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O DUMPING SOCIAL NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

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Academic year: 2022

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MESTRADO EM DIREITO

Área de Concentração: Direito das Relações Sociais e Trabalhistas

KELLY KARYNNE COSTA AMORIM

O DUMPING SOCIAL NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

Brasília

2018

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KELLY KARYNNE COSTA AMORIM

O DUMPING SOCIAL NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

Dissertação de Mestrado apresentado à Banca examinadora como requisito parcial para a obtenção de grau de Mestre em Direito das Relações Sociais do Trabalho pelo Centro Universitário UDF

Aprovada em: _____________________

_______________________________________________________

Professor Doutor Maurício Godinho Delgado (Orientador-UDF)

__________________________________________________

Professor Doutor Guilherme Guimarães Feliciano (USP)

_______________________________________________

Professora Doutora Rúbia Zanotelli de Alvarenga (UDF)

Brasília 2018

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KELLY KARYNNE COSTA AMORIM

O DUMPING SOCIAL NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

Brasília

2018

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DEDICATÓRIA

Sempre e para sempre dedico a Deus, condutor dos meus passos e Pai Fiel, companheiro, amoroso e misericordioso. A Ele, toda honra e Glória.

Dedico também às pessoas especiais na minha vida:

À minha avó Maria, que me criou com toda a simplicidade, amor e companheirismo e que hoje é meu anjinho no céu;

À minha mãe Rose, mulher forte e guerreira, que enfrentou tudo e todos para dar meu melhor presente: a vida;

À minha Tia Jane, exemplo de resiliência, esforço e comprometimento profissional, além de me fazer acreditar e realizar os meus sonhos;

À minha Tia Ró, que ajudou em minha criação de uma maneira espetacular e cuidadosa;

Aos meus irmãos Sarah, Kety e Saulo, por torcerem tanto por mim;

Ao meu irmão escolhido Anderson Costa, pelo companheirismo, amor, torcida e por trilhar comigo caminhos de aprendizado e descobertas;

À minha família de Brasília, que me acolheu com tanto amor e bondade: Dona Joana, Seu Lucival, Anderson, Val, Dona Telma e Luciene;

À minha equipe maravilhosa do Escritório Costa & Amorim: Eriane (Nane), Fabiele, Jane, Érick, Leide, Amanda, Marília, Iarla e Anderson, por apostarem nos projetos e se entregarem de corpo e alma em um trabalho diário que impacta vidas e faz justiça social;

À Lara Andrade, por ser minha fiel escudeira, companheira para o que der e vier, e sempre pronta para ajudar;

À Professora Beatriz Eckert-Hoff, exemplo de liderança, simplicidade e competência profissional;

À minha amiga Jouse Guimarães, por ter apostado em mim sem querer nada em troca;

Ao João Augusto, por me acompanhar com ternura e compreensão e por trazer café nas noites em claro;

Ao Jack, companheirinho de várias noites acordada.

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AGRADECIMENTOS

Sempre tive em mente que a gratidão deve permear todos os nossos passos e agradecer, neste momento, se torna necessário e indispensável.

Em primeiro lugar, agradeço ao Centro Universitário UDF, Instituição de Ensino que me acolheu como Professora em 2010, sem ao menos ter Pós-Graduação completada, e me concedeu aprimoramento profissional, apresentou-me a pessoas fantásticas - grande destaque para meu sócio, irmão, amigo e confidente Anderson Costa -, deu-me oportunidades inimagináveis, além da realização de um grande sonho, que é a conclusão do Mestrado. Serei eternamente grata, UDF!

Agradeço ao Professor Mauricio Godinho Delgado, que me orientou com maestria, simplicidade, sabedoria, ternura, paciência, compreensão, companheirismo e tudo que é inerente ao maior nome da área trabalhista no mundo. Professor, sou sua fã e sou muito grata e orgulhosa por ter alguém tão especial como o senhor na minha trajetória acadêmica.

Nem nos meus sonhos profissionais mais ousados, lá em Maceió, eu imaginaria que teria sua presença na minha vida, muito menos ser orientada por aquele que sempre foi meu ídolo.

Agradeço à Professora Beatriz Eckert-Hoff, que me deu a honra de acompanhar de perto um trabalho comprometido, brilhante e admirável. Sem dúvida, a minha referência de liderança profissional com simplicidade, amor e empatia. Obrigada por todo o apoio, exemplo, aposta e por ser a profissional mais forte que já conheci.

Agradeço aos Professores do Mestrado, que me ensinaram com amor e comprometimento profissional. Em especial, à Professora Renata Calsing, pelas aulas didáticas, engraçadas e especiais. Ao Professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia, pelo brilhantismo e didática admirável. Ao Professor Raimundo Simão de Melo, pela simplicidade, doçura e conhecimento. Ao Professor Cláudio, pelo apoio, comprometimento e brilhantismo.

Agradeço à Secretária Executiva do mestrado Daniela, pelo carinho, competência e comprometimento.

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RESUMO

A presente dissertação analisa a figura do dumping social no Direito Brasileiro, destacando, primordialmente, a Constituição da República de 1988, no que concerne à tutela do trabalhador e do trabalho, apreciando o papel da relação de emprego e do Direito do Trabalho como balizador dos fundamentos da República da livre iniciativa e da valorização do trabalho.

Fundamental ainda é a verificação dos pressupostos da relação entre emprego e sua normatização, além da generalização (ou não) do Direito do Trabalho na economia e na sociedade brasileiras, bem como os desafios relevantes. No entanto, o fato de a Constituição Federal garantir direitos sociais e de as normas infraconstitucionais balizarem sua aplicação não garante a respectiva efetividade, tendo em vista a concorrência acirrada num mundo competitivo e globalizado. Partindo desse pressuposto, o descumprimento do Direito do Trabalho e da Constituição Federal é uma realidade que impacta a vida do trabalhador, bem como da sociedade de modo geral. O termo dumping veio do Direito Comercial Internacional para configurar a deslealdade de concorrência entre países exportadores que vendem seus produtos abaixo do valor considerado normal pelo mercado com o intuito de diminuir ou até mesmo aniquilar a concorrência. Do termo dumping deriva o termo dumping social, considerado, assim, como a reiterada prática de barateamento de produtos, com intuito de garantir ou conquistar mercados ou de obter apenas proveito econômico, em detrimento do adequado respeito aos direitos sociais fundamentais. A figura, quando concretizada, ostenta impactos mesmo em áreas conexas ao Direito do Trabalho, como o Direito da Seguridade Social, o Direito Tributário e o Direito Ambiental do Trabalho. Nesse cenário, desenvolvem- se reflexões acerca da sistemática jurídica brasileira e dos desafios que permeiam o instituto, a exemplo dos seus elementos constitutivos, concessão de indenização pela sua prática, legitimidade de ajuizamento da ação para pleito da indenização e demais potencialidades do tema.

