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As formigas e os carreiros:uma abordagem de inspiração biográfica aos percursos de aprendizagem e à construção identitária de assistentes sociais

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Academic year: 2021

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Universidade de Lisboa

Instituto de Educação

As formigas e os carreiros

Uma abordagem de inspiração biográfica aos percursos de

aprendizagem e à construção identitária de Assistentes Sociais

Isabel Cristina da Conceição Passarinho

Doutoramento em Educação

Especialidade em Formação de Adultos

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Universidade de Lisboa

Instituto de Educação

As formigas e os carreiros

Uma abordagem de inspiração biográfica aos percursos de

aprendizagem e à construção identitária de Assistentes Sociais

Isabel Cristina da Conceição Passarinho

Orientado por Professor Doutor Rui Fernando Canário

Doutoramento em Educação

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3 A formiga no carreiro

Vinha em sentido contrário Caiu ao Tejo

Ao pé dum septuagenário

Lerpou, trepou às tábuas Que flutuavam nas águas E do cimo de uma delas Virou-se ‘pró formigueiro Mudem de rumo

Já lá vem outro carreiro

A formiga no carreiro Vinha em sentido diferente Caiu à rua

No meio de toda a gente

Buliu, abriu as gâmbeas Para trepar às varandas E de cima de uma delas (…)

A formiga no carreiro Andava à roda da vida Caiu em cima

Duma espinhela caída Furou, furou à brava Numa cova que ali estava E do cimo de uma delas Virou-se ‘pró formigueiro Mudem de rumo

Já lá vem outro carreiro

Zeca Afonso, Álbum «Venham mais cinco» (1973)

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4 À memória dos meus pais José e Ema, que me amaram muito e cujas vidas foram exemplos de dignidade e sabedoria, que nunca esquecerei. Aos meus filhos, Nuno e Gonçalo, homens da minha vida que inspiram futuros.

À Sónia pelos anos de inestimável apoio.

Aos meus amigos e parentes significativos por serem como são, e pela amizade e suporte, mesmo em ciclos de vida onde estive menos disponível.

Aos colegas e amigos do trabalho e da profissão por toda a inspiração, compreensão e disponibilidade.

A todos que procuram interrogar os «rumos» e «carreiros» da vida e que durante estes anos me ensinaram que pensar e fazer em ‘conjunto’ é uma boa maneira de encontrar soluções.

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A

GRADECIMENTOS

Fazer uma tese não se traduz apenas no «produto» final. O processo de elaboração deste trabalho constituiu um marco de formação e aprendizagem que, pela sua exigência, complexidade e morosidade, cruzou a minha vida com muitas outras, numa mistura de tempos, espaços e «formas de pensar».

Destaco neste processo, motivações e circunstâncias que permitiram a sua finalização: as primeiras, ligadas à curiosidade pelos processos de produção de conhecimento, à reflexividade e questionamento pessoal, à visibilidade que procurei dar às trajectórias e representações dos assistentes sociais que colaboraram neste estudo e ao contributo que pretendi dar à profissão; as segundas, que constituíram a oportunidade e a possibilidade desta trajectória. Em conjunto, todas constituíram reforços positivos sobretudo, nas alturas mais solitárias desta trajectória, em que foi decisiva a colaboração e incentivo de outros. Importa, assim, expressar um agradecimento sincero a todos os que colaboraram e possibilitaram este processo e este «resultado».

Gostaria, de agradecer ao meu orientador – Professor Doutor Rui Canário – pela sua sabedoria e humanidade, pela confiança que depositou em mim, pelo incentivo e estímulo na procura de respostas às minhas dificuldades e por ter aceite os meus períodos mais confusos e caóticos.

A nível institucional, agradeço à Câmara Municipal de Cascais, em especial à autarca responsável, aos dirigentes e colegas do Departamento de Educação, a oportunidade de compatibilizar este processo com o desempenho das minhas funções; destaco também a importância das perguntas sobre ‘o que andava a fazer’ – ao longo do tempo, as respostas que fui dando permitiram-me importantes tomadas de consciência sobre as minhas narrativas e sobre o próprio processo de pesquisa e aprendizagem.

Aos assistentes sociais que foram sujeitos neste trabalho e sem os quais esta tese não seria possível, um imenso obrigado pela sua disponibilidade para

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6 conversar sobre a profissão e a vida e por me terem confiado as suas reflexões sobre o Serviço Social.

Estou muitíssimo grata aos colegas e/ou amigos que me apoiaram de perto (com quem me cruzei nos meus espaços profissionais e não-profissionais), através das conversas e partilhas que tivemos; entre eles gostaria de destacar a Irene Santos (que leu, interrogou, comentou, reviu o texto e me deu um suporte inestimável), a Miriam Sampaio (que deu uma colaboração fundamental nas questões da forma), a Fernanda Cristino (que ajudou na revisão e a manter ‘a cabeça no lugar’), a Sónia Martins (que me motivou e apoiou em todas as fases deste longo processo) e a Manuela Correia (que, na recta final, me possibilitou condições de trabalho favoráveis para finalizar a tese) – a todos (os que nomeei e os que não nomeei) faço um agradecimento especial.

Não esqueço também a importância e a gratidão que tenho para com a minha rede de afectos, a que chamo carinhosamente «o meu centro comunitário» e que é constituída por pessoas que se gostam, cuidam e estão disponíveis, nos bons e nos maus momentos.

Um último agradecimento especial «aos de casa», aos que ocupam uma posição central na minha vida e «bem-querer» e a quem, muitas vezes, não dedico o tempo e a atenção que merecem.

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ESUMO

Este trabalho de investigação resulta de um caminho de “prática-investigadora” que pretende aprofundar a reflexão sobre a profissão de Assistente Social numa perspectiva a partir de dentro do campo e no entendimento de que a profissão se constrói e se aprende, no diálogo entre a sua própria explicitação e as teorias sobre o mundo. A área científica em que se insere é uma das suas particularidades, já que foi desenvolvido no campo da Educação/Formação de Adultos e tem como eixo central o interesse pela compreensão dos percursos formativos e de construção identitária dos assistentes sociais.

A análise realizada parte do pressuposto de que, num tempo de ultra-racionalidade instrumental, o conceito de profissão está em mutação; e, no caso, a profissionalidade dos assistentes sociais não será excepção, pela sua prática interventiva conotada com as pessoas em situação de pobreza e/ou vulnerabilidade social, «colada» às instituições e ao Estado-providência e estigmatizada como «placebo» do Capitalismo. Contudo, será importante pontuar que o trabalho social, com a complexidade, multidimensionalidade e transversalidade que lhe estão associadas, constitui um campo próprio onde exercem genericamente os chamados trabalhadores sociais e, de entre eles, @s assistentes sociais como grupo profissional específico.

Estes profissionais partilham as problemáticas, os contextos e os riscos e são actores de «inclusão e exclusão» numa sociedade que tende a desvalorizar os seus fazeres e saberes, tal como o faz com as populações com que trabalham. Por um lado, branqueando a profissionalização e a profissionalidade numa categoria genérica de ‘técnicos superiores’ e, por outro, exigindo uma prática baseada em ‘evidências’ prescritas e quantificáveis que pouco têm a ver com o seu ‘Know-how’ específico e/ou com as respostas às necessidades das pessoas. Em simultâneo, os próprios profissionais, por vezes, não se descrevem nem se reconhecem como actores e autores ao serviço de uma cidadania democrática.

