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3 A TIPOLOGIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.3 O PRINCÍPIO DA TIPICIDADE TRIBUTÁRIA

3.3.1 O conceito de princípio

A primeira condição para responder se existe um princípio da tipicidade em matéria tributária é esclarecer o que se entende por princípio. Obviamente, o objetivo deste tópico não é, e nem poderia ser, o de revolver toda a discussão envolvendo as espécies de normas jurídicas e suas características. Pretende-se apenas definir o conceito de princípio adotado neste trabalho, haja vista se tratar de termo bastante controverso.

Foram muitos os doutrinadores que procuraram estabelecer uma conceituação precisa dos princípios jurídicos. Contudo, o atual debate acerca da distinção das normas jurídicas entre regras e princípios inicia-se com a crítica ao positivismo empreendida por Ronald Dworkin, no famoso artigo The Model of Rules, inicialmente publicado na revista University

of Chicago Law Review, em 1967, e posteriormente inserido na obra Taking Rights Seriously128.

126 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas à BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de

tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 228.

127 Nesse sentido, para Sergio André Rocha não haveria um princípio da tipicidade no Direito Tributário, mas sim princípios, na concepção alexiana, da determinação e da vedação à tributação por analogia. ROCHA, Sergio André. Existe um princípio da tipicidade no Direito Tributário? Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 136, p. 68-79, jan. 2007; ROCHA, Sergio André. Existe um princípio da tipicidade no direito tributário? Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 26, p. 341-352, 2011.

128

Existe uma tradução para o português, que foi utilizada neste trabalho: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Para Dworkin, um sistema jurídico composto exclusivamente por regras não seria suficiente para solucionar todos os problemas, em virtude da existência de situações cuja solução provém de padrões que funcionam de modo diferente das regras. Esses padrões são denominados princípios. As regras são aplicáveis ao modo do tudo-ou-nada, ou seja, constado que um fato adequa-se à hipótese de incidência de uma regra, ou a norma será válida e a sua consequência aplicada, ou será inválida e em nada contribuirá para a solução129. Os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso. Quando eles se intercruzam, a solução será obtida de acordo com o peso relativo de cada um130.

A doutrina de Dworkin teve grande repercussão na Teoria do Direito. A partir dela, Robert Alexy aprofundou a distinção entre regras e princípios. De acordo com o teórico alemão, os princípios são mandamentos de otimização, que determinam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. As regras, por sua vez, são normas que serão aplicadas ou não, conforme a sua validade131. Elas seguem a lógica do tudo-ou-nada. Outra diferença é que o conflito de regras resolve-se pela declaração da invalidade de uma delas, aplicando a outra na sua integralidade, ressalvados os casos em que se admite uma cláusula de exceção. Já no caso de colisão entre princípios, um deles deve ceder, sem que isso signifique o reconhecimento de sua invalidade ou a inclusão de uma cláusula de exceção, pois, em outra colisão, a precedência pode ser solucionada de modo diverso132. Por fim, os princípios contêm mandamentos prima facie e as regras mandamentos definitivos133.

Aulis Aarnio endereçou críticas consistentes à proposta de distinção das normas em regras e princípios. Primeiramente, argumenta que as regras e os princípios formam uma escala que se pode dividir em quatro partes. Há regras propriamente ditas (R), como a proibição de roubar no direito penal. Mas existem princípios que são como regras (PR), como o princípio da liberdade de expressão ou de que ninguém pode se beneficiar do seu próprio delito. Existem regras que são como princípio (RP), a exemplo das regras flexíveis que possuem âmbito valorativo aberto, tal como os princípios. E existem, por fim, os princípios

129

DWORKIN, ibid. p. 39. 130 DWORKIN, ibid. p. 42-43.

131 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90.

132

ALEXY, Teoria..., 2012, p. 92-93. 133 ALEXY, Teoria..., 2012, p. 104.

propriamente ditos (P), como os princípios da igualdade e da liberdade, além de outros princípios valorativos ou de finalidade134.

Em relação à estrutura da norma, Aarnio defende que regras e princípios possuem natureza normativa (deôntica) similar. Aduz que os princípios são caracterizados como mandamentos de otimização, mas, assim como as regras, esses mandamentos ou se otimizam ou não se otimizam, de forma que os princípios não comportam aplicação em maior ou menor medida135.

A questão da validade das normas também não passou ao largo da crítica de Aarnio. Para o autor, as normas jurídicas não apresentam diferenças quanto à validade formal, tendo em vista que as regras próprias (R), como também os princípios que são como regras (PR), as regras que são como princípios (RP) e os princípios puros (P) manifestados na legislação são normas inseridas na hierarquia submetida à Constituição. Não havendo essa manifestação, devem ser buscadas outras normas de reconhecimento, na medida em que a Constituição por si só não supre essa ausência136.

