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A interpretação dos conceitos de direito privado utilizados pela Constituição Federal na delimitação das competências tributárias

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM DIREITO – UFRN/MPRN. DIOGO AUGUSTO VIDAL PADRE. A INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO UTILIZADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA DELIMITAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. Natal/RN 2016.

(2) DIOGO AUGUSTO VIDAL PADRE. A INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO UTILIZADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA DELIMITAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito (PPGD) do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.. Orientador: Prof. Dr. Ivan Lira de Carvalho. Natal/RN 2016.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Padre, Diogo Augusto Vidal. A interpretação dos conceitos de direito privado utilizados pela Constituição Federal na delimitação das competências tributárias/ Diogo Augusto Vidal Padre. Natal, 2016. 129f. Orientador: Prof. Dr. Ivan Lira de Carvalho. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito. 1. Direito tributário - Dissertação. 2. Direito privado - Dissertação. 3. Competência tributária - Dissertação. I. Carvalho, Ivan Lira de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA. CDU 34:336.2.

(4) DIOGO AUGUSTO VIDAL PADRE. A INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO UTILIZADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA DELIMITAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito (PPGD) do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.. Dissertação aprovada em: 12 de agosto de 2016. BANCA EXAMINADORA. ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Ivan Lira de Carvalho (Orientador) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Vladimir da Rocha Franca (Membro interno) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Janilson Bezerra de Siqueira Filho (Membro externo) Universidade Potiguar (UnP).

(5) A minha filha Tarsila, fonte inesgotável de amor..

(6) AGRADECIMENTOS. A minha esposa, filha, aos meus pais e irmãos, pela compreensão pelos momentos de ausência. Ao Professor Ivan Lira de Carvalho, por ter aceitado me orientar e ter feito parte de um capítulo da minha história. Minha gratidão! Ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, que permitiu a realização desta etapa da minha vida acadêmica. Ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e aos seus professores, em especial ao Professor Vladimir da Rocha França, pelas preciosas lições recebidas.

(7) [A]o mesmo tempo que a lei permite ao povo americano fazer tudo, a religião impede-o de conceber tudo e proíbe-lhe de tudo ousar [...] O despotismo é que pode prescindir da fé, não a liberdade. Alexis de Tocqueville.

(8) RESUMO. O modo de interpretação dos conceitos de Direito Privado empregados pela legislação tributária é um dos problemas que acompanham o Direito Tributário desde o seu nascimento como ramo jurídico. Em verdade, as intercessões entre o Direito Tributário e o Direito Privado sempre proporcionaram grandes discussões teóricas com inegáveis reflexos práticos. A presente dissertação tem por objetivo investigar como devem ser interpretados os conceitos de Direito Privado que foram utilizados pela Constituição Federal para delimitar as competências tributárias. Para esse empreendimento, este trabalho adota o método de pesquisa bibliográfica, compreendendo a exploração da doutrina, legislação e jurisprudência. O estudo tem início com uma investigação acerca da estrutura dos conceitos, em que se confronta a teoria clássico-aristotélica com a teoria dos protótipos, desenvolvida a partir das pesquisas empíricas em psicologia cognitiva. Das contribuições da teoria prototípica, busca-se refletir se ainda existe utilidade na distinção entre conceitos e tipos, muito apreciada pela doutrina tributária, e examinar o conteúdo e alcance do princípio da tipicidade tributária. Em seguida, traz o estudo sobre a questão da autonomia didática do Direito Tributário e as possibilidades e os limites de alteração dos sentidos dos conceitos de Direito Privado para fins de tributação. No que diz respeito especificamente às normas constitucionais de competência tributária, averigua se o art. 110 do CTN esgota todos os problemas referentes à interpretação dos conceitos de Direito Privado. Analisa criticamente as tentativas de ampliação das normas de competência tributária, mediante uma interpretação ampliativa dos seus conceitos, com suposto fundamento no princípio da capacidade contributiva. A supremacia da Constituição e a hierarquia das suas normas impedem que a alteração dos conceitos de Direito Privado pelo legislador tributário como estratagemas para expandir o âmbito das normas de competência tributária, mas não constitui barreira para a evolução legislativa ou interpretativa desses conceitos. Palavras-chave: Conceitos e tipos. Conceitos de Direito Privado. Competência tributária..

(9) ABSTRACT. The problem of the interpretation of Private Law concepts appeared with the born of Tax Law as a legal branch. In fact, the intercessions between Tax Law and Private Law always created great theoretical discussions with undeniable practical consequences. This thesis aims to investigate how the concepts of Private Law used by the Federal Constitution to define the taxing powers should be interpreted. For this project, we adopt, as method, the research of doctrinal documents, legislation and judicial decisions. We start inquiring the structure of concepts, and we face the classic Aristotelian theory with the prototype theory, developed from empirical research in cognitive psychology. Adopting the contributions of prototypical theory, we try to reflect if it is still useful the distinguishing between types and concepts, as it is done by some tax scholars. We also examine the content and scope of the tax typicality principle. Then, we study the didactic autonomy of Tax Law and the possibilities and limits of changing the meanings of concepts of Private Law. In reference of the constitutional taxing powers rules, we inquiry if the article 110 of National Tax Code solved all problems concerning the interpretation of Private Law concepts. We critically examine the expansion of taxing powers by an interpretative method, supposedly supported by the ability to pay principle. The supremacy of Constitution and its hierarchical rules do not allow that Private Law concepts can be changed by the tax rules, just to increase the taxing power, but it is not a barrier to a legislative or interpretative evolution of these concepts. KEYWORDS: Concepts and types. Private Law concepts. Taxing Power..

(10) SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10. 2. A FUNÇÃO DAS CATEGORIAS NA APLICAÇÃO DO DIREITO ...................... 14. 2.1 A CATEGORIZAÇÃO ................................................................................................... 14 2.2 AS CATEGORIAS .......................................................................................................... 15 2.3 OS UNIVERSAIS ........................................................................................................... 17 2.4 OS CONCEITOS ............................................................................................................. 21 2.4.1 Introdução ...................................................................................................................... 21 2.4.2 A estrutura dos conceitos .............................................................................................. 23 2.4.2.1 A teoria clássica ............................................................................................................ 23 2.4.2.2 A teoria das semelhanças de família............................................................................. 24 2.4.2.3 A teoria dos protótipos ................................................................................................. 25 2.4.2.4 Considerações sobre as teorias dos conceitos............................................................... 29 2.4.3 O problema da vagueza dos conceitos ........................................................................ 34 2.4.4 O problema da ambiguidade dos conceitos ................................................................ 39 2.4.5 O problema da imprecisão decorrente do uso da linguagem .................................. 42 3 A TIPOLOGIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO .......................................................... 44 3.1 A CONCEPÇÃO DE TIPOS NAS CIÊNCIAS SOCIAIS .............................................. 44 3.2 A CONCEPÇÃO DE TIPO NA CIÊNCIA DO DIREITO ............................................. 45 3.2.1 O tipo como forma de pensamento, ou em sentido próprio ....................................... 46 3.2.1.1 Origens e desenvolvimento .......................................................................................... 46 3.2.1.2 Tipo e sua relação com a teoria dos protótipos ............................................................ 53 3.2.2 O tipo como modelo ou esquema legal, ou tipo em sentido impróprio .................... 57 3.3 O PRINCÍPIO DA TIPICIDADE TRIBUTÁRIA .......................................................... 60 3.3.1 O conceito de princípio ................................................................................................. 60 3.3.2 O conceito de tipicidade ................................................................................................ 64 3.3.3 A existência do princípio da tipicidade tributária no Direito brasileiro .................. 67 3.3.4 O conteúdo do princípio da tipicidade ........................................................................ 68 3.3.5 O emprego de tipos (propriamente ditos) e outros conceitos vagos na hipótese de incidência ........................................................................................................................ 74 4. A INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO UTILIZADOS PELAS NORMAS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ............... 78. 4.1 A QUESTÃO DA AUTONOMIA DO DIREITO TRIBUTÁRIO ................................. 78 4.2 RECEPÇÃO E ALTERAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO PELA LEI TRIBUTÁRIA .......................................................................................................... 82 4.3 CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO E AS NORMAS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ................................................................................................................. 85 4.3.1 As reservas materiais constitucionais e o art. 110 do Código Tributário Nacional. 85 4.3.2 A pluralidade de conceitos para o mesmo termo de Direito Privado ....................... 93.