Palavras-chaves: Direito do Trabalho. Relação de emprego. Dumping social.

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ABSTRACT

This dissertation analyses the figure of social dumping in Brazilian law, analysing primarily the Constitution of the Republic of 1988 with regard to the tutelage of the worker and of the work enjoying the role of the employment relationship and the labour law As a beacon of the foundations of the Republic of free enterprise and the appreciation of work. It is also essential to analyze the assumptions of the employment relationship and its standardization, in addition to the generalization (or not) of labor law in the Brazilian economy and society, as well as the relevant challenges. However, the fact that the Federal Constitution ensures social rights and the infra norms of its application, standardization does not guarantee the effectiveness, with a view to the fierce competition in a competitive and globalized world. Based on this assumption, the failure to comply with the law of labor and the Federal Constitution is a reality and impacts on the life of the worker, but not only this, but the society in general. The term dumping came from international trade law to set up the leslealdade of competition between exporting countries selling their products below the normal value considered by the market in order to decrease or even aniquiar competition . Of the term dumping derives the term social dumping, considered, thus, as the reiterated and conscious practice of cheapening of products or only greater economic benefit to the detriment of disrespect to labor social rights that impact related areas, Social security, tax law and the working environment. In this scenario, it seeks to bring reflections on the Brazilian legal system and of the challenges that permeate the institute, the example of its constituent elements, granting of compensation for its practice, legitimacy of filing of the action for the election of Compensation and other potential of the theme.

Key-words:Labor Law. Employment relationship. Social dumping.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... ...8

2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E A TUTELA DO TRABALHADOR E DO TRABALHO: O PAPEL DA RELAÇÃO DE EMPREGO E DO DIREITO DO TRABALHO ... 14

2.1 A CF/88 E A TUTELA DO TRABALHADOR: ASPECTOS CARDEAIS ... ...14

2.2 A CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA NA MATRIZ CONSTITUCIONAL E A SUA RELEVÂNCIA NA VIDA SOCIOECONÔMICA.. ... 266

2.3 A CF/88 E O PAPEL DA RELAÇÃO DE EMPREGO E DO DIREITO DO TRABALHO38 3. A RELAÇÃO DE EMPREGO E SUA NORMATIZAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS À EFETIVAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO DIREITO DO TRABALHO ... 48

3.1. IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO DE EMPREGO NO SISTEMA SOCIOECONÔMICO CAPITALISTA. ... 48

3.2 RELAÇÃO DE EMPREGO: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS ... 53

3.2.1 Pessoa Física ... 53

3.2.2 Pessoalidade ... 54

3.2.3 Onerosidade ... 55

3.2.4 Não Eventualidade ... 58

3.2.5 Subordinação ... 60

3.3 A NORMATIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO PELO DIREITO DO TRABALHO: CARACTERIZAÇÃO ... 63

3.4 O PROBLEMA DA GENERALIZAÇÃO (OU NÃO) DO DIREITO DO TRABALHO NA ECONOMIA E SOCIEDADES BRASILEIRAS: DESAFIOS RELEVANTES ... 67

4. O DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO E DA CF/88 NA REALIDADE CONTEMPORÂNEA: O NOVO CONCEITO DE DUMPING SOCIAL73 4.1 FÓRMULAS RELEVANTES DE DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NA REALIDADE BRASILEIRA73 4.1.1 Estágio fraudulento ... 74

4.1.2 Cooperativas de mão de obra (ou de trabalho) ... 76

4.1.3 "Pejotização" ... 79

4.2 A EXACERBAÇÃO E O APROFUNDAMENTO DO DESCUMPRIMENTO TRABALHISTA: A EMERGÊNCIA DO NOVO CONCEITO DE DUMPING SOCIAL .... 82

4.3 AS FÓRMULAS DE IRREGULAR CONQUISTA DE MERCADOS E DE CONCORRÊNCIA INTEREMPRESARIAL NO DIREITO ECONÔMICO E A FIGURA JURÍDICA DO DUMPING... 84

4.4 O ENFRENTAMENTO DO DUMPING SOCIAL NA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTAS: SISTEMATIZAÇÃO ... 85

4.5 A REITERAÇÃO DE PRÁTICAS ABUSIVAS E A CONFIGURAÇÃO DO DUMPING SOCIAL ... 90

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5 DUMPING SOCIAL: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS ... 93

5.1 O DUMPING NO DIREITO ECONÔMICO: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS ... 93

5.2 O DUMPING SOCIAL E O DIREITO DO TRABALHO: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS ... 96

5.3 A AMPLITUDE DO CONCEITO DE DUMPING SOCIAL: DIMENSÕES E REPERCUSSÕES NO DIREITO DO TRABALHO, NO DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL, NO DIREITO AMBIENTAL E NO DIREITO TRIBUTÁRIO ... 101

5.4 CRÍTICAS AO CONCEITO DE DUMPING SOCIAL: DEBATE JURÍDICO ... 10606

6. DUMPING SOCIAL: POTENCIALIDADES E DESAFIOS JURÍDICOS ... 11111

6.1 DUMPING SOCIAL: POTENCIALIDADES E DESAFIOS JURÍDICOS ... 11111

6.1.1 A atuação do Ministério Público do Trabalho no combate à prática do dumping social ... 11111

6.1.2 A verificação da prática reiterada para que seja configurado o dumping social13 6.1.3 A dimensão do dano pela prática do dumping social e a legitimidade para o ajuizamento da ação. ... 11616

6.1.4 A concessão (ou não) de ofício pelo Poder Judiciário Trabalhista da indenização decorrente da prática de Dumping social ... 12323

6.1.5 A parametrização da indenização do dano moral pela prática do dumping social após reforma trabalhista brasileira ... 126126

6.1.6 A aplicação da tutela inibitória como forma de prevenir práticas de dumping social ... 129

7 CONCLUSÃO ... 133

REFERÊNCIAS ... 136

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Prática demonstrativa de dumping... 96

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar o dumping social no Direito Brasileiro  figura ainda não regulada, de maneira explícita, na ordem jurídica do país.

O sistema econômico capitalista caracteriza-se por grande dinamismo e criatividade nas formas de estruturação das empresas e do mercado econômico e, consequentemente, nos meios de concretização da concorrência interempresarial no interior do sistema.

A renovação e o acirramento da concorrência interempresarial estimulam a busca de novos métodos de afirmação das entidades empresariais em direção, não apenas, da própria sobrevivência e da potencialização de seus lucros, bem como da expansão de seu poderio e de sua clientela.

Com a institucionalização dos direitos sociais no Direito do Trabalho e no Direito da Seguridade Social e, especialmente, nas Constituições contemporâneas, passou a ter significado relevante o custo do cumprimento desses direitos sociais e da respectiva legislação. Nessa medida, o descumprimento da ordem jurídica, no plano social, passou a representar, para certo segmento de entidades empresariais, uma estratégia de sobrevivência, de ampliação de lucros e/ou de conquista de mercado.

