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A CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA NA MATRIZ CONSTITUCIONAL E A

O princípio da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na realidade socioeconômica, conforme Mauricio Godinho Delgado, deriva do princípio da dignidade da pessoa humana,43 vinculado à estrutura da Constituição Federal de 1988, a qual demonstra que o cerne valorativo “das sociedades, do Direito e do Estado contemporâneos é a pessoa

42FELICIANO, Guilherme Guimarães. O Meio Ambiente do Trabalho e a Responsabilidade Civil Patronal:

Reconhecendo a Danosidade Sistêmica. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João (Coord). Direito ambiental do trabalho: Apontamentos para uma teoria geral: saúde, ambiente e trabalho: novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho. São Paulo: LTr, 2013. p.13, v. 1.

43DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 38-44. Esse princípio é tratado como princípio constitucional associado ao da dignidade da pessoa humana, com a necessidade de concernir direta e conjuntamente com este.

humana, em sua singeleza, independentemente de seu status econômico, social ou intelectual.”44

Sobre a dignidade da pessoa humana, enfatiza o autor a importância precursora da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. De fato, ela teve relevante impacto jurídico, institucional, econômico, social e filosófico ao prever, em seu Preâmbulo, que “[...] a dignidade é inerente a todos os membros da família humana [...]”, prescrevendo, ademais, em seu art. 1º, que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos...”, além de explicitar a relação entre a dignidade humana e o trabalho (art. XXXIII): “Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.”45

Nessa esteira, tal princípio foi considerado, pela doutrina, como efetiva

“despatrimonialização do Direito Privado”, pois implicou o raciocínio imperativo de que a

“atividade econômica privada aos valores existenciais e sociais”, definidos na Constituição, e ainda o “reconhecimento de que os bens e direitos patrimoniais não constituem fins em si mesmos, devendo ser tratados pela ordem jurídica como meios para a realização da pessoa humana”.46

A centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e jurídica, segundo Mauricio Godinho Delgado, emana da previsão e da interpretação de “documentos normativos internacionais, com força de fonte do Direito, ou da lógica intrínseca a textos constitucionais elaborados a partir da matriz principiológica do constitucionalismo humanístico e social dos últimos 70 anos.”47

44DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 38.

45 Ibidem, p. 39.

46 É o que expõem COIMBRA, Rodrigo; WITTCKIND Ellara Valentini. Constitucionalização do Direito do Trabalho na trilha do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/ index.php/quaestioiuris/article/view/21005. Acesso em: 2 dez 2017.

47DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 42-46. O autor ainda aponta seis importantes documentos documentos normativos que reconhecem a centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica, desde a década de 1940: 1) A Declaração de Filadélfia de 1944, da OIT, que aponta “o trabalho não é uma mercadoria”, ou seja, o núcleo do trabalho não é a coisa ou mercadoria (“lógica econômica capitalista”) e sim a pessoa, numa verdadeira “desmercantilização contínua, crescente e máxima do trabalho”; 2) A Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948, ao prever em seu Preâmbulo que “[...] a dignidade é inerente a todos os membros da família humana”e prescrever em seu art. 1º que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos...”, sem contar a correlação que estabelece entre a dignidade

Por sua vez, o art. 170 da CF/88, em seu caput e diversos incisos, aponta os princípios gerais da atividade econômica, “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” (caput), com a finalidade de "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social" (caput), observados princípios como, entre outros, o da propriedade privada, o da função social da propriedade, o da livre concorrência, o da defesa do meio ambiente, o da redução das desigualdades regionais e sociais, além do princípio da busca do pleno emprego.

Se, de um lado, a Constituição da República (art. 170) aduz que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho, de outro lado, aponta, igualmente, a valorização da livre iniciativa (referência dual que consta não apenas do art. 170, caput, como também do art. 1º, IV). Com isso, ela indica a necessidade de equilíbrio entre o capital e o trabalho.48 Esse equilíbrio é decisivo para manter a relevância do trabalho como instrumento concretizador da dignidade da pessoa humana, bem como de sua inserção economia, na sociedade e na família.49 Também é decisivo esse equilíbrio para demonstrar que a ênfase constitucional sobre a livre iniciativa deve se fazer parametrizada por princípios constitucionais relevantes, entre eles o da função social da propriedade, o da livre concorrência e o da justiça social.

humana e o trabalho no art. XXXIII: “Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social"; 3) A Constituição da Alemanha Ocidental, de 1949, que preconiza em seu art. 1º o seguinte: “A dignidade do homem é inviolável. Considerá-la e protege-la é dever de todo poder estatal.”; 4) A Constituição de Portugal, de 1976, que aduz em seu art. 1º o seguinte:

“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana...”; 5) A Constituição da Espanha, de 1978, que também aponta a dignidade da pessoa como fundamento da ordem pública e paz social, em seu art.

