ta çõe s a ce rca d e u m te xto?

O ensaio no seu t empo

J u rista d e form a çã o e ag ré g é e m filosofia , M a rce l M a u ss tin h a 46 a n os q u a n d o p u b licou o ED. O cu p a va e n tã o a cá te d ra , p a ra a q u a l h a via sid o e le ito e m 1901, d e H istória d a s Re lig iõe s d os Povos Prim itivos e n ã o C ivi-liza d os, n a Ecole Pra tiq u e d e s H a u te s Etu d e s, Se çã o d a s C iê n cia s Re li-g iosa s. O te xto, d e 134 p á li-g in a s e ce rca d e 500 n ota s, é con stitu íd o p or u m a in trod u çã o, trê s ca p ítu los e u m a con clu sã o. O s fa tos e tn og rá ficos sã o o ob je to d os d ois p rim e iros ca p ítu los. N o te rce iro, M a u ss d e d ica se à a n á -lise d o d ire ito e m civiliza çõe s a n tig a s. A con clu sã o, p or su a ve z, e stá d e s-d ob ra s-d a e m trê s p a rte s: con clu sõe s m ora is, con clu sõe s s-d e sociolog ia p olí-tica e d e e con om ia p olíolí-tica e con clu sõe s d e sociolog ia g e ra l e m ora l.

M a u ss in icia o ED a n u n cia n d o q u e se u te m a sã o a s troca s q u e se fa ze m sob a form a d e p re se n te s, e m te oria volu n tá rios, m a s n a re a lid a d e ob rig a toria m e n te d a d os e re trib u íd os. O e stu d o e sta va re la cion a d o a u m con ju n to m a is a m p lo d e in ve stig a çõe s sob re o re g im e d o d ire ito con tra -tu a l e os siste m a s d e p re sta çõe s e con ôm ica s e n tre g ru p os e su b g ru p os d a s socie d a d e s d ita s p rim itiva s e a rca ica s. O s fa tos d e q u e iria tra ta r e ra m fe n ôm e n os socia is “ tota is” — com o os d e n om in a — n os q u a is se e xp rim ia rim tod a s a s e sp é cie s d e in stitu içõe s: re lig iosa s, ju ríd ica s e rim ora is (se n -d o e sta s p olítica s e fa m ilia re s a o m e sm o te m p o); e con ôm ica s (q u e su p õe m form a s p a rticu la re s d e p rod u çã o e d e con su m o); e a in d a fe n ôm e n os e sté -ticos e m orfológ icos (:147).

(4)

As q u e stõe s q u e e sta va form u la n d o, a cre d ita va M a u ss, a p on ta va m n a d ire çã o d e n ovos p rob le m a s: os re fe re n te s a u m a form a p e rm a n e n te d a m ora l con tra tu a l, n ota d a m e n te o m od o com o o d ire ito re a l p e rm a n e -cia a in d a lig a d o a o d ire ito p e ssoa l; e a q u e le s q u e d ize m re sp e ito à s for-m a s e à s id é ia s q u e p re sid ira for-m , p e lo for-m e n os e for-m p a rte , a troca e a in d a h oje su p re m , ta m b é m e m p a rte , a n oçã o d e in te re sse in d ivid u a l. O ob je tivo d o tra b a lh o e ra d u p lo: d e u m la d o fa ze r u m a e sp é cie d e a rq u e olog ia sob re a n a tu re za d a s tra n sa çõe s h u m a n a s, p or m e io d a d e scriçã o d e fe n ôm e n os d e troca e d e con tra to, a ssim com o e n con tra r a m ora l e a e con om ia q u e lh e e ra m solid á ria s; d e ou tro, m ostra r q u e e sta m ora l e e con om ia fu n cio-n a m a icio-n d a e m “ cio-n ossa s”3socie d a d e s d e m od o con sta n te , e d a í e xtra ir con -clu sõe s d e ord e m m ora l sob re p rob le m a s p ostos p e la crise d e “ n osso d ire ito” e d e “ n ossa e con om ia ” .

Foi d e sta form a , q u a se q u e lite ra lm e n te tra n scrita a q u i, q u e M a u ss d e fin iu os p rob le m a s, o in te re sse e os ob je tivos d o tra b a lh o. C om o m é tod o, a ssin a lou q u e se se rviria tod a com p a ra çã o p re cisa : isto sig n ifica va e stu -d a r o te m a e m -d e te rm in a -d a s á re a s — Polin é sia , M e la n é sia e N oroe ste a m e rica n o — e e m a lg u n s g ra n d e s d ire itos, e m re la çã o a os q u a is h a via d ocu m e n tos q u e p e rm itia m o a ce sso à “ con sciê n cia d a s socie d a d e s” ; e fa zê -lo d e scre ve n d o ca d a u m d os siste m a s, e m su a in te g rid a d e , e m ve z d e com p a ra r a p e n a s tra ços, p roce d im e n to q u e d e sca ra cte riza ria a s in sti-tu içõe s e os d ocu m e n tos.

As peças do quebra-cabeça

O e sta b e le cim e n to d e re la çõe s e n tre fa tos d o N oroe ste a m e rica n o, Poln é sia , M e la Poln é sia e d os d ire itos a rca icos, foi o p rod u to d e u m loPoln g o ca m i-n h o p e rcorrid o p or M a u ss. Pa ra a lé m d a s p e sq u isa s q u e vii-n h a d e se i-n vol-ve n d o, e m cola b ora çã o com Da vy, sob re a s form a s p rim itiva s d e con tra to, m e n cion a d a s n a “ In trod u çã o” (:149), h ou ve u m in ve stim e n to d e p e so n a a n á lise d a s e tn og ra fia s d o in ício d o sé cu lo, o q u e é e vid e n cia d o p e los e scritos e re g istros d e cu rsos, a n te riore s a o ED. Re se n h ista in ca n sá ve l, com o o a te sta su a va sta con trib u içã o a o A n n é e S ociolog iq u e4, M a u ss d e ti-n h a u m ti-n otá ve l coti-n trole d o q u e e sta va se ti-n d o p rod u zid o à q u e la é p oca n os Esta d os Un id os, n a In g la te rra e n a Ale m a n h a5e u tiliza va te xtos e re fle xõe s a re sp e ito p a ra su a s a tivid a d e s d id á tica s. O e xa m e d e ste s m a te -ria is p e rm ite m e lh or com p re e n d e r o p la n o d o ED.

(5)

tra b a lh os d e Boa s sob re os k w a k iu lt (N oroe ste a m e rica n o). N o a n o le tivo d e 1905-6, a n om e n cla tu ra e a s ca ra cte rística s d os p rin cip a is tip os d e fa m ília e n tre p ovos d o N oroe ste a m e rica n o con stitu e m o te m a d o cu rso q u e ofe re ce n a Ecole Pra tiq u e d e s H a u te s Etu d e s. N a e m e n ta con sta q u e a in stitu içã o d o p otlatch , e n con tra d a n a q u e la re g iã o, foi su b m e tid a a u m e stu d o com p a ra tivo e a p rofu n d a d o “ p ois e la a fe ta e d om in a tod os os fe n ôm e -n os socia is d a s trib os” (1969:58). N o cu rso d e 1910-11, M a u ss visou a e xp li-ca çã o d e d ocu m e n tos re fe re n te s à s p re sta çõe s re lig iosa s, ju ríd ili-ca s e e co-n ôm ica s e co-n tre clã s, co-n a s trib os d o N oroe ste a m e rica co-n o (:59). Aico-n d a e m 1910, e m re se n h a a tra b a lh os d e Sw a n ton , p e rsiste n o e stu d o d o p otlatch . N a q u e -la é p oca a ch a va q u e e sta in stitu içã o con stitu ía u m sin cre tism o ú n ico d e fa tos socia is n a h istória d a H u m a n id a d e (:77). N o cu rso d e 1911-12, a in s-titu içã o con tin u a se n d o se u te m a : M a u ss e n tã o d e se n volve “ u m a te oria d o n otá ve l p otlatch ” (:60). Em 1913 p u b lica u m a re se n h a d o tra b a lh o d e Boa s, d a ta d o d e 1909, “ Th e Kw a k iu tl of Va n cou ve r Isla n d s” (Fou rn ie r 1994:799). O s fa tos re fe re n te s à M e la n é sia , q u e se ria m in corp ora d os a o ED, p a re ce te re m ch e g a d o a o con h e cim e n to d e M a u ss p or m e io d e Se lig m a n , N e h u h a u ss e Willia m son , cu jos livros sob re a N ova G u in é , d a ta d os, re s-p e ctiva m e n te , d e 1910, 1911 e 1912, sã o ob je tos d e re se n h a e m 1913. N os fa tos d e scritos p e los a u tore s, M a u ss id e n tifica e le m e n tos q u e o le va m a con clu ir q u e o p otlatch n ã o se re strin g e a o N oroe ste a m e rica n o:

“ [...] é , p orta n to, d e form a d e fin itiva , e sta in stitu içã o q u e e ste s d ife re n te s

tra b a lh os m e lh or ilu m in a m . N ã o é m a is p ossíve l ve r n e la u m a cu riosid a d e

e tn og rá fica d o N oroe ste a m e rica n o: e stá cla ro q u e e la [a in stitu içã o] se d e ve

a ca u sa s g e ra is e p rofu n d a s [...]. É u m a form a d e con tra to p rim itivo, cu ja fre

-q ü ê n cia se rá con sta d a ca d a ve z m a is, à m e d id a e m -q u e se a m p lie o e stu d o

d o siste m a d e troca s n a s socie d a d e s in fe riore s” (M a u ss 1969:34).

