PERSPECTIVAS DE CONTROLE DA ESQUISTOSSOMOSE MANSONI
COM ESPECIAL REFERÊNCIA AO TRATAMENTO EM MASSA*
J. Rodrigues Coura * * e Léa Cam illo Coura * *
Classicam ent e as t ent at ivas de co nt ro le da esquist ossom ose t êm se baseado na u t ilização de um ou m ais dos seguintes m ét odos, isola dos ou associadam ent e: a) Co nt ro le do hospe deiro int erm ediário at ravés do uso de m olusci- cidas, lut a b io lógica ou com pet ição de q u al quer nat ureza; b) San eam ent o básico e ou abast ecim ent o de água com dif erent es graus de aperfeiçoam ent o e co m p lexid ad e, de aco r do com os recursos d isp o n íveis, locais e gru pos de populações hum anas a serem at ingidas; c) Ed ucação San it ár ia, desde info rm açõ es m u i t o prim ár ias e sem alvos def in id o s até proces sos de corydicionam ent o e part icipação de co m unidades em dif erent es graus de int egração no processo; d) Prot eção in divid ual de pessoas e de grupos pro fissio nais seja do co nt at o pes soal com águas infest adas pelos caram ujos hos pedeiros int erm ediário s, seja pelo uso de ves t uár io im perm eável à penetração de cercárias ou ainda o uso experim ent al de subst âncias pot encialm ent e im pedit ivas dessa penetração e finalm ent e e) Trat am en t o de populações in fect adas, com inúm eras drogas desde os ant i- m oniais até os produt os m ais recent es de u t ili zação em dose única por via oral, co m o o o xam n iq uin e e o praziquan t el, este ainda na fase de experim ent ação clf n ica.
Nenhum dos m ét odos acim a m encionados pode ser co nsiderado em ext ensão co m o capaz de isoladam ent e prom over o co nt ro le da es quist ossom ose, a não ser em áreas e grupos po pulacionais m u it o rest rit os, co m o é o caso do uso de m o luscicidas quan do aplicados com um grande rigor de t écnica e regularidade, acom panhado de um r ígid o program a de vigilância
durant e per íodos m uit o longos ou prat icam en te in f in it o s, o que t orna o program a m uit o d is pendioso e prat icam ent e inaplicável num país de ext ensão t err it o rial e de fauna planor bídica dissem inada com o a exist ent e no Brasil, além dos problem as de polu ição e do co m pro m et i m ent o da lavoura e de alguns elem ent os da fauna. Po r o u t ro lado os experim ent os sobre o co nt ro le b io ló gico não t êm t razid o argum en t os co nvincent es sobre a eficácia de sua u t ili zação em m aior escala.
O saneam ento básico e o abast ecim ent o de água t rat ada seriam naturalm ent e um a im por t ant e so lu ção para o problem a do co nt role não só da esquist ossom ose nas populações aglom eradas, mas de out ras doenças de t rans m issão h íd r ica; ent ret ant o, rest ariam as d if i culdades de co nt ro le nas populações rurais não aglom eradas e principalm ent e nos grupos p ro fissionais com co nt act o obrigat ório com a água, especialm ent e os lavradores, um a vez que seria im possível o saneam ent o global do universo habit ado.
A educação sanit ária com o m edida isolada cert am ent e não t eria cab im ent o num progra m a de cont role da esquist ossom ose; ent ret an t o, a p art icipação at iva da co m unidade nas d i versas et apas da com preensão e aplicação das m edidas de co nt ro le seria, nat uralm ent e, em nossa o p inião , a única form a de obt erm os re sult ados perm anent es e rent áveis em termos não só do co nt ro le da esquist ossom ose mas de diversas out ras doenças, e, m ais ainda, no pro cesso de desenvolvim ent o global. Em realida de as experiências realizadas até agora neste cam po no Brasil são ext rem am ent e
fragmentá-* Trabalho apresentado na Reunião prom ovida pelo Conseiho N acional do Desenvolvimento C ie n tific o e Tec nológico (C N P q) sobre Epidem iologia e C ontrole da Esquistossomose, Recife, 2 4 a 2 8 de ab ril de 1978.
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rias e frágeis, de um lado pela t im idez ou in t erferências de conot ações p o lít icas e, de o u t ro, pela lim it ação e fragilidade dos program as em si, seja do pont o de vist a do seu cont eúdo ou da falta de apoio e crédit o pelas ent idades pat rocinadoras.
