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A REITERAÇÃO DE PRÁTICAS ABUSIVAS E A CONFIGURAÇÃO DO DUMPING

Conforme explicado anteriormente, não é o fato de o empregador baratear seu produto ou serviço e de ele ser mais agressivo no mercado que configura o dumping social. A prática vai além do conceito comercial e permeia a reiteração de condutas de desrespeito e de abusos à legislação trabalhista.

Inúmeras são as condutas gravosas e reiteradas que desencadeiam a prática do dumping social. Citem-se: falta de reconhecimento de vínculo de emprego, falta de assinatura na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS), cumprimento de jornadas exaustivas, acúmulo de funções, trabalho precário e assédio moral, entre tantas outras.211

Mas, o que faz com que uma prática seja reiterada? Esse é um ponto de difícil mensuração, sendo um desafio a ser enfrentado pela jurisprudência brasileira, na medida em que não há critérios objetivos para se definir o que vem a ser prática reiterada ou não de determinada conduta.

A visão mais ampla e reiterada de condutas irregulares usualmente é tida pelo Poder Judiciário, mediante o diuturno contato com os processos judiciais em um mesmo município, região ou estado. A análise judicial ou sociológica de processos judiciais permite inferir, com

209 LUCENA FILHO, Humberto Lima de. A Função Concorrencial do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 243.

210 O CPC estabelece no art. 492: “ É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. ”

211 MAIOR, Jorge Luiz Souto;o; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p.9. Eles esclarecem: “São empresas que optam pelo não pagamento de horas extras, pelo pagamento de salários “por fora”, pela contratação de trabalhadores sem o reconhecimento do vínculo de emprego ou mesmo por tolerar e incentivar condutas de flagrante assédio moral no ambiente de trabalho. Constituem uma minoria dentre os empregadores e, por isso mesmo, perpetram uma concorrência desleal que não prejudica apenas os trabalhadores que contratam, mas também as empresas com as quais concorrem no mercado. Além disso, passam a funcionar como indesejável paradigma de impunidade, influenciando negativamente todos aqueles que respeitam ou pretendem respeitar a legislação trabalhista.”

relativa objetividade, a reiteração de condutas irregulares por parte de uma mesma empresa ou um conjunto de empresas. Atente-se, nesse sentido, para as observações do Magistrado Juiz do Trabalho Ranúlio Mendes Moreira, lotado na Vara do Trabalho de Mineiros (GO), que em seu ofício jurisdicional, assim se expressou em uma sentença:

DA RESPONSABILIDADE SOCIAL – “DUMPING SOCIAL”

Este magistrado ficou impressionado com o número de ações em face da mesma reclamada ao longo de um ano na Vara do trabalho de Mineiros. O MM. Juiz Ari Pedro Lorenzetti, por exemplo, prolatou 200 sentenças em um só dia em face da ré, além de muitas outras em outros dias. A MM. Juíza Camila Baião Vigilato, de igual forma, já se pronunciou centenas de vezes acerca da inobservância da reclamada quanto ao que determina o art. 253 da CLT. De igual forma, também já se pronunciaram inúmeras vezes os MM. Juízes Cleber Sales, Ana Edith Pereira e Fernanda Ferreira, entre outros. Mesmo assim, diante de centenas de pronunciamentos no sentido de condenar a reclamada ao pagamento das horas extras pela supressão do intervalo de descanso térmico, a reclamada permanece desrespeitando a legislação, como se não existisse Lei, fiscalização do trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, abarrotando a pauta da Vara do Trabalho de Mineiros e obrigando o Estado a desembolsar muito dinheiro e tempo para lotar um juiz extra para a Vara do Trabalho de Mineiros, agravando a situação de milhares de jurisdicionados, que se vêem prejudicados em virtude de o Estado ter que colocar à disposição da reclamada toda uma infraestrutura para dizer, redizer, confirmar e reiterar que a ré deve pagar pelo intervalo intrajornada não concedido. É como se a reclamada tivesse um juiz e meia Secretaria só para ela. [...] O Judiciário não pode ficar inerte diante de tal situação, pois o simples desrespeito a preceito legal de ordem pública, gera descontentamento e prejuízo social, uma vez que o Estado passa a despender longo tempo, esforço e numerário para decidir centenas de ações idênticas, pela violação dos mesmos preceitos legais, por uma mesma empresa, e, às vezes, em face do mesmo trabalhador, fazendo cair em descrédito várias instituições do Estado, inclusive o Estado-Juiz.[...] No entanto, o prejuízo social da atitude desrespeitosa à lei perpetrada pela reclamada, não atinge apenas ao bolso dos trabalhadores afetados, mas toda a sociedade, pois o intervalo de descanso térmico é norma cogente de medicina, higiene e segurança do trabalho e o seu descumprimento causa danos à saúde do trabalhador e, por conseqüência, afeta a toda a comunidade, pois a Previdência Social que assiste aos trabalhadores enfermos e acidentados é custeada por todos e não apenas pela empresa reclamada.[...] 212