Nesse quadro, o conceito de dumping social, traduzindo certa estratégia empresarial de descumprimento sistemático da legislação previdenciária e trabalhista, veio agregar novo elemento ao estudo da falta de efetividade do Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social em certas regiões e segmentos do mercado empresarial. Não se trata mais de enxergar um simples não cumprimento da legislação social imperativa, mas de detectar se existe, no caso em análise, um plus empresarial implícito, isto é, a aplicação de uma fórmula de concorrência desleal entre empresas e rebaixamento do patamar civilizatório, instaurado pela Constituição da República, pelo Direito do Trabalho e, finalmente, pelo Direito da Seguridade Social no País.

Por um lado, os efeitos do dumping social são deletérios ao funcionamento sadio do próprio sistema econômico, pois ele prejudica, injustamente, as empresas que cumprem com exação o ordenamento jurídico constitucional, justrabalhista e de seguridade social.

(12)

Por outro lado, a prática do dumping social rebaixa o patamar de direitos da população que vive do trabalho, criando problemas sociais e fiscais relevantes para a economia e para a gestão das políticas públicas.

Todas essas circunstâncias relativas a esse tema recente no Direito brasileiro justificam, do ponto de vista histórico, social e jurídico, a presente proposta de pesquisa e de dissertação de Mestrado.

Trata-se de um tema novo nos campos do Direito do Trabalho e do Direito da Seguridade Social, envolvendo algumas facetas bastante desafiadoras, das quais surgem as questões/problemas que norteiam esta pesquisa, respectivamente às temáticas desenvolvidas ao longo do trabalho.

O primeiro desafio resulta da circunstância de não haver, em um sistema normativo de Direito escrito, como o brasileiro, uma tipificação clara e objetiva da figura do dumping social

 omissão que alarga o papel da doutrina jurídica relativamente à compreensão do novo conceito jurídico. Quais elementos, portanto, seriam essenciais para a caracterização do fenômeno do dumping social?

O segundo desafio está no enquadramento normativo dessa nova figura jurídica: situa-se ele no plano individual dos direitos sociais (relação estrita entre empregador e empregado) ou, ao invés, posiciona-se no plano social e coletivo desses direitos sociais, em que a lesão percebida tem de ostentar um caráter mais amplo do que um simples litígio bilateral, ainda que impactante?

O terceiro desafio está correlacionado ao problema anterior, a saber: os interesses jurídicos envolvendo o dumping social são essencialmente coletivos/sociais e, dessa maneira, os pleitos apresentados em processo judicial também têm de apresentar esse caráter? Ou, ao invés, é possível falar em pleitos individuais igualmente relacionados “à prática de dumping social”?

Afora os problemas de natureza material que cercam o estudo desse conceito, há que se destacar problemas de caráter processual também importantes, como: pode o Magistrado, em processo judicial, conceder indenização por dano social, decorrente de dumping social, ainda que a parte não tenha elencado tal pedido? Em síntese, o deferimento desse pleito pode ser efetuado de ofício pelo Juiz? Existente o pedido na petição inicial, ele poderia ser deferido em ação meramente individual?

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Trata-se, desse modo, de uma simples amostra dos instigantes problemas a serem enfrentados na presente pesquisa para desenvolvimento desta dissertação de Mestrado.

Nesse cenário, o primeiro capítulo trata da Constituição da República de 1988 e da tutela do trabalhador e do trabalho. Trata, ainda, do papel da relação entre emprego e Direito do Trabalho na economia, na sociedade e no ordenamento jurídico, abordando também aspectos da Constituição Federal (CF) no que concerne à tutela do trabalhador, à centralidade da pessoa humana na matriz constitucional e à sua relevância na vida socioeconômica.

No segundo capítulo, estuda-se a relação entre o emprego e sua normatização jurídica e o enfrentamento dos desafios à sua efetivação econômica e social no Direito do Trabalho, com a caracterização dos requisitos da relação de emprego.

No terceiro capítulo, analisa-se o descumprimento do Direito do Trabalho e da CF/88 na realidade contemporânea e o novo conceito de dumping social, apontando as principais formas de descumprimento da normatização trabalhista, em especial a denominada

"pejotização", as cooperativas fraudulentas, os estágios simulados e o mascaramento de relações empregatícias por meio de outros mecanismos artificiais.

Já o quarto capítulo enfoca o dumping social e seus elementos constitutivos. Parte-se do estudo da matriz do Direito Econômico, naturalmente, na qual o conceito se construiu com relativa sofisticação. Em seguida, alcança-se o campo do Direito do Trabalho, buscando também identificar, nesse campo jurídico específico, os elementos constitutivos do denominado dumping social.

Por fim, o quinto capítulo abarca as potencialidades e os desafios que envolvem o tema, como a atuação do Ministério Público do Trabalho no combate à prática do dumping social; a verificação da ocorrência reiterada de descumprimento da normatização trabalhista, para que seja configurado o fenômeno jurídico em análise; a dimensão do dano pela prática do dumping social e a legitimidade para o ajuizamento da ação; a concessão ou não de ofício pelo Judiciário Trabalhista da indenização decorrente da prática, bem como a parametrização da indenização do dano moral após a reforma trabalhista de 2017, a par da possibilidade (ou não) de aplicação da tutela inibitória como forma de prevenir práticas do dumping social.

Metodologicamente, o trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica, tendo sido consultadas publicações sobre o tema, disponível em bibliotecas e na Internet.

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2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E A TUTELA DO TRABALHADOR E DO TRABALHO: O PAPEL DA RELAÇÃO DE EMPREGO E DO DIREITO DO TRABALHO

A Constituição Federal de 1988, considerada a mais social de todas as Constituições brasileiras, inovou em vários aspectos trabalhistas, colocando como fundamento da República, em seu art. 1º, IV, a valorização do trabalho, junto com a livre iniciativa, como mola propulsora para a vida digna e a justiça social, fazendo parte da ordem econômica prevista em seu art. 170.

Além de eleger a dignidade da pessoa humana como sua essência, agora o indivíduo passou a ser sua centralidade, o que impacta, da mesma forma, a relação trabalhista, eis que se deve garantir a dignidade do trabalhador e fomentar o trabalho que respeite a tutela dele, considerados fundamentais pela norma maior.

Para isso, é essencial a configuração da relação de emprego, pois ela parametriza e concede, mediante a incidência do Direito do Trabalho, as garantias destacadas como fundamentais pela Constituição Federal, através de sua aplicação, bem como das leis infraconstitucionais, fazendo um arcabouço jurídico com funções precípuas para dar efetividade aos direitos e garantias fundamentais assim previstos. É o que será analisado com mais afinco no presente capítulo.