10; 6) E, para coroar esse conjunto de notáveis documentos normativos, a Constituição Brasileira de 1988, que aponta como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, em seu art. 1º, III, explicitando ainda ser objetivo fundamental da República, em seu art. 3º, I, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

48 MOTA, Paulo Henrique da. Função Social da Empresa e Valorização do Trabalho Humano em Face da Demissão Coletiva: o Papel da Negociação Coletiva de Trabalho. 155 p. Dissertação (Mestrado em Direito).

Faculdade de Direito do Sul de Minas. Pouso Alegre, 2013. Disponível em: <https://www.fdsm.edu.br/

mestrado/arquivos/dissertacoes/2013/08.pdf.> Acesso em: 12 dez 2017. Sobre o tema do equilíbrio constitucional determinado para trabalho humano e livre iniciativa, assim disserta o autor: “A ordem econômica brasileira, assentada sobre dois pilares, o trabalho e o capital, dispõe que ambos devem atuar no desenvolvimento econômico com similar importância, complementando-se. Através do capital, torna-se possível o exercício da livre iniciativa que, por sua vez, necessita do trabalho humano para a consecução de seus fins.

Mas para que essa ordem econômica possa assegurar uma existência digna segundo os preceitos da justiça social, imperioso se faz a observância de determinados princípios, pelo que, no estudo em questão, destaca-se a função social da propriedade como núcleo do fundamento da função social da empresa.”

49MOTA, Paulo Henrique da. Função Social da Empresa e Valorização do Trabalho Humano em Face da Demissão Coletiva: o Papel da Negociação Coletiva de Trabalho. 155 p. Dissertação (Mestrado em Direito).

Faculdade de Direito do Sul de Minas. Pouso Alegre, 2013. Disponível em: <https://www.fdsm.edu.br/

mestrado/arquivos/dissertacoes/2013/08.pdf.> Acesso em: 12 dez 2017.

O trabalho é inerente ao ser humano,50 e sua história no mundo, particularmente no Brasil, é uma perene e profunda luta por melhores condições e respeito a patamares mínimos de existência do trabalhador. Até o advento da Constituição de 1988, quando a centralidade da pessoa humana se tornou o cerne da ordem jurídica, passando os direitos individuais e sociais trabalhistas a serem considerados direitos fundamentais da pessoa humana, a peleja foi grande.

De fato, no que concerne à valorização do trabalho, a Constituição preferiu se valer de expressão ampla (trabalho, em vez de simplesmente emprego). Essa expressão ampla, a doutrina trata como “gênero”, desdobrável em várias espécies de trabalho humano, inclusive o empregatício. Efetivamente, trabalho “refere-se a dispêndio de energia pelo ser humano, objetivando resultado útil”,51 ou seja, o trabalho é todo esforço físico e/ou intelectual que tenha um objetivo comum. Já a relação empregatícia é uma das espécies do gênero trabalho, dotada de aspectos peculiares, que são seus elementos fático-jurídicos, enunciados no caput do art. 3º e caput do art. 2º da CLT: trabalho por pessoa física, prestado com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação.

Contudo, não se pode olvidar que a expressão trazida pela Constituição Federal de 1988 (trabalho) não pode ser adequadamente interpretada de maneira genérica, uma vez que o próprio art. 7º, caput, e várias dezenas de seus incisos se reportam, claramente, ao trabalho empregatício, em vez do trabalho autônomo, por exemplo. Busca a Constituição, por coerência, proteção à relação de trabalho regulada,52 mais conhecida como relação trabalhista empregatícia (e, inclusive, relações de trabalho congêneres, como a relação trabalhista avulsa e a relação trabalhista administrativa  essa tratada em outro capítulo sobre a Constituição). É que todas essas espécies de relações trabalhistas alcançam ou procuram aperfeiçoar um manto de proteção e de parametrização de condutas e direitos pela disparidade entre as partes.

Mauricio Godinho Delgado aponta que, ao instituir a valorização do trabalho humano como fundamento da República, a Constituição de 1988, de forma sábia, determinou que a maioria dos cidadãos brasileiros fossem (e sejam) inseridos na ordem econômica e social, por intermédio da relação de emprego (relembre-se, a propósito, o princípio da busca do pleno emprego, enfatizado pelo inciso VIII do art. 170). Ou seja, por meio da mais bem arquitetada fórmula de inserção dos indivíduos no capitalismo, pois se trata daquela que ostenta um rol

50DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016. p.296.