(11) 4.3.3 Possibilidade de alteração dos conceitos pelo próprio Direito Privado .................... 96 4.3.4 Atualização interpretativa dos conceitos de Direito Privado ou mutação constitucional ................................................................................................................. 98 4.3.5 Os conceitos de Direito Privado e a função interpretativa do princípio da capacidade contributiva .............................................................................................. 100 5. CONCLUSÃO ............................................................................................................. 113. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 117.

(12) 10. 1 INTRODUÇÃO As relações entre Direito Tributário e Direito Privado sempre foram fontes de grandes questionamentos teóricos, como inequívocas repercussões práticas. O Direito Tributário é mero direito de sobreposição? É correto falar em primado do Direito Civil frente ao Direito Tributário? O Direito Tributário goza de autonomia em relação dos demais ramos do direito? Os conceitos de Direito Civil ganham um significado diferente ao serem transportados para o Direito Privado, em razão da sua finalidade especial? Esses são apenas alguns exemplos de discussões que acompanham o Direito Tributário desde o seu nascimento como disciplina propriamente dita. No sistema tributário brasileiro, as intercessões entre Direito Tributário e Direito Privado também ensejaram debates de longa data. A Constituição de 1988, em harmonia com a forma federativa de Estado, realizou a repartição de competências tributárias entre os entes políticos, com o propósito de evitar que os mesmos fatos estivessem sujeitos à tributação de diferentes entes federativos. As normas de competência tributária reportaram-se a conceitos de Direito Privado para delimitar o campo em que cada ente poderia instituir seus tributos sem avançar sobre as competências dos demais. E não poderia ser diferente. Como as despesas pela manutenção do Estado devem ser repartidas entre os cidadãos, segundo a sua capacidade contributiva, os tributos devem incidir sobre fatos reveladores da capacidade econômica dos contribuintes, fatos, esses, que quase sempre merecem o disciplinamento pelo Direito Privado. Nessa esteira, interpretar os conceitos de Direito Privado empregados pelas normas de competência tributária é realçar os limites estabelecidos pelo constituinte. Interpretar inadequadamente esses conceitos significa, em última análise, criar ou suprimir competência tributária indevidamente. Desse modo, o presente trabalho propõe-se a investigar a adequada interpretação dos conceitos de Direito Privado utilizados pela Constituição Federal na delimitação das competências tributárias. A pesquisa partirá de dois pressupostos. O primeiro deles é a unidade do ordenamento jurídico, devendo esse ser entendido como um sistema coerente de normas de conduta que oferece previamente mecanismos próprios de solução das antinomias. O outro é a supremacia da Constituição. O que garante a sistematização ou a ordem do ordenamento jurídico é a sua estrutura escalonada, em que as normas inferiores devem buscar validade nas normas.

(13) 11. superiores, e no ápice situa-se a Constituição, da qual todas as demais normas, direta ou indiretamente, devem extrair sua validade. Para solucionar a questão principal, será preciso enfrentar discussões afins como: O que se entende por conceitos e tipos, e se essa distinção apresenta utilidade para o Direito Tributário, em virtude do desenvolvimento da teoria dos protótipos? Em qualquer caso, é possível o Direito Tributário modificar os conceitos de Direito Privado para fins de tributação, ou existem limites a essa faculdade legislativa? Como deve ser entendido o art. 110, do Código Tributário Nacional? Esse dispositivo legal vedou a alteração dos conceitos jusprivatistas pelo próprio Direito Privado ou pela atualização interpretativa? O desconhecimento de parâmetros para a interpretação dos conceitos de Direito Privado usados em normas constitucionais de competência tributária poderia autorizar o legislador tributário a ampliar o seu campo de tributação, em clara burla à supremacia constitucional. Uma consulta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) permite verificar que a Corte é pródiga para solucionar casos nos quais se discute se o legislador tributário conferiu uma interpretação mais ampliada a um conceito de Direito Privado, dilatando o seu próprio âmbito de tributação. Por outro lado, a segurança jurídica exigida pelo Direito Tributário não permite concluir que o mesmo está imune à ação do tempo e que deveria fechar os olhos à evolução dos institutos jusprivatistas. O que se deve é buscar parâmetros para separar a usurpação constitucional da atualização dos conceitos. Ademais, o tema reveste-se de importância científica, uma vez que, desde o surgimento do Direito Tributário como ramo jurídico didaticamente autônomo, as suas relações com o Direito Privado foram cercadas por discussões acadêmicas, sendo que a questão principal a ser enfrentada constitui uma dessas questões mais controvertidas. As hipóteses do trabalho serão investigadas por meio de pesquisa do tipo bibliográfica, procurando explicar o problema mediante a análise da literatura disponível em forma de livros e artigos publicados em periódicos especializados, buscando ainda novas fontes para complemento da revisão bibliográfica, com a sistematização dos dados obtidos para a formação do arcabouço teórico necessário. No que tange à utilização de resultados da pesquisa, será pura, e a abordagem, por sua vez, qualitativa. Quanto aos objetivos, a pesquisa será exploratória e descritiva. A dissertação está dividida em cinco capítulos, incluindo o introdutório e as conclusões..

(14) 12. No segundo capítulo, tratará de investigar a importância da categorização para a aplicação do direito, quando será analisado o que se entende por categorias, suas relações o antigo problema dos universais e a estrutura dos conceitos. Buscar-se-ão aportes na teoria dos protótipos desenvolvida por Eleanor Rosch, a partir de seus estudos empíricos em psicologia cognitiva, a fim de confrontar o sentido prototípico de conceito com o sentido clássico da filosofia aristotélica. A pretensão é a de mostrar que as duas teorias não são excludentes, mas complementares, devendo ser estudadas em conjunto para a compreensão da estrutura dos conceitos, pois esses são uma realidade complexa que não se encaixam exclusivamente em qualquer das teorias. Os problemas advindos dessa concepção, como a vagueza, a ambiguidade e a imprecisão decorrente do uso da linguagem, serão estudados buscando relacioná-los com problemas propriamente jurídicos. Em seguida, no terceiro capítulo, serão analisadas as concepções de tipos nas Ciências Sociais e, mais detidamente, na Ciência do Direito, buscando compreender os seus diferentes sentidos e relacioná-los com a teoria clássica e prototípica dos conceitos. Tentar-se-á identificar em que momento e qual teoria dos tipos ingressou nos estudos jurídicos. O propósito é refletir que, após as descobertas obtidas pela psicologia cognitiva, não mais subsiste utilidade na separação entre conceitos e tipos, muito prestigiada na doutrina tributária, tendo em vista que ambos fazem parte de uma mesma realidade contínua e graduável, sendo impossível traçar, no plano empírico, os seus limites. Nesse momento, o princípio da tipicidade tributária será reexaminado, à luz da concepção de tipos construída a partir da comparação entre as teorias dos conceitos, estudadas no capítulo anterior. Será examinado se o princípio da tipicidade tributária existe no ordenamento jurídico brasileiro, mas não deve ser entendido como uma exigência de seleção de conceitos absolutamente precisos para a definição das hipóteses de incidência dos tributos, mas, sim, como um mandamento dirigido ao legislador para que utilize conceitos, na maior medida possível, precisos, de forma a permitir a previsibilidade e determinabilidade dos tributos. Cuidar-se-á, no quarto capítulo, de investigar a forma de interpretação dos conceitos de Direito Privado utilizados pela Constituição Federal para delimitar competências tributárias. O velho problema da autonomia do Direito Tributário é enfrentado por constituir uma questão determinante para a solução dos questionamentos que este trabalho propõe-se a esclarecer. Estudar-se-á que a unidade do ordenamento jurídico reconhece aos ramos do Direito a autonomia meramente didática. A partir daí, cuidar-se-á de buscar as respostas para.