2.1 A CF/88 E A TUTELA DO TRABALHADOR: ASPECTOS CARDEAIS

A Constituição Federal da República de 1988 é considerada a mais humanística e social entre todas as constituições da história do país, desde o primeiro documento constitucional de 1824.1 Isso pelo fato, entre outras razões, de sustentar ser o direito ao trabalho um direito social (art. 6º, CF/88), além de colocar, como fundamento da República, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, caput, IV CF/88) e considerar como centralidade de seu conceito de Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput, III CF/88). Se não bastasse, a Constituição de 1988 elegeu os direitos individuais e sociais trabalhistas como direitos individuais e sociais fundamentais, elencando-os no corpo de seu

1 SILVA, Antônio Braga da Júnior. O Direito do Trabalho no Pós-Positivismo: uma nova perspectiva sobre um velho direito social. Disponível em:< http://seer.ufrgs.br/index.php/ppgdir/article/view/61763> Acesso em:

1 dez 2017. Antônio Braga da Silva Junior, citando Robert Alexy, aponta que valores sociais são considerados não como um conceito, uma classificação, e sim como uma vivência e eleição dos protagonistas de uma sociedade, ou seja, “estimativas predominantes dos atores que compõe a sociedade.

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Título III, que trata "Dos Direitos e Garantias Fundamentais" (Capítulo II - "Dos Direitos Sociais", integrado pelos arts. 6º até 11).

A matriz principiológica da Constituição de 1988, entretanto, foi além, instituindo diversos princípios constitucionais gerais ou específicos na direção afirmadora do valor trabalho e da pessoa humana trabalhadora na ordem jurídica e na vida socioeconômica.

Ilustrativamente, citam-se: os princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e do emprego, da inviolabilidade física e psíquica do direito à vida, da igualdade em sentido substancial (além do tradicional sentido formal da igualdade), a par de outros princípios constitucionais relevantes.2

Contudo, até chegar a esse momento glorioso, devem ser apontados aspectos históricos relevantes, no que diz respeito ao constitucionalismo brasileiro que Luis Roberto Barroso define:

Constitucionalismo significa Estado de direito, poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. Democracia, por sua vez, traduz a ideia de soberania popular, governo do povo, vontade da maioria. O constitucionalismo democrático, assim, é uma fórmula política baseada no respeito aos direitos fundamentais e no autogoverno popular. E é, também, um modo de organização social fundado na cooperação de pessoas livres e iguais.3

Nessa conjuntura, os direitos sociais (que são também direitos individuais das pessoas humanas sob vínculo empregatício, evidentemente) foram colocados pela Constituição Federal de 1988 como direitos fundamentais, esses considerados direitos do ser humano positivados constitucionalmente,4 ou seja, “são prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade.”5

2 A respeito, consultar DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 36-100

3 BARROSO, Luis Roberto. O Constitucionalismos democrático no Brasil: Crônica de um Sucesso Imprevisto. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2013/05/O-constitucio nalismo-democratico-no-Brasil.pdf> Acesso em: 27 nov 2017. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral Dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 12 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p.30.

4 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral Dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 12 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p.30.

5 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho e o novo expansionismo juslaboralista: o conceito de subordinação estrutural. In: FREDIANI, Yoni; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli (Org.). Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 33.

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Nesse mesmo sentido, Renata de Assis Calsing, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy e Júlio Edstron S. Santos pontuam que os direitos sociais fundamentais sofrem diretamente o impacto e “influência de movimentos econômicos sociais que reivindicam sua proteção.”6

Dentro desse contexto e apontando que os pilares abaixo elencados têm como escopo fundamental o Direito como um aparelho essencial de progresso, ao invés de regressão e/ou declínio, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado abalizam que três são os eixos centrais da estrutura da Constituição Federal de 1988: a “arquitetura constitucional de um Estado Democrático de Direito; a arquitetura principiológica humanista e social da Constituição da República; a concepção constitucional de direitos fundamentais da pessoa humana.”7

No que concerne ao primeiro eixo constitucional de 1988  que é o Estado Democrático de Direito , o “novo constitucionalismo”8 abarca um conceito de Estado Social mais abrangente do que o dominante até meados do século XX. Isso porque o Constitucionalismo pode ser visto por paradigmas, sendo que o Estado Democrático de Direito é característico, essencialmente, do terceiro e mais recente paradigma.

A primeira fase do constitucionalismo, conforme se sabe  própria do chamado Estado Liberal , verificou-se, especialmente, entre os séculos XVIII até o início do século XX, marcada pela institucionalização de ideias voltadas para a liberdade do indivíduo (pensamento, manifestação, locomoção, contratação, etc.) e também para algumas liberdades públicas básicas, como a de imprensa, a de reunião e a de associação.

Já a segunda fase do constitucionalismo, conhecida pelo epíteto de "Estado Social", demarcou-se a partir da segunda década do século XX, com o viés social deflagrado pelas Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919).9 São elementos importantes também

6 CALSING, Renata de A.;GODOY, Arnaldo Sampaio de M.; SANTOS, Júlio Edstron. Fundamentos históricos, sociais e políticos dos direitos humanos sociais fundamentais. In: CALSING, Renata de Assis; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli (Coord.)Direitos Humanos E Relações Sociais Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2017, p.25.

7DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p.21.

8 DELGADO, Mauricio Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais - dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo:

LTr, 2017, p. 33-58. Por "novo constitucionalismo", tem-se compreendido, no plano dos estudos do Direito Constitucional, o paradigma estruturado na Europa Ocidental logo em seguida à Segunda Guerra Mundial, tendo como expressões maiores, por exemplo, as Constituiçoes da Alemanha, da França e da Itália (todas do final da década de 1940) e as Constituições de Portugal e da Espanha (essas da década de 1970).

9 Ibidem, p. 41-44.

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desse período o Tratado de Versalhes (que reformatou a Europa ao fim da Primeira Guerra Mundial) e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No constitucionalismo social dessa fase, o foco era a coletividade, contrariamente ao que ocorria no Estado Liberal, primeiro paradigma do constitucionalismo. A matriz era a proteção de grupos, a amplitude conceitual da democracia, a inserção social das pessoas, o destaque conferido à dimensão mais substantiva da igualdade, as limitações ao direito individual de propriedade em prol da coletividade e da função social da propriedade privada, o reconhecimento político e social de grupos sociais até então discriminados, entre outras impactantes previsões.10

Contudo, em que pese tamanha mudança trazida nesse momento histórico (décadas situadas na primeira metade do século XX, antes da Segunda Guerra mundial)  se contraposto esse novo paradigma ao liberalista antecedente , tornou-se imprescindível a abrangência e a plenitude da norma constitucional, porque, até então, na matriz constitucional não havia “princípios humanistas e sociais que fossem dirigentes do conjunto constitucional positivado”.11 A par disso, a concepção de democracia não era ainda ampla e minuciosa nessas novas Constituições do início do século XX, assim como não era ampla e sofisticada a própria concepção de Direito, ainda muito arraigada à visão positivista do fenômeno jurídico.