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8 A presente tese analisa e reflecte o Serviço Social, como uma profissão e uma disciplina que procuram novas legitimidades entre velhas dicotomias, num processo de reflexão emancipatória que equacione a construção profissional, entre as heranças e dinâmicas de um percurso histórico e o imperativo de explicitar a profissionalidade. Neste processo de explicitação, são questionados aspectos como a «colonização disciplinar», a adaptabilidade e a neutralidade da profissão, entre outros, que dificultam espaços de autonomia e produção de conhecimento e onde @s assistentes sociais parecem cada vez mais confinados a espaços de exercício sujeitos à ‘funcionalização’ e à ‘evidência’. Nesta conjuntura, a realização de entrevistas de inspiração biográfica a dezanove assistentes sociais e a análise das suas narrativas permitiu dar-lhes voz e esboçar tipologias de percursos de aprendizagem da profissão e tipologias de formas identitárias. O material empírico recolhido durante a pesquisa revela uma grande diversidade, mas também contradições e tensões presentes no campo profissional, a que não serão estranhas as relações de força e poder dentro e fora do campo científico e profissional.

A passagem do comunitário ao societário implica uma modificação da própria estrutura da identidade pessoal, o aparecimento de novas formas de subjectividade e a conversão identitária que faz passar os indivíduos de membros submissos a sujeitos actores – o que, embora os torne muito mais incertos e expostos, pode fazer emergir oportunidades de transformação.

O Serviço Social, na medida em que se afasta da identidade que o estigmatizou como mediador de um pensamento conformista, vai recuperando diversidade interna e oportunidades de construção de novas formas de participação nos processos de mudança social. E ao equacionar a necessidade de produzir conhecimento sobre os processos pelos quais se aprendem e se constroem saberes, numa tentativa de desocultar e nomear o que se vive e aquilo a que se atribui significado nestes contextos de intervenção, pode restaurar-se um espaço público de profissionalidade como lugar de visibilidade de si e do outro, pela acção e pela palavra. E também de identidades co – construídas na interacção com muitos «outros».

Palavras-chave: profissão, autoformação, percursos de aprendizagem, formas identitárias, Serviço Social

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RESUME

This investigation work comes from a “practical-way” that pretends to deepen the reflexion about the social worker job in a perspective from inside the field and in the knowledge that the profession is build and learned in the dialogue between it’s own explication and the theories about the world. The scientific area in which is inserted it’s one of his particularities, since it was developed in the field of Education/Adults Formation and has as central axis the interest for the comprehension of the formative routes and the construction of the identity of the social workers.

The analysis held goes from the assumption that in an ultra instrumental rational time, the concept of the profession is changing; and in the case that the professionalism of the social workers won’t be an exception, by his interventional practice connoted with the people in a poverty situation and/or social vulnerability «glued» to the institutions and the welfare state and stigmatized as capitalism placebo. However, it will be important punctuate that the social work, with the complexity, multidimensionality and transversality that are associated to it, constitutes an own field where exercise generically the so called social workers as a specific professional group.

This professionals share the problematics, the contexts and the risks and are actors of “Inclusion and exclusion” in a society that tends to overestimate their doings and knowledge, just as it does with the populations that they work with. In one way, bleaching the professionalization and the professionalism in a generic category of “superior technicals” and in another way, demanding a evidence practice based, prescribed and quantified, what have little to do with their specific “know-how” and/or with the answers to the people necessities. Simultaneously, the own professionals, sometimes, don’t describe neither recognize themselves has actors and authors in the service of a democratic citizenship.

The present thesis analyses and reflects the Social Work, as a profession and a discipline that looks for new legitimacy between old dichotomies, in process of

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10 emancipatory reflexion that balances the professional construction between the inheritance and dynamic of an historic process and the imperative of explaining the professionalism. In this process of explanation, some aspects are questioned, such as the “disciplinary colonization”, the adaptability and neutrality of the profession, among others, which difficult spaces of autonomy and production of knowledge, and where the social workers look even more confined to spaces of exercise subjected to “functionalization” and to “evidence”.

In this conjuncture, the realization of interviews of biographic inspiration to nineteen social workers and the analysis of their stories allowed giving them voice and identify typologies of ways of learning the profession and typologies of identity forms. The empiric material collected during the research reveals a huge diversity, but also contradictions and tensions present in the professional field, to which are not strange the relations of strength and power inside and outside the scientific and professional field.

The passage from the community to the corporate implicates a modification of it’s own structure of personal identity, the appearing of new ways of subjectivity and the identity conversion which makes move the individual of submissive members to actors subject – which, though makes them more uncertain and exposed, can make emerge transformation opportunities.

The social service, in the way that goes further away from the identity that stigmatized it has a mediator of a conformist thinking, goes recovering intern diversity and the opportunities of constructing new ways of participating in the processes of social changing. And equating the necessity of producing knowledge over the processes by which learn and builds knowledge, in a way of uncover and nominate what is living and what we give significance in this intervention contexts, can restore a public space of professionalism as a place of visibility of self and other, by the action on the word; and also of identities co-build in the interaction with “others”.

Key words: Profession, self-training, learning pathways, identity forms, social work

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Í

NDICE

Agradecimentos………. 5

Resumo ... .7

Introdução ... 14

A origem deste projecto ... 18

O Objecto de Estudo... 24

Uma determinada perspetiva ... 29

A entrada pela Educação ... 32

Capítulo 1 - Serviço Social: uma profissão e uma disciplina que procuram novas legitimidades ... 37

1.1. . Entre a (s) Ideologia (s), a (s) Prática (s), a (s) Técnica (s) e a (s) Ciência (s) ... 38

1.2.Sistema identitário e Sistema simbólico na profissionalidade ... 45

1.3.Os espaços e os tempos da aprendizagem da profissão ... 54

1.4.A formação contínua e a produção de conhecimento ... 70

Capítulo 2 - A (des) construção profissional do Serviço Social ... 78

2.1.Heranças e Dinâmicas de um percurso histórico ... 80

A institucionalização e a profissionalização ... 85

O referencial do Capitalismo e da Pobreza ………..89

A legitimação da profissão e a «bandeira» do bem-estar social ... 97

A Participação, a Mudança e os Movimentos de reconceptualização ... 105

Os Direitos Humanos e a Justiça Social numa época de globalização 111 2.2.Uma Profissão a Explicitar ... 120

Revisitar a profissão ... 124

O que significa «ser» profissional? ... 136

De que falamos quando falamos do «social»? ... 148

Ambiguidades de uma profissão que se adapta ... 156

(Re) Situar velhos e novos problemas ... 165

Da «descolonização disciplinar» à Transdisciplinaridade ... 169

A neutralidade técnica em debate ... 175

Capítulo 3 – O lugar do «não-saber» face ao saber dos outros ... 180

3.1.O conhecimento pertinente ... 184

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- As competências ... 195

- A articulação e a produção de saberes ... 199

3.2.Os processos de Construção Identitária ... 205

- Formas identitárias ... 210

- Identidades profissionais em tempos de incerteza ... 216

3.3.Autoformação ... 223

- As abordagens biográficas ... 226

- A dialéctica entre explicação e compreensão ... 230

- Reflexões sobre «compromissos» ... 234

Capítulo 4 - Metodologia - Percurso de investigação ... 237

4.1.Questão de partida e questões orientadoras ………238

4.2. Opções e Estratégia metodológica ... 245

- Da pertença às Ciências da Educação ………… 248

4.3. Desenho da investigação de inspiração biográfica ………….……….253

- Os tempos e as «fases» das diferentes «conversas»……….258

4.4. A análise dos dados ………261

Capítulo 5 - A (s) voz (es) dos actores da profissão ... 263

5.1. Trajetórias profissionais e biográficas………...262

- @s seniores………..265

- Os do tempo da ‘luta’: Inês e António ... 297

- Os primeiros doutores……….………..312

- Os mais novos ……….………….348

5.2. Percursos de Aprendizagem da profissão………375

5.3. Sobre a importância de prosseguir com uma análise temática…………..413

Capítulo 6 - Formas identitárias: Esboço de uma tipologia……….. 415

- Desafios da construção tipológica………..418

6.1. «Ecossistemas protegidos»………..421

- A relação dos profissionais com o sujeito coletivo………422

a) Modos de entender o estatuto socio profissional………423

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c) Modos de entender a abertura e o fechamento social da profissão……….433