51Ibidem, p. 295.

52DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 48.

significativo de direitos e garantias em favor dos trabalhadores. Nessa medida, tal valorização do trabalho consiste em substancial ferramenta de afirmação das dimensões econômicas e sociais da democracia, instigando à melhor distribuição de poder, de renda e de riqueza no âmbito da sociedade civil.53

Ademais, qual seria o mais eficiente instrumento de inserção das grandes levas populacionais na dinâmica econômica e social senão o trabalho humano? Nesse quadro, por meio do trabalho é que as pessoas podem impulsionar sua individualidade e sua inserção socioeconômica, galgando melhores condições de vida pessoal, familiar e social. Se não bastasse, mediante o trabalho da maioria da população, é que se forma um mercado econômico pujante, incrementando o dinamismo da economia capitalista no país.

Ao colocar os direitos trabalhistas como direitos fundamentais sociais, a Constituição eleva seu patamar de efetividade e de respeito, fazendo com que o trabalho seja valorizado.

Esse é o projeto constitucional de 1988, mas isso não significa que ele tenha sido, ainda, efetivamente implementado na realidade brasileira.

Nesse sentido, o direito constitucional ao trabalho como um direito social não se pode confundir, tão somente, com o direito a ter uma ocupação, mas sim, a ter um trabalho juridicamente protegido, que garanta a dignidade à pessoa humana do trabalhador e cumpra, em alguma medida, os princípios constitucionais dessa seara jurídica.54Sobre tal posicionamento, Antônio Braga da Silva afirma que:

O valor trabalho ocupa posição central na ordem constitucional, em suas facetas econômica e social, apresentando-se como eficiente mecanismo de distribuição de renda e de atenção social no âmbito do capitalismo. Associa-se aos propósitos da afirmação da dignidade da pessoa humana e da materialização da justiça social. A reflexão sobre a efetividade dos direitos fundamentais trabalhistas, portanto, posiciona-se nitidamente no centro de convergência entre o Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais dele decorrentes e as condições materiais para o gozo efetivo desses direitos.55

53DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 52.

54 DELGADO, Gabriela Neves. Estado Democrático de Direito e Direito Fundamental ao Trabalho Digno. In:

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves (Org.) Constituição da República e Direitos Fundamentais: Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho.São Paulo: LTr, 2015, p.64-65.

55 SILVA, Antônio Braga da. O Direito do Trabalho no Pós-Positivismo: uma Nova Perspectiva sobre um Velho Direito Social. Disponível em:<http://seer.ufrgs.br/index.php/ppgdir/article/view/61763> Acesso em: 1 dez 2017.

Sendo assim, pode-se dizer que o trabalho é um efetivo instrumento da essência constitucional da dignidade da pessoa humana, por proporcionar a inserção do trabalhador na ordem econômica garantidora de uma existência digna,56 conforme ditames da justiça social.

Por sua vez, o princípio da livre iniciativa, que compõe a ordem econômica, refere-se ao papel econômico e social do capital, estando também previsto como um fundamento da República. Além de princípio basilar da ordem econômica, para Luis Roberto Barroso, a livre iniciativa não é somente voltada para a questão econômica, mas está vinculada à liberdade das pessoas quanto a onde morar, qual ofício seguir, às escolhas pessoais, de lazer, entre outros aspectos. Aponta, ainda, o constitucionalista brasileiro Luis Roberto Barroso, os elementos essenciais desse princípio constitucional:

A.Propriedade privada (art. 5º, XXII [é garantido o direito de propriedade] e XXIV [desapropriação mediante prévia indenização]): traço típico do regime capitalista e de economia de mercado é a apropriação privada dos bens e meios de produção. O Estado, como se sabe, interfere em alguma medida com o direito de propriedade, mediante a tributação. Ainda assim, existem limitações constitucionais ao poder de tributar, sendo vedado o confisco.

B. Liberdade de empresa (art. 170, par. un.) e de trabalho (art. 5º, XIII): é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, salvo nos casos previstos em lei (banco, refinaria). É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (Exame de Ordem, mas não exigência de curso superior para jornalista).

C. Livre concorrência (art. 170, IV): livre concorrência significa liberdade de fixação dos preços e do lucro, como regra geral. Dentro de uma cultura cronicamente inflacionária, essa questão do controle de preços é um capítulo especial. O outro é a correção monetária e seu irmão mais cruel, que é a indexação. O controle de preços e a indexação são duas tentações permanentes, que levam direto para o inferno. Desnecessário lembrar que um percentual expressivo de litígios existentes no Brasil envolvem as consequências dos diversos planos econômicos pelos quais passou o país, como os Planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor, etc.