(15) 13. os problemas envolvendo a interpretação dos conceitos de Direito Privado utilizados pela Constituição Federal na delimitação das competências tributárias. No capítulo conclusivo, serão apresentadas respostas sumárias à questão principal do presente trabalho e aos problemas que o cercam..

(16) 14. 2 A FUNÇÃO DAS CATEGORIAS NA APLICAÇÃO DO DIREITO 2.1 A CATEGORIZAÇÃO. O mundo é composto por seres das mais variadas ordens. Cada ser é individualizado e inconfundível entre os demais. No entanto, o ser humano possui a capacidade de pensar unitariamente sobre uma pluralidade de seres. Essa capacidade é chamada de categorização ou classificação, e é ela que nos permite construir conhecimentos gerais sobre os seres particulares. Conhecimentos que são válidos para uma multiplicidade de seres individuais e, portanto, diferentes entre si. A capacidade cognitiva de perceber semelhanças entre indivíduos é que permite o pensar unitário sobre uma pluralidade de seres. Existem evidências de que essa intelecção não pertence exclusivamente ao homem. Contudo, sendo o direito um fenômeno essencialmente humano, somente a categorização humana interessa ao presente estudo. Tudo quanto existe é passível de ser classificado: seres vivos, objetos, ideias, eventos, sentimentos, relações etc. As pessoas pensam e compreendem o mundo em forma de categorias,. embora. no. mais. das. vezes. a. categorização. ocorra. automática. e. 1. inconscientemente . Na concepção aristotélica, nosso conhecimento do mundo consiste, em última análise, em nossas várias tentativas de classificar as substâncias em gêneros e espécies2. A categorização, em suma, é a capacidade de classificar, ou ainda, de forma mais específica, a aptidão para agrupar seres individuais a partir da percepção de que compartilham certas propriedades comuns. Para uma melhor compreensão, pode-se fazer uma espécie de analogia da categorização com a atividade de agrupar coisas em compartimentos de um armário, segundo suas semelhanças. E fala-se em espécie de analogia, porque a própria atividade descrita não deixa de ser um modo de categorização. Contudo, é importante frisar que a categorização não precisa ser sempre física, podendo ser também mental, como é no mais das vezes. As atividades mais simples do cotidiano exigem algum grau de categorização. Escolher maçãs na feira, por exemplo, requer que se separem as boas das ruis. De mesmo 1. LAKOFF, George. Women, fire and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago, Londres: University of Chicago Press, 1987. p. 6. 2 SCRUTON, Roger. Introdução à Filosofia moderna. Tradução de Alberto Oliva e Luis Alberto Cerqueira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 24.

(17) 15. modo, se um motorista para, ao ouvir o apito de um guarda de trânsito, é porque categorizou aquele sinal sonoro como um ato administrativo emitido por uma autoridade competente. Do contrário, ele continuaria o seu percurso.. 2.2 AS CATEGORIAS. A categorização pressupõe a existência de categorias ou classes, dentro das quais se organizam os indivíduos. De acordo com António Manuel Hespanha as categorias também podem ser chamadas de “imagens”, “representações” ou “conceitos”3. No presente trabalho, entretanto, utilizaremos os termos categorias, classes, conceitos e, por vezes, universais, como sinônimos, pelas razões que serão explicadas mais adiante. Evitamos o emprego dos termos imagens e representações como sinônimos de categorias ou conceitos. Primeiro, porque imagens e representações e conceitos são realidades inconfundíveis. Os conceitos são ideias formadas a partir de uma abstração que podem gerar uma imagem e/ou representação. Como explica Mário Ferreira dos Santos, há imagem quando houver imago, a presença fenomênica do objeto mentado, e há representação, quando esse objeto é considerado apenas na sua forma. Quando o objeto mentado for de conhecimento apenas intelectual, como o tempo, só é possível haver representação, mas pode haver representação com imagem, quando o objeto for de conhecimento sensível, como um cavalo4. Além disso, o termo representação possui na ciência do direito outro significado próprio e diverso dos acima sugeridos. Definir o que são as categorias em termos rigorosos não é tarefa fácil. Aliás, já se disse que as categorias constituem um dos temas mais polêmicos da filosofia, desde que foram propostas por Aristóteles5. Entretanto, podem-se definir as categorias como os tipos em que podem ser enquadrados os entes, o seu modo de ser, as classes que serão preenchidas com os exemplares selecionados dentre os indivíduos a partir de suas semelhanças. Não menos controversa é a questão acerca do número de categorias existentes. Alguns filósofos admitem um número incontável de categorias. Para esses, são categorias autônomas. 3. HESPANHA, António Manuel. Categorias: uma reflexão sobre a prática de classificar. Análise Social, nº 168, p. 823-840, 2003. 4 SANTOS, Mário Ferreira dos. Origem dos grandes erros filosóficos: erros crítico-ontológicos. São Paulo: Matese, 1965. p. 30-31. 5 GRACIA, Jorge J. E. ¿Qué son las categorías?. Madri: Ediciones Encuentro, 2011. p. 14.

(18) 16. o homem, o cavalo, o branco etc. Aristóteles6 listou dez categorias: a substância, a quantidade, a qualidade, a relação, o lugar, o tempo, a posição, o estado ou a posição, a ação, e a paixão. Numa interpretação restrita da concepção aristotélica, homem, cavalo, branco não seriam sequer categorias, mas membros das categorias substância (homem e cavalo) e qualidade (branco). Contudo, parece ser mais adequada a interpretação extensa adotada por alguns estudiosos, sustentando que, na verdade, o Estagirita jamais pretendeu restringir as categorias àquelas dez ora citadas, mas apenas enumerar as categorias irredutíveis, mais gerais, e que, por isso, não poderiam ser integrantes de outras categorias7. De fato, existem tantas categorias quanto o número de similaridades que os homens possam perceber nos seres individuais. Um conjunto de conceitos pode formar um sistema taxonômico, se forem organizados de forma hierárquica, isto é, das categorias mais básicas para as mais específicas. As categorias básicas exigem menor grau de abstração e são mais abrangentes, ou seja, incluem um maior número de membros. Por outro lado, as categorias mais específicas exigem maior grau de abstração e são menos abrangentes. Assim, taxonomia é o sistema em que as categorias incluem-se umas nas outras, exceto a categoria de nível mais elevado8. Um bom exemplo de sistema taxonômico é o Sistema Linneano de classificação dos seres vivos. Nem todas as categorias estão inseridas dentro de um sistema taxonômico. Lawrence Barsalou9 esclarece que, além das categorias taxonômicas, existem ainda as categorias derivadas de um objetivo (goal-derived categories), que se caracterizam em razão de seus membros possuírem características determinadas para melhor servir a um objetivo. Por exemplo, as categorias comida para dieta e coisas para tirar de casa durante um incêndio evidentemente não integram um sistema taxonômico, sendo construídas apenas para atender uma finalidade específica.. 6. ARISTÓTELES. Órganon: categorias, da interpretação, analíticos anteriores, analíticos posteriores, tópicos, refutações sofísticas. Tradução de Edson Bini. 2. ed. Bauru: EDIPRO, 2010. p. 41-42 7 Nesse sentido, Jorge J. E. Gracia afirma acerca da quantidade de categorias que “Aristóteles nunca estabeleceu um número determinado [...] Filósofos posteriores refletiram sobre o número exato das categorias mais gerais e, por outra parte, alguns entenderam que estas categorias mais gerais são irredutíveis, primariamente diversas e exaustivas em conjunto”. Tradução livre de: “Aristóteles nunca estabeleció un número determinado [...] Filósofos posteriores han reflexionado sobre el número exacto de las categorías más generales y, por otra parte, algunos han entendido que estas categorías más generales son irreductibles, primariamente diversas y exhaustivas en conjunto.” GRACIA,¿Qué son... p. 21. 8 ROSCH, Eleanor; MERVIS, Carolyn B.; GRAY, Wayne D.; JOHNSON, David M.; BOYES-BRAEM, Penny. Basic objects in natural categories. Cognitive Psychology, 8, 382-439, 1976. p. 383. 9 BARSALOU, Lawrence W. Ideals central tendency, and frequency of instantiation as determinants of graded structure in categories, Journal of experimental psychology: Learning, Memory and Cognition, v. 11, nº 4, p. 629-654, out. 1985..