6.2. «Trilhos seguros»………..439

- A relação de aprendizagem da profissão com 'o que se sabe'………440

a) Em relação aos saberes de experiência……….…….443

b) Em relação aos saberes de organização e procedimento……….…...448

c) Em relação aos saberes temáticos e especializados………....454

d) Em relação aos saberes de explicitação………..459

6.3. «Abrir Caminhos»………..464

- A relação de 'quem se é' com a aprendizagem da profissão……….468

a) @s tecelãs/ões de histórias………469

b) @s semeadores do estado social………..476

c) @s hibridas/os………480

6.4. «Inventar Carreiros»………..485

- A relação com a heterogeneidade e a incerteza………487

a) Processos de resistência e experimentação social………..……….…….…490

b) A construção de novo vocabulário e novos «palcos» para a profissionalidade ………493

Síntese conclusiva………497

Limitações do Estudo e investigações futuras……….512

Bibliografia……….514

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I

NTRODUÇÃO

Este relatório pretende dar conta do trabalho realizado durante os anos em que me propus fazer o Doutoramento no Ramo da Educação no Instituto de Educação, da Universidade de Lisboa.

Para este projecto de investigação, o objecto de estudo foi/é a própria profissão, na procura de entender os processos de formação dos assistentes sociais, identificar as aprendizagens realizadas nos seus percursos profissionais e os significados que lhes atribuem e os processos das suas construções identitárias, a partir de uma análise de inspiração biográfica. Na impossibilidade de suspender a vida para dar conta do processo formativo, diria que este tempo foi marcado pelo trabalho e pelo gosto, pela curiosidade e pela inquietação mas também pela complexidade, pelas dúvidas e por movimentos de fluidez e intermitência de tempos, espaços e investimento. A área científica em que se insere este trabalho é talvez a primeira particularidade, já que foi desenvolvido no campo da Educação/Formação de Adultos, e tem como eixo central o interesse pela compreensão dos percursos formativos e de construção identitária dos Assistentes Sociais.

Esta abordagem realizada a partir de uma perspectiva fenomenológica onde também se cruzam a minha realidade subjectiva e o contexto histórico, social e cultural onde me inscrevo, liga-se com um objecto construído na área do Serviço Social e mobiliza muitos conceitos de outras áreas científicas. De uma forma sintética, diria que esta investigação procura conhecer e produzir conhecimento sobre a formação (com especial enfoque na autoformação) de Assistentes Sociais, procurando identificar os seus percursos profissionais, os significados que lhes atribuem e quais os processos das suas construções identitárias, a partir de uma análise de inspiração biográfica.

A escolha, dentro dos adultos possíveis, de Assistentes Sociais, prendeu-se com razões endógenas (porque sendo pares talvez possa compreender e compreender-me melhor, num processo que também pretende ser de autoformação) e razões exógenas – porque, numa altura de morte anunciada do Estado-providência e das respectivas políticas, com consequências

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15 nomeadamente ao nível das práticas, do emprego e do trabalho disponível para estes profissionais, procura-se entender que «profissão» é esta que, apesar de tudo, construiu uma história, diversificou-se e equaciona actualmente possibilidades de futuro, para além da utopia impossível de humanizar um capitalismo, cada vez menos humanizável.

Neste caminho de “prática-investigadora” (no conceito de Berger, 1992:36) parto do princípio que todo o conhecimento é autobiográfico e que, tenho percorrido tempos e espaços onde se misturam informações, referências, acontecimentos, dúvidas e sentimentos (muitas vezes sem conseguir fazer deles uma leitura clara ou encontrar sentidos), procuro com este trabalho de investigação compreender, por aproximações sucessivas, os percursos profissionais e de formação. Boaventura Sousa Santos, refere que “No

paradigma emergente, o carácter autobiográfico e auto-referencial da ciência é plenamente assumido” (1991a:53) o que suporta, de certa forma, este

posicionamento.

De igual modo, procurei percepcionar as representações e a(s) identidade(s) como dimensões interactivas, dinâmicas e estruturantes da actividade profissional, entendendo que as actividades profissionais se traduzem num

“conjunto ordenado de práticas, de representações e de identidades capazes de se adaptarem aos constrangimentos da organização e de se auto regularem sob a pressão dos atores coletivos” (Blin, 1997:160). Ao mesmo tempo que

procuro identificar as representações da profissão e dos contextos de trabalho, procuro aprofundar um entendimento crítico da profissão em termos macro, contribuindo para a reflexão sobre a sua situação, no contexto da actual organização do trabalho.

Conceber os assistentes sociais como sujeitos passou por colocá-los no lugar central da sua própria formação, num entendimento próximo do Movimento de Educação Permanente, que defende que todos os espaços/tempos são potencialmente formativos. Procurar entender as suas perspectivas sobre os seus próprios processos de formação e de construção identitária, talvez contribua para conhecer melhor que quadros de referência utilizam quando intervêm com as respectivas populações e como justificam o seu trabalho - para si, para os outros e para a sociedade em geral.

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16 Actualmente e, entendendo ainda a questão da política social, enquanto política pública de co-responsabilização estatal, tem-se assistido a uma progressiva erosão do Estado de bem-estar, fundado originalmente em direitos sociais de carácter universal.

Vivem-se hoje tempos de incerteza, de crise generalizada nos países ditos desenvolvidos e de manipulação dos actores políticos pelo poder financeiro sem rosto nem país. Uma incerteza que é também

“…crise de um modelo de sociedade, crise essa que, só a lógica da aniquilação de uma das conquistas civilizatórias mais importantes da humanidade – a responsabilidade solidária e colectiva do Estado face à protecção dos cidadãos – pode ajudar a explicar os propósitos de desmantelamento indiscriminado do Estado-providência” (Rodrigues, 1999: 20).

Se a persistência, renovação e alargamento de fenómenos de pobreza, de desigualdades sociais e de cada vez maior vulnerabilidade social, questiona as medidas redistributivas e a eficácia das políticas sociais, o problema da pobreza parece residir, além de mais, na repartição primária do rendimento, da propriedade e do poder - o que remete este fenómeno para a política económica e para os baixos salários, para além do desemprego e da precariedade contratual (Costa, 2008:197).

Apesar do «luto» que muitos de nós fazemos pelo «desmantelamento do Estado-providência», admite-se na linha deste autor que a via das políticas sociais é claramente insuficiente para quebrar o ciclo persistente da pobreza e da vulnerabilidade social.

Na crise de modelo de sociedade associada a este «desmantelamento», a privatização e a desregulação têm sido meios de ajustamento estrutural do Estado à economia global – um processo simultâneo de globalização e localização com consequências ao nível da perda de legitimidade e autoridade política e com a erosão do projecto de modernidade, onde a educação como um todo perde a sua orientação (Finger e Asún, 2003:106). Esta realidade (a que alguns autores chamam «pós-moderna» e outros de «modernidade tardia») tem no individualismo uma característica marcante, quer para a prática da educação de adultos, quer para a acção social.