(6)

ís-tica d a op osiçã o e n tre g ru p os. Dizia e le , e n tã o, a os cole g a s q u e , já a n te s d a g u e rra , a p ós te r coloca d o e m re la çã o e le m e n tos e sp a rsos, com o fe sta s, in stitu içõe s ju ríd ica s e ritu a is d e con fra ria s, h a via sid o p ossíve l id e n tifi-ca r a in stitu içã o d o p otlatch n a M e la n é sia O cid e n ta l. O m a te ria l con tid o n os tra b a lh os sob re a s Ilh a s Sa lom ã o, d o e tn ólog o vie n e n se Rich a rd Th u rn w a ld , h a via ta m b é m p e rm itid o q u e e le id e n tifica sse u m siste m a d e p re sta çõe s e m Bu in e o le va d o a re ve r o m a te ria l d a M e la n é sia . De s-ta re visã o con clu ía a e xistê n cia n ã o a p e n a s d e tra ços im p ors-ta n te s d o p otlatch com o d e form a s a g on ística s n a M e la n é sia O rie n ta l e C e n tra l. C on tin u ou a d e se n volve r e sta s p re ocu p a çõe s e m su a s a tivid a d e s d id á -t ic a s : a s in s -t i-t u iç õ e s d o -t ip o p o -t la -t c h n a M e la n é s ia fo r a m o -t e m a d o s c u r sos d e 1920-21 e 1921-22 e o livro d e Rive rs, H istory of M e lan e sian S ocie ty, o te xto e xp lora d o com os a lu n os.

Um tra b a lh o d e 1921, “ Un e Form e An cie n n e d e C on tra t C h e z le s Th ra ce s” (1969:35-43), p e rm ite p e rce b e r q u e à q u e la d a ta M a u ss já h a via log ra d o re la cion a r a s form a s d e con tra to e troca sob re a s q u a is vin h a tra -b a lh a n d o, a p a rtir d o N oroe ste a m e rica n o e d a M e la n é sia , com o m u n d o in d o-e u rop e u . N e ssa p u b lica çã o, q u e se in icia com u m a sín te se a re sp e i-to d o e sta d o d e su a s re fle xõe s a ce rca d o “ siste m a d e p re sta çõe s i-tota is” , M a u ss ca ra cte riza o p otlatch a p a rtir d e d ois tra ços: a s troca s, q u e im p li-ca m u m a e n orm e q u a n tid a d e d e p re sta çõe s d e tod o o tip o, com e ça m sob a form a d e d oa çõe s a p a re n te m e n te g ra tu ita s d e p re se n te s, cu jo b e n e fi-ciá rio se rá ob rig a d o a re trib u ir o e q u iva le n te com u su ra ; e o ca rá te r a g o-n ístico, m a is a ce o-n tu a d o o-n o N oroe ste a m e rica o-n o d o q u e o-n a M e la o-n é sia . Lá os ch e fe s se e n fre n ta m m a is d o q u e se lig a m , n u m a riva lid a d e con sta n te , se n d o p or e ste m e io q u e se fixa a h ie ra rq u ia d a s fa m ília s e d os clã s (:36). C on ta va e le q u e tod a s a s te n ta tiva s p a ra e n con tra r n o m u n d o in d o-e u ro-p e u fa tos se m e lh a n te s h a via m sid o in fru tífe ra s, a té q u e , ro-p or a ca so, te ria e n con tra d o e m te xtos g re g os a p rova d e q u e p op u la çõe s con sid e rá ve is d o N orte d a G ré cia An tig a , com o os Trá cios, h a via m con h e cid o in stitu çõe s d o m e sm o g ê n e ro, i.e ., “ siste m a s d e p re sta çõe s tota is com o p rim e iro tra ço d o siste m a e volu íd o d o ‘p otlatch ’: d on s com re cu p e ra çã o u su rá -ria n o se n tid o m od e rn o d o te rm o” (:37). Ap ós con stru ir su a d e m on stra çã o, M a u ss te rm in a o te xto a n u n cia n d o u m a e sp é cie d e p la n o d e tra b a lh o. Diz e le q u e se ria in te re ssa n te e n con tra r e n tre ou tros p ovos a n tig os — e cita e sp e cifica m e n te os ce lta s e os g e rm â n icos — e vid ê n cia s d o m e sm o tip o, q u e p e rm itisse m a ve rifica cã o d e com o a q u e la s form a s h a via m se “ d e g ra -d a -d o” n u m sim p le s con tra to -d e troca (:43).

(7)

e sp e cia l os d e Rob e rt H e rtz. Em 1922 e d ita n a Re v u e d e l’H istoire d e s Ré lig ion s, o te xto “ Le Pé ch é e t l’Exp ia tion d a n s le s Socié té s Prim itive s” (H e rtz 1988[1922]), com in trod u çã o e con clu sã o d e su a a u toria . Foi re m e -xe n d o n os e scritos e n ota s d o cole g a q u e M a u ss e n con trou m a te ria is d a Polin é sia , p a rticu la rm e n te re fe re n te s a os m a ori, q u e se a ju sta va m à s su a s p re ocu p a çõe s d e e n tã o a re sp e ito d a s p re sta çõe s tota is. N o a n o se g u in te à e d içã o d o te xto e le fa z u m a com u n ica çã o, n o In stitu t Fra n ça is d e l’An th rop olog ie (M a u ss 1969:44-45), sob re a ob rig a çã o d e re trib u ir os p re se n te s, n a q u a l a ssin a la o in te re sse q u e a p re se n ta m a lg u n s te m a s d o d ire ito p olin é sio e , e m p a rticu la r, m a ori. Diz e n tã o q u e , se os p olin é sios n ã o p ossu ía m u m a in stitu içã o q u e m e re ça o n om e d e p otlatch , com o n o N oroe ste a m e rica n o e n a M e la n é sia , e le s con h e ce ra m form a s d e p re sta -çõe s tota is. O te m a d a riva lid a d e e d o com b a te e sta va a u se n te , m a s o te m a d o p re se n te ob rig a tório e volu n ta ria m e n te d a d o e re ce b id o e ra a li e sse n cia l (:44). N a q u e le m om e n to, via n o e stu d o d a s p re sta çõe s tota is n a N ova Ze lâ n d ia a p ossib ilid a d e d e e xp lica r “ u m d os trê s e le m e n tos d e ste siste m a d e d ire ito, q u e con siste n a troca p e rm a n e n te d e p re se n te s. Pois e ste siste m a su p õe : 1. a ob rig a çã o d e d a r; 2. a ob rig a çã o d e re ce b e r; 3. a ob rig a çã o d e re trib u ir” (:44-45). M a u ss a trib u i im p ortâ n cia à form u la çã o d e “ u m ju rista m a ori, Ta m a ti Ra n a p iri” (:44), q u e h a via sid o a n ota d a p or H e rtz, se g u n d o a q u a l os ob je tos taon g a e ra m d ota d os d e h au , i.e ., d e e sp íritos, e q u e e ra im p u lsion a d o p e lo h au d o p re se n te q u e o d e stin a tá -rio e sta va ob rig a d o a d e volvê -lo a o p rim e iro d oa d or (:44). M a u ss con clu ía a com u n ica çã o a n u n cia n d o q u e te m a s e q u iva le n te s d e d ire ito e ra m e n con tra d os n os p a íse s com p otlatch n a M e la n é sia , n a N ova C a le d ôn ia e n o N oroe ste a m e rica n o, e q u e ta m b é m p od e ria m se r in d ica d os p a ra o d ire ito g e rm â n ico e ta lve z p a ra o d ire ito rom a n o m u ito a n tig o (:45).

M a u ss p a re ce te r e n con tra d o a ú ltim a p e ça d o q u e b ra -ca b e ça s d os “ siste m a s d e p re sta çõe s tota is” n os A rg on au tas d o Pacífico O cid e n tal, q u e M a lin ow sk i p u b licou e m 1922 (1961[1922]). N o a n o le tivo d e 1923-24, M a u ss tra b a lh a a ce rca d os “ d ocu m e n tos d e M a lin ow sk i sob re a s Ilh a s Trob ria n d e sa s, n a M e la n é sia ” . N e le s, M a u ss re con h e ce in stitu içõe s q u e , e sta n d o m a is p a rticu la rm e n te lig a d a s à re lig iã o, à e stru tu ra ju ríd ica e a o re g im e e con ôm ico, sã o d o tip o d o “ p otlatch p rop ria m e n te d ito” , e d e d ica p a rticu la r a te n çã o à n oçã o d e d om , d e d e sin te re sse e g a ra n tia . N o fin a l d o re la tório d o cu rso, é a n u n cia d o q u e u m re su m o d a q u e le e n sin a m e n to se ria p u b lica d o e m b re ve n o A n n é e S ociolog iq u e (M a u ss 1969:61). Tra ta -va -se , ce rta m e n te , d o q u e viria a se r o p róp rio ED.

(8)

Re ssa lta q u e n a s e con om ia s e d ire itos q u e p re ce d e ra m os “ n ossos” n ã o e xiste u m a troca sim p le s d e b e n s, riq u e za s e p rod u tos e n tre in d ivíd u os: sã o a s cole tivid a d e s (p e ssoa s m ora is) q u e ob rig a m m u tu a m e n te e troca m e n tre si; e la s troca m n ã o a p e n a s b e n s m óve is e im óve is, m a s sob re tu d o g e stos d e p olid e z, fe sta s, ritos, m u lh e re s, cria n ca s e tc.; a s p re sta çõe s e con tra p re sta çõe s sã o fe ita s d e form a volu n tá ria sob a form a d e p re se n -te s, e m b ora se ja m ob rig a tória s. M a u ss d istin g u e , e n tã o, n o â m b ito d os siste m a s d e p re sta çõe s tota is, o p otlatch , q u e se ca ra cte riza ria p e lo se u ca rá te r a g on ístico e vid e n cia d o p e la riva lid a d e e a n ta g on ism o q u e d om i-n a m tod a s a s p rá tica s. C oi-n clu i e sta p a rte a i-n u i-n cia i-n d o: “ Dive rsos te m a s — re g ra s e id é ia s — e stã o con tid os n e ste tip o d e d ire ito e e con om ia . O m a is im p orta n te , d e n tre e ste s m e ca n ism os e sp iritu a is, é e vid e n te m e n te a q u e le q u e ob rig a a re trib u ir o p re se n te re ce b id o” . Assin a la , a in d a , q u e é n a Polin é sia q u e a ra zã o m ora l e re lig iosa d e sta coe rçã o se a p re se n ta d e form a m a is e vid e n te . Dito isto, M a u ss p a ssa a d e se n volve r se u s a rg u -m e n tos, i-m p ri-m in d o, n o e n ta n to, u -m a ord e -m n a e xp osiçã o q u a se q u e in ve rsa a o p e rcu rso q u e h a via trilh a d o a n te riorm e n te .