(19) 17. Nas categorias derivadas de um objetivo, os integrantes não mantêm uma semelhança visível porque as finalidades são a característica mais saliente dessas categorias. Por sua vez, os membros das categorias taxonômicas costumam possuir uma semelhança entre si, pelo fato de essas categorias serem construídas em torno de uma tendência central.. 2.3 OS UNIVERSAIS. Os universais são propriedades que se encontram presentes numa pluralidade de indivíduos ou particulares. Na definição de Aristóteles, os universais são o que pela natureza é predicado de muitos sujeitos10. O tema dos universais remonta a Platão, que reconheceu a existência real das ideias ou formas, afirmando serem elas, e não as coisas, que constituem o ser verdadeiro11. Mas foi na Idade Média que o tema atraiu maior atenção dos filósofos, quando se tornou um dos temas mais importantes da filosofia medieval12. Existe uma grande controvérsia envolvendo a natureza universais, iniciada por Porfírio13, em Isagoge, ao colocar para debate três questões que resumem todo o problema: 1) Os universais são apenas conceitos mentais ou realidades extramentais? 2) Caso existam fora da mente, são corpóreos ou incorpóreos? 3) Os universais são separados das coisas individuais e sensíveis ou fazem parte delas? A obra foi traduzida do grego para o latim por Boécio, que chegou inclusive a 10 11. 12. 13. ARISTÓTELES. Órganon... p. 86. MARÍAS, Julián. História da Filosofia. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 49; 52. Giovanni Reale explica que “As Idéias de que falava Platão não são, portanto, simples conceitos ou representações puramente mentais (só muito mais tarde o termo assumiria esse significado), mas são “entidades”, “substâncias”. As Idéias, em suma, não são simples pensamentos, mas aquilo que o pensamento pensa quando liberto do sensível: constituem o “verdadeiro ser”, “o ser por excelência”. Em outras palavras: as Idéias platônicas são as essências das coisas, ou seja, aquilo que faz com que cada coisa seja aquilo que é.” REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: filosofia pagã antiga. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003, v. 1, p. 140. Segundo Julián Marías, alguns autores chegaram afirmar, erroneamente – vale dizer –, que toda a escolástica resume-se à disputa dos universais. MARÍAS, ibid. p. 143. As questões sobre os universais foram colocadas por Porfírio da seguinte forma: “Caro Crisaório, dado que para compreender a doutrina das categorias de Aristóteles é necessário saber o que sejam o gênero, a diferença, a espécie, o próprio e o acidente, e dado que esta análise é basilar para a formulação das definições, e, em todo caso, para tudo aquilo que se refere à divisão e à demonstração, farei para ti uma breve exposição em poucas palavras, na forma, por assim dizer, de uma isagoge, daquilo que nos foi transmitido pelos antigos, deixando as questões mais complexas e tratando em igual medida as mais simples. Previno-te logo que não enfrentarei o problema dos gêneros e das espécies, isto é, se são subsistentes por si ou se são simples conceitos mentais; e, no caso que sejam subsistentes, se são corpóreos ou incorpóreos; e, finalmente, se são separados ou se se encontram nas coisas sensíveis, inerentes a elas; este é, com efeito, um tema muito complexo, que tem necessidade de outro tipo de pesquisa, muito mais aprofundado.” Apud REALE; ANTISERI, op. cit. p. 175-176..

(20) 18. apresentar respostas contraditórias às questões, o que terminou por instigar os filósofos medievais a solucionarem o problema14. A grande quantidade de estudiosos que se sentiram atraídos pelo tema e a variedade das soluções apresentadas justificaram que a controvérsia ficasse conhecida como a disputa ou querela dos universais. Consoante escólio de Giovanni Reale e Dario Antiseri15, o problema dos universais é o problema da relação entre voces e res, podendo ser resumido na seguinte questão: os universalia são ante rem, in re ou post rem? As correntes que procuraram solucionar o problema dos universais podem ser classificadas em quatro grupos. A primeira delas, o realismo extremo ou exagerado, fundada nas ideias de Platão, sustenta que os universais são entes reais e existentes em si, antes das coisas (ante rem) presentes em cada um dos indivíduos, os quais se distinguem somente por suas acidentalidades. É a posição defendida por Guilherme de Champeaux, João Escoto Eriúgena e, em parte, por Anselmo de Aosta (ou Anselmo de Cantuária)16. As objeções endereçadas a essa corrente baseiam-se no fato de que se os universais são podem ser coisas (res) e funcionar como predicados de outras coisas (princípio res de re non praedicatur). Ademais, se os universais estão presentes nos indivíduos, há uma identificação entre universais e indivíduos, e estes somente se diferem entre si pelas suas propriedades acidentais17. Em oposição ao realismo extremado, surge o nominalismo, teoria cética proposta por Roscelino de Compiègne e, posteriormente, por Guilherme de Ockham, segundo a qual tudo quanto existe são indivíduos. Os universais são, na expressão de Roscelino, nada além de sopros de voz (flatus vocis), meros nomes (voces) que designam uma multiplicidade de coisas, mas sem correspondência com algo objetivo18. Os críticos da teoria nominalista apontaram. 14. 15 16. 17. 18. Nesse sentido, ver: GRACIA, Philosophy... p. 8-9; e COXITO, Armando A. Luis A. Vernei e filosofia europeia do seu tempo: o problema dos universais. Revista Filosófica de Coimbra, n . 11 6 p. 293-320, 1994. p. 294. REALE; ANTISERI, op. cit. p. 168. REALE; ANTISERI, op. cit. p. 168-171. Segundo Mário Ferreira dos Santos, estes autores endossaram o realismo exagerado: “Na Idade Média européia, temos Scotus Eriúgena (810-877), David de Dinant (1113), Amalricus del Bene (1206) Guilherme Campellensis (1070-1121) [...] Incluem alguns os escotistas entre os realistas exagerados [...], Pedro Fonseca (1597) e, modernamente, os fenomenologistas, entre eles Lotze, Husserl, Nicolai Hartmann, Rickert, Bolzano, os ontologistas, etc.”. SANTOS, op. cit. p. 66. Como explica Julián Marías “Em essência haveria apenas um homem, e a distinção entre os indivíduos seria puramente acidental. Isso corresponde à negação da existência individual e beira perigosamente com o panteísmo”. MARÍAS, op. cit. p. 144. REALE; ANTISERI, op. cit., p. 169. Mário Ferreira dos Santos cita como defensores dessa posição: “Heráclito, os sofistas, Protágoras, Crátilo, os Epicuristas, os estóicos, Roscellinus, na Idade Média e, na filosofia moderna, Locke, Berkeley, Stuart Mill, Hume, Condillac, Comte, a escola da psicologia.