Neste entendimento, não resisti a associar o conceito de “não-lugares” à possibilidade de que a profissão de Assistente Social se torne uma

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“não-17 profissão”, tendo-se apenas a si própria por referência, sem atender ao compromisso com uma dimensão ética, histórica e política e com um modelo de sociedade comprometido com os princípios de direitos humanos e de justiça social. Marc Augé refere em torno deste conceito de «não-lugares» a metáfora da viagem que me é útil neste processo de investigação-aprendizagem:

“A viagem constrói uma relação fictícia entre o olhar e a paisagem. E, se chamamos «espaço» à prática dos lugares que define especificamente a viagem, devemos ainda acrescentar que há espaços em que o indivíduo se experimenta como espectador sem que a natureza do espectáculo para ele conte realmente. Como se a posição de espectador constituísse o essencial do espectáculo, como se, em última análise, o espectador (...) fosse para si próprio o seu próprio espectáculo. (...)

O espaço do viajante será assim o arquétipo do não-lugar. (...) estamos em condições de redescobrir a evocação profética de espaços onde nem a identidade, nem a relação, nem a história fazem verdadeiramente sentido, em que a solidão se experimenta como superação ou esvaziamento da individualidade, em que só o movimento das imagens deixa antever por instantes àquele que as vê fugir e que as olha a hipótese de um passado e a possibilidade de um futuro” (Augé, 2006:74).

Nesta perspectiva que arrisco a definir como estando na tensão entre espectadora e actor/autora destaco a necessidade que as pessoas continuam a ter de atribuir sentido,

“…dar um sentido ao mundo, e não a certa aldeia ou a certa linhagem. Esta necessidade de dar um sentido ao presente, senão ao passado, é a contrapartida da superabundância de acontecimentos que corresponde a uma situação que poderíamos dizer de “sobre modernidade”, a fim de darmos conta da sua modalidade essencial: o excesso” (Augé, 2006:28,29).

Este “excesso” de que fala Augé, com teorias, acontecimentos, «coisas», perspectivas, conflitos, fontes de informação, nas suas diferentes modalidades, acentua paradoxos e institui a complexidade e a imprevisibilidade.

Por sua vez, Sousa Santos (2005:21) refere que o excesso de teorias em desequilíbrio sobre o que ainda está, constitui em simultâneo um deficit teórico e um grande desafio. Em todo o processo senti o cruzamento desse deficit e desse desafio mas procurei deixar-me interrogar pelos contributos dos vários autores de muitos campos teóricos, pela recolha empírica e pelas narrativas das pessoas entrevistadas.

A estrutura deste trabalho está subdividida em seis capítulos: no primeiro aborda-se o Serviço Social, enquanto profissão e disciplina que procuram novas legitimidades e desenvolvem-se as questões teóricas que norteram este

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18 processo de investigação e a respectiva pesquisa; o segundo capítulo prentede abordar e (des) construção profissional do Serviço Social, entre as heranças e as dinâmicas do seu percurso histórico e o interesse em revisitar a profissão, em confronto com um questionamento de algumas questões consideradas centrais e no entendido de que esse questionamento constitui simultaneamente um campo de possibilidades de futuro(s); no capítulo três, intitulado “O lugar do «não-saber» face ao saber dos outros”, desenvolvem-se perspectivas de relação com o conhecimento e os saberes, desenvolvendo três aspectos, respectivamente sobre o conhecimento pertinente, os processos de construção identitária e a autoformação; no quarto capítulo explicita-se o caminho metodológico utilizado neste percurso de investigação, pontuando as opções e a estratégia metodológica, a questão de partida e as questões orientadoras, o desenho da investigação e a pesquisa empírica; no quinto capítulo, é dada centralidade à(s) voz(es) dos actores da profissão em resultado da análise e interpretação do material empírico recolhido e no sexto e último capítulo, esboçam-se tipologias dos percursos profissionais e das formas identitárias, fazem-se as conclusões da pesquisa e as pistas de investigação futura.

A

ORIGEM DESTE PROJECTO

Neste processo de formação e de investigação, ao procurar entender como os assistentes sociais se formam ao longo da sua vida, e em particular ao longo da sua trajectória profissional, parti do pressuposto que uma profissão se aprende, exercendo.

Privilegiei o contexto não formal e informal das relações de trabalho com os vários intervenientes dos processos de intervenção social, para procurar desocultar os processos de aprendizagem destes adultos, através da experiência reflectida e no contacto com muitos outros.

Neste âmbito, achei necessário explicitar o lugar e a perspectiva de quem investiga, pois como diz Remi Hess (2005), defender uma tese significa defender um ponto de vista.

No caso, o meu lugar é o de uma mulher que já passou os 50 anos, de origem social modesta, filha única de uma família rural oriunda da zona oeste que

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19 migrou para os arredores de Lisboa à procura de melhores oportunidades de vida. Fiz o meu percurso escolar com gosto e sem incidentes, mas com a consciência de que a escola era uma via privilegiada para a mobilidade social ascendente e que o conhecimento tinha uma função emancipadora.

Não tive uma juventude politizada (tinha 14 anos no 25 de Abril de 1974) e, passei pelo período revolucionário com preocupações mais «sociais» do que «políticas». Desta época, lembro sobretudo a nível familiar, as discussões político/partidárias que aqueceram os ânimos dos membros da família mais chegada com quem compartilhávamos os momentos de lazer e festividade e o seu consequente afastamento e o envolvimento do meu pai no partido comunista (um envolvido do qual não se falava em casa e era apenas inferido por meias conversas, pelas discussões familiares e pelos livros que o meu pai lia). A nível do contexto onde vivia, recordo o tempo das RGA/Reuniões Gerais de Alunos no Liceu de Oeiras a que assisti sem grande entusiasmo, a “balda” no ensino que apanhou sobretudo os colegas que estavam a terminar o secundário e as manifestações em Caxias (lugar onde creci e existe a prisão homónima) a propósito da libertação dos presos políticos.

Uma recordação desta época que jamais esquecerei foi uma exploração que eu e uma série de outros miúdos fizemos às celas subterrâneas da prisão de Caxias onde estiveram os presos políticos, e que entretanto foram desactivadas.

Nunca esquecerei as condições dessas celas cujo acesso era feito por um fosso dentro das instalações prisionais a que tivemos acesso porque alguns dos meus amigos eram filhos de guardas prisionais. As celas eram autênticas grutas escavadas no monte até ao nível de um lençol de água subterrâneo, distribuídas por corredores imensos, com chão de terra húmida e paredes de pedra escritas e pintadas, onde não entrava a luz e a humidade era muito elevada. Imaginar que tinham estado ali pessoas a viver anos seguidos, presas pelas suas convicções e privadas das mais elementares condições de vida, foi algo que me impressionou e me provocou uma indignação que me acompanha até aos dias de hoje.

Em termos culturais as minhas referências eram muito «misturadas» e, por exemplo, na música, tanto ouvia e gostava dos músicos de intervenção

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20 portugueses, como da música popular portuguesa ou dos artistas franceses, ingleses e italianos que estavam na moda.

A opção por Serviço Social surgiu no final do ensino secundário (1976), em resultado dos testes psicotécnicos que começavam a ser correntes na época - das três possibilidades apresentadas: Direito, Artes e Serviço Social, optei por exclusão de partes; nas Artes, não tinha certeza de encontrar sustento nem convicção de talento e do Direito afastava-me a possibilidade de defender causas em que não acreditava ou que iam contra os meus valores.