Do mesmo modo, no que toca à validade material das normas, ou seja, à aceitação e aceitabilidade das regras e princípios, Aarnio formula quatro ponderações:

1) Havendo duas regras que regulam um mesmo caso, não é verdade que uma necessariamente será inválida, pois a interpretação das mesmas pode encontrar uma solução que mantenha a validade de ambas. Apenas diante de regras interpretadas incompatíveis é que uma deve ceder. O raciocínio vale para o caso de regras gerais e específicas, que podem conviver num mesmo ordenamento.

2) A regra também pode ser excepcionada por um princípio jurídico.

3) Em caso de colisão de princípios, um deles prevalecerá, sem que o outro seja expurgado do ordenamento jurídico.

4) Os princípios competem entre si em posição de igualdade, não havendo preferência a priori. Se não for possível aferir a validade prima facie de um princípio, porque não há regra de reconhecimento baseada na Constituição, a validade deve ser averiguada principalmente de duas maneiras:

134 AARNIO, Aulis. Las reglas en serio. In: AARNIO, Aulis; VALDÉS, Ernesto Garzón; UUSITALO, Jyrki. La

normatividad del Derecho. Tradução de Ernesto Garzón Valdés, Sebastián Urbina e Eduardo Rivera Lópes. Barcelona: Gedisa, 1997, p. 23.

135 AARNIO, ibid., p. 27. Em resposta a essa crítica, Robert Alexy esclareceu que os princípios são, na verdade, mandamentos a serem otimizados, sendo, portanto, objeto de ponderação e balanceamento. ALEXY, Robert. On the Structure of Legal Principles. Ratio Juris. v. 13 n. 3 p.294-304, set. 2000. p. 300-301.

a) observando se o princípio encontra apoio institucional no ordenamento jurídico, como, por exemplo, se decorrem de princípio precedente ou se são expressão institucional de valores; e

b) observando se se trata de um princípio não jurídico mas com relevância jurídica, em virtude de constituir um fundamento coerente de justificação e baseado em algumas fontes autoritativas, como o direito legislado137.

Em relação ao nível da posição das normas na argumentação jurídica, assevera o autor que é enganoso dizer que sempre as regras oferecerão razões definitivas e os princípios razões

prima facie. As regras que funcionam como princípio são argumentos prima facie, enquanto

os princípios que atuam como regras fornecem solução imediata ao problema jurídico138. Assim como Aarnio, o jurista brasileiro Humberto Ávila reconheceu os problemas presentes nas classificações normativas anteriores e desenvolveu uma teoria dos princípios que teve o mérito de, ao mesmo tempo, conservar a distinção entre regras e princípios jurídicos e colocar-se imune às críticas que pesavam contra as teorias, em especial as de Dowrkin e Alexy. Por essa razão, o termo princípio será utilizado neste trabalho conforme essa proposta.

Segundo o doutrinador139, a classificação das normas é justificada em razão de poder antecipar as características das espécies normativas, de modo que o aplicador, assim que encontrá-las, poderá ter facilitado o processo de interpretação e aplicação do direito, e aliviar, mas nunca erradicar, o ônus argumentativo do aplicador do direito pela especificação do que precisa ser justificado.

Na construção de Ávila, os princípios são normas que estabelecem finalidades a serem atingidas e, por isso, não entram em confronto direto, podendo, em nível abstrato, apenas se entrelaçarem. As regras são normas que descrevem uma conduta a ser adotada para a obtenção de uma finalidade. Assim, as regras podem conter incompatibilidade lógica total em abstrato, enquanto os princípios só podem ser parcialmente incompatíveis140.

Em suma, as regras são normas descritivas, pois estabelecem obrigações, permissões e proibições, descrevendo a conduta a ser adotada. Princípios são normas finalistas, pois

137 AARNIO, op. cit., p. 28-29. 138 AARNIO, op. cit., p. 30-31.

139 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 56-57.

prescrevem um estado ideal de coisas cuja realização demanda a adoção de determinado comportamento141.

Acrescenta o doutrinador gaúcho que a aplicação das regras exige uma justificação de correspondência entre a construção conceitual dos fatos e a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte142. Por outro lado, nos princípios, a aplicação deve argumentar de modo a demonstrar uma correlação entre os efeitos da conduta a ser adotada e a realização do estado de coisas almejado143. Outra diferença pontuada é a de que as regras têm a pretensão de gerar a decisão específica para o conflito entre as razões, enquanto que os princípios somente fornecem parte dos fundamentos importantes para a tomada de decisão, não sendo o único aspecto a ser considerado144.