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LEGITIMIDADES

Este capítulo tem por objectivo situar as questões centrais do presente trabalho de investigação.

Pretendo aprofundar a reflexão sobre a profissão de Assistente Social numa perspectiva a partir de dentro do campo e no entendimento de que a profissão se constrói e se aprende, no diálogo entre o exercício e a reflexão sobre si própria e o mundo. A partir da exploração das suas singularidades por relação às profissões sociais, interroga-se o saber profissional, as suas construções identitárias, os processos de formação inicial e ao longo da vida, a permeabilidade ao poder e às ideologias e a produção de conhecimento próprio.

Assim, o capítulo é estruturado em torno de quatro pontos: no primeiro, propõe- se uma problematização e uma ‘recriação’ da profissão numa visão transdisciplinar que ultrapasse referenciais e representações, tradicionalmente antagónicos e dicotómicos e que colocam a profissão como estando «entre» direcções irreconciliáveis.

No segundo, aborda-se a profissionalidade, ou seja, situa-se o debate sobre o ‘como’ se constrói o conjunto articulado de saberes requeridos para o exercício profissional, na defesa de que esses processos são marcados (e marcam) as respectivas dimensões identitárias e simbólicas.

No terceiro, são identificadas as perspectivas utilizadas sobre a formação e a aprendizagem da profissão, desbravando caminho pelas várias possibilidades e dando conta da escolha conceptual realizada.

No quarto, é identificada a relação entre a formação e a produção de conhecimento, valorizando os saberes tácitos e implícitos da experiencialidade, e querendo com isso defender a possibilidade de que estes saberes possam ser explicitados, objectivados, formalizados e colectivizados, explorando a recontextualização do conhecimento próprio deste campo profissional, como uma das formas de encontrar novas legitimidades.

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1.1. E

NTRE A

(

S

)

I

DEOLOGIA

(

S

),

A

(

S

)

P

RÁTICA

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S

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A

(

S

)

T

ÉCNICA

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S

)

E A

(

S

)

C

IÊNCIA

(

S

)

Em tempos de fluidez de teorias e paradigmas o conhecimento do Serviço Social terá de ter em conta a “etnodiversidade que sempre caracterizou a

profissão” (Mouro: 2009), dado que a sua expansão resulta de diferentes

formas de agir e de pensar situadas entre os processos de contextualização cultural e política e as formas de actuar sobre os problemas sociais.

No contexto da sociedade do risco e em face da pressão exercida pelo processo de Globalização em curso, o desenvolvimento da profissão e da disciplina dependerá quer da forma como os próprios profissionais conseguem legitimar e credibilizar um processo interno de inovação com a produção de conhecimento, quer da maneira como forem capazes de se posicionar nos processos de transformação social, de governança dos problemas sociais e do seu próprio processo de trabalho.

Quando se reflecte sobre a complexidade e a legitimidade do Serviço Social importa utilizar formas de ‘leitura’ que deixem espaço para percepcionar movimentos, por vezes muito subtis, contraditórios e diversos. E esta aproximação não enjeita a importância das aproximações disciplinares mas implica também a aceitação de espaços fluidos situados entre as fronteiras, ou para além das zonas clássicas de objectivação, bem como o reconhecimento da implicação pessoal no acto cognitivo, de um sujeito em formação permanente e em transformação ao longo da sua vida.

Do ponto de vista epistemológico, o conceito de transdisciplinaridade parece bastante fecundo para abordar este desenvolvimento da profissão e da disciplina, na medida em que tenta dar resposta a uma nova visão do homem e da natureza através duma ultrapassagem integrativa do paradigma actual.

“A Transdisciplinaridade abre as ciências, em particular as ciências humanas e sociais, a uma relação diferente entre objecto e sujeito, ao mesmo tempo mais matizada (pelo conceito de níveis de realidade) e mais larga» (Paul e Pineau, 2005:5).

A transdisciplinaridade, segundo estes autores, assemelha-se com efeito a uma epistemologia dos limites, de zonas fluidas, quer dizer ‘entre’, ‘através’, ou ‘para além’ dos campos identificados, promovendo um diálogo, não tanto pela existência de um território comum, mas por um alargamento das margens, de

38 pontes e de fronteiras entre os campos disciplinares. Ela define-se como um processo epistemológico e metodológico de resolução de dados complexos e contraditórios situando as ligações no interior de um sistema global hierarquizado mas sem fronteiras imutáveis entre as disciplinas, de forma a encontrar soluções práticas.

