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A concessão (ou não) de ofício pelo Poder Judiciário Trabalhista da indenização

6. DUMPING SOCIAL: POTENCIALIDADES E DESAFIOS JURÍDICOS

6.1.4 A concessão (ou não) de ofício pelo Poder Judiciário Trabalhista da indenização

Inicialmente, há de se frisar que a concessão de indenização de ofício pelo juiz, ao verificar a prática de dumping social por uma empresa, é assunto controverso para a doutrina e para a jurisprudência. Isso porque, no ordenamento jurídico brasileiro, impera o princípio da congruência/correlação/adstrição, elencado no art. 492 do Código de Processo Civil (CPC) que assim determina: “É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.” Nesse quadro normativo, para haver condenação em danos sociais decorrentes da prática de dumping social, há necessidade de pedido expresso da condenação.

Esse é o entendimento que vem sendo reiterado no âmbito do TST, ao reformar decisões de primeira e de segunda instâncias, concedendo a indenização de ofício.

Há um caso em que houve condenação de ofício em R$ 100 mil pela prática de dumping social na primeira instância, com ratificação na segunda instância. No TST, a decisão foi reformada para retirar tal condenação, sob o argumento de que não houve pedido expresso na petição inicial e de que o deferimento feria o princípio da congruência, gerando julgamento extrapetita, além de afrontar o princípio do contraditório:

Ora, é certo que a atividade jurisdicional não pode ser conivente com possíveis práticas abusivas de realizar contratações precárias de mão de obra, em inobservância às garantias trabalhistas, para, em contrapartida, proporcionar aumentos de lucros. Contudo, para eventual condenação pela prática de “dumping social”, há a necessidade de ser observado o procedimento legal cabível, máxime em que se assegure o contraditório e a ampla defesa em todas as fases processuais, o que, no caso concreto, não ocorreu, ante a ausência de pedido, de contestação e de instrução processual, nesse sentido.

Assim, ao condenar solidariamente as reclamadas ao pagamento de indenização por “dumping social”, mesmo sem pedido do autor nesse sentido, o Tribunal Regional violou os arts. 128 e 460 do CPC, que estabelecem, respectivamente, que o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte, e que é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.312

312 Processo n. 11900-32.2009.5.04.0291. Fonte: <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTst NumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=11900&digitoTst=32&anoTst=2009&orgaoTst=5&t ribunalTst=04&varaTst=0291> Acesso em: 17 nov 2017.

Esse mesmo raciocínio vem sendo reiterado no TST como, por exemplo, no processo no qual o Ministro Caputo Bastos afirmou: “Ao contrário dos fundamentos do Tribunal Regional, não há previsão legal que autorize a condenação de dano social sem que haja pedido certo e determinado nesse sentido, pois o juiz decidirá a lide nos limites em que fora proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas.”313

Ou ainda no processo de relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado, que também retirou a indenização por dano social decorrente da prática de dumping social, explicitando que:

[...] a jurisprudência desta Corte tem firmado entendimento no sentido de que o deferimento de ofício da indenização por dumping social (indenização por dano social), sem que tenha sido requerido o pedido na inicial, configura julgamento extra petita, bem como viola os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5.º, LIV e LV, da CF/88 e arts.

128 e 460 do CPC).

Agregue-se que, no presente caso, houve pedido explícito de condenação por dano moral em face do assédio moral derivado das condições de trabalho desfavoráveis e irregulares (indenização que foi, corretamente, deferida).

Mas não há qualquer pleito acerca de indenização por dumping social.

Frise-se que condenações de ofício desprestigiam o Estado Democrático de Direito Constitucional, afrontando garantias constitucionais muito relevantes, tais como a do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). Ao invés, desponta como mais harmônico à Constituição – e muito mais eficiente -, o simples ofício ao Ministério Público do Trabalho, para as providências que entender cabíveis, pela autoridade judicial, nos casos em que esta perceber afronta massiva a direitos humanos individuais e sociais trabalhistas.314

Quando a condenação surge apenas na sentença, ao Réu não foi conferido o direito de se defender na época certa e pelo instrumento próprio, que é a contestação. Tal conduta processual viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Mas um grande defensor da concessão da indenização por dano social pela prática do dumping social, Jorge Luiz Souto Maior, reconhece que a concessão de indenização sem o pedido na petição inicial “rompe com alguns paradigmas processuais.”315

313 Proc. n. 3894-13.2010.5.15.0156. Relator Ministro Caputo Bastos - Quinta Turma do Tribunal Publicação acórdão: 13/11/17. Fonte: <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=

Consultar&conscsjt=&numeroTst=3894&digitoTst=13&anoTst=2010&orgaoTst=5&tribunalTst=&varaTst=&su bmit=Consultar.> Acesso em: 17 nov 2017.