Após um interregno de sete anos (em que fui cobaia do indescritível ano «propedêutico», interrompi os estudos, vivi um ano em casa de familiares emigrados na Suíça e comecei a trabalhar num emprego indiferenciado) voltei a estudar para completar o 12º ano e segui para a formação em Serviço Social (1983/1988).

Entrei no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa com uma média alta que me teria permitido entrar noutros cursos nas faculdades públicas e sem a consciência de que o curso de Serviço Social não atribuía o grau de licenciatura.

Durante os quatro anos do curso fui estudante trabalhadora (porque as propinas eram caras e queria preservar uma certa independência familiar), numa altura em que não havia turma nocturna, o que implicava ter aulas de manhã e trabalhar de tarde, dilatando quer os horários de trabalho em compensações necessárias para a entidade patronal, quer os horários de estudo e de realização de trabalhos.

De uma forma geral gostei do curso e, ultrapassada uma crise no 3º ano que quase me fez desistir, posso dizer que a formação inicial, e sobretudo alguns profissionais que fui encontrando, quer como docentes, quer como orientadores de estágio, foram constituindo a malha identitária onde me situei.

Sem qualquer originalidade, diria que a construção da minha identidade profissional tem dois marcos profundos, um na importância da «escola» de formação inicial e outro, na socialização profissional e organizacional, marcada por vários contextos e várias figuras de referência.

Terminei o curso consciente de algumas fragilidades teóricas e metodológicas mas convencida que levava as «ferramentas» para continuar a aprender.

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21 Também saí pouco agradada com a «escola» como organização, com a sua dimensão demasiado pequena, doméstica e feminina e com as «guerras de alecrim e manjerona», onde nunca consegui identificar o que separava ou unia as pessoas em torno de «facções» rivais.

A esta distância, recordo-me de achar que a renovação do Serviço Social e a luta contra os problemas sociais se iria fazer pela substituição de «velhas» práticas assistencialistas e pela injecção de novos profissionais com outras perspectivas e outras formas de intervir. Com o tempo, percebi o quanto esta perspectiva era simplista...

Hoje, como assistente social a intervir ao nível territorial e municipal desde 1988, continuo identificada com a escolha profissional que fiz. Acumulo com a experiência de uma década como professora na formação inicial de assistentes sociais, com a experiência como formadora e supervisora na formação contínua de interventores sociais e com a experiência de terapeuta familiar, mas nunca quis deixar de ser assistente social.

Salientando os aspectos mais positivos do meu percurso profissional, diria que foram a riqueza e a diversidade de aprendizagens em diferentes exercícios profissionais e a mobilidade por vários contextos de intervenção; embora reconheça que só foi possível realizar este percurso numa situação de emprego «fixo», onde a conjugação da oportunidade, com a possibilidade e o gosto, permitiram acumular papéis profissionais, conciliando também com apoios relevantes na esfera privada. Por outro lado, esta variedade de papéis profissionais e de contextos de intervenção cumpriu vários objectivos, desde os mais prosaicos de ajudar a garantir o sustento familiar, até o propósito de ajudar a contrariar a tendência de instalação em zonas de conforto que não facilitam a aprendizagem contínua.

No exercício profissional da ‘função pública’, o risco de nos tornarmos funcionários, meros especialistas de procedimentos, é particularmente elevado, pois o que é globalmente pedido aos técnicos, seja qual for a sua formação, é que sejam rigorosos nos procedimentos, independentemente do «para quê?», do «para quem?» ou do «com quem? E como?» intervimos.

Ademais, o aprofundamento do rigor técnico e conceptual, nem sempre é tido como uma mais-valia nas organizações, onde ainda imperam «carreiras» cujos critérios de ascensão a cargos com maior reconhecimento social e mais poder

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22 atribuído são pautados por critérios de «confiança» e de «pertença» a grupos bem posicionados por relação aos poderes instituídos.

Honoré de Balzac, no seu livro sobre «Os funcionários» descrevia em 1830 de forma jocosa, sete categorias de funcionários e dez categorias de amanuenses, definindo genericamente como funcionário “um homem que vive do seu

ordenado e que nada mais sabe fazer do que mexer, remexer e escrevinhar em papéis” (2007:11).

Em posição divergente com esta lógica, o meu lugar e a minha perspectiva foram-se construindo de forma plástica, no plural, através de duas estratégias complementares:

1ª) Assumir o trabalho como um projecto com princípio, meio e fim, foi-me permitindo mudar de contexto organizacional de intervenção sempre que considerei esgotadas as minhas possibilidades de aprendizagem e de compromisso com o que estava a fazer e/ou com o serviço onde exercia; 2ª) Assumir a responsabilidade de formação contínua como minha, o que foi fundamental para sentir que sou uma profissional que não se esgota no posto de trabalho (apesar da repercussão que tem no exercício profissional e na organização onde se exerce).

Estas duas estratégias, tornadas conscientes ao longo do meu percurso de vida, permitiram-me circular por entre muitas perspectivas e posicionamentos, o que facilitou cruzar informações, reflectir, procurar outras fontes de conhecimento e atribuir um significado de reflexividade e de autoformação a este percurso, a partir da posição de «profissional-prática» no conceito de Remi Hess ou, no caso, de “prática-investigadora” na terminologia de Berger.

Nesta trajectória, o que me mobilizou desde sempre foi a intervenção social (como contributo para mudar algo na sociedade/no território/no grupo/na pessoa), qualquer que fosse o contexto, o projecto ou o(s) público(s) em causa e entendi sempre a pesquisa, o aprofundamento teórico e/ou a investigação como um alargamento de referenciais ou de metodologias para procurar intervir melhor. Clara e assumidamente, não sou uma académica no sentido em que o meu compromisso não é com o conhecimento enquanto conhecimento.

Paradoxalmente, não optei por um projecto de Investigação-Acção no processo de doutoramento, o que teria sido mais coerente. Achei que podia aproveitar a

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23 oportunidade para «fazer um balanço» e, no actual projecto de formação e de investigação (não esquecendo a fase do ciclo de vida em que me encontro) a motivação foi sobretudo de desenvolvimento pessoal, com a tentativa de me pôr à prova sim, de dar um contributo para a profissão e de obter feedback por parte da comunidade científica e dos pares sim, mas sobretudo de fazer o balanço de uma história de vida profissional e procurar uma relevância formativa em toda esta trajectória, que gosto de considerar «atípica».

Desde já identifico que, se existiram variáveis que marcaram claramente, quer a minha formação inicial de assistente social, quer todo o meu percurso profissional e de formação contínua, foram o «gosto por trabalhar com pessoas», a «interacção e a relação» que esse trabalho foi permitindo, a forte convicção de trabalhar para a «mudança» e para o «desenvolvimento» e a «interdisciplinaridade» absolutamente necessária, quer do ponto de vista conceptual e metodológico, quer do ponto de vista operacional.

Contudo, mesmo assumindo a hipótese de que a divisão disciplinar é uma convenção datada e cada vez menos útil para enfrentar a complexidade do mundo contemporâne, não deixo de experimentar alguns desconfortos no relacionamento quer com as áreas disciplinares que me têm atraído (Sociologia, Gestão/Administração, Psicologia, Ciências da Educação, …), quer com a minha própria área disciplinar: nas primeiras, porque me sinto uma «outsider», alguém que não aprofunda suficientemente o pensamento analítico ou o conhecimento explícito para ser um parceiro pleno na discussão e, na segunda, porque estando o Serviço Social em fase de afirmação académica como «campo científico» entendem-se, por vezes, estes movimentos por outras áreas disciplinares como «dissidências».