Neste entendimento, distancio-me de um «etnocentrismo científico-disciplinar» e sinto-me relativamente confortável com a possibilidade de questionar a profissão da qual faço parte numa perspectiva de reflexividade que procura colocar em debate aspectos que suponho importantes para os interventores sociais, sejam ou não, de serviço social.

Entendo que o Serviço Social faz parte das «profissões sociais», no sentido mais próximo do conceito anglo-saxónico das ‘care professions’ e mais abrangente do que as designações francófonas de ‘trabalho social’ ou de ‘intervenção social ‘ (Branco, 2009), embora estas últimas designações também sejam utilizadas por fidelidade às respectivas fontes.

Não defendo uma neutralidade e tenho consciência de que este trabalho está centrado na subjectividade dos actores sociais (inclusive, na minha e, no caso, dos assistentes sociais entrevistados) ou seja, assente num estudo que evidencia a representação social que estes actores (e autores) têm da sua posição num campo social específico e nas normas e valores que lhes permitem interpretar os processos de interacção social que descrevem. E admito que a necessidade de «novas» legitimidades tem acompanhado a trajectória do Serviço Social.

Recuando à genealogia do Serviço Social recorda-se que já para a pioneira Mary Richmond a prática profissional deveria ser reflectida e objecto de diagnóstico, embora a definição dos problemas que foram móbil do Serviço Social fosse mudando. Para Mary Richmond, o problema social situava-se na personalidade; mais tarde passou a considerar-se que se situava no indivíduo e no meio e no significado do meio para o indivíduo; e com a perspectiva marxista veio a compreensão das trajectórias sociais e dos grupos de referência, passando-se a considerar a ligação e a interdependência entre indivíduo e sociedade.

39 As diferentes leituras dos problemas que eram, foram e são objecto do Serviço Social foram mudando, conforme o seu enquadramento sócio-histórico e as influências teóricas e ideológicas, com múltiplas tensões entre o individual e o colectivo, o controlo e a autonomia, a assistência paliativa e a ‘capacitação’, a reprodução da ordem e da moral e a produção de novas ordens e saberes, entre outras dimensões em tensão.

Hoje, persiste a necessidade de reflectir a profissão de Serviço Social, conjugando aspectos dos modelos mais presentes e actuais, numa lógica de compreensão antropológica do homem e das sociedades e numa visão que pretende ser mais integradora.

Esta visão não se resume à integração de conhecimentos, defendendo a necessidade de novos posicionamentos, quer nos autores que se comprometem com a mudança social como Desrumaux – Zagrodnicki (1998:137) e que apontam o Serviço Social como uma «profissão que tem por

finalidade a produção de mudanças», através do desenvolvimento de

capacidades sociais, quer nos autores que perspectivam uma intervenção mais individualizada como Garnier (1999) na defesa de uma ética comprometida com a empatia, com a compreensão e o respeito pelas lógicas conceptuais dos sujeitos de intervenção.

O debate sobre a natureza da profissão protagonizado pela escola latino- americana a partir do movimento da reconceptualização do Serviço Social, foi prosseguido pela atenção dada pela escola anglo-saxónica ao espaço da profissão face às novas profissionalidades em matéria de intervenção social. Enquanto a primeira exprime a atenção atribuída à relação da profissão com as suas questões existenciais, a segunda reflecte uma preocupação especial com os alinhamentos da profissão face a outras profissões, essencialmente quando a diferenciação e a especialização funcional se transformaram num ‘problema de fronteiras’ (Giddens:2001).

Com a recomposição da segmentação profissional e a crescente transdisciplinaridade, impõe-se uma atitude auto reflexiva sobre a prática dos assistentes sociais e a importância de uma compreensão mais ampla da profissão. Como refere Helena Mouro:

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“…o conhecimento sobre o seu ethos foi alicerçado através da desconstrução e reconstrução da sua trajectória para, em função da realidade percebida e em articulação com os conhecimentos produzidos fora da área do Serviço social, se investir na projecção do seu futuro” (2009:p.412).