N o ca p ítu lo I, tom a o ca so d a Polin é sia com o u m e xe m p lo d e p re sta -çã o tota l, e e xa m in a a ob rig a -çã o d e re trib u ir n o â m b ito d a te oria d o d ire i-to e d a re lig iã o m a ori (:157). É n e ste con te xi-to q u e fa z re fe rê n cia a H e rtz e à s su a s n ota s sob re o h au , q u e n a con ce p çã o m a ori se ria o e sp írito d o d oa d or. M a u ss tra ta o h au com o u m a id é ia ce n tra l d o d ire ito m a ori (:159) e a p a rtir d e sta d e scob e rta , e xtra i d u a s con clu sõe s. Prim e ira m e n te , q u e os fa tos e xa m in a d os p e rm ite m p e rce b e r a n a tu re za d o e lo ju ríd ico cria d o p e la tra n sm issã o d e u m a coisa e p od e m vir a e scla re ce r a e la b ora çã o d e u m a “ te oria g e ra l d e ob rig a çõe s” . O d ire ito m a ori é o q u e o le va a con -clu ir q u e o la ço d e d ire ito, o la ço p e la s coisa s, é u m la ço d e a lm a s (:160). Em se g u n d o lu g a r, M a u ss m ostra q u e n e sse s siste m a s d e id é ia s com -p re e n d e -se m a is cla ra m e n te q u e é -p re ciso re trib u ir o q u e con stitu i -p a r-ce la d e su a n a tu re za e su b stâ n cia . Se g u e -se o e xa m e d a s d u a s ou tra s ob rig a çõe s: a d e d a r e a d e re ce b e r. M a u ss d e sta ca , se m p re re fe rid o à Polin é sia , q u e os h om e n s n ã o sã o livre s p a ra n ã o d a r e n ã o re ce b e r.

(9)

q u e a p a rtir d a Polin é sia , o siste m a d e d on s e a troca d o p otlatch . C e n tra a a te n çã o n a s Ilh a s Trob ria n d e sa s e n o k u la, a s troca s d e cola re s e b ra ce -le te s e n tre p a rce iros fixos, d e scrita s e a n a lisa d a s p or M a lin ow sk i (1961 [1922]). O ca p ítu lo se e n ce rra com a a n á lise d o p otlatch n o N oroe ste a m e -rica n o, q u e , com o se viu , h a via sid o o p on to d e p a rtid a d a re fle xã o d e M a u ss. Form u la e n tã o a h ip óte se d e q u e o p rin cíp io d a troca -d om d e ve te r sid o a q u e le q u e p re va le ce u n a s socie d a d e s q u e su p e ra ra m a fa se d a “ p re sta çã o tota l” e q u e a in d a n ã o a lca n ça ra m o con tra to in d id ivu a l p u ro n o q u a l circu la o d in h e iro (:227).

N o ca p ítu lo III, “ Sob re vivê n cia s d e ste s Prin cíp ios n os Dire itos e Eco-n om ia s AEco-n tig a s” , M a u ss p ostu la q u e a s iEco-n stitu içõe s a té a li a Eco-n a lisa d a s te ria m u m va lor sociológ ico g e ra l e d e h istória socia l, p ois fora m in stitu i-çõe s d e ste tip o q u e forn e ce ra m a tra n siçã o p a ra os “ n ossos” d ire itos e e con om ia s. Pa ra fu n d a r se u a rg u m e n to, ch a m a a a te n çã o p a ra o fa to d e q u e vive m os e m socie d a d e s q u e d istin g u e m os d ire itos re a is d os d ire itos p e ssoa is, a s p e ssoa s d a s coisa s. Esta se p a ra çã o é a con d içã o m e sm a d a e xistê n cia d o “ n osso” siste m a d e p rop rie d a d e , d e a lie n a çã o e d e troca . O ra , ta l d istin çã o, p rosse g u e o a u tor, in e xiste n o d ire ito d a Polin é sia , d a M e la n é sia e d o N oroe ste a m e rica n o, q u e a ca b a ra d e e xa m in a r. Por ou tro la d o, “ n ossa s” civiliza çõe s d istin g u e m a ob rig a çã o e a p re sta çã o n ã o g ra -tu ita d o d om . Pe rg u n ta -se , e n tã o, se e sta d istin çã o n ã o se ria re ce n te n o d ire ito d a s g ra n d e s civiliza çõe s, se e la s n ã o te ria m p ra tica d o u m a troca d e d on s e m q u e a s p e ssoa s se m istu ra m com a s coisa s. É n e ste con te xto q u e p a ssa a o e xa m e d e tra ços d os d ire itos in d o-e u rop e u s. Rom a , Ín d ia e G e rm â n ia irã o lh e forn e ce r a s p rova s p a ra se u s a rg u m e n tos.

(10)

-tu ita , n e m a p rod u çã o e a troca p u ra m e n te in te re ssa d a n a coisa ú til. É u m a e sp é cie d e h íb rid o q u e p re va le ce e n tre os trob ria n d e se s. M a u ss te r-m in a o e n sa io cor-m ob se rva çõe s d e r-m é tod o e fixa n d o os lir-m ite s d e su a e m p re ita d a . Diz e le q u e n ã o e sta va p rop on d o u m m od e lo: o tra b a lh o e ra in d ica tivo e e sta va in com p le to; o q u e visa va e ra a form u la çã o d e q u e s-tõe s p a ra h istoria d ore s e e tn óg ra fos, a ssim com o a su g e stã o d e ob je tos d e p e sq u isa ; n ã o p re te n d ia n e m re solve r u m p rob le m a , n e m forn e ce r u m a re sp osta d e fin itiva . Q u is e le , n o e n ta n to, d e sta ca r, n a q u e le fin a l, o p rin cí-p io d e m é tod o q u e u sa ra cí-p a ra a b ord a r os cí-p rob le m a s. Lid ou , re ssa lta , com “ fa tos socia is tota is” , isto é , com fa tos q u e coloca m e m m a rch a , e m a l-g u n s ca sos, a tota lid a d e d a socie d a d e e d e su a s in stitu içõe s (p otlatch , clã s q u e se a fron ta m , trib os q u e se visita m ) e , e m ou tros, som e n te u m g ra n d e n ú m e ro d e in stitu içõe s, q u a n d o a s troca s e os con tra tos d ize m re sp e ito a os in d ivíd u os (:274). O s fe n ôm e n os, p rosse g u e e le , sã o a o m e sm o te m p o ju ríd icos, e con ôm icos, re lig iosos, e sté ticos e m orfológ icos. M a is d o q u e te m a s, e le m e n tos d e in stitu içõe s, com o re lig iã o, e con om ia , d ire ito e tc., sã o “ tod os” , siste m a s socia is in te iros, cu jo fu n cion a m e n to te n tou d e scre -ve r, e m se u e sta d o d in â m ico, e n ã o com o se e sti-ve sse m p e trifica d os, a se re m d e com p ostos e d isse ca d os e m re g ra s.

Um capít ulo em uma obra

(11)

Em 1926, e m Lon d re s, M a lin ow sk i p u b lica o livro q u e a n u n cia ra a M a u ss, Crim e an d Cu stom in S av ag e S ocie ty (1970[1926]), cu jo te m a é o d ire ito e a ord e m n a s socie d a d e s d ita s p rim itiva s. O p rob le m a , com o o con strói, é sa b e r p or q u e o p rim itivo ob e d e ce a re g ra s d e con d u ta m u ita s ve ze s d u ra s e d e sa g ra d á ve is, p or q u e a vid a p riva d a , a coop e ra çã o e co-n ôm ica e os a coco-n te cim e co-n tos p ú b licos d e se co-n rola m -se a coco-n te co-n to, e m su m a , e m q u e con siste m a s força s d o d ire ito e d a ord e m (:9). Su a p re ocu p a çã o p a re ce in scre ve r-se n a m e sm a ord e m d e q u e stõe s form u la d a s p or M a u ss, q u e se p e rg u n ta va , n a a b e rtu ra d o ED, p e la re g ra d e d ire ito q u e e xp lica -va u m a d e te rm in a d a con d u ta (a re trib u içã o d o p re se n te ). M a s M a lin ow s-k i n ã o e sta va se d irig in d o a o cole g a fra n cê s, cu jo te xto p rova ve lm e n te d e scon h e cia p or oca siã o d a re d a çã o d o livro, m a s sim a in te rlocu tore s com o E. Sid n e y H a rtla n d , Rive rs e Low ie , n os q u a is critica va o fa to d e n ã o te re m p e rce b id o q u e a ob e d iê n cia a re g ra s n a d a te m d e e sp on tâ n e o. Tod o se u e sforço se rá d irig id o n o se n tid o d e m ostra r q u e a s n orm a s d e con d u ta im p õe m ob rig a çõe s e n tre os in d ivíd u os e d e coloca r e m e vid ê n -cia o q u e g a ra n te o cu m p rim e n to d e sta s ob rig a çõe s n a a u sê n -cia d e u m a p a re lh o d e coe rçã o. Ap oia n d o-se n o m a te ria l e tn og rá fico cole ta d o n a s Ilh a s Trob ria n d e sa s, e le d e sta ca q u e a s re la çõe s d e d e p e n d ê n cia , com o a q u e la s q u e vin cu la m os h a b ita n te s d a costa a os d o in te rior, sã o, p or si só, u m a g a ra n tia p a ra q u e se d e sin cu m b a m d a s ob rig a çõe s d e troca r p ro-d u tos. E é com o ro-d e p e n ro-d ê n cia q u e M a lin ow sk i con ce b e a n oçã o ro-d e re cip rocid a d e . In te re ssa d os a in d a n o cip re stíg io a u fe rid o cip or m e io d e con d u -ta s g e n e rosa s (p orq u e a li a g e n e rosid a d e é u m va lor), os trob ria n d e se s, a cre sce n ta o a u tor, cu m p re m su a s ob rig a çõe s m ovid os ta m b é m p or a m b i-çõe s p e ssoa is, d e n tre e la s, a va id a d e .

