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A NORMATIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO PELO DIREITO DO

A normatização da relação de emprego pelo Direito do Trabalho visa instituir regras diversificadas que, em seu conjunto, elevem as condições de contratação da força de trabalho na economia e na sociedade e as condições de cumprimento e de desenvolvimento do contrato empregatício ao longo do tempo.

Caracterizando-se por ser um campo jurídico especializado, composto por princípios e regras diferenciadas de sua matriz civilista originária, o Direito do Trabalho institui normas jurídicas reguladoras das várias situações que envolvem o trabalhador e o contrato de trabalho na economia e na sociedade. Elas envolvem desde critérios relevantes para a formação e para a institucionalização do contrato, como critérios substanciais para o desenvolvimento do mesmo contrato, bem como regras concernentes à fase de terminação do contrato empregatício.

Nesse rol, destacam-se princípios e regras sobre uma multiplicidade de temas trabalhistas. Citem-se, ilustrativamente, apenas: a duração do trabalho; os tempos de descanso ao longo da prestação de serviços e durante o desenrolar do contrato empregatício; a remuneração do trabalhador e o pagamento a ele de outras parcelas de conteúdo econômico embora não salariais; os critérios legais de alteração do contrato, além da suspensão total ou parcial desse contrato; por fim, normas a respeito da fase de extinção do contrato de trabalho.

De maneira geral, o sentido lógico e teleológico do Direito do Trabalho é instaurar um regramento superior àquilo que, normalmente, o livre mercado econômico estipularia para o trabalhador na deflagração e na evolução da relação empregatícia. Sem o Direito do Trabalho, certamente, o valor do trabalho seria muito menos incrementado; as condições laborativas seriam muito menos seguras e salubres; os direitos e as garantias trabalhistas seriam muito menos significativos, senão praticamente inexistentes.

Sem dúvida, o Direito do Trabalho encarece a contratação e a gestão trabalhista pelas empresas no mercado do capitalismo. Porém, faz isso com o objetivo, sempre enfatizado, de impulsionar as condições de contratação e de desenvolvimento da relação empregatícia ao longo do tempo, concretizando princípios constitucionais e legais de natureza e de sentido humanísticos e sociais.

Daí que o descumprimento reiterado do Direito do Trabalho  inclusive por meio da figura do dumping social  constitui afronta significativa não somente ao ordenamento legal trabalhista, mas também à própria Constituição da República Federativa do Brasil.

A seguir, em rápidas linhas, elencam-se os diplomas normativos mais relevantes do sistema trabalhista do país, em especial seu Direito Individual do Trabalho, que regula diretamente o contrato empregatício.

O marco legislativo mais importante do Direito do Trabalho brasileiro nas últimas sete/oito décadas é a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada em 1943. Composta de vários títulos, traz uma Introdução (Título I), seguida de normas gerais de tutela do trabalho (Título II) e de normas especiais de tutela do trabalho (Título III), além de normas sobre o contrato individual do trabalho (Título IV). No plano do Direito Individual do Trabalho, esses são os títulos principais da CLT, em sua origem.

O diploma normativo possui também títulos sobre o Direito Coletivo do Trabalho e sobre o Direito Processual do Trabalho. A par disso, há outros títulos e capítulos que, no transcorrer da história do país, perderam sua atualidade (como os tópicos sobre o Ministério Público do Trabalho e sobre a Seguridade Social, que foram objeto de legislação posterior, extravagante à CLT).

Após o advento da CLT, outros diplomas normativos foram aprovados no campo justrabalhista ao longo das décadas. Vários desses diplomas criaram ou ampliaram direitos e garantias para os empregados no contexto das diversas categorias e profissões no país.

Diversos deles atualizaram a CLT, e outros introduziram normas trabalhistas inovadoras, porém situadas fora do âmbito dessa Consolidação.

A respeito dessa evolução jurídica subsequente a 1943, assim se expressa a jurista Gabriela Neves Delgado:

No âmbito das relações individuais de trabalho, destacam-se os seguintes exemplos: a Lei nº 605/1949, reguladora do descanso semanal remunerado e em feriados, em patamar mais avançado do que no texto original de 1943; a Lei nº 4.090/62, que instituiu o 13º salário; a Lei nº 4.214/63 (posteriormente revogada pela vigente Lei nº 5.889/73), que produziu a inserção, mesmo com ressalvas, do trabalhador rural na órbita da CLT (extensão da legislação trabalhista para o campo, na década de 1960); a Lei nº 5.859/73, que fixou os primeiros – ainda que bastante restritos – direitos trabalhistas e previdenciários para o empregado doméstico (tais direitos foram posteriormente ampliados pelo parágrafo único do art. 7º da Constituição de 1988 e também pela Lei nº 11.324/06, até culminar na EC nº 72/2013); as Leis ns. 7.418/85 e 7.619/87, reguladoras do Vale-Transporte; e a Lei nº 12.506/2011, reguladora do aviso prévio proporcional.156

Tudo isso demonstra que a normatização da relação de emprego pelo Direito do Trabalho se caracteriza por um largo conjunto de princípios e regras que, realmente, busca incrementar a valorização do trabalho no sistema capitalista.