Conforme bem apontado por Paulo Bonavides, em sua clássica obra "Do Estado Liberal ao Estado Social" (lançada originalmente em 1958), a Constituição de Weimar  exemplo paradigmático dessa fase constitucional  traduzia um nítido fenômeno de "transitoriedade e compromisso", em que o Estado Liberal mostrava-se obsoleto. Porém, toda a complexidade do novo Estado ainda não havia se reunido e estruturado.12 Nessa mesma linha, fica claro que

“esse padrão constitucional, embora tenha superado aspectos importantes do período precedente, ainda não conseguia expressar um real paradigma novo de estrutura das constituições”.13

10 DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil - com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, especialmente o Capítulo I ("A Matriz da Constituição de 1988"), p. 21-57.

11 Ibidem, p. 26.

12 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 231-233.

13 DELGADO, Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho. In:

DELGADO, M. G.; DELGADO, G. N. Constituição da República e Direitos Fundamentais - dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 43. Nessa mesma linha, fica claro que "esse padrão constitucional, embora tenha superado aspectos importantes do período precedente, ainda não conseguia expressar um real paradigma novo de estrutura das constituições".

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Apenas depois da Segunda Guerra Mundial  particularmente na Europa Ocidental , foi que se estruturou a terceira fase do Constitucionalismo, denominado "novo Constitucionalismo" ou "Constitucionalismo humanista e social". Essa terceira fase foi demarcada, conforme dito, pelo advento das Constituições do final da década 40 (França, 1946; Itália, 1947; Alemanha Ocidental, 1949), as quais foram seguidas pelas Constituições de Portugal (1976) e da Espanha (1978).

Essa nova fase do constitucionalismo trouxe como novidades, entre outros importantes aspectos, o conceito estrutural de Estado Democrático de Direito, que aprofunda o sentido e a extensão da ideia democrática; a constitucionalização da nova concepção dos princípios como parte integrante do fenômeno jurídico, na qualidade de efetivas normas jurídicas  a chamada concepção normativa dos princípios jurídicos; a internalização, pelas novas Constituições, de princípios humanísticos e sociais, com a natureza e efetividade de normas jurídicas; o conceito decisivo de direitos individuais fundamentais da pessoa humana.14

Nesse quadro, o novo constitucionalismo15 incorporou a centralidade e a dignidade da pessoa humana como seu eixo fundamental, balizando a observância do arcabouço democrático e integrando, assim, o tripé constitucional, junto com a sociedade civil e política.

De outra forma, o novo viés constitucional seria apenas letra morta, sem efetividade prática.16 O fato de haver uma previsão constitucional, ainda que com arcabouço legislativo específico infraconstitucional, por si só, não garante a efetividade do cumprimento dos direitos individuais e sociais trabalhistas.17 Mas não há que se afastar a importância, até mesmo histórica, da positivação de tais direitos, uma vez que isso confere maior consistência à própria lógica estruturante da Constituição da República, a par de justificar a busca de maior eficiência na aplicação das normas do Direito do Trabalho.

14 DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil - com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 26-27.

15BARROSO, Luis Roberto. O Constitucionalismos Democrático no Brasil: Crônica de um Sucesso Imprevisto. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2013/05/O-constitucio nalismo-democratico-no-Brasil.pdf> Acesso em: 27 nov 2017.

16 DELGADO, M. G. DELGADO, Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho. In: DELGADO, M. G.; DELGADO, G. N. Constituição da República e Direitos Fundamentais -

Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 44-47.

O caráter democrático e inclusivo não apenas da sociedade política (o Estado e suas instituições), bem como da sociedade civil (inclusive as empresas e o mercado econômico, onde mais se situa o Direito do Trabalho), para Mauricio Godinho Delgado, é parte integrante essencial do conceito constitucional de Estado Democrático de Direito, sob pena de este se tornar um conceito vazio e meramente discursivo.

17SARLET, Ingo Wolf. Os Direitos Sociais Como Direitos Fundamentais : Contributo para um Balanço aos Vinte Anos da Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processo AudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_PETROPOLIS_final.pdf.> Acesso em: 1 dez 2017.

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Ou seja, a positivação e a inserção dos direitos dos trabalhadores como direito social e, por conseguinte, direito fundamental retratam o segundo eixo central da estruturação da Constituição Federal18 que enfatizou os princípios como base do ordenamento jurídico.19

Nasceu a indispensabilidade da interpretação não somente da “lei seca”, positivada em si, mas dos princípios como integradores do próprio sistema, visando à proteção e ao respeito ao tripé constitucional. O sistema jurídico deve uma integração aos preceitos constitucionais principiológicos, uma vez que os princípios, como base do ordenamento jurídico, balizam a harmonia do próprio sistema e a efetividade de suas normas.20

Os princípios trazidos pela Constituição Federal de 1988 abarcam, na seara trabalhista, tanto diretrizes normativas gerais como específicas, sempre com o cerne humanístico e social.21

Nesse limiar, Rúbia Zanotelli de Alvarenga alerta que não tem como a legislação prever todas as possibilidades de comportamento humano e dos fatos sociais. Contudo, os direitos fundamentais são a concretude de cobranças sociais, em decorrência de uma trajetória de

“injustiças e agressões. A autora conclui que “o fio condutor que perpassa o trabalho como dimensão dos Direitos Humanos é a temática do direito como instrumento de transformação social, pois é necessária a releitura urgente a respeito dos Direitos Humanos no universo juslaboral.”22

18DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com Comentários À Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p.29. Nesta obra dual, multicitada, deve o leitor atentar para o Capítulo I ("A Matriz da Constituição de 1988"), que confere uma visão panorâmica da essência humanística e social da Constituição da República Federativa do Brasil (p. 21-57).

19 COIMBRA, Rodrigo; WITTCKIND, Ellara Valentini. Constitucionalização do Direito do Trabalho na trilha do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/

index.php/quaestioiuris/ article/view5> Acesso em: 2 dez 2017. Em artigo sobre o tema, os autores, citando Luis Roberto Barroso, apontam que o Constitucionalismo passou a observar o fenômeno jurídico com um novo olhar, uma percepção integrativa das normas e fonte e também com a importância da interpretação integrativa.

20DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com Comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p.31.

21DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p.27. Maurício Godinho Delgado diferencia os princípios constitucionais em gerais e especiais, apontando que os primeiros consistem em proposições amplas, ”gerais e informadoras da noção, estrutura e dinâmica essenciais do Direito”, atingindo, ao mesmo tempo, diversos campos jurídicos (princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, por exemplo). Enquanto isso, os princípios especiais consistem em normas específicas direcionadas a determinado campo do Direito (princípio constitucional da norma mais favorável, por exemplo).