(12)

for-m a s d e cofor-m é rcio. Ficou , n o e n ta n to, d e ve n d o a M a u ss a e xp licita çã o d a sa n çã o a os q u e fa lh a va m n o k u la (:184-185).

A p rim e ira crítica a o ED q u e log re i loca liza r d a ta d e 1929. Ela fig u ra e m u m ca p ítu lo d o livro d e Ra ym on d Firth (1959[1929]) sob re e con om ia d os m a ori, su a te se d e d ou tora d o orie n ta d a p or M a lin ow sk i e e la b ora d a a p a rtir d e d ocu m e n tos, p ois n ã o h a via fe ito ca m p o n a Polin é sia6. N o ca p ítu lo 12, “ A Troca d e Pre se n te s” (:393432), o a u tor q u e stion a a in te rp re ta çã o d e M a u ss a re sp e ito d o h au , in te rp on d o o a rg u m e n to d e q u e o con -ce ito m a ori n ã o d e sig n a ria o e sp írito d o d oa d or, m a s o d o b e m d oa d o (:421); e a firm a q u e a sa n çã o m á g ica , d e sta ca d a n o te xto d e 1924-25, n ã o é a ú n ica q u e g a ra n te a re trib u içã o d o p re se n te , p ois h á ta m b é m o m e d o d e p e rd e r fu tu ra s op ortu n id a d e s d e troca e a p róp ria re p u ta çã o, sa n çõe s q u e M a u ss h a via a ssin a la d o p a ra ou tra s p rovín cia s e tn og rá fica s, m a s n ã o p a ra os m a ori (:421). É p rová ve l q u e , n o q u e se re fe re a e sta se g u n d a p on d e ra çã o, Firth te n h a sid o e stim u la d o p e lo orie n ta d or a se va le r d o m a te ria l m a ori p a ra a p on ta r u m a fra g ilid a d e d o ED n o q u e d iz re sp e ito à s sa n -çõe s a o n ã o cu m p rim e n to d a s ob rig a -çõe s. Pa ra ju stifica r a a te n çã o q u e d isp e n sa à crítica d a in te rp re ta çã o d os fa tos d a Polin é sia , Firth a ca b a , n o e n ta n to, in corre n d o e m a lg u m a s im p rop rie d a d e s: su p e re stim a a im p or-tâ n cia d a s e vid ê n cia s m a oris (:418) n o p la n o d o e n sa io, e a in d a a sse g u ra se re m e sta s ce n tra is p a ra a “ te oria g e ra l” d a re cip rocid a d e d o ED. O ra , com o foi visto, M a u ss e m n e n h u m m om e n to a firm a e sta r e la b ora n d o u m a ta l te oria . A ú n ica q u e m e n cion a é a “ te oria com p le ta d e sta s trê s ob ri-g a çõe s” (d a r, re ce b e r e re trib u ir) e te m a p re ca u çã o d e d e ixa r cla ro q u e n a q u e le m om e n to só p od e ria forn e ce r in d ica çõe s (M a u ss 1991[1923-24]: 161). Por ou tro la d o, o vocá b u lo re cip rocid a d e se q u e r fa z p a rte d o lé xico d o a rtig o d o A n n é e S ociolog iq u e : h á re fe rê n cia a p e n a s a d on s re cíp ro-cos, o q u e n ã o corre sp on d e a o con ce ito d e re cip rocid a d e .

(13)

se n tid o d e a cre sce n ta r a con ce p çõe s a n te riore s, “ corre ta s m a s p a rcia is” , a q u e la d e u m a e stru tu ra d e “ re p a rtiçã o d e d ire itos e d e ve re s e n tre g ru -p os” . Ach a va e le a in d a q u e os -p rob le m a s, com o os e xa m in ou , su -p e ra va m e d e sloca va m m a n e ira s d e form u la r a s q u e stõe s e p e rm itia m “ a n te ve r solu çõe s p a ra q u e stõe s g e ra is e m e sm o m ora is” (:216-217). O te xto d e 1924-25 n ã o ocu p a va , p a ra M a u ss, o lu g a r ce n tra l q u e vie ra m d e p ois a lh e a trib u ir os a n trop ólog os.

Rumo à reciprocidade

N os a n os 30 e 40, o ED e ou tros tra b a lh os d e M a rce l M a u ss, e scritos e m cola b ora çã o com H u b e rt, sob re re lig iã o e m a g ia , circu la va m e e ra m d iscu tid os n a In g la te rra e n os Esta d os Un id os, q u e a b rig a va m e n tã o os p rin -cip a is ce n tros d e e n sin o e p e sq u isa e m a n trop olog ia .

N a Lon d on Sch ool of Econ om ics, on d e M a lin ow sk i e m p re e n d e ra a con solid a çã o d a a n trop olog ia socia l com o d iscip lin a , ta n to e le q u a n to Firth (e n tã o in corp ora d o a o staff), b e m com o M e ye r Forte s e M a rg a re t Re a d , in clu ía m h a b itu a lm e n te te xtos d a q u e le s a u tore s e m cu rsos n a s á re a s d e te oria g e ra l e re lig iã o e e con om ia p rim itiva8. H u b e rt e M a u ss fig u ra va m ta m b é m n a lista d os m a is lid os n os se m in á rios d e M a lin ow sk i, com o o a te sta ria Ra ym on d Firth (1975:2), o p rin cip a l cola b ora d or d o fu n -d a -d or -d a a n trop olog ia socia l b ritâ n ica e , n a -d é ca -d a -d e 40, se u su ce ssor. N a Un ive rsid a d e d e C h ica g o, a rtig os d e M a u ss e Form as Ele m e n tare s d a V id a Re lig iosa, d e Du rk h e im , e ra m le itu ra ob rig a tória d os e stu d a n te s, com o con fid e n cia va a M a u ss se u e x-a lu n o M é tra u x, q u e lá e stive ra , e m ca rta d a ta d a d e 1938 (Fou rn ie r 1994:634-635). Um a n o a n te s, ta m b é m e m ca rta , con ta va -lh e e n tu sia sm a d o q u e su a in flu ê n cia ta lve z fosse m a ior n os Esta d os Un id os d o q u e n a Fra n ça .

(14)

a p re se n ta d o com o u m ca so e xe m p la r d e re a liza çã o d a m e tod olog ia d u r-k h e im e a n a . N e le , M a u ss e xp lora va fa tos típ icos e b e m d ocu m e n ta d os e m ve z d e d e e ste n d e r a com p a ra çã o va le n d o-se d e fa tos d isp e rsos e isola d os. Low ie re té m d o tra b a lh o a s a n á lise s d e M a u ss a re sp e ito d o ca rá -te r ob rig a tório d o d a r e re ce b e r, o con ce ito d e p re sta çõe s tota is p a ra d e s-cre ve r a s troca s e n tre g ru p os e a s form a s com o a s troca s se d ã o n a Poli-n é sia , M e la Poli-n é sia e N oroe ste a m e rica Poli-n o. EPoli-n ce rra a su a b re ve re fe rê Poli-n cia a o te xto, e le va n d o M a u ss à con d içã o d e u m m a iore s e sp e cia lista s e m e con om ia p rim itiva , com o M a lin ow sk i e Th u rn w a ld , e d e sta ca n d o a con -clu sã o m e tod ológ ica d o ED, n ota d a m e n te a q u e la q u e d iz re sp e ito a os a sp e ctos socia is, re lig iosos e e sté ticos d os fa tos e con ôm icos. Em b ora ta l im b rica çã o já h ou ve sse sid o d e sta ca d a p or ou tros, Low ie via n o te xto d e M a u ss u m a d e m on stra çã o vig orosa a p a rtir d e e xe m p los con cre tos e a ta l virtu d e a trib u ía o fa to d e sta “ p re ciosa con trib u içã o” te r re ce b id o u m a a colh id a m a is fa vorá ve l d o q u e a m a ioria d os tra b a lh os d a “ e scola ” d e Du rk h e im .

(15)

a sp e ctos le g a is d a sim e tria , ta m p ou co su a s fu n çõe s d e sa lva g u a rd a d a con tin u id a d e d e se rviços m ú tu os (M a lin ow sk i 1970[1926]:24).

A “obra-prima” de um prof et a

N a se g u n d a m e ta d e d a d é ca d a d e 40, o ED h a ve ria d e se r d e sta ca d o com o u m a d e scob e rta d a “ id é ia fu n d a m e n ta l d a re cip rocid a d e ” , n o b a la n -ço q u e o e tn ólog o C la u d e Lé vi-Stra u ss fe z e n tã o d a sociolog ia fra n ce sa n o sé cu lo XX (1965[1946]:20).

N o fin a l d a d é ca d a , q u a n d o M a rce l M a u ss já se e n con tra va d oe n te e a fa sta d o d a s a tivid a d e s in te le ctu a is9, se u ED foi in voca d o p e lo m e sm o a u tor, com o u m tra b a lh o “ a d m irá ve l” , “ clá ssico” e fon te d e in sp ira çã o p a ra a e xp lica çã o d a s troca s m a trim on ia is p or m e io d o q u e e le d e n om i-n a va d e “ p rii-n cíp io d e re cip rocid a d e ” . Esta re fe rê i-n cia e stá ii-n scrita i-n o livro Le s S tru ctu re s Elé m e n taire s d e la Pare n té (1967[1949]:61), orig in a l-m e n te a te se d e d ou tora d o d e Lé vStra u ss, e la b ora d a a p a rtir d e p e sq u isa e m b ib liote ca s n orte a m e rica n a s e d e fe n d id a e m 1948 e m Pa ris. O tra -b a lh o tin h a a a m -b içã o d e form u la r u m a te oria g e ra l d os siste m a s d e p a re n te sco e a d ota va com o m é tod o, se g u n d o o a u tor, u m a e sp é cie d e com b in a çã o d o p roce d im e n to d e e xa m in a r e xe m p los e xtra íd os d e d ife -re n te s con te xtos, com o o h a via fe ito Fra ze r, com o d e se lim ita r a o e stu d o d os fa tos n o se u p róp rio con te xto, a o e stilo d e Du rk h e im . Ta m b é m q u a n -to a e sta e scolh a m e -tod ológ ica , o a u -tor re ivin d ica va u m a in sp ira çã o m a u sse a n a (:XI-XII).