A prot eção individual de pessoas e grupos profissionais do cont at o à penet ração de cer- cárias pela pele tem grandes lim it ações não só do pont o de vista num érico das pessoas que podem ser prot egidas, com o t am bém do pon t o de vista t écnico e operacional. É quase que imprat icável o uso de bot as, luvas, e out ros vestuários imperm eáveis, nas condições cu lt u rais e de t rabalho de nossa população rural, que é obrigada a um co nt at o permanent e com a água. Por out ro lado a prot eção para evit ar o cont at o da população com a água infect ada demanda uma série de m edidas básicas com o construção a t lavanderias, fecham ent o e lim peza de valas e medidas de educação sanit ária, com as lim it ações e dificuld ades já conhecidas e cujos resultados não parecem ter sido d evi
damente avaliados em nosso país. Cert am ent e
a única medida de prot eção individual e co le t iva segura seria o aum ent o da resist ência e imunidade às infecções se dispuséssem os de uma vacina eficaz, o que não parece viável a curt o e médio prazo.
0 conceit o de t rat am ent o em massa " st ric- t o sensu" é o de t rat am ent o sim ult âneo de t o da a população de uma co m unidade, incluin do indiscrim inadam ent e doent es e não doent es, infect ados e não infect ados de t odas as idades e sexos. Est e co nceit o não poderia ser ap lica do do pont o de vist a ét ico, a não ser com d r o gas afaso/ utamente at óxicas, o que não ocorre nem mesmo no caso de " vacinação em m assa" quando se selecionam alguns casos de cont ra- indicação absolut a. Do pont o de vist a prát ico, chama-se de t rat am ent o em massa o t rat am en t o sim ult âneo ou " quase sim u lt ân eo " de um " grande núm ero " de pessoas represent at ivo de uma com unidade, com o define M ar t in s10, se gundo Prat a13. M esmo este ú lt im o conceit o não pode ser aplicado ao caso da esquist osso- mose, prim eiro porque não dispom os ainda de uma droga absolut am ent e at óxica e segundo porque não se ju st ificaria o t rat am ent o de in divíd uo s não infect ados a não ser co m o grupo cont role de t oxicidad e em det erm inados expe riment os.
No caso part icular da esquist ossom ose, pa- rece-nos mais adequada a aplicação do co n cei t o de t rat am ento selet ivo em larga escala, co n sist indo os element os de seleção: a) In d ivíd u o s
com infecção at iva; b) In d ivíd u o s sem cont ra- indicação absolut a e c) In d ivíd u o s que per m i t am o t rat am ent o. Est as t rês co ndições, alia das a um a t axa de aproxim adam ent e 10% de exam es de fezes falso-negat ivos, lim it am acen- t uadam ent e o emprego do t rat am ent o esp ecí f ico com o m edida de co nt role da esquist osso mose. Poder-se-ia superar esta últ im a d if icu l dade (casos com exam e falso-negat ivos) ex clu in d o o prim eiro item da seleção e port ant o t rat ando t odos os in d ivíd u o s da co m unidade, independent e de estarem ou não infect ados, desde que não apresent assem co nt rain dicação absolut a ao t rat am ent o e que não se opuses sem a ele, o que nos colocaria mais p ró xim os do co nceit o de t rat am ent o em massa; ent re t ant o, este fat o encareceria t rem endam ente o cust o da operação pela quant idade de m edica m ent o a ser u t ilizad o desnecessariam ent e, t ant o m ais quant o m enor fosse a prevalência da infecção na co m unidade, em bora esse cu s t o fosse m in im izado pela dispensa do diagnós t ico laborat orial da infecção. De out ra part e, aum ent aríam os o risco dos efeit os t ó xico s e colat erais pela ext ensão do t rat am ent o.
Os t rabalhos pio neiros do t rat am ent o sele t ivo da esquist ossom ose em larga escala com o os de Heraldo M aciel9 , Get Jansen 6 , Hoel Set t e14 e Ro drigu es da Silv a15, realizados no Brasil, u t ilizan d o ainda os ant im on iais t riva- lent es, t rouxeram um a im port ant e co n t r ib u i ção para o conhecim ent o dos result ados e d i ficuldades da quim io t erapia com o m edida de cont role da esquist ossom ose. Desde ent ão, pode-se avaliar que o t rat am ent o esp ecíf ico da esquist ossom ose m ansoni é um a im p o r t an te m edida para o cont role da doença em po pulações afast adas das áreas endêm icas e das d ificuld ades desse t rat am ent o devido aos efei t os t ó xico s, à im possibilid ad e do t rat am ent o de t oda a população infect ada, e às re-infec- ções nas áreas endêm icas, lim it ando acent ua- dam ent e o seu em prego com o m edida de co n t role nessas áreas, em bora com a dem on st ra ção clara de que a sua u t ilização pode reduzir a evolução da doença para as form as graves, fat o que veio a ser co nfirm ad o por Klo et zel8 post eriorm ent e.
