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Cooperativas de mão de obra (ou de trabalho)

As sociedades cooperativas estão reguladas, de maneira geral, pela Lei 5.764/1971, consideradas, pelo art. 4º, “sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados.”

Essa Lei aponta que tal sociedade cooperativada distingue-se das demais pelas características de adesão voluntária, com número ilimitado de associados, variabilidade do capital social representado por quotas-partes, limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, entre outras.

172 Em que pese a Lei 11.788/2008 (art. 17, § 4º) não limitar estagiários de nível superior e de nível médio profissional em detrimento da quantidade de empregados do quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio.

Em 1994, a Lei 8.949 introduziu parágrafo único no art. 442 da CLT, prescrevendo:

“Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.”

Com essa singela (e irresponsável) mudança, o Legislador passou a mensagem ilusória de que o manto cooperativista teria se tornado salvaguarda jurídica contra a relação de emprego. Esse fato provocou, durante os anos seguintes, a criação de um verdadeiro manancial de cooperativas de mão de obra fraudulentas, atuando como inequívocas intermediadoras do trabalho humano, com enorme prejuízo para os trabalhadores.

Tempos depois, em 2012, surgiu legislação mais restritiva e reguladora das cooperativas no mundo do trabalho: trata-se da Lei n. 12.690. Para esse novo diploma legal, que regulamentou as "cooperativas de trabalho", tais figuras passaram a ser consideradas (§ 2º) uma “sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.”

Em conformidade com a nova lei (art. 3º), essas cooperativas passaram a ser regidas por princípios e valores,173 entre eles: adesão voluntária e livre; gestão democrática; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação; formação e informação;

intercooperação; interesse pela comunidade; preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa; não precarização do trabalho, entre outros.174

As entidades cooperadas, em conformidade com o regime da Lei Geral das Cooperativas, são “pessoas autônomas” que se associam para alcançar objetivos comuns.175 São definidas, por Augusto César Leite de Carvalho, como “um sistema de ajuda mútua, em que as pessoas se unem para estabelecer formas de produzir bens ou serviços (cooperativas de

173 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.365.

174 CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito do Trabalho: Curso e Discurso. São Paulo: LTr, 2016, p.

144.O jurista Augusto César Leite de Carvalho esclarece que a previsão de tais princípios e valores trazidos pela Lei 12.690/2012 teve como escopo a cessação da prática de aberturas de cooperativas de trabalho com o intuito de precarizar as relações de trabalho e dar eficácia ao direito laboral.

175 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 372. O autor explica: “As relações cooperativistas reguladas pela antiga Lei n. 8.949, de 1994, e atualmente pela Lei n.

12.690, de julho de 2012 - além daqueles vínculos cooperativistas regidos pela Lei n. 5.764, de 1971, e pela Lei n. 10.406, de 2002 - correspondem, em síntese, basicamente, a relações autônomas de trabalho, a par de vínculos eventuais de trabalho, se for o caso. Não se trata, pois, a Cooperativa de Trabalho de figura concorrente da relação empregatícia, porém de fórmula de estruturação e atuação coletiva do trabalho autônomo”.

produção), de consumir bens que atendam às suas necessidades (cooperativas de consumo) ou obter linhas de financiamento ou crédito (cooperativas de crédito).”176

Não existe o elemento fático-jurídico da subordinação na figura civilista cooperativista, ou seja, apenas os próprios empregados das cooperativas é que são efetivamente subordinados, como qualquer empregado, aliás.

A propósito do assunto, a OIT, em sua Recomendação n. 193, destaca que “o termo

‘cooperativa’ significa a associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para atender a suas necessidades e aspirações comuns, econômicas, sociais e culturais, por meio de empreendimento de propriedade comum e de gestão democrática.”

Na mesma linha, desponta sua Recomendação n. 127, segundo a qual cooperativa é uma associação de pessoas que se agrupam voluntariamente, para alcançar um objetivo comum mediante a formação de uma empresa controlada democraticamente; que contribuem com uma cota equitativa do capital que se requer, assumem uma justa parte nos lucros e benefícios; em cujo funcionamento sócios participam ativamente.