(21) 19. que, se o singular existe, os conceitos também só poderiam se referir a coisas singulares, tornando-se impossível a construção de conhecimentos válidos para uma pluralidade de coisas, como é o caso da ciência moderna19 e do direito. Pedro Abelardo inicia uma terceira teoria, considerada por alguns como a mais sofisticada20: o conceitualismo. Para Aberlado, consoante Giovanni Reale e Dario Antiseri, porquanto somente as coisas singulares existam, a mente humana possui a capacidade de captar elementos comuns a objetos semelhantes que somente subsistem unidos na realidade21, formando conceitos abstratos que oferecem a imagem de uma multiplicidade de coisas. O conceitualismo funda-se no aristotelismo e encontra-se a meio caminho das duas posições anteriores. Assim como o nominalismo, concorda que tudo quanto existe fora da mente é individual, mas discorda que os universais sejam meras entidades linguísticas. Aproximandose dos realistas, sustenta que os universais existem enquanto conceito, entidades mentais (post rem)22. Por fim, o realismo moderado de São Tomás de Aquino propugna que os universais possuem tríplice existência: a) ante rem, na mente de Deus, como transcendentes ou ideias platônicas; b) in re, subsistindo não separada, mas imanente nas coisas; e c) post rem, como conceitos mentais23. Essa doutrina aproxima-se do conceitualismo, na medida em que reconhecem a existência dos universais, não enquanto objetos reais, mas tampouco reduzidos a meras formulações linguísticas sem correspondência com alguma coisa. Por isso, ressaltam. 19. 20 21 22. 23. experimental, Fries, Wundt, Helmholtz, Unamuno, Ortega y Gasset, positivistas, neo-positivistas etc.”. SANTOS, op. cit., p. 61. SANTOS, op. cit., p. 62-63. De acordo com filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos “Com o nominalismo, não é possível fundar-se nenhum juízo seguro de coisa alguma, nem da própria experiência, porque esta não pode estender-se a todos os indivíduos e a todos os casos possíveis, nem é possível estabelecer as rígidas conexões entre as propriedades das coisas. E se nada podem saber pela experiência, menos ainda sem a experiência. [...] Ademais, se não discerníssemos claramente entre individuação e as notas semelhantes, que nos permitem construir esquemas, o que aliás se comprova que o pode a nossa experiência, ter-nos-ia sido impossível construir um saber e até a ciência que dispomos. Quando ouvimos os termos, quando lemos, não formamos imagens de cada palavra, mas aprendemos o que elas significam. Em suma, sem conceitos universais seria impossível construir a ciência e o saber humano. Quando dizemos oxigênio ou hidrogênio não nos referimos apenas a uma voz, mas a algo que a Físico-química distingue e conhece, e as leis que são achadas na Ciência, como a Matemática e na Filosofia, não poderiam ter surgido, nem muito menos terem comprovado sua incidência em tantos factos.”. No mesmo sentido, Carlos A. Casanova afirma que “negar o conhecimento dos universais é negar inclusive que exista ciência, física ou matemática.” CASANOVA, Carlos A. Física e realidade: reflexões metafísicas sobre a ciência natural. Tradução de Raphael M. D. de Paola. Campinas: Vide Editorial, 2013, p. 149. GRACIA, Philosophy… p. 9. REALE; ANTISERI, op. cit., p. 169. Mário Ferreira dos Santos inclui entre os conceitualistas “de certo modo, os estóicos na antiguidade, e na Idade Média, Roscellinus (sic) Guilherme de Ockam (com restrições), e, posteriormente, Holkot, Buridan, Gerson, Nicolau de Utricúria, G. Biel, e mais próximos a nós, Kant, os pragmatistas, Bergson, Le Roy, William James, Pierce, Schiller, Dewey, Blondel e muitos existencialistas”. SANTOS, op. cit., p. 65. REALE; ANTISERI, op. cit., p. 169..

(22) 20. Giovanni Reale e Dario Antiseri24 que Aberlado, o precursor do conceitualismo, possuía certo traço de realismo moderado. Sem a pretensão de colocar ponto final nesse antigo debate, é possível afirmar com segurança que os universais são conceitos. Como nem o realismo extremado nem o nominalismo oferecem uma solução adequada para o problema dos universais, apenas a corrente conceitualista e a realista moderada podem responder o problema dos universais. Ora, se para o conceitualismo os universais são conceitos criados pela mente humana; e para o realismo moderado tomista, os universais são também conceitos, além de ideias na mente de Deus e realidades existentes apenas nas coisas, conclui-se que os universais são necessariamente conceitos. Bertrand Russell25 explica que “[e]star ciente de universais chama-se conceber, e um universal do qual estamos cientes chama-se um conceito”. Para que não se incorra em ambiguidade, prefere-se reconhecer que os universais são conceitos, sem sustentar o acerto de qualquer das teorias, notadamente a conceitualista. É que a classificação das teorias que procuram solucionar o problema dos universais não é uniformemente aceita pela filosofia. Julián Marías26, por exemplo, sequer destaca uma corrente conceitualista, resumindo o debate dos universais apenas no realismo extremado (ante rem), nominalismo (post rem) e realismo moderado (in rem). Por outro lado, alguns filósofos equiparam a posição a uma doutrina subjetivista ou idealista, em que os conceitos seriam meras representações mentais inteiramente subjetivas. No entanto, quando se afirma que os universais são conceitos, não se está confundindo os conceitos e a imagem ou associação mental. Os conceitos possuem um núcleo significativo próprio e, por isso, permitem a comunicação entre as pessoas. Já as meras representações mentais são individuais e intransmissíveis. Quando um conceito ou universal, por exemplo: gato, é apresentado, cada interlocutor poderá associá-lo a uma imagem mental diferente, mas todos conhecerão o seu conceito. A esse respeito Bertrand Russell27 precavia que não é o universal que está em nossa mente, mas o ato de pensar nele. Citava como exemplo a brancura é uma ideia, assim entendida como o objeto de um ato do pensamento. Contudo, passando despercebida a. 24 25. 26 27. REALE; ANTISERI, op. cit., p. 170. RUSSELL, Bertrand. Os problemas da Filosofia. Tradução de Desidério Murcho. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 112. MARIÁS, op. cit., p. 143-147. RUSSELL, Os problemas..., p. 158..