Na actualidade passou a considerar-se que a intervenção social implicava decisões e actuações complexas e que seria preciso articular os saberes teóricos mais genéricos com os saberes construídos na prática. Mas a crítica interna do campo aponta a fragilidade destes saberes referindo que, muitas vezes a sua exposição fica-se pela mera descrição, sem formalizar uma estrutura epistemológica que dê significado ao empírico e evidencie as componentes, as relações e as funções mais significativas.

Segundo Desrumaux – Zagrodnicki (1998), a dificuldade de reconhecimento das profissões do ‘social’ prende-se com a sua história (não nasceram de uma ciência, mas sim de ideologias) e com o facto de se constituírem essencialmente como práticas. Apesar do reconhecimento de que o Serviço Social se possa definir como profissão, devendo dotar-se de métodos de avaliação reconhecidos no plano científico, a sua formação privilegiou a aprendizagem sobre o terreno e o conjunto da profissão ainda evolui a partir do pragmatismo. E se a qualificação científica não parece resolver a insuficiência de conhecimentos integrados, a explicitação dos conhecimentos adquiridos por via experiencial, por si mesma, parece não ser suficiente para o aumento pretendido (em quantidade, qualidade e diversidade) da produção de conhecimento específico de Serviço Social.

Teresa Zamanillo (2001), numa abordagem de orientação sistémica, chama a atenção para o facto dos trabalhadores sociais se moverem no nível da experiência, explicitando que a sua acção se alimenta do conhecimento imediato, cujo critério de verdade é o «êxito da acção» na resolução do problema. Esta posição contribui para manter uma relação de externalidade entre a teoria e a realidade, ilustrada pela voz corrente entre muitos profissionais de que “a formação recebida é muito teórica”, o que pretende significar que as teorias são pouco válidas/úteis para explicar e resolver os problemas quotidianos com que se defrontam.

Esta posição evidencia também a ambiguidade (e por vezes a divergência) entre «compreender» e «controlar», assumindo a autora atrás citada que os

41 trabalhadores sociais têm uma grande necessidade de controlar a realidade e alguma dificuldade em lidar com a desordem, o caos e o vazio. Ao invés, o compreender, permite conectar a teoria com a prática, relacionando o conhecimento comum com o conhecimento teórico e com a experiência.

Esta autora defende a necessidade de ordenar os conhecimentos em teorias já existentes e produzir novo conhecimento a partir de uma investigação de campo, que desenvolva conceitos sensibilizadores numa dinâmica interdiscisciplinar; ao invés de prosseguir uma teoria e uma metodologia próprias – o que ela designa de tarefa impossível que pretende uma identidade falsa pelo seu carácter auto referencial.

Esta posição está longe de ser consensual mas existe, em concomitância com muitas outras perspectivas, o que também demonstra alguma vitalidade reflexiva dentro do campo profissional. E aos Assistentes Sociais continuam a ser solicitadas competências para intervir e controlar, o que nesta perspectiva, tem assegurado mais postos de trabalho aos profissionais mas constitui uma dificuldade acrescida para o seu reconhecimento profissional.

Esta dificuldade situa-se entre múltiplas tensões, nomeadamente a tensão entre os conhecimentos teórico-metodológicos e experienciais (que, na prática, parecem cada vez mais preteridos) e os saberes procedimentais das organizações de trabalho que tendem a ser sobrevalorizados como conhecimento operacional. O que recoloca uma questão que hoje continua a ser importante colocar, enquanto princípio epistemológico da concepção formal da ciência, é a de saber qual é o objecto do Serviço Social?

Qual é o elemento do todo social que focaliza o Serviço Social? O que é que determina o seu conhecimento e a sua prática?

Na tentativa de equacionar estas questões encontra-se com frequência alguma confusão entre «o quê» (problema social, necessidade social), o «quem» (‘indivíduo desajustado’, ‘homem oprimido e explorado’) e o «onde» (área de interacção entre o indivíduo e o meio), dando a todos estes termos a categoria de objecto, dependendo do momento histórico, da área geográfica e/ou da ideologia.

Apesar destes termos serem elementos constituintes para a construção do objecto, são aspectos parciais de uma realidade que envolve o sujeito

42 contemporâneo e que se pode sintetizar no conceito de «mal-estar», onde constituem apenas a ponta visível do iceberg os estados de carência, os problemas sociais actuais e a falta de cobertura das necessidades em muitos grupos da população.