22 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Direito do Trabalho como Instrumento dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2009.p. 44.

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No que tange aos princípios constitucionais do trabalho23, a Constituição Federal, de forma inovadora, reconheceu a valorização do trabalho como um princípio dotado de significativa importância para, inclusive, assegurar a efetivação de outros direitos sociais. 24

O art. 1º, IV da CF aponta os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, juntamente com a dignidade da pessoa humana, como os próprios fundamentos da República, além de indicar, nos arts. 6º e 7º, o direito ao trabalho e os direitos dos trabalhadores como cerne social fundamental da República e da própria Constituição.

Os direitos sociais, considerados fundamentais pela Constituição Federal, estão estabelecidos no art. 6º. Trata-se de: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Por conseguinte, o art. 7º, que indica os direitos sociais do trabalhador, aponta, em seu inciso IV, que o salário mínimo,25 fixado em lei e nacionalmente unificado, visa atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

No âmbito trabalhista, os direitos sociais têm como escopo garantir patamares mínimos de respeito ao trabalhador, partindo do pressuposto organizacional “jurídico-moral da sociedade quanto à vida, saúde, integridade física, personalidade e a outros bens jurídicos valiosos para a defesa da liberdade e integração dos trabalhadores na sociedade e perante o empregador.” 26

Outro princípio constitucional aplicável à esfera trabalhista é a “inviolabilidade do direito à vida”, expressamente estipulado no art. 5º, caput, da CF. Ele é igualmente enfatizado no art. 5º, III da Constituição, segundo o qual “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Esse princípio ostenta grande relevância no mundo do

23 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo, LTr, 2017, p.26. Maurício Godinho Delgado esclarece: “É claro que alguns deles – justiça social, submissão da propriedade à sua função socioambiental, dignidade da pessoa humana – não concentram efeitos exclusivamente ou essencialmente apenas no plano trabalhista, uma vez que produzem repercussões para múltiplas searas jurídicas, econômicas, sociais e culturais. Mas todos, sem dúvida, atingem de maneira exponencial a dimensão laborativa da existência humana e social.”

24 Ibidem, p. 77.

25 GOMES, Maíra Neiva; COSTA, Cynthia Lessa. Direito do Trabalho e Constitucionalismo. In REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e Justiça Social - um Tributo da Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013, p. 265. Expõem Maíra Neiva Gomes e Cynthia Lessa Costa que há "interpretação no sentido de que a norma que abriga tal direito é de natureza programática, ou seja, serve apenas ao desiderato de orientar programas de governo. Encontram-se também intepretações no sentido de que se trata de direito objetivo, mas não subjetivo, não justiçável, portanto.”

26NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Princípios do Direito do Trabalho e Direitos Fundamentais do Trabalhador.

Revista LTr, ano 67, n. 8, 2003, p. 903-916.

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trabalho, tanto no que concerne à inviolabilidade física ou à inviolabilidade psíquica, quanto no que tange à proteção à vida privada e à intimidade do trabalhador. 27

Relativamente ao princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida (quer física, quer psíquica), pode-se destacar que ele abrange a proibição ao trabalho de crianças, ao trabalho forçado ou em condições degradantes ou análogas à de escravo, além de proibir, igualmente, o trabalho empregatício precário, desprotegido, de caráter excludente e fragilizador da pessoa humana. 28

Maurício Godinho Delgado aponta, ainda, outros princípios constitucionais aplicáveis à área trabalhista, grande parte deles com amplo espectro, registre-se. Citem-se, nesse importante rol: princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica; princípio do bem-estar individual e social; princípio da justiça social;

princípio da submissão da propriedade à sua função socioambiental; princípio da não discriminação; princípio da igualdade em sentido material (harmonizado, na Constituição, segundo o autor, à diretriz tradicional da igualdade em sentido meramente formal, é claro);

princípio da segurança (em seu sentido contemporâneo, muito mais amplo do que seu sentido tradicional, segundo o autor); princípio da proporcionalidade e da razoabilidade; princípio da vedação do retrocesso social. 29

Os princípios da dignidade da pessoa humana e da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica  de resto, intrinsecamente harmônicos  serão estudados em título próprio (item 2.2, a seguir), dada a relevância e a extensão do tema, eis que são considerados pelos juristas como o cerne de todos os outros princípios e ainda servem de fonte integradora e interpretativa do Direito infraconstitucional.30

Nesse trilhar, é indiscutível o impacto da Constituição de 1988 sobre as relações trabalhistas, seja por estabelecer vários princípios civilizatórios a elas aplicáveis, seja por centralizar, no Direito e na vida econômica e social, a pessoa humana e sua dignidade, seja por alargar o rol de direitos individuais e sociais trabalhistas, seja por todos esses fatores em

27DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 50-56.

28 Ibidem.

29 Ibidem, p. 56-100.

30 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Trabalho Decente. Direito Humano e Fundamental. São Paulo: LTr, 2016, p. 71. Mauricio Godinho Delgado, na obra supra citada (Capítulo II, p. 56-100) também insiste no caráter abrangente, vinculante e paradigmático desses dois princípios constitucionais. A jurista Rúbia Zanotelli de Alvarenga, entre outros, aponta, que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui o pilar fundamental do qual decorrem todos os outros direitos fundamentais.

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conjunto. A verdade é que a Constituição da República influencia, diretamente, a esfera trabalhista e parametriza a interpretação do ordenamento jurídico infraconstitucional.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mesmo sendo de 1943, foi atualizada ao longo das décadas seguintes a seu surgimento, tendo, ademais, sofrido forte impacto e renovação com o advento da Constituição de 1988.31 Após a Constituição, inúmeras outras mudanças foram promovidas na CLT, por intermédio de diplomas legais subsequentes a cinco de outubro de 1988.

Citem-se algumas das mais significativas mudanças sofridas pela CLT, em decorrência da Constituição de 1988 (indicadas, ao mesmo tempo, modificações infraconstitucionais correlacionadas que aconteceram na ordem jurídica contemporânea brasileira). Eis alguns pontos que ostentam grande destaque:

1. Igualação de direitos entre empregados urbanos e trabalhadores rurais, regra geral (art. 7º, caput, CF);

2. Equiparação de direitos entre empregados em geral e trabalhadores avulsos (art. 7º, XXXIV da CF);

3. Unificação dos prazos prescricionais bienal e quinquenal entre trabalhadores urbanos e rurais, a contar da Emenda Constitucional n. 28, de 2000 (novo texto do art. 7º, XXIX da CF);

4. Redução da duração semanal do trabalho para 44 horas, fixando-se a duração diária em 8 horas e elevando-se o adicional de horas extras para 50% do salário normal (art.