O fato de a CLT prever, em seu art. 442, parágrafo único, que não existe vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, nem entre eles e os tomadores de serviços, instigou o imaginário e abriu portas para fraudes trabalhistas. Isso porque a leitura pura e simples do dispositivo, sem a interpretação global do Direito do Trabalho,177 leva à ilusória ideia de que “a mera existência da cooperativa legitimaria a atividade de terceirização, pelas empresas, tratando-se ou não de funções finalísticas do empreendimento.”178

Contudo, a finalidade da cooperativa é democrática e social, de reunir trabalhadores autônomos que tenham um objetivo comum, com o desempenho geral e atuação de todos os envolvidos em situação de igualdade e não para desvirtuar vínculo empregatício, como intermediadora ilícita de mão de obra.179

176 CARVALHO, Augusto César Leite de.Direito do Trabalho: Curso e Discurso. São Paulo: LTr, 2016, p. 142.

177 PORTO, Lorena Vasconcelos. VIEIRA, Paulo Joarês. A “Pejotização” na Reforma Trabalhista e Violação às Normas Internacionais de Proteção ao Trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos (Coord.). Trabalho: Diálogos e Críticas: Homenagem Ao Prof. Dr. Marco Túlio Viana. São Paulo: Ltr, 2018, p.

90.Nesse sentido, os autores dizem que “a interpretação de uma norma jurídica pressupõe a aplicação de regras anteriormente definidas pela hermenêutica para extrair o significado e extensão da norma.”

178 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.364.

179 Ibidem. Também CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito do Trabalho: Curso e Discurso. São Paulo:

LTr, 2016, p. 142.

Segundo Ronaldo Lima dos Santos, a aderência dos trabalhadores a tais cooperativas é em virtude da necessidade do emprego e não pela real conotação democrática e voluntária da Lei 5.764/71. Para o autor, na prática, os trabalhadores são

arregimentados no ambiente de trabalho do próprio tomador, que os seleciona e encaminha para se filiarem à cooperativa, os trabalhadores são direcionados pelas próprias cooperativas para as empresas tomadoras, tornam-se responsáveis pela arregimentação da mão de obra na medida das necessidades do empregador (tomador).180

Nesse trilhar, Carlos Henrique Bezerra Leite aponta que:

O Direito do Trabalho oferece elementos seguros para que se possa distinguir a cooperativa legítima daquela fraudulenta. Evidencia-se a fraude sempre que o trabalhador subordinado se realize por meio de cooperativas, frustrando-se a affectio societatis e emergindo a subordinação como elemento tipificados da atividade.181

Se verificado o desvirtuamento da cooperativa para mascarar o real vínculo de emprego havido entre as partes  com os elementos do caput do art. 3º, combinado com o caput do art.

2º, ambos da CLT, quais sejam: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, a consequência, na prática, é a fraude trabalhista, com o respectivo reconhecimento do vínculo com o próprio tomador dos serviços. Aplica-se, em tais casos, o princípio da primazia da realidade, ou seja, “os fatos primam sobre as formas”.182

Com efeito, a própria Lei 12.690/2012, em seu art. 3º, prima pela preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa e veda a precarização do trabalho. Ou seja, para o novo diploma legal, não é intuito da cooperativa ser uma mola propulsora de desrespeito a patamares mínimos da dignidade do trabalhador.

4.1.3 “Pejotização”

Sob o epíteto do neologismo "pejotização",183 desponta a contratação de trabalhadores para a prestação de serviços subordinados “como sócio ou titular de pessoa jurídica, visando a mascarar um vínculo empregatício por meio da formalização contratual autônoma, em fraude à relação de emprego.”

180SANTOS, Ronaldo Lima dos. Morfologia da Fraude nas Relações de Trabalho. Disponível em:

<https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/41908/fraudes_nas_relacoes_santos.pdf:> Acesso em: 2 fev 2018.

181 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.365.

182 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Dos Princípios do Direito do Trabalho no Mundo Contemporâneo. In:

SIQUEIRA, Germano (Org.) Direito do Trabalho: Releituras, Resistência. São Paulo: LTr, 2017. p.129.

183 PORTO, Lorena Vasconcelos. VIEIRA, Paulo Joarês. A “Pejotização” na reforma trabalhista e violação às normas internacionais de proteção ao trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti; PORTO, Lorena V. (Coord.).

Trabalho: Diálogos e Críticas: Homenagem Ao Prof. Dr. Marco Túlio Viana. São Paulo: LTr, 2018, p. 89.

A CLT determina, em seu art. 3º: "Considera-s empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."

Tendo em vista a previsão trazida pela legislação, o empregador muitas vezes entende, de modo equivocado, que o fato de o empregado somente poder ser pessoa física leva ao raciocínio de que a constituição de pessoa jurídica retiraria a possibilidade de reconhecimento do vínculo de emprego.