Ainda segundo a referida Professora Gabriela Neves Delgado:

O Direito do Trabalho consiste em instrumento jurídico de promoção da dignidade da pessoa humana na medida em que contribui para afirmação da identidade individual do trabalhador, de sua emancipação coletiva, além de promover sua inclusão regulada e protegida no mercado de trabalho. Por meio de contínuo aperfeiçoamento, o Direito do Trabalho promove os ideais de justiça social e de cidadania, ambos relacionados à salvaguarda da dignidade humana – diretriz norteadora do Estado Democrático de Direito.157 Nesse quadro evolutivo, é necessário ressaltar o papel notável da Constituição de 1988.

De fato, a Constituição da República inseriu o Direito do Trabalho em seus dois títulos mais importantes, o Título I ("Dos Princípios Fundamentais") e o Título II ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais"). No Título I, indiretamente, em vista do fato de ter firmado distintos princípios constitucionais de caráter humanístico e social, todos com robusta

156 DELGADO, Gabriela Neves. A CLT aos 70 Anos: Rumo a um Direito do Trabalho Constitucionalizado.

Revista do Tribunal Superior do Trabalho TST, Brasília: TST, vol. 79, nº 2, 2013. Palestra proferida na Solenidade Comemorativa dos 70 Anos da CLT, realizada pelo Tribunal Superior do Trabalho e Conselho Superior da Justiça do Trabalho, no dia 2 de maio de 2013, em Brasília. Disponivel em: <https://juslaboris.tst.

jus.br/bitstream/handle/1939/39829/013_delgado.pdf?sequence=1> Acesso em: 13 dez.

157DELGADO, Gabriela Neves; RIBEIRO, Ana Carolina Paranhos de Campos. Os direitos sociotrabalhistas como dimensão dos direitos humano. In: DELGADO, Gabriela Neves; PEREIRA, Ricardo José Macêdo de Britto (Org.) Trabalho, Constituição e Cidadania: a Dimensão Coletiva dos Direitos Sociais Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2014. p. 65.

influência e participação no campo jurídico trabalhista; no Título II, a inserção foi direta, por intermédio do Capítulo II que trata "Dos Direitos Sociais".

No Título VII, que trata da ordem econômica e financeira  do sistema capitalista, portanto , a Constituição enfatizou a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, com o fim de "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social"

(caput do art. 170, CF/88).

Tais princípios gerais da atividade econômica, entre outros elencados nos incisos do art.

170, demonstram a importância que a Constituição de 1988 conferiu ao ser humano, ao trabalho humano e ao Direito do Trabalho no ordenamento jurídico do país.

De igual sorte, no Título VIII, que trata da ordem social, a Constituição estatuiu que a

"ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais" (art. 193), preceito que também confere a medida da importância do Direito do Trabalho no projeto constitucional de 1988.

Se não bastasse, a Constituição de 1988 atribuiu tratamento jurídico de direitos individuais e sociais fundamentais aos direitos trabalhistas, elevando o status jurídico e institucional desse campo normativo de regramento da inserção das pessoas humanas no sistema econômico capitalista.

No plano do Direito Individual do Trabalho, a Constituição da República constitucionalizou  ora inovando, ora alargando, ora aprofundando  diversos direitos e garantias individuais e coletivas dos trabalhadores empregatícios na economia e na sociedade brasileiras.

No plano do Direito Coletivo do Trabalho, a Constituição Federal do Brasil  consideradas também as mudanças feitas pelas Emendas Constitucionais n. 24/1999 e 45/2004  conferiu nova energia às entidades sindicais, ao assegurar os princípios da liberdade e da autonomia sindicais, além de garantir, com amplitude, o direito de greve.

Coerentemente, deu grande impulso para a negociação coletiva trabalhista.

Nesse contexto, de maneira geral, salvo exceções bem específicas (por exemplo, a Lei do FGTS, em 1966; a Lei do Trabalho Temporário, em 1974; a Lei do Contrato Provisório, em 1998), pode-se considerar que o Direito do Trabalho brasileiro, entre 1930 e 1940 até 2015, caracterizou-se por instituir um patamar importante de direitos e de garantias aos trabalhadores regidos por contrato de emprego na sociedade e economia capitalistas do país.

Evidentemente que a recente reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017 e MPr. n.

808/2017) importou em redirecionamento substancial nessa linha evolutiva democrática e inclusiva, ao incrementar inúmeras mudanças normativas desfavoráveis aos trabalhadores na ordem jurídica brasileira.

De toda forma, esses novos diplomas jurídicos têm de ser interpretados e assimilados à matriz constitucional de 1988, com seu sentido humanístico e social claramente preponderante.

Por fim, conforme já explanado reiteradamente nesta dissertação, a pura e simples normatização não constitui garantia acerca da real efetividade das normas jurídicas institucionalizadas. Essa falta de efetividade, aliás, constitui problema recorrente na realidade do país, inclusive no campo trabalhista e previdenciário, o que gera impacto em toda a sociedade  tema que será examinado no item 3.4, a seguir.

3.4 O PROBLEMA DA GENERALIZAÇÃO (OU NÃO) DO DIREITO DO TRABALHO