Para Zamanillo, a produção e reprodução destas condições é o que gera este «mal-estar» de que não podem fugir os indivíduos, na sua condição de sujeitos interdependentes. Então a proposta de objecto é formalizada como sendo:

“…todos os fenómenos relacionados com o «mal-estar» psicossocial dos indivíduos, ordenado segundo a sua génese sócio-espacial e as suas vivências pessoais” (Zamanillo, 2001:141).

Por mais perspectivas que se possam nomear, o Serviço Social situa-se neste espaço paradoxal que designei de «entre». Nomeadamente entre o ‘mandato’ das instituições na aplicação de medidas de política social, na redistribuição de recursos e no controle social e as populações sem voz junto dessas mesmas instituições, que desempenham um papel de interface entre a procura e a oferta de bens e serviços sociais.

Neste âmbito, é frequente a incompatibilidade das relações intersubjectivas de ajuda, mais ou menos terapêuticas e das dinâmicas mediadoras de processos de desenvolvimento que os assistentes sociais desenvolvem com as pessoas que os procuram, ou a quem se juntam, e a função de trabalhadores por conta de outrem com um mandato institucional em que lhes é pedido que implementem respostas relativamente tipificadas em contextos de organização e de trabalho cada vez mais baseados em evidências quantificáveis e actuações de curto prazo. Por outro lado, a fragmentação dos profissionais por diferentes ‘sectores’ e áreas de intervenção e a tendência para assumirem uma postura camaleónica nos respectivos contextos faz com que pareçam assumir um compromisso prioritário com a instituição e a respectiva área de intervenção em detrimento da profissão e das pessoas com quem trabalham.

São frequentes as narrativas profissionais que evidenciam, quer a utilização de léxico de sector (saúde, justiça, segurança social, autarquias…), quer a construção de quadros de referência e de metodologias de intervenção mais próximas da área de intervenção do que de uma especificidade da profissão.

43 Este fenómeno de «desprofissionalização» tem tradução do lado dos poderes instituídos e é particularmente visível na tendência actual de utilizar designações genéricas de, por exemplo «Técnico de reinserção Social» (utilizada na Justiça) ou «Técnico Superior» (utilizada na Função Pública em geral) para designar funções que correspondem a postos de trabalho no campo da intervenção social, para as quais é elegível qualquer formação na área das Ciências Sociais e cujo conteúdo funcional é semelhante, independentemente da formação inicial e da profissão.

A ‘recriação’ do Serviço Social está influenciada por movimentos centrípetos e centrífugos que se desenvolvem na profissão, sendo que os primeiros utilizam a acção social como elemento galvanizador da sua especificidade e elemento de salvaguarda do poder profissional adquirido por via da sua herança cultural, e os segundos fragmentam o centro de gravidade da intervenção profissional, sendo a inclusão tomada como ponto fulcral da sua orientação (Helena Mouro, 2009). Esta perspectiva dinâmica e tensional, destaca dois movimentos com uma comparação dicotómica entre um “cenário vivido/experimentado” de características etnocêntricas e um “cenário proposto” de características ecocêntricas, com diferenças ao nível das finalidades (controlo e regulação dos problemas sociais ou emancipação social e individual?), dos objectivos (a gestão do equilíbrio da vida ou a requalificação da vida quotidiana na sociedade do risco?), das culturas (proteccionista ou igualitária?) e dos paradigmas (inserção social ou pedagogia da autonomia?).

As possibilidades de divergências e incongruências entre estes cenários, podem contribuir para que alguns profissionais sintam clivagens quase esquizofrénicas entre o «vivido» e o «pretendido», entre o que «pode» e o que «deve» ser feito, entre o «discurso» e a «acção», entre as «realidades» e os «mapas teóricos» - só para nomear algumas dessas clivagens.

Para que os assistentes sociais possam estar «entre» tantos cruzamentos, movimentos e tensões, sem serem esmagados e/ou indiferenciados e, sem se tornarem eles próprios executantes acéfalos de um sistema em decadência, precisam de saber «quem são», «o que fazem» e «para que fazem».

Outra tendência protagonizada por autores científicos reconhecidos, como Boaventura Sousa Santos no campo da Sociologia, acentua a necessidade de

44 desdogmatizar a ciência, advogando a necessidade de analisar as condições históricas e teóricas da produção do conhecimento para entendê-la no seu tempo e no seu contexto.