D. Liberdade de contratar (art. 5º, II): no setor público, a contratação de pessoas exige concurso; a contratação de obras, serviços ou bens exige licitação. Não assim no setor privado, no qual prevalece, como regra, a autonomia da vontade do contratante na decisão de contratar. Fosse outro o nosso tema e valeria a pena abrir um capítulo específico para demonstrar como o tratamento legal da licitação no Brasil tem sido um fiasco. Uma

56SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimensões da Dignidade da Pessoa Humana: Construindo uma Compreensão Jurídicoconstitucional Necessária e Possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC, n. 9, 2007, p. 36. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/137/131> Acesso em: 5 dez 2017. Ingo Sarlet afirma que: “onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a ordem”.

legislação que impede os honestos de serem eficientes e não impede os corruptos de se locupletarem.57

O constitucionalista José Afonso da Silva considera a livre iniciativa como princípio básico do liberalismo econômico. Sustenta que se trata da “liberdade de exercer a luta concorrência onde há livre iniciativa. [...] Assim, a livre concorrência é algo que se agrega à livre iniciativa, e que consiste na situação em que se encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à concorrência de seus rivais.59

Os autores acima apontam que a livre iniciativa está intimamente ligada à livre concorrência, sendo uma liberdade de atuação empresarial, embora não ilimitada; devem ser observados e cumpridos os preceitos constitucionais. Ou seja, se de um lado a Constituição dispositivos se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Cabe, então, ao Estado coibir este abuso.60

Para que haja desenvolvimento social, faz-se imprescindível o estímulo à concorrência por meio da livre iniciativa, o que desencadeia uma série de benefícios econômicos e sociais.

Isso ocorre pelo acesso da sociedade aos bens e produtos em geral, restringindo a monopolização61 ou a escassez mercadológica, dado que essas condições geram elevação no

57 BARROSO, Luis Roberto. Estado e Livre Iniciativa na Experiência Constitucional Brasileira. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/versao-final_11abr2014.pdf.> Acesso em:8 dez 2017.

58 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 74.

59 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 807.

60 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 876.

61 A monopolização e a oligopolização são vistas de forma restritiva pela Constituição Federal que aponta como fundamento da República a livre iniciativa, da qual decorre a livre concorrência (ao invés do monopólio ou do oligopólio), compondo assim, harmonicamente, a ordem econômica. Contudo, em seu art. art. 177, a CF/88 abre certo espaço para os monopólios de origem estatal: "Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados

preço de produtos e/ou serviços; ocorre também pelo acesso dos trabalhadores a maiores oportunidades de empregos.62 De todo modo, a concorrência não pode ser desenfreada a ponto de desrespeitar direitos sociais para obtenção de lucro e ganhos econômicos exacerbados, visto que a Constituição Federal deve ser interpretada de forma integrativa e não restritiva.

Do contrário, se a interpretação constitucional não for integrativa, holística, enfocando a livre iniciativa e, se igualmente, não se observar a valorização do trabalho e do emprego, a função social da propriedade privada, a justiça social e outros princípios humanísticos e sociais, interesses e dinâmicas inerentes ao poder econômico vão se sobrepor aos outros princípios, direitos e garantias, assegurados às pessoas humanas e à sociedade. Como esses são tidos como fundamentais pela Constituição da República, isso ensejará um choque de preceitos constitucionais e valorativos. Portanto, torna-se sempre necessário o balizamento da interpretação e da aplicação de tal princípio constitucional, inserindo-o em um cenário e em um horizonte normativos igualmente de natureza e fundos sociais e humanísticos.

Decerto, a atividade empresarial é fundamental para a relação trabalhista, não se podendo enxergar a livre iniciativa como o “monstro” da relação empregatícia ou aquela parte que somente busca o lucro ou ostente caráter e objetivos “predadores”.63 É que há, no mercado econômico e trabalhista, milhares de empresas que respeitam os direitos sociais dos trabalhadores e a normatização trabalhista, desempenhando também sua função social.64 Mas é preciso considerar que o desrespeito aos direitos sociais por determinadas empresas afeta aquelas que cumprem rigorosamente sua função socioambiental, circunstância que dá origem, assim, a uma concorrência manifestamente desleal.

básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal."

62 Observe-se que o emprego é um elemento ou fator multidimensional na dinâmica da economia, da sociedade e

62 Observe-se que o emprego é um elemento ou fator multidimensional na dinâmica da economia, da sociedade e