(23) 21. ambiguidade, poderia se chegar a pensar que a brancura é uma ideia noutro sentido, isto é, como um ato do pensamento, e assim chegar-se-ia a pensar que a brancura é mental. Mas essa conclusão desprezaria a sua universalidade, pois os atos de pensamento variam para cada homem e a cada momento. Desse modo, a brancura fosse o pensamento e não o seu objeto, duas pessoas diferentes não poderiam pensar nela, e ninguém poderia pensar nela duas vezes. Com essas considerações conclui Russel que: “os universais não são pensamentos, apesar de serem objectos de pensamentos quando são conhecidos”. Fica claro que categorias, universais e conceitos diz respeito a uma mesma realidade28. Numa distinção formal, as categorias são as formas de ser das coisas, os universais são aquilo que se pode predicar de muitos e os conceitos são ideias unitárias sobre uma pluralidade de seres. Acontece que, no mundo real, constituem ideias indissociáveis, podendo-se, portanto, equipará-las. Em suma, a categorização somente é possível porque as categorias também são, em si mesmas, conceitos. Do contrário, não haveria como se distinguir as categorias e, consequentemente, como classificar os seres individuais.. 2.4 OS CONCEITOS. 2.4.1 Introdução. Conceito é a unidade de pensamento ou ideia que refere uma pluralidade de seres. A construção inicial do conceito acontece através da abstração, que é o processo mental de isolamento de uma ou mais propriedades essenciais de um ente complexo à exclusão de outras. O conceito, então, é um pensamento ou ideia que designa uma pluralidade de indivíduos, em razão de propriedades, atributos ou características essenciais comuns. Na filosofia aristotélica, o ente é composto de essência e acidentalidades, de modo que somente formam o conceito as características essenciais, isto é, as que fazem com que uma coisa seja o que é. Assim, classificar um ente numa dada categoria é analisar os atributos que definem a essência desse ente e verificar se coincidem com os traços que compõem certa categoria ou conceito. Já as características acidentais são meramente contingentes e não fazem 28. Jorge J. E. Gracia afirma que “As posturas que podem adotar-se com respeito à natureza das categorias refletem as que podem adotar-se com respeito à natureza dos universais”, não obstante considere que “as categorias não são exatamente o mesmo que os universais”. Tradução livre do trecho: “Las posturas que puden adoptarse com respecto a la naturaleza de las categorias reflejan las que pueden adotarse com respecto a la naturaleza de los universales.” [...] “las categorias no son exatamente lo mismo que los universales.” GRACIA, ¿Qué son... 2011, p. 28..

(24) 22. parte do conceito. O conceito, portanto, coincidiria com a própria essência das coisas e somente subsistiria no plano ideal das abstrações, não podendo se materializar por si no mundo físico. Diferente dos conceitos, os termos são as expressões linguísticas que representam os conceitos29. Os termos não se confundem com as palavras, pois estas nem sempre são aptas a designar um conceito30. Os termos podem ter o seu significado especificado, o que é comum na ciência, geralmente para evitar ambiguações. Para Carl G. Hempel 31, aparentemente, o método mais óbvio, e possivelmente o único adequado, é a definição, que pode ocorrer com a finalidade de descrever o que já se aceita como significado, ou significados, de um termo (definição descritiva), ou de atribuir, por estipulação, um significado a um termo (definição estipulativa). Com razão, Hempel32 acredita ser logicamente impossível definir todos os termos de um sistema científico com precisão. Como a definição de um termo também se faz por outros, seria preciso definir cada um deles para a definição do termo anterior, empregando outros termos, sem cair num círculo vicioso. Por isso, deve existir um conjunto de termos primitivos que não recebam definição dentro do sistema e que sirvam para definir os demais termos. Em suma, nem todos os termos de um sistema científico podem ser definidos com base em outros do mesmo sistema. O direito está permeado de conceitos, e a legislação repleta de termos. Os conceitos, como ideias abstratas, estão presentes em todo o direito, mas a lei somente pode positivar os termos. Assim, o rigor analítico impõe reconhecer que mais adequado seria dizer que o presente trabalho procura estudar a interpretação dos termos associados a conceitos de direito privado empregados pela Constituição Federal. No entanto, adota-se a forma metonímica consagrada no Código Tributário Nacional e na doutrina, por não trazer prejuízo à compreensão do trabalho.. 29. 30. 31. 32. Na lição de Bertrand Russell, “termos são aquilo que pode ser considerado com sujeito da proposição enquanto conceitos são os predicados ou relações correspondentes a ditos termos”. No original: “términos son lodo aquello que pueda ser considerado como sujeto de la proposición, mientras conceptos son los predicados o relaciones correspondientes a dichos términos”. RUSSELL, Lógica y..., p. 103. KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Traduzido por Manoel Luis Salgado Guimarães. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5., n. 10, p. 134-146, 1992. Esse autor cita como exemplo as palavras “oh!, ah!, und (e) etc.”. KOSELLECK, ibid., p. 135. HEMPEL, Carl. G. Filosofia da ciência natural. Tradução de Plinio Susskind Rocha. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 109-110. HEMPEL, ibid., p. 111-112..

(25) 23. 2.4.2 A estrutura dos conceitos. 2.4.2.1 A teoria clássica. A teoria clássica ou modelo binário possui raízes aristotélicas e suporte em Locke e Carnap, e normalmente é adotada como base para os sistemas taxonômicos33. Para essa teoria, o conceito é composto por propriedades necessárias e suficientes para referir-se a um ente ou uma multiplicidade de entes. Por necessidade, entende-se a imprescindibilidade das propriedades que compõem o conceito para que um ente seja designado por esse conceito ou pertença à categoria correspondente. Por suficiência, entendese a desnecessidade de outros atributos adicionais, além dos que compõem o conceito, para que um ente seja referido por esse conceito ou pertença à sua categoria. Assim, a categorização é um processo cognitivo pelo qual o sujeito decompõe o conceito em suas propriedades e verifica se o objeto as possui. Se um ente não possuir um ou alguns atributos que compõem o conceito estará automaticamente excluído da categoria correspondente, devendo pertencer a uma categoria distinta. Do mesmo modo, se um ente possuir todos os atributos que compõem o conceito e mais alguns outros, ou esses atributos adicionais serão meras acidentalidades, e, portanto, irrelevantes para fins de categorização, devendo o ente ser designado por esse conceito e ser enquadrado nessa categoria; ou serão atributos essenciais de outro conceito e, portanto, o ente deverá ser classificado numa subcategoria ou mesmo em outra categoria autônoma. Na ciência jurídica, os exemplos são inúmeros. A conduta de “subtrair [...] coisa alheia móvel” configura o crime de furto, previsto no art. 155, do Código Penal brasileiro.34 Se a res furtiva é fungível ou infungível, por exemplo, é um atributo meramente acidental que não afeta de qualquer modo a classificação jurídica da conduta. Por outro lado, no caso de um fato em que a subtração tenha sido cometida durante o repouso noturno ou mediante concurso de pessoas, tem-se, então, uma característica essencial que fará com que a conduta seja enquadrada numa subcategoria: a do furto majorado, no primeiro caso, e do furto qualificado, na segunda hipótese. Já o emprego de violência ou grave ameaça na subtração também configura uma circunstância essencial que irá modificar a classificação do delito, agora não 33. HAMPTON, James A. Testing the prototype theory of concepts, Journal of Memory and Language, 34, 686-708, 1995, p. 687. 34 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 1º abr. 2016..