Lé vi-Stra u ss in icia o ca p ítu lo V, “ O Prin cíp io d e Re cip rocid a d e ” , com o q u e se ria m a s con clu sõe s d o ED:

“ […] a troca se a p re se n ta , n a s socie d a d e s p rim itiva s, m e n os sob a form a d e

tra n sa çõe s q u e d e d on s re cíp rocos; […] os d on s re cíp rocos ocu p a m u m lu g a r

m u ito m a is im p orta n te n e ssa s socie d a d e s d o q u e n a s n ossa s; […] e sta form a

p rim itiva d e troca s n ã o te m a p e n a s, e n e m e sse n cia lm e n te , u m ca rá te r e

co-n ôm ico, m a s coloca -co-n os d ia co-n te d o q u e e le [M a u ss] co-n u m a fe liz e xp re ssã o

d e n om in a ‘u m fa to socia l tota l’” (1967[1949]:61).

(16)

m e sm o com p le xo fu n d a m e n ta l d a cu ltu ra . M a is a d ia n te , n o ca p ítu lo VII, d e se n volve a te oria d e q u e a orig e m d e sse s fe n ôm e n os, a ssim com o d a p roib içã o d o in ce sto, d a s re g ra s d e e xog a m ia e d a s org a n iza çõe s d u a lis-ta s, re sid iria n a s “ e stru tu ra s fu n d a m e n lis-ta is d o e sp írito h u m a n o” , cu ja u n i-ve rsa lid a d e re ivin d ica . Ta is e stru tu ra s se ria m a e xig ê n cia d a re g ra com o re g ra , a n oçã o d e re cip rocid a d e e o ca rá te r sin té tico d o d om (:98).

M a u ss m orre e m 1950. Pa ra h om e n a g e á -lo, o sociólog o fra n cê s G e or-g e s G u rvitch oror-g a n iza u m a cole tâ n e a d e te xtos se u s, n a q u a l fior-g u ra va o ED, e con vid a Lé viStra u ss p a ra e scre ve r a in trod u çã o. Esta e ra a se g u n -d a ve z q u e lh e con fia va u m tra b a lh o: o p rim e iro h a via si-d o o ca p ítu lo re fe re n te à sociolog ia fra n ce sa , n o volu m e d e d ica d o à sociolog ia n o sé cu -lo XX (G u rvitch e M oore 1965[1946]). O s d ois con h e cia m -se d e sd e N ova Iorq u e . Lá h a via m se re fu g ia d o d u ra n te a Se g u n d a G u e rra M u n d ia l e a tu a d o com o p rofe ssore s d a Escola Livre d e Altos Estu d os (Lé vi-Stra u ss e Erib on 1988:102). Em 1950, a m b os re ivin d ica va m a h e ra n ça m a u sse a n a e e sta va m e m p e n h a d os e m re a b ilita r, via M a u ss, a Escola Sociólog ica fra n ce sa n o a m b ie n te h ostil a o d u rk h e im e a n ism o d o p ósg u e rra n a Fra n -ça10. Em vid a , M a u ss n ã o h a via p u b lica d o n e n h u m livro e se u s tra b a lh os e n con tra va m -se d isp e rsos e m p e riód icos, n ota d a m e n te n o A n n é e S ocio-log iq u e . A cole tâ n e a in scre via -se e m u m p roje to d e e d ita r su a s ob ra s com p le ta s11.

Lé vi-Stra u ss in icia a “ In trod u çã o” a S ociolog ie e t A n th rop olog ie (Lé viStra u ss 1991[1950]) com u m e log io a M a u ss: d iz q u e p ou cos p e n sa d ore s tive ra m ta m a n h a re p e rcu ssã o n a Fra n ça e re fe re se a os “ e cos d u rá -ve is” q u e su a ob ra te ria a lca n ça d o n o e xte rior, ju n to a fig u ra s com o M a li-n ow sk i, Ra d cliffe -Brow li-n , Firth , Eva li-n s-Pritch a rd , li-n a Ili-n g la te rra , e Re d fie ld , H e rsk ow itz e Lloyd Wa rn e r, n os Esta d os Un id os. N a Fra n ça , su a in flu ê n -cia h a via se p rod u zid o m a is p e la via d o con ta to re g u la r ou oca sion a l com cole g a s e d iscíp u los, e , fora d e la , a tra vé s d o “ a ca so d e u m e n con tro ou u m a le itu ra ” (:IX) d o q u e d ire ta m e n te p or se u s e scritos. Isto p osto, Lé vi-Stra u ss in stitu i o con ta to p e ssoa l com o crité rio p a ra le g itim a r a p re te n sã o a in té rp re te a u toriza d o: só os q u e o con h e ce ra m e o e scu ta ra m — e im p li-cita m e n te e le se con sid e ra u m d e le s12— e stã o e m con d içõe s d e a va lia r a fe cu n d id a d e d a ob ra e d e la fa ze r u m b a la n ço. Em se g u id a d á in ício a se u s com e n tá rios.

(17)

p a çã o d e coloca r e m e vid ê n cia o q u e lh e p a re ce con stitu ir o ca rá te r p re -cu rsor d os e scritos d e M a u ss, d e sd e a s p rim e ira s p á g in a s a p re se n ta d o com o u m a e sp é cie d e p rofe ta , q u e te ria se a n te cip a d o a u m a sé rie d e d e se n volvim e n tos u lte riore s d a a n trop olog ia .

De n tre o con ju n to d e se is te xtos re u n id os n a p rim e ira e d içã o d e S ociolog ie e t A n th rop olog ie13, Lé vi-Stra u ss d e té m -se m a is lon g a m e n te n o ED: d e d ica lh e 16 d a s 43 p á g in a s d a “ In trod u çã o” . O tra b a lh o é a p re -se n ta d o com o u m te xto “ ca p ita l” , o “ m a is ju sta m e n te cé le b re , a q u e le cu ja in flu ê n cia foi m a is p rofu n d a ” (:XXIV), u m a con te cim e n to d e cisivo d a “ e volu çã o cie n tífica ” (:XXXIII), u m a “ ob ra -p rim a ” . Ta n ta s h on ra ria s o ED, e m su a sa g a d e sd e os a n os 20, ja m a is h a via re ce b id o. Lé vi-Stra u ss va loriza va p a rticu la rm e n te e ste tra b a lh o d e M a u ss, com o lh e con fe ssa ra e m lon g a ca rta d a ta d a d e ou tu b ro d e 1944 e e scrita e m N ova Iorq u e : o a rtig o d e 1923-24 e ra su a fon te d e in sp ira çã o e p on to d e p a rtid a p a ra a s a n á lise s sob re a s troca s m a trim on ia is (Fou rn ie r 1994:735). Afin a l, e ra e sse o te xto d o m e stre q u e m a is se p re sta va a o e sta b e le cim e n to d e u m a con e -xã o com o ru m o q u e d a va à s su a s in ve stig a çõe s.

A n oçã o d e “ fa to socia l tota l” é o p rim e iro “ a sp e cto” q u e Lé vi-Stra u ss d e sta ca d o a rtig o. A p a rtir d e a lg u m a s p ou ca s cita çõe s d o te xto, in clu íd a s se m re fe rê n cia n e m à s p á g in a s, n e m a o con te xto, e le a p re se n ta su a ve rsã o d o “ fa to socia l tota l” , com o se e stive sse a p e n a s e xp on d o o p e n sa m e n to d e M a u ss e a p on ta n d o su a s im p lica çõe s. N ã o se tra ta a q u i d e con fron ta r a re p re se n ta çã o lé vi-stra u sse a n a d o “ fa to socia l tota l” com o u so q u e fa z M a u ss d a n oçã o n o corp o d e se u a rtig o, m a s tã o-som e n te d e sta ca r q u e é g ra ça s à a u sê n cia d e cita çõe s, q u e Lé viStra u ss log ra e sta -b e le ce r a fin id a d e s e n tre o q u e se ria o “ fa to socia l tota l” e con ce itos ou p rob le m a s com os q u a is vin h a tra b a lh a n d o, n ota d a m e n te os d e siste m a , in con scie n te e a op osiçã o ob se rva d orob se rva d o. O q u e e m M a u ss a p a -re cia com o u m -re cu rso d e m é tod o (tra ta r com o “ fa tos socia is tota is” ) e se m p re n o p lu ra l, e m Lé vi-Stra u ss torn a -se u m con ce ito a d e sig n a r u m a tota lid a d e , n o sin g u la r.

(18)

q u e se re fe re à lin g ü ística e stru tu ra l; su a re le vâ n cia se ria e q u iva le n te à d a d e scob e rta d a fon olog ia p a ra a lin g ü ística ; o te xto te ria , e n fim , in a u -g u ra d o u m a “ n ova e ra p a ra a s ciê n cia s socia is” (:XXXV), e su a im p or-tâ n cia se ria com p a rá ve l à q u e la d a d e scob e rta d a a n á lise com b in a tória p a ra a m a te m á tica m od e rn a . M a s, p a ra a “ in fe licid a d e ” d a e tn olog ia (:XXXV), M a u ss n ã o e xp lorou su a p róp ria d e scob e rta . Su a in tu içã o, n o e n ta n to, e sta va ce rta , a sse ve ra Lé vi-Stra u ss. C om o p rova a p re se n ta ou tra d e scob e rta , m a is re ce n te n o d om ín io d o p a re n te sco, d e “ re g ra s p re cisa s, se g u n d o a s q u a is se form a m , e m q u a lq u e r tip o d e socie d a d e , ciclos d e re cip rocid a d e cu ja s le is m e câ n ica s sã o con h e cid a s, p e rm itin d o a ssim o e m p re g o d o ra ciocín io d e d u tivo n u m d om ín io q u e p a re cia su b m e tid o a o a rb itrá rio” (:XXXVI). N ã o h á u m a a u tocita çã o, m a s n ã o é d ifícil re con h e -ce r n e ssa p a ssa g e m a te oria d e se n volvid a p e lo a u tor e m 1949. Assim , a ju ste za d a re fle xã o d e M a u ss e sta ria n o d e se n volvim e n to q u e e le , o com e n ta d or, te ria d a d o a o se u a ch a d o.