A estes desconfortos somo o sentimento de pouca especialização. Dizia-me uma colega que entrevistei neste processo que «os assistentes sociais têm a

mania que sabem de tudo» e, de facto, os assistentes sociais podem correr

esse risco.

Ao fim de quase três décadas de exercício profissional como Assistente Social, do que é que eu sei? E como é que eu sei que sei? Como é que eu legitimo e partilho esse conhecimento? E para quê, ao serviço de quê é que coloco esse conhecimento?

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24

O

O

BJECTO DE

E

STUDO

Foram interrogações como estas que estiveram na origem deste projecto de formação e desta interrogação sobre «como se formam» os assistentes sociais? Ou, afinal, o que é ser assistente social?

São interrogações que continuam a fazer sentido, mesmo sabendo que não são originais, porque as obras produzidas a este propósito – e destaco ‘What is social case work?’ (1922, NY) da pioneira Mary Richmond e ‘What is Professional Social Work?’ (2006, UK) de Malcolm Payne - reportam-se a épocas e contextos muito diferentes.

No meu caso, o processo de problematização foi demorado e complexo, sendo particularmente difícil a cadeia de opções que envolveu e, em última análise, a dificuldade em admitir o imperativo da possibilidade – tentar fazer o trabalho possível, nas minhas circunstâncias e com consciência das várias limitações. «Olhei» o objecto de estudo de muitos lados, fiz pesquisa bibliográfica por muitos autores e perspectivas, comecei e abandonei tantos caminhos, que dificilmente conseguirei explicitar essa exploração.

A necessidade foi a de reflectir e tentar compreender o que é a formação e qual o lugar que nela ocupam as experiências, ao longo das quais se formam e se transformam as nossas identidades e a nossa subjectividade (Josso, 2002). Sabendo que ia correr um risco acrescido ao investigar a própria classe profissional, ao não ter distanciamento que facilitasse a objectividade, ao participar necessária e simultaneamente na investigação como sujeito e como objecto, encontrei em Berger os fundamentos do posicionamento que me podiam fazer sentido. Diz ele,

“…o aparecimento de práticos-investigadores e o desenvolvimento da investigação (…) é um fenómeno que, tendo implicações práticas, metodológicas e epistemológicas, tem fundamentalmente um significado social. O problema da participação na investigação, da produção da investigação corresponde de facto a uma revolta de uma espécie de classe média no domínio das práticas sociais que se recusa a ver elaborar à sua margem um saber que a esmaga, que a trata como objecto, e que, em consequência desta revolta procura transformar-se em investigadora de si própria” (Berger, 1992:25,26).

Este posicionamento, que se tem desenvolvido quer no seio dos trabalhadores sociais, quer entre enfermeiros e professores, tende a tornar-se num

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25 verdadeiro desafio para a investigação. “Um desafio onde intervém também um

terceiro parceiro – o poder político – que procura jogar o papel de árbitro entre as duas partes definindo os papéis de quem sabe e de quem tem direito ao produto do conhecimento” (Berger, 1992:26).

Os modelos de investigação mobilizados constituem-se assim, grosso modo, como diferentes modalidades das ciências sociais se relacionarem com o objecto de estudo e de se integrarem numa luta que se trava entre um saber já pré-construído e erudito e um outro, que resulta de transformações sociais onde é notória a redução da distância entre os que sabem e os que agem, ou entre «autores» e «actores», mas onde também se assiste ao acentuar da luta em torno da posse da produção do saber e do reconhecimento do saber que se possui.

Valerá a pena recordar que, a ciência moderna enquanto construção histórica, tem como primeiro referencial a física de Newton - baseada na existência de uma dicotomia entre o mundo da Natureza e o mundo do Humano, assente na exterioridade e neutralidade do observador, na quantificação, na abordagem analítica cartesiana e no modelo hipotético-dedutivo, o que fez com que fosse uma ciência marcada pela «exactidão» e por uma busca das leis universais que regiam a Natureza. Mas, se o alastramento desta concepção positivista da ciência às ciências sociais (e note-se, a título de exemplo, a designação da Sociologia como ‘Física Social’ precisamente por Augusto Compte, um dos seus fundadores) permitiu inegáveis avanços, também teve como consequência a interiorização de um sentimento de menoridade das ciências sociais em função do seu hipotético «atraso».

Apesar da produção teórica mais recente de sentido inverso, quer dentro das ciências da natureza, quer nas ciências sociais, quer na própria investigação realizada em Serviço Social, este sentimento de menoridade persiste e foi ainda constatável na recolha empírica, estando claramente identificado na narrativa de algumas das pessoas entrevistadas.

O que será tanto mais curioso quanto a própria dicotomia entre ciências da natureza e ciências sociais passa a estar abalada no quadro de um paradigma emergente (Sousa Santos, 1987; 1989) onde se entende a unidade do real e o carácter total dos fenómenos.

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26 O entendimento deste novo paradigma questiona as fronteiras entre as várias ciências baseadas em segmentações fictícias da realidade. Sobre este aspecto Rui Canário refere:

“Da análise da pluralidade das ciências sociais e da sua conflitualidade interna, é possível concluir pelo carácter histórico, contingente e sempre provisório das fronteiras existentes entre as várias ciências sociais. Elas exprimem, em cada momento, formas de divisão de trabalho condicionadas por circunstâncias históricas e sociais. Por outro lado, essas fronteiras são porosas e nenhuma disciplina tem hoje o monopólio dos conceitos, de assuntos, ou de métodos e técnicas de recolha e tratamento da informação empírica. (...) será mais fecundo concentrar esforços na construção de objectos científicos e metodológicos, próprios e singulares para cada investigação, fazendo apelo ao património teórico e conceptual que tende a ser comum às várias ciências sociais e promovendo a consciente e deliberada transgressão das fronteiras disciplinares (...) ” (2003:8).

Este foi mais um posicionamento que me inspirou a explicitar como construí o «olhar» que condiciona o presente trabalho, feito a partir do interior do campo que pretendi investigar, porque pertenço ao mesmo «universo» que é simultaneamente o meu objecto, e esse «universo» faz parte do meu sistema de pertença e de finalidades (Guy Berger, 1992). Assim, as questões que orientam a investigação em curso não são estranhas ao meu próprio processo de autoconhecimento e de autoformação, alimentado na dinâmica entre a estabilidade, o incómodo e a mudança.

O estado de dissociação quase permanente entre os apelos, os ritmos, os espaços e os tempos da intervenção profissional e a sedução dos tempos, da linguagem e do debate de ideias no campo académico, tornou difícil gerir estas tensões. Mesmo sabendo que a pesquisa é um processo inacabado por definição, o facto de trabalhar nela por fases, quando foi possível, de vez em quando, fez com que tenha tido a sensação de que em cada recomeço, começava do zero.

Esta é uma sensação familiar, pois toda a formação contínua que fiz, quer a de curta duração, quer a de longa duração1, foi em «corrida», retirando tempo e energia aos meus outros compromissos e espaços de vida, foi uma formação suportada financeiramente por mim e com tempo limitado para maturar

1 Destaco a formação mais longa e significante, nomeadamente a 1ª pós-graduação em Administração (com

duração de 2 anos lectivos), o Curso de Terapeuta Familiar (com duração de 5 anos) e o Mestrado em Ciências da Educação (que resultou no ano curricular, com a 2ª pós-graduação em Ciências da Educação e passagem directa para o processo de doutoramento).

