• Nenhum resultado encontrado

3 A TIPOLOGIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.3 O PRINCÍPIO DA TIPICIDADE TRIBUTÁRIA

3.3.5 O emprego de tipos (propriamente ditos) e outros conceitos vagos na hipótese de

Feitas as considerações acerca do conteúdo do princípio da tipicidade tributária, remanesce ainda mais uma questão: a hipótese de incidência pode contemplar tipos em sentido próprio, conceitos jurídicos indeterminados, conceitos normativos, cláusulas gerais e outras classificações de conceitos vagos criadas pela doutrina?

O problema não pode ser enfrentado sem recordar que os conceitos estão todos unidos, formando uma espécie de espectro, em que as diferentes modalidades apontadas pela doutrina são, na verdade, pontos focais, cujas propriedades são graduáveis e vão se acentuando ou reduzindo-se, ao se aproximar ou se afastar desses pontos, e cujos limites não são bem delimitados, normalmente ensejando divergências quanto à adequada classificação.

178 Consoante lição de Ludwig von Mises: “A ideia de um imposto neutro é tão irrealizável como a de moeda neutra, embora, evidentemente, as razões dessa inevitável não neutralidade sejam diferentes num caso e no outro.” (MISES, Ludwig von. Ação humana: Um tratado de economia. Tradução de Donald Stewart Jr. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. p. 838). Na doutrina jurídica, sobre as concepções acerca da neutralidade fiscal, Cf. ELALI, André. Incentivos fiscais, neutralidade da tributação e desenvolvimento econômico: a questão da redução das desigualdades regionais e sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). Incentivos fiscais. São Paulo: MP, 2007. p. 37-66.

Tipo, consoante estudado, é o conceito formado por propriedades graduáveis e que nem sempre todas precisam estar presentes nos exemplares, que ainda podem ostentar outras características, sem que isso os exclua da categoria correspondendente.

O conceito indeterminado é, na lição de Karl Engisch179, o conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos. Esclarece o autor que os conceitos absolutamente determinados são muito raros no direito, podendo assim ser considerados os conceitos numéricos. Já os conceitos jurídicos são predominantemente indeterminados, pelo menos em parte. O jurista alemão cita como exemplos de conceitos jurídicos indeterminados os “conceitos naturalísticos que são recebidos pelo Direito, como ‘escuridão’, ‘sossego nocturno’, ‘ruído’, ‘perigo’, ‘coisa’”, e ainda conceitos propriamente jurídicos “como os de ‘assassinato’ (‘homicídio qualificado’), ‘crime’, ‘acto administrativo’, ‘negócio jurídico’, etc.”.

Karl Engisch180 ainda vislumbra outra espécie de conceito: o conceito normativo. Embora se trate de um conceito ambíguo, o sentido de conceito valorativo que merece preferência é aquele, ao contrário do conceito descritivo que designa descritivamente objetos reais, ou perceptíveis ou percepcionáveis pelo sentido, sempre precisa de uma valoração no caso concreto, tais como: predisposição caractereológica indigna, motivo vil, escrito

pornográfico e representação blasfema. Os conceitos normativos quase sempre são também

conceitos indeterminados.

A cláusula geral, segundo Judith Martins-Costa181, “constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico”.

Os tipos propriamente ditos, os conceitos jurídicos indeterminados, os conceitos normativos e outras classificações de conceitos vagos apontadas pela literatura jurídica (dentre os quais tipos abertos, conceitos porosos, conceitos fluídos etc.) são todos eles espécies de conceitos prototípicos. O que os distingue é apenas a ênfase atribuída a alguma de suas propriedades. Nos conceitos indeterminados, a imprecisão recai sobre elementos designativos de dados sensíveis do mundo real, enquanto nos conceitos normativos a vagueza

179

ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de João Baptista Machado. 9. ed. Lisboa: Calosute Gulbenkian, 2004, p. 208-209.