No que concerne à reiteração da prática para a consideração do dumping social, a jurisprudência vem considerando atuações extrajudiciais da Superintendência Regional do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho e, até mesmo, a verificação, pelo Poder Judiciário, da quantidade de ações ajuizadas contra a mesma Ré, como o exemplo da sentença acima transcrita.

212 MAIOR, Jorge Luiz Souto; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 119.

Vale a pena destacar o caso da empresa Magazine Luiza, condenada em R$ 1,5 milhão pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região,213 que considerou as 87 autuações, pela Superintendência Regional do Trabalho, para aplicação do dano social pela prática do dumping social, em decorrência do desrespeito dos direitos trabalhistas de inúmeros de seus empregados. Esses eram submetidos a jornadas excessivas, sem desfrutar os intervalos estipulados pela legislação do trabalho, descanso semanal remunerado ou registro regular de seus pontos.

Cumpre ressaltar que o Ministério Público do Trabalho, titular da ação civil pública que deu origem à condenação, firmou dois Termos de Ajuste de Conduda (TACs) com a empresa antes de ingressar com a ação. Porém, tais documentos compromissórios não foram respeitados pela empresa, conforme restou verificado nas oportunidades em que a Fiscalização do Trabalho realizou inspeções em diversas de suas lojas espalhadas pelo estado de São Paulo.

As próprias multas recebidas pela empresa, ainda que de natureza extrajudicial, eram provas relevantes de sua conduta arbitrária e desrespeitosa das leis trabalhistas, estando aptas para configurar a conduta infratora do empregador. Em suma, bastava aferir o número de infrações cometidas pela empresa para se verificar sua negligência para com os direitos trabalhistas.

Como o presente tema é um desafio para a jurisprudência e para a doutrina, em face de posicionamentos efetivos de não concessão do dano pela prática do dumping social de ofício, ele será melhor aprofundado no tópico específico desta dissertação que trata das potencialidades e de desafios da nova figura jurídica.

213 Consulta ao processo na íntegra. Disponível em: <http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.

wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=1422148> Acesso em: 13 jun 2017.

5 DUMPING SOCIAL: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

O dumping, como já explicitado, nasceu no Direito Comercial Internacional como uma prática predatória de concorrência desleal de empresa exportadora que diminui o valor de seus produtos ou serviços, com a finalidade de enfraquecer ou, até mesmo, de aniquilar a concorrência.

Como já delineado, trazido para a área trabalhista, o dumping foi qualificado como social (dumping social) por desrespeitar direitos sociais fundamentais, com a prática desleal e reiterada de desobediência às normas trabalhistas, com o intuito de barateamento de produtos e serviços ou para alcançar maior proveito econômico no combate à concorrência intercapitalista.

No presente capítulo, estuda-se o dumping no Direito Econômico e seus elementos constitutivos, sendo analisados, também, os elementos constitutivos do dumping social, bem como a amplitude desse conceito, suas dimensões e repercussões no Direito do Trabalho, no Direito da Seguridade Social, no Direito Ambiental e no Direito Tributário. Isso porque que a conduta predatória não impacta somente a esfera trabalhista, mas também irradia danos para outras áreas sociojurídicas.