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27 conteúdos. Sem me querer vitimizar, não posso deixar de dizer que tenho uma enorme nostalgia de algo que só conheço por relatos como «ter tempo pago para ler, reflectir e escrever»...

Provavelmente, na organização social do trabalho, esta é uma dimensão pouco disponível para os profissionais do terreno, ou dito de outra forma, elegível sobretudo para os «profissionais das terras altas», na terminologia de Schon (1996). Donald Schon aborda a questão da segmentação entre a teoria e a prática  do ponto de vista de um “dilema entre o rigor e a pertinência” e utiliza uma metáfora muito interessante para expressar a distinção entre “os profissionais das terras altas” (os que optam por uma prática profissional estritamente técnica e podem fazer um uso eficaz das teorias e das técnicas provenientes da pesquisa) e os “profissionais das terras baixas” (aqueles que se comprometem deliberadamente com os problemas complexos mas cruciais e que, se lhes pedirmos para descreverem os seus métodos de investigação, falam de experimentação, de tentativa e erro, de intuição e de improviso). Esta metáfora é útil para ajudar a entender a dificuldade que alguns trabalhadores sociais (entre eles muitos Assistentes Sociais), na qualidade de «profissionais das terras baixas», têm em «dizer o que fazem». Como afirma A. Martins (1998), sabe-se que a profissão do Assistente Social não foi reconhecida e identificada por contribuir para a produção de um saber específico, mas pelo modo como historicamente intervinha nas situações sociais, como desempenhava as atribuições institucionais e a política do serviço onde se inseria, privilegiadamente associada às políticas sociais. Acrescentando a mesma autora que:

“…não se esperava que os assistentes sociais dominassem os fenómenos e processos sociais e participassem na produção de conhecimentos, mas que agissem e fossem interventores com o conhecimento produzido pelas ciências sociais. O profissional de serviço social é, assim, concebido para agir e não para produzir conhecimentos, inserindo-se na divisão social do trabalho, que separa produtores do conhecimento e interventores na realidade social” (Martins, 1998, pp. 98).

Com o modelo tecnicista do Serviço Social, nos anos 60 e 70, são pedidas aos Assistentes Sociais formas de intervenção que constituam respostas novas ao agravamento das questões sociais e são de destacar, neste campo, as intervenções ao nível do desenvolvimento de novas competências como as de planificação e do estudo/investigação das comunidades. Por outro lado, a

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28 formação inicial dos assistentes sociais, embora tenha sofrido influências de épocas, modelos e contextos diferentes, assentou de uma forma genérica, até meados dos anos 80, sobretudo em conceitos, apresentação de produtos e resultados do processo de investigação em diferentes áreas das ciências sociais, sem ultrapassar o patamar da transmissão dos resultados da produção e das divulgações destas ciências, já que o assistente social não era formado para investigar, e menos ainda para dominar o próprio processo de construção do conhecimento.

Actualmente, o conhecimento parece ter mudado de natureza e de estatuto, sendo reconfigurado como rede comunicacional e informacional e como mercadoria. Então, se nas sociedades actuais, o conhecimento e a informação estão a transformar-se em força motriz da produção, “os grupos ligados à sua

criação e manipulação passam de reprodutores a produtores” (Stoer e

Magalhães, 2005:52). Nesta perspectiva de entender o conhecimento como veículo de formação este:

“…configura-se de uma forma dúplice: como competências, como competências essenciais que dão azo, pelo menos em parte, a iniciativas como a da «gestão flexível do currículo»; e, como formação integral do indivíduo que está longe de se esgotar na sua relação com o trabalho. Com o surgimento da sociedade em rede esta duplicidade parece esbater-se, dado que a oposição entre o conhecimento como competência e o conhecimento como formação, ela própria, se reconfigura, dadas as transformações da natureza do trabalho, do mercado de trabalho, da vivência da cidadania e da afirmação sem precedentes das identidades pessoais e grupais” (Stoer e Magalhães, 2005:51).

Estas questões assumem grande importância para os assistentes sociais, cuja história profissional é essencialmente marcada pela reprodução do conhecimento e da norma e, mais recentemente, pela «forma dúplice» de se relacionar com o conhecimento e com a informação. Mas de uma forma muito geral pode afirmar-se também que, apesar da conotação do Serviço Social com a conformidade e a reprodução da norma, têm existido movimentos profissionais com posturas críticas e alternativas ao «Serviço Social Tradicional», comprometidas com a dignidade, a autonomia e a libertação das populações mais vulneráveis.

Recorda-se que, em última análise, o paradigma crítico visa (na linha de Habermas, 1971), a libertação humana. Para este autor, a questão decisiva é

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29 colocada ao nível de «ao serviço de quê» está esse conhecimento, considerando igualmente válidas as formas de conhecimento conseguido através do positivismo (que privilegia o pensamento empírico-analítico) e as formas do conhecimento histórico-hermenêutico, que procuram a compreensão de significados. Na verdade, para ele os vários tipos de conhecimento devem estar ao serviço da libertação humana, reservando para o conhecimento crítico os papéis de revelar os interesses, os poderes e as ideologias e criar mudança social.

Outros autores mais recentes como Beck (1992) ou Giddens (1990) apontam para uma «segunda cientifização», onde o conhecimento é enformado pela reflexividade e articula-se com novas formas de cidadania e de afirmação identitária, contendo a possibilidade renovada do conhecimento ser reconfigurado por essa mesma reflexividade.

U

MA DETERMINADA PERSPETIVA

Imersa na vida quotidiana e nas múltiplas práticas de intervenção e acção nos contextos onde interajo e, onde se vive tudo ao mesmo tempo, procuro fundamentar a minha perspectiva do mundo actual no cruzamento dos papéis complementares de cidadã, de aprendente, de interventora social e de formadora.

As reflexões, que tentarei explicitar ao longo deste trabalho sobre o processo de produção social do Serviço Social, evidenciam um conjunto de questões muito diversas:

i) questões que se colocam no decurso do seu processo histórico; ii) questões que se cruzam com as concepções de conhecimento e com

a distribuição histórica das profissões em cada época e contexto; iii) questões que se cruzam com a dinâmica da sua formação, inicial e

contínua e com as construções identitárias dos seus profissionais. A diversidade ideológica presente nesta profissão enfatiza a sua dimensão sociocultural e evidencia também a sua capacidade de se renovar, admitindo como «ferramentas» uma pluralidade de esferas (conceptual, metodológica, emocional, pessoal e intuitiva) que permitem interpretar o mundo e as práticas

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30 deste grupo profissional. Para tal parto da perspectiva de que o conhecimento científico constitui uma das formas específicas, entre muitas outras modalidades de conhecimento, de conhecer o mundo. E «conhecer o mundo» é aqui entendido como um processo que perspectiva a realidade como construída e co-construída socialmente, remetendo a compreensão sociológica da “realidade” e do “conhecimento” para um terreno que se situa «num meio-termo entre a Compreensão do homem comum e a do filósofo» (Berger e Luckmann, 2004:14). Estes autores defendem ainda que, ao longo dos tempos, apenas uma minoria em cada sociedade, se dedicou ao pensamento “teórico” e às “ideias”, mas que todos participamos de diferentes formas, do seu “conhecimento” e da sua construção da realidade: “Dito de outra forma, só

muito poucas pessoas se preocupam com a interpretação teórica do mundo, mas todas vivem em algum tipo de mundo” (Berger e Luckmann, 2004:26). E

inevitavelmente diria eu, fazem construções sobre os seus mundos.