(26) 24. mais para uma subcategoria, mas para uma categoria autônoma: o crime de roubo. Nessa visão, os atributos são binários, ou seja, seguem a lógica do tudo-ou-nada. Em outras palavras, cada atributo essencial está presente ou não em uma coisa, não havendo a possibilidade de estar mais ou menos presente. Considerando a totalidade dos atributos de um conceito, ou eles todos estarão presentes em uma coisa ou não estarão, seja pela falta de um, alguns ou todos. É a presença ou ausência de todos os atributos que determinará se algo deve pertencer ou não a determinada categoria. Em decorrência da necessidade dos atributos, todos os membros da categoria possuem o mesmo status, não havendo que se falar em exemplares mais e menos representativos da categoria. Desse modo, a maçã e o tomate seriam membros igualmente representativos da categoria frutas, haja vista que ambos são formados a partir da estrutura do ovário de uma planta florífera, ainda que a maçã, de acordo com testes empíricos, seja a fruta mais lembrada e o tomate, no imaginário popular, muitas vezes seja categorizado como verdura.. 2.4.2.2 A teoria das semelhanças de família. No século XX, a teoria clássica dos conceitos passou a ser questionada por filósofos, linguistas e psicólogos cognitivos. Para os críticos, os conceitos não poderiam ser formados por propriedades necessárias e suficientes, na medida em que existem entes que não ostentam todas as propriedades componentes de um conceito e que, mesmo assim, são inegavelmente membros da categoria correlata. Basta pensar no conceito de ave, cujas propriedades normalmente apontadas são: ter penas, capacidade de voar, asas, ter nascido de um ovo e ter bico. O sabiá possui todas essas características, razão pela qual normalmente é apontado como membro prototípico da categoria. Por outro lado, nem todas as aves têm asas (kiwi) e nem todos os pássaros podem voar (avestruz, pinguim e galinha), mas ainda assim ter asas ou poder voar são propriedades salientes da categoria ave.35 Outra crítica dirigida à teoria clássica reside no fato de que alguns conceitos não possuem propriedades bem delimitadas, ou seja, os seus limites são obscuros ou difusos (fuzzy), não sendo possível trabalhar com a lógica binária do tudo-ou-nada. Tome-se, por. 35. LEWANDOWSKA-TOMASZCZYK, Barbara. Polysemy, prototypes, and radial categories. In: GEERAERTS, Dirk; CUYCKENS, Hubert (Ed.). Cognitive lingustitcs. New York: Oxford University Press, 2007, p. 139169.p. 146..

(27) 25. exemplo, os conceitos de vermelho e homem alto, em que não existe uma linha demarcatória no espectro de cores de onde terminaria o vermelho e começaria o laranja, nem um limite de onde um homem começaria a ser considerado alto. Credita-se a Ludwig Wittgenstein a primeira formulação de uma perspectiva diversa para a estrutura dos conceitos. Em sua concepção, os conceitos não seriam compostos por propriedades necessárias e suficientes compartilhadas pela totalidade dos membros da categoria, mas pela semelhança dos membros com os outros componentes da categoria. Para exemplificar seu entendimento, esse filósofo utiliza o conceito de jogos. Ele afirma que os jogos podem ser de tabuleiro, de cartas, de bola, torneios esportivos etc., sendo que nenhuma propriedade é comum a todos os componentes da categoria. Ao analisar cada jogo, é possível perceber que algumas características são coincidentes, mas outras desaparecem e novas surgem, havendo “uma rede complicada de semelhanças, que se envolvem e se cruzam mutuamente”36. Os conceitos ou as categorias seriam como semelhanças de família, em que todos os membros de uma categoria teriam uma propriedade comum com outro componente do grupo, mas inexistindo necessariamente uma propriedade que fosse compartilhada por todos os membros da classe. Os limites entre as categorias seriam, portanto, difusos ou apagados. Essa concepção coloca em xeque as características da necessidade e a suficiência das propriedades dos conceitos. Se a classificação é realizada a partir da verificação das semelhanças entre o objeto a ser classificado e os outros membros da categoria, então, a totalidade de membros da categoria não compartilharão todas as propriedades entre eles. É dizer, todos os membros possuirão atributos semelhantes com algum outro exemplar da categoria, mas também possuirão alguns atributos diferentes de outros exemplares.. 2.4.2.3 A teoria dos protótipos. A teoria dos protótipos foi desenvolvida pela pesquisadora em psicologia cognitiva Eleanor Rosch e sua equipe, nos anos 1970, com base em estudos empíricos, partindo dos trabalhos de Brent Berlin e Paul Kay. Esses estudiosos, após pesquisa com falantes de noventa e oito idiomas, realizando testes empíricos com nativos de vinte idiomas, refutaram o determinismo ou relativismo linguístico, geralmente associado a Benjamin Lee Whorf, ao 36. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 53..

(28) 26. descobrir que a categorização das cores não é arbitrária nem totalmente determinada pela língua, mas ocorre seguindo conjunto de cores, que seguem uma sequência evolutiva, sendo que cada cor apresenta uma tonalidade mais representativa ou cor focal.37 Eleanor Rosch chamou as cores focais de pontos de referência cognitivos ou, como mais conhecido, protótipos, que são membros de categorias com um status cognitivo especial, isto é, um exemplo melhor ou mais representativo da categoria. Ela passou a investigar se essa noção aplica-se a outros entes do mundo físico, tais como aves, mobília, esportes, frutas etc., chegando à conclusão que outras categorias apresentam melhores exemplos, ou membros mais típicos ou representativos. Os membros mais prototípicos de uma categoria são os que possuem maior semelhança, ou compartilham maior número de atributos, com outros membros da mesma categoria e possuem menor coincidência com membros de outra categoria.38 Em sentido metafórico, as categorias são formadas por um núcleo no qual estão alocados os melhores exemplares, em cujo entorno residem membros menos representativos, por ordem decrescente de similaridade em relação aos protótipos. Quanto mais atributos um ente possuir em comum com outros membros da categoria, mais será considerado um bom e representativo exemplar dessa categoria e mais próximo estará do seu núcleo significativo. Do mesmo modo, os membros vão perdendo a sua representatividade dentro da categoria e se aproximando da periferia, na medida em que compartilhem cada vez menos atributos com os demais integrantes. Os limites das categorias são obscuros ou difusos (fuzzy), de modo que entes marginais, não raras vezes, ensejarão desacordos quanto a sua correta classificação. Como se percebe, a teoria dos protótipos de Eleanor Rosch coaduna com a ideia de semelhanças de família de Wittgenstein. Com efeito, em um de seus artigos, Eleanor Rosch e seus associados39 concluíram que o estudo confirma empiricamente o argumento de Wittgenstein de que critérios formais não constituem uma necessidade lógica nem psicológica dos conceitos. Para a autora, as semelhanças de família constituem o principal fator da formação do protótipo. O ponto central da teoria dos protótipos é a categorização não ser efetuada segundo a 37. 38. 39. Para uma descrição mais detalhada dos antecedentes da teoria prototípica, desde Wittgenstein, ver LAKOFF, op. cit., segundo capítulo. ROSCH, Eleanor; MERVIS, Carolyn B., Family resemblance: studies in the internal structure of categories, Cognitive Psychology, 7, 573-605 (1975), p. 598-599; ROSCH, Eleanor; MERVIS, Carolyn B.; GRAY, Wayne D.; JOHNSON, David M.; BOYES-BRAEM, Penny, Basic objects in natural categories, Cognitive Psychology, 8, 382-439 (1976), p. 433. ROSCH, Eleanor; MERVIS, Carolyn B., Family resemblance: Studies in the internal structure of categories, Cognitive Psychology, 7, 573-605 (1975), p. 603.