7º, XIII e XVI da CF);

5. Unificação nacional do salário mínimo (extinção dos salários mínimos regionais então existentes), com garantia de reajustes periódicos, além da garantia da referência da parcela a significativo rol de necessidades do trabalhador e de sua família (art. 7º, IV da CF);

6. Fixação de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (art. 7º, XVII da CF);

7. Garantia de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXI da CF);

31 DELGADO, Gabriela Neves. A CLT aos 70 anos: Rumo a um Direito do Trabalho Constitucionalizado. Rev.

TST, v. 79, n. 2, 2013. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/ 39829/013_ del gado.pdf?sequence=1. Acesso em: 3 dez 2017. A jurista Gabriela Neves Delgado aponta que a CF/88 norteia uma nova interpretação da CLT, com uma dimensão mais democrática e claramente respaldada na ideia de direitos fundamentais constitucionais.

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8. Fixação de garantia de emprego para o empregado eleito para cargo de direção das CIPAs (art. 10, II, "a" da ADCT/CF);

9. Fixação de licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias (art. 7º, XVIII da CF/88). Ademais, instituição de garantia de emprego à empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art.

10, II, "b" da ADCT/CF).32

Com a institucionalização dos direitos individuais e sociais trabalhistas na Constituição de 1988  documento político e jurídico que alargou a extensão, o status, a influência e os poderes de instituições harmônicas à efetivação desses direitos, como a Justiça do Trabalho, o novo Ministério Público do Trabalho e o sistema sindical trabalhista do País , tudo lançou a mensagem de que a aplicação e o cumprimento do segmento jurídico trabalhista na sociedade e na economia passariam a apresentar maior relevância na realidade brasileira, não obstante as dimensões continentais do país.

Dessa feita, apesar de lutas sociais,33 até a chegada das mudanças trazidas com a Constituição Federal de 1988, a positivação e a previsão expressa de princípios norteadores das relações trabalhistas não garantiram, plenamente, sua efetiva aplicação. Elas têm sido fatores muito importantes, é claro, porém não ainda suficientes, dado que se torna necessária a adesão firme da sociedade política e da sociedade civil ao projeto constitucional de 1988.34

Sob o mesmo enfoque, os autores Renata de Assis Calsing, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy e Júlio Edstron S. Santos apontam com propriedade:

[...] mesmo com a positivação, reconhecimento doutrinário e jurisprudencial, os direitos sociais fundamentais enfrentam um grande desafio na atualidade,

32 DELGADO, Gabriela Neves. A CLT aos 70 anos: Rumo a um Direito do Trabalho Constitucionalizado. Rev.

TST, v. 79, n. 2, 2013. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/ 39829/013_ del gado.pdf?sequence=1. Acesso em: 3 dez 2017

33 SILVA, Antônio Braga Júnior. O Direito do Trabalho no Pós-Positivismo: Uma Nova Perspectiva Sobre Um Velho Direito Social. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/ppgdir/article/view/61763> Acesso em: 1 dez 2017. Antônio Braga da Silva Junior assim aponta: “A evolução social após os traumas de regimes totalitários e das grandes guerras mundiais levou à concepção não apenas do Estado Social de Direito, mas à sua evolução: O Estado Democrático de Direito.” E ainda estatui que o Estado Democrático de Direito é “resultado de um amplo processo de discussão oportunizado com a redemocratização do país após mais de duas décadas de ditadura militar. Caracterizada por uma evidente exaltação dos direitos fundamentais em reação ao regime restritivo, a Constituição Cidadã não economizou esforços em municiar a nação com um inovador catálogo amplo de direitos fundamentais sociais positivados no texto constitucional ou mesmo não expressos mas com ele consonante (CF, art. 5º, §2º).”

34 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de Trabalho. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais. nº 2, 2007, p. 11 a 39. Maurício Godinho Delgado aponta que “o reconhecimento da estrutura e eficácia jurídicas dos direitos fundamentais do trabalho, no caso brasileiro, não significa atestar sua efetividade – em síntese, sua eficácia social.”

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já que o mundo vive mais um momento de crise, onde os mercados estão em recessão e os direitos têm dificuldade de se efetivar.35

Decerto, a insuficiente efetividade36 dos direitos fundamentais é preocupante e compreendida pela doutrina como o maior desafio da atualidade, especialmente no tocante à esfera trabalhista.37Agregue-se que, nessa esfera, de maneira geral, a incidência e o cumprimento da norma jurídica ocorrem no âmbito das relações de natureza privatística.38

Daí que se mostra oportuno o apelo ao aprofundado estudo de Ingo Wolfgang Sarlet sobre a eficácia dos direitos fundamentas nas relações privadas:

De outra parte, anunciamos desde logo que a concepção ora assumida como correta – para espancar qualquer dúvida a respeito – alcança igualmente os direitos sociais, também (mas não só!) pelo fato de não poderem ser reduzidos à noção de direitos a prestações estatais. Além disso, há de ser considerado que na sua dimensão prestacional os direitos sociais (e outros direitos a prestações, tomando-se o conceito em seu sentido mais amplo) possuem, em regra, um vínculo mais ou menos intenso com a dignidade da pessoa humana, especialmente onde se cuida da garantia de um mínimo existencial para uma vida digna, que, de resto, encontra reconhecimento mesmo no âmbito de determinadas concepções liberais de justiça social.

Sem que se esteja aqui a considerar as necessárias diferenciações, a eficácia dos direitos fundamentais no Direito Privado (incluindo as relações entre particulares) pelo menos em princípio não é de ser refutada, ainda mais levando em conta o grande comprometimento da ordem constitucional

35CALSING, Renata de A.; GODOY, Arnaldo Sampaio de M.; SANTOS, Júlio E. Fundamentos Históricos, Sociais e Políticos dos Direitos Humanos Sociais Fundamentais. In: CALSING, Renata de A.; ALVARENGA, Rúbia Z.(Coord) Direitos Humanos e Relações Sociais Trabalhistas.São Paulo:LTr, 2017. p.25.

36 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p.149. Para Mauricio Godinho Delgado, por "eficácia jurídica deve-se compreender a aptidão formal de uma norma jurídica para incidir sobre a vida material, regendo relações concretas.” Já a efetividade consiste na incidência concreta, real, dessa norma jurídica.

37 GOMES, Maíra Neiva; COSTA, Cynthia Lessa. Direito do Trabalho e Constitucionalismo. In: REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e Justiça Social: um Tributo a Maurício Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013, p. 265. Nessa linha, de um lado, Mauricio Godinho Delgado aponta que “Para a democracia brasileira, portanto, tão relevante quanto à correta identificação dos direitos fundamentais do trabalho, será sua real efetividade. Eis um desafio jamais proposto à democracia brasileira, em sua história, até fins do século XX. Provavelmente, é um dos maiores desafios para a construção democrática neste início do século XXI.” (loc. cit.). De outra parte, para Maíra Neiva Gomes e Cynthia Lessa Costa, o desafio "que se apresenta hoje é o da concretização dos direitos sociais, em particular os trabalhistas”. Apontam as duas autoras que a verificação da eficácia de uma norma tem dois seguimentos: “um jurídico – quando tiverem os elementos constitutivos previstos por lei e quando estes preencherem requisitos determinados e ainda produzirem efeitos jurídicos que lhe sejam próprios” e o outro social (conhecida como efetividade) que diz respeito ao “cumprimento da norma, à sua observância e realização por parte da sociedade.”

