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S ERVIÇO S OCIAL

A INSTITUCIONALIZAÇÃO E A PROFISSIONALIZAÇÃO

O processo de institucionalização da formação escolar em Serviço Social desenvolveu-se no tempo e no espaço, apesar das singularidades de cada conjuntura e das diferentes expressões que materializaram os vários aspectos simbólicos de que se rodeou. O fenómeno de institucionalização de escolas de Serviço Social tem início quase ao mesmo tempo em realidades sócio- gegráficas muito diferentes, embora um marco relevante seja colocado em 1898, com a abertura da Escola de Filantropia Aplicada, por Mary Richmond, nos EUA.

86 A profissionalização da actividade de «ajuda social» exercida até então no âmbito do voluntariado social, surge “como forma de concertação dos

multifacetados interesses ideológicos, sociais e científicos, e resulta num envolvimento da sociedade civil e da comunidade intelectual na reinvenção do sistema de regulação social” (Mouro, 2001:29). A institucionalização das

primeiras escolas de formação do voluntariado já existente acontece em Londres, em 1890 e nos EUA, em 1898, num contexto de mudança de paradigma inerente à revolução industrial e ao desenvolvimento do capitalismo. No âmbito de uma (então) desejada síntese entre a moral cristã e os valores burgueses, põe-se em evidência um certo compromisso social entre movimentos filantrópicos e científicos para prevenir ou apaziguar a conflitualidade social e exercer uma reforma moral que imunizasse contra a ‘utopia revolucionária’ permitindo o crescimento das instituições assistenciais de apoio à população pobre, em modelos mais ou menos inovadores.

Desde esta fase diferenciam-se, como já referi, “o modelo francófono” com a utilização da designação de “Serviço Social”, do “modelo anglo-saxónico” com a designação de “Trabalho Social”. Mas, de uma forma geral, esta fase de crescimento e consolidação profissional particulariza-se por:

“…não ter tido a necessidade de enfrentar uma partilha de actuação no campo da intervenção social, por ter recuperado os campos vazios criados pelo processo de secularização da sociedade e por ter fornecido um carácter missionário ao trabalho «educativo» junto dos utilizadores dos serviços onde exerce a sua actividade profissional” (Mouro, 2001:41).

Os profissionais entretanto formados desenvolvem a sua actividade em actuações centradas na família, nos menores (modelos francófono e anglo- saxónico); no meio hospitalar, em especial psiquiátrico, no meio escolar, no meio correccional (modelo anglo-saxónico); nas empresas e no contexto médico-social (modelo francófono).

Embora seja reconhecido que o movimento instituidor da profissão é de natureza conservadora, reconhece-se desde as suas origens, uma tensão entre uma variante mais conservadora e individual e outra mais progressista e comunitária (Amaro, 2009). Esta tensão remonta às suas duas figuras instituidoras, respectivamente Mary Richmond e Jane Adams. A primeira, assumida como a figura instituidora prevalecente numa corrente «diagnóstica»,

87 individual e adaptativa, e a segunda, na variante mais reformista que rejeitava o modus operanti da época (as «visitas amigáveis aos pobres») e introduziu o conceito de justiça social e que, a partir de sua posição social privilegiada trabalhou em causas (Voto das Mulheres, Legislação e reforma da justiça, …), em movimentos de ideias e de lutas por direitos (contra o Trabalho Infantil, pelos direitos dos trabalhadores, sobretudo Imigrantes, …), na produção de respostas inovadoras («Hull House») e na produção cientifica (trabalhou com George H. Mead,1910).

Fazendo recurso à biografia-padrão mencionada por Helena Mouro (2009) será importante caracterizar a trajectória social da profissão, da qual se destacam a sua pertença de origem à sociedade industrial e o entendimento das suas práticas profissionais como um produto cultural situado historicamente.