(29) 27. verificação de propriedades definidas e com limites precisos, mas mediante um juízo de semelhança com um exemplar considerado mais representativo da categoria (protótipo). Assim, a categoria das coisas vermelhas é a das coisas cujas cores são suficientemente semelhantes ao vermelho prototípico, e, consequentemente, diferentes de outros protótipos.40 De modo geral, são apontadas quatro características, ou efeitos, dos conceitos, segundo a teoria prototípica.41 Primeiramente, os conceitos prototípicos não podem ser definidos por um conjunto de atributos necessários e suficientes. Como descrito anteriormente, mesmo em categorias cujos integrantes são bem conhecidos, como nas aves, não é possível enumerar um rol de categorias presentes em todos os seus membros. James A. Hampton observa que, quando solicitadas que definam um termo conceitual, as pessoas tendem a apresentar descrições verdadeiras para a classe, mas não para todos os membros, constituindo uma tarefa ingrata até mesmo para linguistas profissionais apresentar uma regra que delimite os membros de uma categoria.42 No mesmo sentido Armstrong, Lila Gleitman e Henry Gleitman asseveram que ninguém obteve sucesso em encontrar as supostas propriedades das categorias, dado que a eliminação de algumas propriedades aparentemente necessárias (por exemplo, penas, capacidade de voar, e nascer de ovos, na categoria das aves) não exerce nenhum efeito sobre a categoria em geral.43 Em segundo lugar, os conceitos apresentam uma estrutura de semelhanças de famílias, vale reprisar, uma rede de semelhanças que se entrecruzam. Ao contrário da teoria clássica, para um objeto estar na extensão de um conceito não é necessário satisfazer todas as propriedades comumente apontadas como componentes da estrutura do conceito, bastando que preencha um número suficiente de propriedades e podendo apresentar outras não ostentadas pelos demais membros. Além disso, Lewandowska-Tomaszczyk explica que, pelo modelo de semelhanças de família, três categorias distintas, por exemplo, A, B, e C, poderiam ter propriedades diferentes, mas coincidentes: A: p, q, r; B: r, s, t; C: t, u, v. Desse modo, a categoria A compartilha uma 40. 41. 42 43. HAMPTON, J. A. Concepts as prototypes. In: Ross, B. H. (Ed.). The Psychology of Learning and Motivation: Advances in Research And Theory, 46, 79-113, 2006. Disponível em: <http://www.staff.city.ac.uk/hampton/PDF%20files/Concepts%20as%20prototypes%202006.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2016. Utilizou-se o elenco de características tal como apontado por GEERAERTS, Dirk. Prospects and problems of prototype theory. In: GEERAERTS, Dirk (Ed.). Cognitive Linguistics: Basic Readings. Berlin: Mouton de Gruyter, 2006, p. 141-165, p. 146; e LEWANDOWSKA-TOMASZCZYK, op. cit., p. 145. HAMPTON, Concepts as…, 2006. ARMSTRONG, Sharon Lee; GLEITMAN, Lila R.; GLEITMAN, Henry. What some concepts might not be, Cognition, 13 (1983) 263-308, p. 268..

(30) 28. propriedade com a categoria B, que compartilha uma propriedade com a categoria C, embora os membros da categoria A e C não possuam nenhuma propriedade em comum.44 A terceira característica é a tipicidade, assim entendida como a medida na qual os objetos são bons exemplos do conceito45. Cada categoria possui graus de membros, de forma que nem todo exemplar é igualmente representativo da categoria. O exemplar mais representativo é chamado de protótipo, e os demais serão mais ou menos típicos conforme maior seja a sua semelhança com ele. Desse modo, alguns membros são mais típicos que outros. O sabiá é uma ave mais típica que o avestruz, o cachorro é um mamífero mais típico que a baleia e a maçã é uma fruta mais típica que o tomate. De acordo com os estudos de Lawrence W. Barsalou, os estudantes universitários americanos concordaram que o tordo é uma ave mais típica, o pombo é moderadamente típico, e o avestruz é uma ave atípica. Ademais, para o autor, os não-membros de uma categoria também podem variar quanto ao grau de não-membros. Exemplifica que a cadeira é um melhor não-membro de ave do que a borboleta46. No direito, igualmente, é possível pensar em exemplares de uma categoria mais característicos que outros. O homicídio é considerado por Nelson Hungria o crime por excelência47. De fato, não parece razoável pensar que o homicídio tenha o mesmo status cognitivo dentro da categoria dos crimes que o pouco conhecido delito de produzir açúcar em fábrica clandestina, previsto no art. 1º, “b”, do, ainda vigente, Decreto-Lei nº 16, de 06 de agosto de 1966.48 A prototipicidade pode ser absoluta ou relativa. O protótipo será relativo quando se modificar, conforme o contexto em que a categoria é empregada. Na categoria homem gordo, certamente, a imagem mental de melhor exemplo não será a mesma quando utilizada para se referir a maratonistas de elite e a lutadores profissionais de sumô. Igualmente, o protótipo do conceito mulher honesta, ao tempo da entrada em vigor do Código Penal, não era o mesmo que prevalecia quando da revogação do conceito pelo advento da Lei nº 11.106, de 28 de. 44 45. 46 47 48. LEWANDOWSKA-TOMASZCZYK, op. cit., p. 146. OSHERSON, Daniel N.; SMITH, Edward E. On tipicality and vagueness, Cognition, 64, 1997, p. 189-206, p. 189. No mesmo sentido, Lawrence W. Barsalou afirma que “[a]o invés de ser equivalente, os membros da categoria variam em quão bons exemplos (ou quão típicos) eles são de suas categorias.” BARSALOU, op. cit., p. 629. BARSALOU, op. cit., p. 629. HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 5. p. 25. BRASIL. Decreto-Lei nº 16, de 06 de agosto de 1966. Dispõe sobre a produção, o comércio e o transporte clandestino de açúcar e do álcool e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0016.htm>. Acesso em: 1º abr. 2016..

(31) 29. março de 2005.49 Por outro lado, a categoria vermelho terá o mesmo protótipo em qualquer circunstância, sendo, por isso, de prototipicidade absoluta.50 A última característica dos conceitos é a obscuridade em seus limites. Se o núcleo significativo de um conceito é certo e consensual, o mesmo não pode ser dito acerca dos seus limites, que são difusos (fuzzy) ou opacos. As categorias são como espectro de cores, em que estão unidas umas às outras, são contínuos, mas sem possuir, contudo, fronteiras determinadas. Para a teoria dos protótipos, os nossos conceitos são estruturados com base na sua semelhança com alguma representação central protótipo51, conforme essa semelhança vai desaparecendo o objeto vai se aproximando da margem do conceito até ingressar em outro, quando as dessemelhanças se acentuam. Por não existirem divisas claras entre os conceitos ou as categorias, sempre subsistirão dúvidas acerca da correta classificação dos membros marginais.. 2.4.2.4 Considerações sobre as teorias dos conceitos. As pesquisas de psicologia e linguística cognitivas empreendidas, a partir do século passado, demonstraram que a rigidez da teoria clássica ou binária não é capaz de explicar a estrutura de todos os conceitos que o intelecto humano pode construir. Por outro lado, mesmo os defensores da teoria prototípica dos conceitos admitem que a prototipicidade é um conceito prototípico; é dizer, as características ou efeitos ora descritos podem ser exibidos em várias combinações52. Nem sempre os conceitos apresentam concomitantemente todas as características ou os efeitos citados anteriormente. Primeiramente, é falso afirmar que nenhum conceito é estruturado por conjunto de atributos necessários e suficientes. A categoria dos números inteiros ímpares, cujos integrantes são os números inteiros que divididos por dois não resultam um número inteiro, possuem 49. BRASIL. Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005. Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11106.htm>. Acesso em: 1º abr. 2016. 50 Nesse sentido, conferir o estudo empírico: RIPS, Lance J.; TURNBULL, William. How big is big? Relative and absolute properties in memory. Cognition, 8, 145-174, 1980. 51 HAMPTON, James A. Typicality, Graded Membership and Vagueness. Cognitive Science, 31, 355-383, 2007. p. 356. 52 Nesse sentido, GEERAERTS, Dirk. Prospects and problems of prototype theory. In: GEERAERTS, Dirk (Ed.). Cognitive linguistics: basic readings. Berlin: Mouton de Gruyter, p. 141-165, 2006. p. 146; e LEWANDOWSKA-TOMASZCZYK, op. cit., p. 150..

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