38 SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e Influência dos Direitos Fundamentais no Direito Privado:

algumas notas sobre a evolução brasileira. Civilistica.com, ano 1, n. 1. 2012.p. 16. Sobre a polêmica enfrentada pela doutrina no que concerne à efetividade de direitos fundamentais nas relações privadas, atente-se à lição de SARLET: “Exatamente em função da complementariedade e influência recíproca entre a eficácia dos direitos fundamentais em relação a atos emanados de agentes estatais e atos de atores privados (em outras palavras, aquilo que habitualmente tem sido designado de uma eficácia vertical e horizontal), é possível partir da premissa de que uma estrita distinção entre ambas as manifestações da eficácia dos direitos fundamentais (tendo como critério o destinatário) não parece ser a melhor solução”[...] “Por outro lado, é preciso insistir que o reconhecimento da conexão entre a vinculação do Estado (de modo especial no que diz com a concretização dos imperativos de tutela constitucionais), por um lado, e dos particulares, por outro, aos direitos fundamentais.”

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brasileira com os direitos sociais e com a justiça social, que, importa destacar, constitui princípio informador da ordem constitucional econômica.39

O autor mencionado conclui que a eficácia dos direitos fundamentais na esfera privada é realmente direta, ao invés de indireta. Contudo, explica que, por se tratar de uma eficácia direta, não significa que é irrestrita ou “mesmo absoluta”, mas sim que há uma concepção integrativa e vinculativa entre os principais atores da eficácia das normas – o Estado, como idealizador e concretizador dos parâmetros de cumprimento da norma, e o âmbito privado, como o executor da norma. Conclui que a demanda, no sentido da eficácia direta dos direitos fundamentais,

não se justifica apenas por razões de ordem dogmática, mas também em função da necessidade evidente de limitação do poder social e como resposta às persistentes desigualdades sociais, culturais e econômicas, ainda mais acentuadas em sociedades periféricas como a do Brasil. Certamente o modelo de constitucionalização do Direito Privado também deve ser compatível com os desafios concretos de um determinado ambiente social, econômico, político-institucional e mesmo cultural.40

Nesse quadro, o descumprimento da norma jurídica heterônoma estatal amolda-se a uma cultura e, quem sabe, a uma "estratégia" de barateamento forçado do valor trabalho na economia e na sociedade, não obstante os esforços constitucionais de 1988, no sentido de elevar o mercado de trabalho brasileiro ao patamar civilizatório mínimo.

E o desrespeito aos direitos sociais fere a dignidade da pessoa humana, como bem alerta Rúbia Zanotelli de Alvarenga:

A violação dos Direitos Humanos solapa a dignidade do ser humano e a real manifestação do direito social ao pleno emprego, uma ordem democrática carente de valores, ideias e utopias. É preciso crer em um Direito mais humano e acreditar que um Direito interaja com o cidadão. Um Direito libertador das classes oprimidas e da dignidade fundamental de cada ser humano, pois a titularidade desses direitos se funda na própria existência do homem.41

Na esfera de descumprimento da legislação social  quer a trabalhista, quer a previdenciária , o conceito de dumping social veio agregar novo elemento ao estudo da falta de efetividade do Direito do Trabalho e do Direito da Seguridade Social em certas regiões e segmentos do mercado empresarial e trabalhista. Não se trata mais de enxergar um simples não cumprimento da legislação social imperativa, mas de detectar se existe, no caso concreto,

39 SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e Influência dos Direitos Fundamentais no Direito Privado:

algumas notas sobre a evolução brasileira. Civilistica.com. ano 1, n. 1, 2012. p. 20. Disponível em: <http://

civilistica.com/wp-content/uploads/Neoconstitucionalismo-civilistica.com-1pdf.> Acesso em: 4 dez 2017.

40 Ibidem.

41 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Direito do Trabalho como Instrumento dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2009,p. 46.

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um plus empresarial implícito, isto é, a aplicação de uma fórmula de concorrência desleal entre empresas e o rebaixamento do patamar civilizatório instaurado na Constituição e no Direito do Trabalho e Seguridade Social do País.

Os efeitos do dumping social – que serão estudados nos capítulos seguintes  são deletérios ao funcionamento sadio do próprio sistema econômico, pois prejudicam, injustamente, as empresas que cumprem com exação o Direito do Trabalho e o Direito da Seguridade Social. Prejudicam, também, os trabalhadores e a própria sociedade, que é impactada com o não repasse de contribuições previdenciárias e com impostos decorrentes da relação trabalhista, além do consequente afetamento ao meio ambiente de trabalho. Esse é, assim, considerado por Guilherme Guimarães Feliciano como: “ [...] conjunto (=sistema) de condições, leis, influências, e interações de ordem física, química, biológica e psicológica que incidem sobre o homem em sua atividade laboral, esteja ou não submetido ao poder hierárquico de outrem.”42

Por um lado, a prática do dumping social rebaixa o patamar de direitos da população que vive do trabalho, criando sérios problemas econômicos (má distribuição de renda), problemas sociais (incremento da desigualdade social) e problemas fiscais (aumento do déficit público) no conjunto da economia e da gestão das políticas públicas. Por outro, tal prática, além de violar a ordem econômica no que diz respeito à valorização do trabalho, à vinculação da livre iniciativa à sua função social, ao princípio da livre concorrência e à função social da propriedade de maneira geral, compromete a decisiva e permanente busca do pleno e saudável emprego.

2.2 A CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA NA MATRIZ CONSTITUCIONAL E A SUA RELEVÂNCIA NA VIDA SOCIOECONÔMICA

O princípio da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na realidade socioeconômica, conforme Mauricio Godinho Delgado, deriva do princípio da dignidade da pessoa humana,43 vinculado à estrutura da Constituição Federal de 1988, a qual demonstra que o cerne valorativo “das sociedades, do Direito e do Estado contemporâneos é a pessoa

42FELICIANO, Guilherme Guimarães. O Meio Ambiente do Trabalho e a Responsabilidade Civil Patronal:

Reconhecendo a Danosidade Sistêmica. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João (Coord). Direito ambiental do trabalho: Apontamentos para uma teoria geral: saúde, ambiente e trabalho: novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho. São Paulo: LTr, 2013. p.13, v. 1.

43DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 38-44. Esse princípio é tratado como princípio constitucional associado ao da dignidade da pessoa humana, com a necessidade de concernir direta e conjuntamente com este.

Referências

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