Este entendimento da multiplicidade de formas e modos de «conhecer o mundo» e de que, participar desse conhecimento é, na perspectiva utilizada, uma inevitabilidade (nossa e dos outros), esteve na génese desta tentativa de juntar saberes de diferentes tipos e proveniências. Nomeadamente, a valorização do saber experiencial, associado com frequência às pessoas de baixa escolaridade e em contraponto à formação científica mas que, neste processo, se revaloriza ao longo do percurso de vida, centrada na pessoa e na descoberta e desenvolvimento das suas potencialidades, numa lógica emancipatória.

Ser «pessoa» é uma qualidade que une os assistentes sociais e os seus diferentes interlocutores (‘públicos’, chefias, pares e decisores), numa perspectiva de que o «indivíduo» é um ‘ser em devir’ e não é estritamente individual, mas sim, um conjunto de relações dinâmicas e em constante transformação, com a natureza, com os artefactos e com as outras pessoas e respectivos contextos sócio-historicos.

Este projecto de formação e de investigação pretende partir da perspectiva transdisciplinar que fui construindo e preocupar-se com uma interpretação teórica, se não do mundo, pelo menos do «mundo» de uma dada actividade profissional e científica, observada e analisada a partir de um determinado

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31 ponto de vista – o das tensões existentes entre saberes de diferentes proveniências (os saberes experienciais e as competências que as pessoas constroem ao longo da vida, os saberes profissionais e os saberes académicos) e lógicas que se confrontam e se interpelam mutuamente. Nomeadamente a tensão entre saberes académicos, marcados pela lógica do conhecimento científico, fragmentado, declarativo e cumulativo e saberes profissionais e experienciais na óptica dos saberes integrados e contextualizados. E se, nos critérios do conhecimento científico, o que parece distinguir a «ciência» da «não ciência» reside na capacidade de colocar problemas e de constituir respostas provisórias a partir de uma recolha sistemática e controlada da informação empírica, quando se coloca o problema de saber se determinada actividade (o Serviço Social, por exemplo) pode ser adjectivada de científica, ou não, estamos a questionar qual a relação dessa actividade com a teoria e com o método. Sendo o método que lhe permite pensar-se e explicar-se de forma permanente, o que, na verdade constitui uma oportunidade de compreensão do modo como se alterou a relação entre saberes e práticas sociais.

Em qualquer sociedade, os saberes são simultaneamente expressão e produto de processos sociais, na medida em que actuam sobre esses processos transformando-os, numa relação permanente e constitutiva da própria sociedade. A par do efeito de criação e de destruição de saberes, é forçoso admitir que as sociedades contemporâneas (simultaneamente «sociedades do conhecimento» e «sociedades de risco») se pensam mais a si próprias, ao mesmo tempo que se alargam as camadas sociais envolvidas nessa reflexividade social, ela própria condição de cidadania.

As relações entre o conhecimento e as práticas e a contextualização dos saberes, acham-se assim em questão no que respeita aos processos de apropriação social do conhecimento e desafiam nomeadamente, a possibilidade de formação generalizada de uma cultura científica e técnica. Assim, adequa-se bem ao objecto de estudo uma abordagem ao uso do conhecimento como uma relação social, de saber, dependente da relação particular que os sujeitos desenvolvem com o mesmo, na linha do que defendem autores como Charlot e Schon :

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“(…) a ideia de saber implica a ideia de sujeito, de actividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo, de relação desse sujeito com os outros (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse saber)” Charlot (2000:61);

” (…) o nosso conhecimento é ordinariamente tácito, implícito nos nossos padrões de acção e no nosso sentido para aquilo com que estamos a lidar; parece correcto dizer-se que o nosso conhecimento está na nossa acção” Schon (1983:49).

Identificar estas relações e os processos pelas quais os assistentes sociais podem tornar conscientes os seus saberes, para si e para os outros, implicará um contributo para abordagens menos dicotómicas e mais fecundas.

A

ENTRADA PELA

E

DUCAÇÃO

Sinto necessidade de explicitar a opção de entrada pelas Ciências da Educação. O que me trouxe inicialmente a este campo disciplinar foram principalmente duas ordens de razões: umas razões de ligação efectiva e afectiva à Formação de Adultos, com umas reminiscências positivas do tempo em que utilizei o método de Paulo Freire na alfabetização de adultos, continuadas posteriormente pelo meu percurso como docente e formadora de interventores sociais e, outras razões de ordem prática, já que o meu actual exercício profissional numa autarquia se realiza num campo híbrido de cruzamento entre o «social» e o «educacional».

Posteriormente, pude constatar a riqueza do novo referencial e realizar novas conexões com as anteriores aprendizagens de outras áreas disciplinares, sendo que tem sido neste cruzamento de saberes que, à semelhança dos ecossistemas naturais, me tem sido possível desenvolver formas plurais de entendimentos – de mim, dos outros e das construções sociais das realidades que vou vivenciando.

As Ciências da Educação têm uma produção teórica própria já legitimada e um campo de investigação e autores de referência que a tornam uma disciplina mais ou menos reconhecida, embora a sua profissionalidade seja ainda incipiente. Partilha, no entanto, com o Serviço Social alguns aspectos:

i) a ausência de abordagens consensuais, no sentido dado por Khun; ii) o carácter multiparadigmático do seu estatuto epistemológico;

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33 iii) a porosidade entre o campo da produção do conhecimento, o campo da

decisão política e o campo da acção profissional;

iv) e a persistência de uma distinção binária entre a teoria e a prática, segundo a qual os investigadores produzem os conhecimentos em que se baseiam e que contribui para a distinção dicotómica entre uma «Ciência de autores» de uma «Ciência de actores».

A Educação de Adultos nasce mais tardiamente do que o Serviço Social, a seguir à 2ª Grande Guerra, à boleia dos «30 gloriosos anos» assentes na Teoria do Capital Humano, em que se entendia que a Educação era essencial para o Desenvolvimento e se pretendia prolongar a escolarização aos adultos. Historicamente, tem uma perspectiva predominante de extensão escolar ou educação de segunda oportunidade, num modelo de Estado-nação, e outras perspectivas mais abrangentes (mas também mais periféricas), onde se incluem os sectores formal, informal e não formal, visando a construção de uma sociedade educativa e educadora e de uma maior autonomia e emancipação dos seus cidadãos.

A diversidade de conceitos que lhe estão associados (Cidadania, Trabalho, Formação, …) varia ao longo dos tempos e das latitudes e tem sido fortemente dependente das ideologias dominantes.

Utiliza conceitos de construção social que são criados e evoluem na base de tensões e contradições permanentes, quer nas experiências dos países escandinavos e anglo-saxónicos, quer nas experiências de Educação Popular na América Latina, onde a obra de Paulo Freire é incontornável ou ainda nos movimentos cívicos e educativos que surgiram após a II Guerra, por exemplo, em França, onde a Educação Popular conduziria, já nos anos 60 e 70 do século passado, ao Movimento da Educação Permanente, um conceito de base alargada e essencialmente humanista.

A definição abrangente que hoje é consensual provém da UNESCO (e data de 1976, com revisões em 1997 e 2009) e é feita por justaposição, somando os diferentes subsectores que, ao longo da história, se têm inserido neste vasto e variado campo da acção educativa e está relacionada com a formação de um cidadão com acesso à cultura e informação e também, na valorização dos princípios da democracia e de uma participação activa na vida cívica e política.

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