A pejotização é considerada uma fraude184 trabalhista, em que o tomador de serviços obriga o trabalhador a constituir pessoa jurídica para conseguir prestar serviço com o intuito de mascarar a verdadeira relação entre as partes, que é de emprego, em especial se a contratação da falsa PJ coincidir com a atividade fim do tomador de serviços.

Em algumas profissões, há maior incidência dessa prática fraudulenta, como é o caso de atletas profissionais, artistas profissionais (de TV, teatro, cinema e outros)185 e ainda jornalistas e publicitários.186 Percebe-se o fenômeno fraudulento, também, na comunidade profissional que atua na saúde, como médicos e enfermeiros.

Cabe ressaltar que a Lei 13.467/29017  conhecida como Lei da Reforma Trabalhista  introduziu o art. 4º- A no interior da Lei 6.019/1974,187 passando assim a dispor:

Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.

§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.

184 MOREIRA, Adriano Januzzi. Pejotização e Parassubordinação – O Direito do Trabalho frente a esta Nova Realidade e os Passivos Trabalhistas, Previdenciários pela Caracterização da Relação de Emprego. Revista LTr, v. 77, n. 1, 2013, p. 61.“Diz-se que é utilizado para fraudar a lei porque a relação existente entre trabalhador e tomador é típico de emprego, em que há subordinação, onerosidade, não-eventualidade e pessoalidade, que não se caracteriza como tal pela existência de uma pessoa jurídica, que faz com que o contrato entre as partes seja de natureza civil”.

185 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 693.

186 “PJ é artifício para sonegação de direitos.” Título da Revista da Anamatra, ano XVIII, n. 55, 2008, p. 11-15.

Disponível em:< https://www.anamatra.org.br/attachments/article/24323/00743.pdf> Acesso em: 27 fev 2018.

187 PORTO, Lorena Vasconcelos; VIEIRA, Paulo Joarês. A “Pejotização” na Reforma Trabalhista e Violação às Normas Internacionais de Proteção ao Trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos (Coord.). Trabalho: Diálogos e Críticas: Homenagem ao Prof. Dr. Marco Túlio Viana. São Paulo: LTr, 2018, p. 89.

A rudimentar leitura do novo artigo poderia ensejar o posicionamento de que a pejotização foi legalizada ou “facilitada”.188 Contudo, mais uma vez é importante ressaltar o entendimento global e principiológico do Direito do Trabalho e não somente a consideração de um preceito normativo de forma aleatória e desconexa com a Constituição Federal e com as leis trabalhistas, em especial a CLT.

Lorena Vasconcelos Porto e Paulo Joarês Vieira sustentam que não se pode considerar que a inovação da Lei 6.019/1974 não facilitou ou legalizou a pejotização, visto que a leitura e o entendimento global do normativo em questão preceituam requisitos que não se coadunam com a fraude trabalhista aqui considerada, a saber: autonomia da contratada, exigência de que a prestadora de serviços direcione os trabalhos, fixação de requisitos para o funcionamento da contratada.189

Ao revés, como forma de combater a fraude trabalhista, a Lei estabelece, nos arts. 5º-C e 5º-D, respectivamente, que:

Art. 5o-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.

Art. 5o-D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.

Sendo assim, pelo princípio da primazia da realidade, respaldado no art. 9º da CLT, a prática fraudulenta de pejotização vem sendo enquadrada como nula pelos tribunais trabalhistas, considerando-se o vínculo de emprego nos casos em que existam os elementos dos arts. 3º e 2º da CLT. Em tais casos, a fórmula é tida como mais um, entre tantos, mecanismo de descumprimento das normas trabalhistas, com a finalidade de fraudar os direitos trabalhistas e sociais, bem como de impactar a arrecadação tributária e a seguridade social e de impactar o meio ambiente de trabalho, o que desencadeia graves prejuízos sociais.

188 PORTO, Lorena Vasconcelos; VIEIRA, Paulo Joarês. A “Pejotização” na Reforma Trabalhista e Violação às Normas Internacionais de Proteção ao Trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos (Coord.). Trabalho: Diálogos e Críticas: Homenagem ao Prof. Dr. Marco Túlio Viana. São Paulo: LTr, 2018, p. 90

189 Ibidem, p. 92

4.2 A EXACERBAÇÃO E O APROFUNDAMENTO DO DESCUMPRIMENTO