314 Processo: TST-RR-1315-61.2012.5.04.0663. Relator: Maurício Godinho Delgado. Pub. Acórdão 26/02/16.

Fonte: <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consult =1&numeroInt=59281&anoInt=

2015.> Acesso em: 17 nov 2017.

315 MAIOR, Jorge Luiz Souto; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: LTr, 2014. p. 119.

Esse autor parametriza sua linha de raciocínio sobre o princípio dispositivo, apontando que o juiz “deve declarar a vontade da Lei”.316 Refere-se a lições de José Joaquim Gomes Canotilho e de Ovídio Baptista para sustentar paradigmas iluministas, segundo as quais o

“[...] trabalho do jurista resume-se a desvelar a verdade contida na lei e aplicá-la ao caso”.317 Continua sua explanação, explicando que o princípio em análise foi construído sob o argumento de atrelamento do juiz à resolução da lide, para dar eficácia à vontade estatal trazida pelas Leis. E conclui Jorge Luiz Souto Maior:

O princípio dispositivo, portanto, não pode mais ser examinado à luz do ideal iluminista que desconfia do juiz e que para ele reserva a função de mero aplicador da lei, sem possibilidade sequer de interpretá-la [...] Trata-se tão somente de admitir que o juiz tem o dever de atuar no processo utilizando-se do ordenamento jurídico vigente de sorte a conferir-lhe máxima eficácia.318

Sobre a ofensa à ampla defesa e ao contraditório, Souto Maior entende que esses princípios não são feridos pela concessão de ofício da parcela condenatória, ao argumento de que a empresa que é condenada teve discutidas amplamente as demandas anteriores que desencadearam o dano social, aplicado pela prática do dumping social.319 E arremata com a defesa da condenação de ofício da indenização pela prática do dumping social:

Como se vê, a possibilidade de o juiz agir de ofício para preservar a autoridade do ordenamento jurídico foi agasalhada pelo direito processual e no que se refere ao respeito à regulamentação do Direito do Trabalho constitui até mesmo um dever, pois o não cumprimento convicto e inescusável dos preceitos trabalhistas fere o próprio pacto que se estabeleceu na formação do nosso Estado Democrático de Direito Social, para fins de desenvolvimento do modelo capitalista em bases sustentáveis e com verdadeira responsabilidade social. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não foi alheia ao fenômeno, atribuindo ao juiz amplos poderes instrutórios (art. 765) e liberdade para solução justa do caso na perspectiva da equidade, conforme previsão dos arts. 8º e 766, não se esquecendo da perspectiva dos efeitos sociais, conforme regra do já citado art. 652, “d”.320 Diante do esposado e das teorias contrárias e favoráveis, cabe destacar que o Direito do Trabalho tem como máxima a proteção do trabalhador, conforme o arcabouço das leis trabalhistas. No entanto, existem princípios constitucionais que devem ser preservados e respeitados, conforme visto.

316 Ibidem, p. 120.

317 Ibidem.

318 Ibidem, p. 127.

319 Ibidem, p. 129.

320 MAIOR, Jorge Luiz Souto; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de Trabalho. 2 ed. Rio de Janeiro: LTR, 2014, p. 129.

Deferir dano moral e social de ofício pela prática do dumping social é conduta que fere vários princípios constitucionais e legais, todos de natureza processual. Ademais, é atuação desnecessária, pois há, nas instituições públicas brasileiras, a presença do MPT que pode atuar com firmeza e eficiência na busca da tutela jurisdicional, nos casos de indenizações por dano moral coletivo e/ou social, em decorrência da verificação do fenômeno do dumping social.

Tal conduta fere, conforme visto, o princípio do contraditório321 e da ampla defesa,322 insculpidos no art. 5º, LV da CF/88, porque não possibilita, ao Réu, apresentar os argumentos em sua defesa. Ou seja, a condenação surge apenas com a sentença, sem ter ocorrido o amplo exercício dialético das alegações e das provas da defesa no processo judicial sob o tópico inaugurado na sentença.

Um segundo aspecto diz respeito à produção de provas que é, conforme se sabe, severamente limitada na fase recursal. Determina o TST, por meio da Súmula 8, que “A juntada de documentos na fase recursal só se justifica quando provado o justo impedimento para sua oportuna apresentação ou se referir a fato posterior à sentença. ”

Como se não bastassm todos os argumentos trazidos, o fato de o juízo conceder a indenização de dano social pela prática do dumping social de ofício gera outra problemática processual de legitimidade323 e a própria dimensão do dano. 324

6.1.5 A parametrização da indenização do dano moral pela prática do dumping social