Co m a descobert a de drogas m enos t ó xicas e de aplicação em dose única, co m o é o caso do Hycant h one, pode-se em preender cam pa
Janeiro-D ezem bro, 1979/80
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t rem a im por t ância. Em est udos experim ent ais de cam po em m enor escala, Bina e Prat a1,2 e Bin a3 na Bahia, t êm dem onst rado a p o ssib ili dade de redução dos índ ices e da int ensidade da infecção nos in d ivíd u o s t rat ados e que per m anecem na área endêm ica e, ainda, a redução da evolução da doença para as form as graves, fat o que at ribuem ao aum ent o da resist ência às re-infecções dos in d ivíd u o s t rat ados. Kat z & co laboradores7 , ent ret ant o, não t êm obt ido em M inas Gerais result ados sem elhant es quan t o às re-infecções de pacient es previam ent e t rat ados, observando prat icam ent e os mesmos índ ices de infecção ao fim de 7 anos após o t rat am ent o.
M ais recent em ent e, com a u t ilização do Oxam n iq u in e por via oral em dose única, com elevados índices de cura parasit ológica e baixa t o xicid ad e, estim ulou-se o uso dessa droga em larga escala, inclusive em cam panha de t rat a m ent o em massa adot ado pelo M inist ério da Saú de, em 1976, com a qual não co ncordam os pelas seguintes razões: 19) Por falt a de um es t udo p ilo t o prévio bem co nd u zido , acom panha do de um grupo co nt ro le e de ou t ros requisit os de avaliação, que possam oferecer um suport e cie n t íf icç a um em preendim ent o desse vult o; 29) Pelo elevado cu st o do invest im ent o, não ju st if icad o sem as garant ias de sucesso e sem as salvaguardas de event uais p reju ízo s decor rentes de efeit os t ó xico s, seleção de m utant es resist ent es e de resist ência cr uzada; 39) Pela exist ência de est udos prévios que dem onst ram que as falhas t erapêut icas prim árias de 10 a 20% e as re-infecções da ordem de 15% ao ano, além da im possibilid ad e do t rat am ent o sim ult âneo de t oda a população, anulam a possibilidade do co nt ro le da esquist ossom ose pelo t rat am ent o em larga escala, co nfo rm e de m onst ram os em t rabalhos ant eriores4 ,5 .
Diant e do exp ost o nesta revisão sum ária, co n clu ím o s:
19) Que os m ét odos at uais são insu ficient es e ext rem am ent e dispendiosos para o co n t role dos hospedeiros int erm ediários da esquist ossom ose, num país da ext ensão t err it orial do Brasil e com a sua ext ensa d ist r ib u ição plam o r bíd ica.
29) Que o saneam ento básico e o abast eci m ent o de água, ao lado da educação, são os elem ent os fundam ent ais para qualquer program a de co nt ro le da esquist ossom ose e de out ras doenças de t ransm issão h íd r i ca.
39) Que a par t icip ação at iva da com unidad e é a única form a de obt erm os result ados per
m anent es em qualquer program a de co n t role da esquist ossom ose ou de qualquer out ra doença, dent ro do co nceit o da ne cessidade de desenvolvim ent o global. 49) Que o t rat am ent o quim ot er ápico deve ser
considerado apenas com o m ét odo auxiliar no co nt ro le da esquist ossom ose devendo ser aplicad o part icularm ent e em crianças e adult os jovens com elevadas cargas para sit árias, visando a reduzir a evolução da doença para form as graves.
59) Que nenhum m ét odo isoladam ent e pode ser considerado capaz de co nt ro lar a es quist ossom ose e que qualquer program a de co nt role deve considerar a necessidade da aplicação m u lt id iscip lin ar dos mét odos exist ent es.
69) Que há uma grande necessidade de avalia ção cr ít ica das experiências de cont role da esquist ossom ose já realizadas no Brasil e dos result ados ob t id o s, antes do plane jam ent o de novos program as que devem sem pre ser precedidos dessas avaliações e de novas pesquisas dir igidas para co m ple t á-las at ravés de projet os pilo t os e estudos de pont os esp ecíficos.
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