(19)

Em b ora n ã o e ste ja e m jog o a q u i fa ze r u m a e xe g e se d o te xto — ta re -fa p a ra filósofos e h e rm e n e u ta s —, n ã o se p od e con clu ir q u e M a u ss a í e stive sse re solve n d o o p rob le m a te órico form u la d o p or Lé vi-Stra u ss. Ele e stá a p e n a s a p re se n ta n d o u m a con ce p çã o n a tiva e re la cion a n d o-a com ou tra s con ce p çõe s n a tiva s e com a q u e la s e n con tra d a s n os d ire itos a n ti-g os. Prosse ti-g u in d o com o ra ciocín io d o com e n ta d or: d iz e le q u e , com o a virtu d e d a coisa n ã o e stá n a coisa , m a s é con ce b id a su b je tiva m e n te , ou b e m e sta virtu d e n ã o é ou tra coisa se n ã o o p róp rio a to d a troca , ou b e m e la é d e u m a n a tu re za d ife re n te e , e m re la çã o a e la , o a to d a troca se tor-n a u m fe tor-n ôm e tor-n o se cu tor-n d á rio. O ú tor-n ico m od o d e e sca p a r a o “ p rob le m a ” te ria sid o p e rce b e r q u e é a troca q u e con stitu i o p rob le m a p rim itivo e n ã o a s op e ra çõe s d iscre ta s n a s q u a is a vid a socia l se d e com p õe . M a u ss te ria p rocu ra d o re stitu ir o tod o com su a s p a rte s, m a s com o isto se ria im p ossí-ve l, te ria e n tã o a cre sce n ta d o u m a q u a n tid a d e su p le m e n ta r. Esta q u a n ti-d a ti-d e se ria o h au , o e sp írito ti-d a coisa , u m a con ce p çã o ti-d os sá b ios m a oris:

“ N ã o e sta ría m os a q u i d ia n te d e u m d e sse s ca sos (q u e n ã o sã o a ssim tã o

ra ros) n o q u a l o e tn ólog o se d e ixa m istifica r p e lo n a tivo? [...] O h au n ã o é a

ra zã o ú ltim a d a troca : é a form a con scie n te sob a q u a l os h om e n s d e u m a

d e te rm in a d a socie d a d e , e m q u e o p rob le m a tin h a p a rticu la r im p ortâ n cia ,

con ce b e ra m u m a n e ce ssid a d e in con scie n te , cu ja ra zã o d e se r e stá e m ou tro

lu g a r” (Lé vi-Stra u ss 1967[1949]:XXXVIII-XXXIX).

Ta m b é m a q u i n ã o h á n e n h u m a cita çã o d o ED, n e m m e n çã o a o con -te xto n o q u a l M a u ss se re fe re a o h au e a os ju rista s m a oris, tra ta d os p or Lé vi-Stra u ss com o “ sá b ios” . G ra ça s a e sta e stra té g ia a rg u m e n ta tiva , o h au , q u e a p a re cia e m M a u ss com o u m a n oçã o ce n tra l d o d ire ito m a ori torn a -se , com Lé vi-Stra u ss, a e xp lica çã o d a troca . Foi e ste “ e q u ívoco” q u e im p e d iu q u e M a u ss ch e g a sse à te rra p rom e tid a , ta l q u a l ocorre u com M oisé s. N o ca so, a te rra p rom e tid a se ria a p e rce p çã o d e q u e a re a lid a d e su b ja ce n te à troca só p od e se r e n con tra d a n a s e stru tu ra s m e n ta is in con s-cie n te s, q u e p od e m se r a tin g id a s p or m e io d a s in stitu içõe s e , sob re tu d o, d a lín g u a (:XXXIX).

A mais-valia simbólica

(20)

ca rre ira u n ive rsitá ria . Até e n tã o, n a Fra n ça , só tin h a sid o p rofe ssor d o e n sin o se cu n d á rio. Ele h a via se in icia d o n o m a g isté rio su p e rior d u ra n te su a e sta d a n o Bra sil (1935-38), n a e n tã o re cé m -cria d a Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u lo, e , d u ra n te a g u e rra , volta d o a le cion a r n os Esta d os Un id os. Ain d a q u a n d o lá e sta va n ã o lh e fa lta ra m con vite s p a ra tra b a lh a r e m p re s-tig iosa s u n ive rsid a d e s n orte -a m e rica n a s: re cu sou tod os p orq u e a m b icio-n a va e xe rce r a p rofissã o icio-n a Fra icio-n ça (C oh e icio-n -Sola l 1999:25). Pa ra u m ou tsi-d e r a u totsi-d itsi-d a ta , q u e vin h a tsi-d a filosofia , n ã o tin h a e stu tsi-d a tsi-d o e tn olog ia e , a p e sa r d o ca m p o fe ito n o Bra sil14, e ra visto com o u m a n trop ólog o d e g a b i-n e te , com o o ca ra cte riza H é ritie r (1999:63), h a via tod o u m ca m ii-n h o a p e r-corre r p a ra in se rir-se n o e stab lish m e n t cie n tífico fra n cê s.

M a u ss, o g ra n d e n om e d a e tn olog ia fra n ce sa , p od e ria , se m d ú vid a , torn a r-se u m a p oio d e cisivo p a ra o in icia n te n a d iscip lin a . Em 1944, Lé vi-Stra u ss lh e e scre ve a p re se n ta n d o-se com o fie l d iscíp u lo e p e d in d o-lh e q u e a ce ite se r re la tor d e su a te se d e d ou tora m e n to (Fou rn ie r 1994:756 e 765). Em se u s e scritos d e 46 e d e 49, Lé vi-Stra u ss h om e n a g e ia M a u ss e n ã o lh e fa z n e n h u m a crítica . Pa ra le la m e n te , in ve ste ta m b é m e m ou tra d ire çã o: e m p e n h a se , a p a rtir d e N ova Iorq u e , e m fa cilita r a s n e g ocia -çõe s e n tre a u torid a d e s fra n ce sa s e a Fu n d a çã o Rock fe lle r com vista s à lib e ra çã o d e re cu rsos p a ra o d e se n volvim e n to d a s ciê n cia s socia is n a Fra n ça (C oh e n -Sola l 1999:21-23).

De volta a Pa ris, Lé vi-Stra u ss p e d e a G e org e s Da vy, cola b ora d or d o m e stre e e n tã o titu la r d a cá te d ra d e Sociolog ia n a Sorb on n e15, q u e se tor-n e se u orie tor-n ta d or, p a ra q u e p ossa d e fe tor-n d e r a te se q u e fize ra tor-n os Esta d os Un id os (Lé vi-Stra u ss e Erib on 1988:76). Em 1948, é n om e a d o m aître d e re ch e rch e ju n to a o C e n tre N a tion a l d e la Re ch e rch e Scie n tifiq u e (C N RS), “ u m p osto d e e sp e ra ” (:80), e , e m se g u id a , su b d ire tor d o M u sé e d e l’H om m e . N o a n o se g u in te , a p oia d o p e lo h istoria d or Lu cie n Fe b vre , q u e con h e ce ra e m 1935 q u a n d o e stive ra e m m issã o n a Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u lo, p a ssa a d a r se m in á rios n a Ecole Pra tiq u e d e s H a u te s Etu d e s (V se çã o). C a n d id a ta -se a o p re stig ioso C ollè g e d e Fra n ce , m a s n ã o é a ce ito. Em 1950 a p re se n ta se n ova m e n te e volta a te r su a ca n d id a tu ra re cu sa -d a16. G ra ça s a G e org e s Du m é zil, ou tro cola b ora d or d e M a u ss, con se g u e se r in d ica d o Dire tor d e Estu d os d a Ecole Pra tiq u e d e s H a u te s Etu d e s, p a ra a V se çã o, a d e “ C iê n cia s Re lig iosa s” e a ssu m e a cá te d ra “ Re lig iõe s d os Povos N ã o C iviliza d os” , q u e M a u ss ocu p a ra e n tre 1901 e 1940.

(21)

a o ED. Tra ta va -se , n o e n ta n to, d e u m a a ssocia çã o m a is re tórica d o q u e d e fu n d o. J á e m Le s S tru ctu re s Ele m e n taire s d e la Pare n té fica cla ro q u e se u p on to d e vista e ra d istin to, ta n to n o q u e se re fe re a o m é tod o — o va le r-se d e e xe m p los se m con sid e ra r o con te xto e tn og rá fico —, q u a n to n o tra ta m e n to d a d o à s troca s: u m a m a n ife sta çã o d e re g ra s d o in con scie n te , d o p rin cíp io d e re cip rocid a d e . M a s, se se r visto com o o su ce ssor a b riu -lh e a s p orta s d o m u n d o u n ive rsitá rio fra n cê s, con form a r-se com o p a p e l d e re p rod u tor d o ca p ita l h e rd a d o p od e ria b a rra rlh e u m fu tu ro m a is p roe -m in e n te , o q u a l ce rta -m e n te a -m b icion a va , co-m o o a te sta -m a s d u a s ca n d i-d a tu ra s a u m a in stitu içã o i-d e con sa g ra çã o com o o C ollè g e i-d e Fra n ce e o fa to d e q u e a p ós a se g u n d a d e rrota e xp e rim e n tou o se n tim e n to d e q u e su a ca rre ira e sta va liq u id a d a17. É p ossíve l su p or q u e te n h a , e n tã o, se d a d o con ta d e q u e , p a ra a sce n d e r n a h ie ra rq u ia d e p re stíg io, tive sse d e a g re g a r a o ca p ita l h e rd a d o u m a e sp é cie d e m a isva lia sim b ólica . É n e ste con -te xto q u e se p od e e n -te n d e r o tra ta m e n to q u e d á à ob ra d o m e stre n a “ In trod u çã o” , p a rticu la rm e n te a o ED. Lé viStra u ss con sa g ra o te xto, con -fe rin d o-lh e u m va lor q u e a té e n tã o n ã o lh e tin h a sid o a trib u íd o, p a ra e m se g u id a a p on ta r o “ e rro” q u e lh e p e rm itia fa ze r a va n ça r su a p róp ria te o-ria e a u m e n ta r o se u p róp rio va lor18.