Apesar da perspectiva institucional que domina a nossa memória histórica, a actuação profissional foi inicialmente influenciada pelas correntes positivistas que elegeram como campos prioritários de intervenção a área da família, do trabalho e da saúde, até ao surgimento das políticas sociais no pós-segunda Guerra Mundial – altura em que o Serviço Social se tornou elemento activo da consolidação de um processo político que tinha por objectivo firmar a elevação do padrão médio de vida social, bem como pluralizar e democratizar o consumo de bens e serviços.

Este contexto obrigava à implementação de um modelo de actuação mais técnico e eficiente e impõe-se nos profissionais de Serviço Social uma vontade organizada de assumir uma profissionalização como vector da política social. Esta é, apesar de tudo, uma fase de qualificação onde se geram mudanças significativas na cultura profissional, iniciando-se uma sistematização crescente da acção empírica, uma procura de fundamentação teórica para as técnicas utilizadas e uma preocupação com o próprio “agir” profissional. Simultaneamente, a perda de referenciais colectivos permitiu a diversidade interna e fomentou no campo profissional uma certa demarcação em relação ao passado e ao Serviço Social Tradicional.

Nomear as tensões, as dinâmicas, os paradoxos… dentro do corpo profissional contribui, na perspectiva utilizada, para enfraquecer o estereótipo da Assistente Social como agente de reprodução social.

88 Para os autores de inspiração marxista, a naturalização dos processos sociais e a óptica da fragmentação e da formalização estão presentes no Serviço Social desde sempre, na totalidade dos elementos que compõem o acervo cultural da profissão: desde a perspectiva do conhecimento até ao âmbito dos valores, objectivos, práticas, instrumentos e técnicas. Salientam que os conhecimentos e os valores são retirados de campos diferentes, constituindo um referencial profundamente ecléctico mas, as mais das vezes, comprometido com a manutenção da ordem social.

Nas correntes ecológicas (Pincus e Minahan, 1973; Germain e Gittermn, 1980 por exemplo) bem como nos enfoques dos autores marxistas, radicais (Rojek, 1988; Mullaly, 1993) e de capacitação (Rees, 1991) e também para os autores do campo profissional que defendem uma perspectiva crítica (como por exemplo Dominelli, 2002), a profissão de assistente social nasce no seio de um projecto reformista conservador, onde a presença de um humanismo assistencialista e, mais tarde, de uma racionalidade instrumental, pretenderam humanizar e racionalizar os efeitos do capitalismo.

Para este vasto conjunto de autores (sobretudo os de filiação marxista) é impossível a conciliação entre a defesa dos direitos e interesses das Pessoas, consideradas individual e colectivamente, e os interesses do Estado e do Mercado através da implementação de políticas sociais conjugadas, pelo que a profissão parece confinada às opções dicotómicas de ser «revolucionária» ou de ser «conformista», mantendo nesta última opção o efeito placebo que os mais críticos lhe atribuem.

Mesmo a autocrítica da profissão reconhece que a profissionalização do Serviço Social (bem como dos outros Trabalhadores Sociais), com o crescimento exponencial de profissionais disponíveis no mercado de trabalho, terá também contribuído para a passividade, a alienação e dependência das camadas mais vulneráveis da população, em simultâneo com o aumento da «patologização» das dinâmicas individuais, familiares e comunitárias.

No entanto, coloca-se a hipótese de que na ‘impossibilidade’ de conciliar os interesses das pessoas e os interesses do Estado e do Mercado possa radicar uma noção de «crise» de identidade e de legitimidade (que, por circunstâncias variadas, se mantém ao longo de várias épocas o que a tornará menos uma

89 crise e mais uma característica) e simultaneamente, a presença de oportunidades do corpo profissional para se questionar a partir de dentro, o que pretende significar possibilidades de se constituir mais solidamente como objecto de conhecimento de si, dos ‘públicos’ e contextos com que intervém e dos movimentos societários em que participa, construindo novas práticas e novas legitimidades com identidade múltiplas e diversas.