Conceber a ciência como imbricada nas relações sociais, implica alterar práticas, construir novas relações sociais e narrativas científicas, reconhecendo o conhecimento como parcial e inerentemente social e político.

Neste âmbito os sentimentos de “perda” expressos pelos assistentes sociais, especificamente no quadro político de (des) legitimação do Estado-providência, ao mesmo tempo que questionam legitimidades, exercícios e identidades profissionais, abrem um espaço privilegiado para negociar novas legitimidades. Helena Mouro, a este propósito, refere que a profissão consignou-se socialmente como um dispositivo de conversão de poderes tanto de ordem profissional, como política. De ordem profissional, na medida em que se tornou num objecto de disputas profissionais entre os diferentes actores profissionais envolvidos na procura de um lugar próprio no “não-lugar” onde se insere a intervenção social e, de ordem política, uma vez que se tornou num meio ideal para enfatizar o investimento político na redução de custos sociais da “exclusão” (Mouro, 2009: 433).

O reconhecimento de que os modelos de conhecimento e de «verdade» dependem das relações sociais estabelecidas num determinado contexto histórico e dos interesses em presença, remete para que «entre» as possibilidades de uma meta teoria se possam encontrar o reconhecimento da(s) identidade(s), como fragmentada, plural e, eventualmente, em conflito. Neste posicionamento, a linguagem e as relações sociais tornam-se centrais para a reflexividade sobre a experiência e para a produção de conhecimento, nas suas componentes de competência e formação.

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1.2. S

ISTEMA IDENTITÁRIO E

S

ISTEMA SIMBÓLICO NA

PROFISSIONALIDADE

A profissionalidade é aqui tomada enquanto conjunto articulado de saberes, saberes-fazer e atitudes requeridas pelo exercício profissional. Neste âmbito, têm-se multiplicado os estudos referentes às identidades sociais e profissionais em contextos de acção empírica, mas estes têm reunido alguma unanimidade ao afirmar que problematizar as construções das identidades sociais dos actores em contextos de trabalho não significa reduzi-las a estatutos de emprego ou a níveis de formação.

A pessoa, antes de adquirir uma determinada habilitação profissional, possui já uma identidade (étnica, religiosa, sexual, de classe), onde a reconstituição identitária posterior, como será o caso da que ocorre em contexto de trabalho, é condicionada pelo conjunto de experiências e vivências anteriores e ainda pelos construídos identitários preexistentes.

Dubar (1997a), que parte de uma reflexão alimentada pelas perspectivas psicanalítica e fenomenológica, define identidade como o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e colectivo, subjetivo e objectivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização, que conjuntamente constroem os indivíduos e definem as instituições. Nesta concepção, a identidade incorpora as representações do sujeito sobre si próprio e sobre os outros e, nesse sentido, é construída numa dinâmica de interacção permanente na qual intervêm as representações de si e o olhar do outro.

A construção da identidade é assumida como um processo de transacções objectivas e subjectivas; as transacções objectivas (onde predomina a atribuição) procuram acomodar a identidade para si à identidade para o outro, e as subjectivas (ou internas ao indivíduo) variam entre a necessidade de manter identificações anteriores e o desejo de construir para si novas identidades no futuro. Este autor não defende, ao contrário do que outros fazem, o estabelecimento de diferenciação entre identidade individual e colectiva; para ele, a identidade construída pelo indivíduo no decurso do processo de socialização pode ser analisada alternadamente como produto interiorizado das

46 condições sociais anteriores objectivas e como expressão dos desejos particulares mais subjectivos, mas é necessariamente marcada pela dualidade entre o processo biográfico e o relacional.

Em paralelo, vários autores referem-se à identidade como algo paradoxal dando conta de que a identidade diz respeito simultaneamente ao que parece idêntico e diferente, único ou aproximado aos outros (Lipiansky, 1992). Por outro lado, o estudo das identidades a nível científico, implica a abordagem de um paradoxo que consistiria em tentar articular diversas perspectivas de fenómenos sociais diferentes.

Paradoxal, ou não, o conceito de identidade utilizado aponta para uma interacção dinâmica entre o indivíduo e o seu grupo de pertença e, paralelamente, para a representação que possuem do grupo e da sua posição social no seu interior.

Os modelos da identidade social das escolas de Bristol e de Genebra, no