(22)

p a ís e d u ra n te tod a a vid a cu ltivou a re p re se n ta çã o d e si m e sm o com o u m “ h e ré tico” . Se a e stra té g ia d e con fron to d e Le a ch n ã o lh e b a rrou a a sce n sã o n a ca rre ira , ta l se d e ve , e m g ra n d e p a rte , a o m od o d e fu n cion a -m e n to d o e stab lish -m e n t cie n tífico d a In g la te rra , o q u a l ce rta -m e n te é d is-tin to d o fra n cê s20. Sob re e le n ã o se a b a te ra m a s m e sm a s coe rçõe s q u e le va ra m Lé viStra u ss a se a p re se n ta r com o h e rd e iro d e M a u ss p a ra con -se g u ir -se torn a r u m “ n om e ” n a Fra n ça .

A dif usão da dóxa

A crítica d e Lé vi-Stra u ss a M a u ss n ã o p rod u ziu e fe itos im e d ia tos. Sa lvo p e los com e n tá rios d e filófosos com o C la u d e Le fort (1951) e M e rle a u -Pon ty (1960), n ã o se ria e xa g e ro d ize r q u e p e rm a n e ce u ig n ora d a p or a lg u m te m p o.

N o volu m e d o A n n é e S ociolog iq u e d e 1951, H e n ry Lé vyBru h l e scre -ve o In M e m oriam a M a rce l M a u ss, cita a p u b lica çã o d o S ociolog ie e t A n th rop olog ie , m a s n ã o o te xto d e Lé vi-Stra u ss. O ED é , e n tã o, m e n cio-n a d o, d e cio-n tre ou tros te xtos “ cé le b re s” d o a u tor, com o u m tra b a lh o “ a d m i-rá ve l” , q u e h a via a b e rto im p orta n te s p e rsp e ctiva s sob re a g ê n e se d o d ire ito e d a e con om ia p olítica (Lé vy-Bru h l 1951:3-4). N o m e sm o volu m e sã o p u b lica d os d ois te xtos re fe rid os a M a u ss e a o ED. Um é d a a u toria d e Em ile Be n ve n iste , q u e d e sta ca , log o n a a b e rtu ra , q u e o g ra n d e m é rito d e M a u ss e m se u e stu d o sob re o d om foi te r d e m on stra d o a re la çã o fu n cion a l e cion tre o d om e a troca , e d e ficion id o, p or m e io d e sta re la çã o, u m cocion ju cion -to d e fe n ôm e n os re lig iosos, e con ôm icos e p olíticos d a s socie d a d e s a rca ica s (Be ve n iste 1951:7). Ao lon g o d o te xto o lin g ü ista se g u e a p ista forn e -cid a p or M a u ss e p rocu ra e xp lora r n o voca b u lá rio d a s lín g u a s in d o-e u ro-p é ia s e le m e n tos q u e ilu m in e m a ro-p ré -h istória d a s n oçõe s d e d om e troca (:8). O se g u n d o te xto, d e Lou is G e rn e t, é d e d ica d o a o e stu d o d os d ire itos m e d ite rrâ n e os d a An tig u id a d e , n ota d a m e n te d a s socie d a d e s h e le n ista s. Ta m b é m a í tra ta se d e le va r a d ia n te p ista s d o ED e e xa m in a r re p re se n ta çõe s re lig iosa s e com p orta m e n tos n os q u a is se ja p ossíve l b u sca r os a n te -ce d e n te s d e u m p e n sa m e n to ju ríd ico (1982[1951]:11-12).

(23)

p rim e ira tra d u çã o in g le sa d o ED. A in trod u çã o d e Lé vi-Stra u ss a í fig u ra , a o la d o d o In M e m oriam d e H e n ry Lé vyBru h l, com o u m e xe m p lo d e a n á lise d a con trib u içã o d e M a u ss a o p e n sa m e n to sociológ ico n a Fra n ça . Ta m -b é m a q u i n e n h u m a p a la vra so-b re os e q u ívocos con tid os n o ED. Ain d a e m 1954, J . P. J oh a n se n p u b lica e m C op e n h a g e n u m livro sob re os m a o-ri. O ED é cita d o com o u m te xto q u e ofe re ce re fle xõe s fin a s e in d iscu tí-ve is a re sp e ito d a troca . O a u tor, n o e n ta n to, fa z d u a s re ssa lva s: a p rim e i-ra d iz re sp e ito à ti-ra d u çã o d e u m p rové rb io m a ori (1954:115; n ota 75) e a se g u n d a a o con ce ito d e h au , q u e , se g u n d o e le , a p re se n ta ria m u ito m a is d ificu ld a d e s d o q u e M a u ss h a via id e n tifica d o (:117119). N ã o h á re fe rê n cia a Lé viStra u ss. Ta m b é m n os a n os 50, Ed m u n d Le a ch (1955) fa z a re se n h a d a tra d u çã o d o ED p a ra o in g lê s. C om o a com p a n h a va d e p e rto o tra b a lh o d e Lé viStra u ss, é p ou co p rová ve l q u e d e scon h e ce sse a “ In trod u -çã o” . A e la , n o e n ta n to, n ã o se re fe re , a ssim com o ta m b é m n ã o o fa z Pa u l Boh a n n a n (1955) e m e stu d o sob re a troca . Em m e a d os d a d é ca d a d e 60, Ra ym on d Firth (1965[1939]) re e d ita ou tro livro se u sob re e con om ia p ri-m itiva , e ri-m q u e cori-m e n ta o ED: d e sta ca a con trib u içã o d e M a u ss p a ra o e stu d o d a n a tu re za vin cu la n te d a s ob rig a çõe s n a s troca s p rim itiva s, d a coe rçã o socia l p a ra a re trib u içã o d o p re se n te e d a riva lid a d e e n volvid a n a s tra n sa çõe s (:331-332). Em b ora re ve ja p a rcia lm e n te a e d içã o orig in a l e a cre sce n te u m p e q u e n o p re fá cio n ã o se re fe re a o h au , n e m à “ In trod u -çã o” d e 1950.

Em 1959, C la u d e Lé vi-Stra u ss é e le ito p a ra o C ollè g e d e Fra n ce e cria o La b ora toire d ’An th rop olog ie Socia le n a s d e p e n d ê n cia s d a q u e la in stitu içã o. A d a ta é u m m a rco d a ca rre ira q u e h a ve ria d e se re ve la r b ri-lh a n te n os a n os su b se q ü e n te s. De sd e e n tã o Lé vi-Stra u ss p u b licou u m a e xte n sa ob ra tid a con se n su a lm e n te com o im p orta n te p a ra a te oria a n tro-p ológ ica e se u e stru tu ra lism o te ve os a n os d e g lória n a s d é ca d a s d e 60 e 70. Ao q u e p a re ce (p e lo m e n os n ã o loca lize i), e le n ã o voltou a d iscu tir o ED n e m se u s su p ostos e q u ívocos. M a s, à m e d id a q u e se u p re stíg io cre s-cia , se u s e scritos fora m a d q u irin d o m an a. N e ste n ovo con te xto, su a in te r-p re ta çã o d o ED torn ou -se re fe rê n cia ob rig a tória e o in te re sse r-p e lo r-p ró-p rio tra b a lh o d e M a u ss a m ró-p liou -se d e form a n otá ve l.

Uma explicação geral: o hau

(24)

“ com o e xp lica çã o d a troca ” . In siste , n o e n ta n to, re tom a n d o os a rg u m e n -tos d e 29, d e q u e a M a u ss h a via e rra d o e m su a in te rp re ta çã o d o h au .

N o fin a l d a d é ca d a , Victor Ka ra d y e d ita p e la M in u it trê s volu m e s con te n d o te xtos d e M a rce l M a u ss. N a a p re se n ta çã o, cita a “ In trod u çã o” d e Lé vi-Stra u ss e o “ Pre fá cio” d e G u rvitch a S ociolog ie e t A n th rop olog ie (1968:III) e a ssin a la q u e a m b os h a via m con fe rid o a os tra b a lh os d e M a u ss u m a sig n ifica çã o q u e corre sp on d ia à s su a s re sp e ctiva s p re ocu p a çõe s, in te re ssa d os q u e e sta va m e m tra ça r e con firm a r u m a lin h a d e filia çã o. N ã o e xp lora , n o e n ta n to, o m od o com o isto foi fe ito, n e m se d e té m n a in te p re ta çã o a ce rca d os su p ostos e q u ívocos d e M a u ss.