180 Ibid., p. 210 e 213.

181 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um sistema em construção: ss cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro, Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35 n. 139, jul./set. 1998, p. 5- 22. p. 8.

reside nas propriedades valorativas. Mas, no fim das contas, todos são conceitos prototípicos, estruturados por um núcleo preciso e um perímetro incerto de limites obscuros.

O emprego de tipos e demais conceitos vagos, qualquer que seja a sua denominação, pelo legislador, constitui uma delegação ou mandato para o aplicador da lei construir comandos jurídicos à vista do caso concreto182. Esses conceitos não encontram espaço dentro da hipótese de incidência tributária, em razão da segurança jurídica exigida pelo princípio da tipicidade. Maria Celina Bodin de Moraes183 explica que no decorrer do séc. XX a segurança foi sendo irreversivelmente corroída, passando o legislador, diante desse novo cenário, a utilizar-se de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, que “acabam por acentuar a sensação de indeterminação e de insegurança perante o Direito”.

De acordo com Radbruch184, os conceitos ordenadores eram tidos por Oppenheim como manifestamente inadequados para a formulação de leis jurídicas, porque não se destinam a comparar diferentes circunstâncias de fato, mas a apreciar se a um caso particular deve ser atribuída ou negada determinada característica. Radbruch discordou dessa posição, argumentando que o julgamento de um caso exige comparação com casos similares, mas reconhecia que a concepção de Oppenheim estava correta em seu resultado.

O jusfilósofo alemão185, tratando espeficamente do Direito Penal, explicou que o crime pode ser entendido como conceito classificatório ou graduável. Como conceito classificatório, sua única função reside em distinguir o crime do que não é crime. Como conceito ordenador, o crime tem limites opacos e abertos, permitindo que seja graduado do nível mais alto ao mais baixo de culpabilidade, o que irá importar para a dosimetria da pena. Contudo, o conceito graduável de crime encontra sua barreira no limite do conceito classificador do delito, evidenciando a prevalência do conceito classificatório sobre o ordenador. Ao final, Radbruch concluiu que “a tipologia é apenas uma forma preliminar dos desejados conceitos de classificação, o ponto de partida de operações lógicas que vão conduzir o conceito de tipo ao conceito classificatório”186

.

182 Nesse sentido, referindo-se às cláusulas gerais: MARTINS-COSTA, ibid., p. 8; e TEPEDINO, Gustavo.

Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 9.

183 MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do Direito Civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Org.). A constitucionalização do Direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 435-453. p. 439.

184 RADBRUCH, op. cit., p. 4. 185

RADBRUCH, op. cit., p. 7. 186 RADBRUCH, op. cit., p. 9.

No Direito Tributário, o mesmo raciocínio impõe-se. O intérprete pode até pretender ordenar os fatos tributáveis de acordo com a semelhança com um protótipo ou tipo médio, mas essa gradação deve obedecer os limites traçados pela hipótese de incidência.

Mas uma questão deve ser enfrentada. Se o próprio conceito apresenta uma estrutura prototípica, não se sabendo onde termina o conceito de classe e onde começa o conceito de tipo, como realizar o controle dos conceitos utilizados pelo legislador na descrição da hipótese de incidência? Isto é, como saber se os elementos do tipo tributário observam o princípio da tipicidade?

De fato, não existe uma unidade de medida capaz de mensurar a vagueza ou a certeza dos conceitos, o que torna impossível solucionar esse problema com precisão absoluta. Assim, o norte para a solução desse problema reside na finalidade do princípio em questão. Considerando que o princípio da tipicidade almeja alcançar um estado de segurança jurídica caracterizado pela previsibilidade e determinabilidade dos tributos, o intérprete deve analisar se os conceitos empregados realizam esse objetivo na maior medida possível.

Assim, se os conceitos utilizados pelo legislador permitirem a previsibilidade e determinabilidade da tributação pelo contribuinte, a lei tributária será válida; por outro lado, se os conceitos forem vagos, a ponto constituir uma plena delegação da determinação da hipótese de incidência ao aplicador, a norma deverá ser declarada inconstitucional.

4 A INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO UTILIZADOS