Em 1970, M a rsh a ll Sa h lin s p u b lica u m a rtig o in titu la d o “ L’Esp rit d u Don ” , e m u m a cole tâ n e a e m h om e n a g e m a Lé vi-Stra u ss (Pou illon e M a ra n d a 1970). Ele in icia o te xto, q u e h a ve ria d e se r a m p lia d o e re p u b li-ca d o m a is ta rd e , com a se g u in te a firm a çã o “ o con ce ito ce n tra l d o ‘En sa io sob re o Dom ’ é a id é ia n a tiva m a ori d o h au ” (1974[1970]:149) e a cre sce n -ta a lg u m a s lin h a s m a is à fre n te : “ o h au m a ori é e rig id o n u m a e xp lica çã o g e ra l” (:150). O a u tor re fe re -se a Lé vi-Stra u ss com o u m d os críticos d a in te rp re ta çã o m a u sse a n a d o h au (os ou tros d ois se n d o Firth e J oh a n se n ) e cita a p a ssa g e m d o “ e rro” (:153-4). C om o n ã o a com e n ta , p od e -se su p or q u e e stive sse d e a cord o com a a sse rçã o d e q u e M a u ss se d e ixa ra m istifi-ca r p e lo p on to d e vista n a tivo21. N o m e sm o a n o, e scre ve n d o n a M an , M ich e l Pa n off d istin g u e o ED com o “ u m a con te cim e n to m a ior n a h istória d a te oria a n trop ológ ica ” (1970:60) e cita com o e vid ê n cia a a firm a çã o d e Lé vi-Stra u ss, d a “ In trod u çã o” d e 1950, d e q u e e le te ria sid o u m p re cu r-sore s d o e stru tu ra lism o.

Dois a n os m a is ta rd e , a re vista L’A rc e d ita u m n ú m e ro d e d ica d o a M a u ss, con te n d o tre ze te xtos. O ED a í a p a re ce “ com o se n d o u n a n i-m e i-m e n te con sid e ra d o a ob ra -p rii-m a d o a u tor” e o p rin cíp io ocu lto d a re ci-p rocid a d e , a re g ra d e fu n cion a m e n to d a s ci-p re sta çõe s tota is (Du b a r 1972:25). A “ In trod u çã o” d e Lé viStra u ss já é d a d a com o “ clá ssica ” (C on -d om in a s 1972:4). Dois -d os tra b a lh os in clu í-d os n o volu m e corre sp on -d e m a se m in á rios fe itos p e los a u tore s e m cu rsos, n os q u a is ce rta m e n te o ED e sta va se n d o d iscu tid o: é o ca so d o te xto d e G a sch é p a ra u m se m in á rio d e J . De rrid a n a Ecole N orm a le Su p é rie u re (1972:84) e d o org a n iza d or d o volu m e , De n n is H ollie r, p a ra o u m cu rso d e A. G re e n (H olle r 1972:61).

(25)

sid o d e sta ca d os p or M a lin ow sk i e M a u ss, e le h a ve ria d e e xp lora r p oste -riorm e n te p a ra a e la b ora çã o d e su a te oria d a p rá tica (Bou rd ie u 1980:167-189). Bou rd ie u m e n cion a a s re se rva s d e Lé vi-Stra u ss a o ED (1972:222), m a s n ã o a s d iscu te à lu z d o te xto d e M a u ss. O q u e p a re cia lh e in te re ssa r e ra o d e b a te com o e n tã o g ra n d e “ n om e ” d a a n trop olog ia fra n ce sa .

Em 1976, o ED se ria in voca d o p or Pa rk in com o u m d os re fe re n te s d o con ce ito d e troca . O te xto, e n tã o, é a ssocia d o a o p rin cíp io d a re cip rocid a d e , e a M a u ss o a u tor a trib u i a p e rce p çã o d e u m “ siste m a d e troca cu ltu -ra l, e n volve n d o m u lh e re s, b e n s, se rviços e m e n sa g e n s” (:163), n u m a e vi-d e n te con fu sã o e n tre o ED e os e scritos vi-d e Lé vi-Stra u ss. Re fe re -se a in vi-d a à s crítica s a M a u ss fe ita s p or Firth e m 1929, a s q u a is, p or cre r e sta re m a m p a ra d a s e m “ tra b a lh o d e ca m p o in te n so” (:71), a ce ita se m re se rva s.

Em 1979, C a rd oso d e O live ira , e m a p re se n ta çã o à ob ra d e M a u ss, p rocu ra d e fe n d e r e ste a u tor d a s re striçõe s q u e lh e fa z Lé viStra u ss, a va n -ça n d o o a rg u m e n to d e q u e o ED n ã o se lim ita ria à te oria m a ori p a ra con s-tru ir su a te oria d o d om (1979:25). N ã o d e ixa n o e n ta n to d e a ce ita r com o d a d a a in te rp re ta çã o d a “ In trod u çã o” d e 1950, com o se e fe tiva m e n te M a u ss tive sse u sa d o a “ te oria m a ori” p a ra e xp lica r a troca .

A p a rtir d a d é ca d a d e 80, o e stru tu ra lism o com e çou a p e rd e r u m p ou -co d e su a força , m a s n ã o a te se d e q u e o ED -con tin h a u m a e xp lica çã o m ís-tica d a troca . C om o te m p o, a te se foi se n d o e n riq u e cid a com a s con trib u i-çõe s d e Sa h lin s e com a re cu p e ra çã o d a s crítica s d e Firth d e 1929, e cris-ta lizou -se e m u m a e sp é cie d e cre n ça cole tiva . Tu d o o q u e h a via d e a rb i-trá rio e con ju n tu ra l n a s in te rp re ta çõe se foi n a tu ra liza n d o. O p e rou -se , e n tã o, u m a in d issocia çã o e n tre o te xto d e M a u ss e o h au , os m a oris, a re ci-p rocid a d e e a te oria d a troca . Assim , ci-p or e xe m ci-p lo, Ta m b ia h re fe re -se à “ form u la çã o m ística ” (1993[1984]:340) d o ED; G u id ie ri, à “ n oçã o d e h au q u e d om in a o En sa io” (1984:33); We in e r tra ta o ED com o o te xto te órico m a is fa m oso e m a is con trove rtid o sob re re cip rocid a d e e só o in voca p a ra re a n a lisa r d a d os m a oris (1992:44-65); G od e lie r a firm a q u e n ã o p od e d e ixa r d e e n d ossa r a crítica d e Lé vi-Stra u ss d e q u e o h au , con tra ria m e n te a o q u e p e n sa va M a u ss, n ã o p od e se r tom a d o com o a e xp lica çã o d a troca (1996:32).

(26)

a va n ça a id é ia d e q u e a lóg ica d a m e rca d oria ta m b é m fu n cion a n o O rie n -te e a d o d om , n o O cid e n -te . O fe re ce , e n tã o, com o e vid ê n cia s in ú m e ros e xe m p los d e p e sq u isa s fe ita s n a Eu rop a , n os Esta d os Un id os e n a N ova G u in é . Se n ã o e stive sse tã o im b u íd o d a cre n ça , te ria con su lta d o o p ró-p rio ED e ró-p e rce b id o q u e M a u ss já a ró-p on ta va n e sta d ire çã o ta n to n a a b e r-tu ra d o te xto, q u a n d o se re fe re à p e rm a n ê n cia d a m ora l d o d om e m “ n os-sa s” socie d a d e s, q u a n to n a se g u n d a con clu sã o, q u a n d o a ssin a la q u e o q u e p re va le ce e n tre os trob ria n d e se s é u m h íb rid o, e ch a m a a a te n çã o p a ra a n e ce ssid a d e d e com p le xifica çã o d e n oçõe s. Se m se d a r con ta , C a r-rie r e xp lora , d e u m a m a n e ira b a sta n te su g e stiva , in d ica çõe s con tid a s n o te xto d o A n n é e S ociolog iq u e .

O que se dizer para ser ouvido

N o d e corre r d a a n á lise d e i m a ior d e sta q u e a Lé vi-Stra u ss p orq u e foi a p a rtir d e se u s e scritos q u e se p rod u ziu a in fle xã o n a le itu ra d o ED. Se ria e q u ivoca d o, n o e n ta n to, a trib u í-la à su a in te rve n çã o a re sp e ito d a s tro-ca s. É p re ciso d istin g u ir o se n tid o d a a çã o d e Lé vi-Stra u ss a o a p on ta r “ e rros” d e M a u ss, q u e a te n d ia a in te re sse s e a m b içõe s p e ssoa is, e os e fe i-tos d e la d e corre n te s. O fa to d e q u e su a in te rp re ta çã o d o ED te n h a se rvi-d o rvi-d e b a se à con stitu içã o rvi-d a cre n ça foi o re su lta rvi-d o rvi-d e u m p roce sso cu jo p rin cíp io d e e xp lica çã o n ã o re sid e n a in te n çã o d e Lé vi-Stra u ss. É m a is u m e xe m p lo d os ch a m a d os e fe itos d a a çã o n ã o con trola d os p e lo a tor, d e q u e fa la va M a x We b e r.

O p re stíg io d e Lé vi-Stra u ss ce rta m e n te e ste ve n a orig e m , com o p ro-cu re i a ssin a la r, d a a d e sã o d os a n trop ólog os à s su a s in te rp re ta çõe s. Um a a n á lise fin a d a d in â m ica d o p roce sso d e con stitu içã o d e u m a d óx a e m re la çã o a o ED d e m a n d a ria u m in ve stim e n to e m p írico d e g ra n d e p orte , q u e e sca p a à a m b içã o d e ste te xto. Alg u m a s h ip óte se s a re sp e ito d os m e ca n ism os q u e te ria m con trib u íd o p a ra ta n to p od e m , n o e n ta n to, se r in d ica d a s. A d ifu sã o d a in te rp re ta çã o lé vi-stra u sse a n a foi ob ra d e a n tro-p ólog os q u e se se n tia m con ce rn id os com os a ssu n tos d a Polin é sia e d a M e la n é sia , d a troca e d a e con om ia : e le s ce rta m e n te a n te vira m a p ossib i-lid a d e d e se a ssocia re m sim b olica m e n te a o g ra n d e “ n om e ” d a a n trop o-log ia fra n ce sa , fa ze n d o re fe rê n cia a o se u tra b a lh o.

Referências

Documentos relacionados

Souffles d’Amazonie: Les Orchestres “Tule” des W ayãpi... Te

[r]

Greenpeace ) vinculados à proteção do meio ambiente. Esse fenômeno ocorreu igualmente nos movimentos de protesto relacio- nados à mineração a céu aberto. As estratégias das

[r]

Coleções e Expedições Vigiadas: Os Et nólogos no Conselho de Fiscaliza- ção das Expedições Artísticas e Cientí- ficas no Brasil.. São Paulo: Hucitec/

[r]

Th e sis, Boston Un

Pa