• Nenhum resultado encontrado

S ERVIÇO S OCIAL

O S D IREITOS H UMANOS E A J USTIÇA S OCIAL NUMA ÉPOCA DE GLOBALIZAÇÃO

É frequente associar a globalização à produção de mudanças profundas que reintroduziram a prioridade das políticas económicas e questionaram a centralidade do Estado nacional na concepção e sustentação das suas políticas, nomeadamente as sociais. Segundo a definição do Banco Mundial (2002), globalização é a crescente integração das economias e das sociedades do mundo, devida aos fluxos maiores de capital, de mercadorias, de informação e, embora mais contido, ao fluxo populacional.

A Globalização começa por ser um fenómeno económico, com a abertura de fronteiras, o recuo do peso do Estado e a organização mundial do comércio e passa a um fenómeno político, no pressuposto de que o neo-liberalismo diminuiria a pobreza e de que a abertura de fronteiras para o comércio internacional, em simultâneo com o recuo do peso do Estado, possibilitariam aumentar a riqueza e o desenvolvimento para todos os países. Contudo, a pobreza aumentou de uma forma geral, aumentando sobretudo a discrepância (de ordem territorial e de grandeza) entre as populações mais ricas e mais pobres.

As posições e teses desenvolvidas ao longo das últimas décadas têm desenhado, de formas muito variadas, perfis das actividades estatais no domínio do bem-estar, defendendo quer a resistência do Estado-providência, (com mais ou menos renovação e reordenamento), quer a sua extinção, o que seria o ideal supremo numa sociedade de mercado.

112 Nos anos 80, nos países com um Estado-providência mais forte dá-se uma viragem que vai afectar a sua forma organizativa e vai também alterar estruturalmente a sociedade civil e o mercado, bem como a sua inter-relação e nos anos 90, o desemprego em massa, atribuído a exigências de racionalização de efectivos, por via das mutações tecnológicas, e a alteração da composição social dos grupos excluídos, despoletou a negação das bases compensatórias do Estado Providência no “modelo fordista-keynesiano- familiar”, preparando a sua deslegitimação.

Estaríamos então perante uma miríade de modelos de interpretação e reinvenção societárias que foram reflectindo formas e modelos distintos, entre eles:

 a «sociedade bloqueada» (Crozier, 1983), que foi concebida como uma sociedade administrada pelo Estado, que apesar de manter os sonhos de progresso e democracia, não comunicava com os cidadãos, deixando-os alheados das decisões sobre o futuro da sociedade;

 o «capitalismo flexível» (Harvey, 1989) que se manifesta através do processo de flexibilização do processo produtivo, dos contextos e de toda a organização do trabalho, enquadrando a transformação do trabalho e da sua organização;

 a «sociedade de risco» (Beck, 1992) que designa um estado de modernidade no qual as ameaças produzidas começam a predominar até à «crise ecológica actual»;

 a «sociedade em rede» (Castells, 1996) que é uma sociedade de informação, onde se privilegia o capital informacional e constrói uma nova relação entre o «mapa» e o território.

No seio de uma sociedade globalizada cabem todas as «diferenças» e todas as perspectivas, embora a tarefa de escolher, apropriar e dar sentido(s) a essa informação remeta para processos complexos e difíceis . Por outro lado, a possibilidade de constituição de uma «sociedade convivencial», no sentido de Ivan Illich (1976) não poderá descurar aspectos como o direito ao trabalho, o respeito e a promoção do pluralismo cultural, uma justa redistribuição, o equilíbrio do sistema económico e do sistema social, o acesso universal à satisfação das necessidades básicas, o desenvolvimento das formas de

113 democracia directa e participativa e as políticas activas no sentido da protecção social e ambiental. Dizia Illich há mais de 30 anos que:

“Os sintomas de uma progressivamente acelerada crise planetária são evidentes. Por todos os lados se procurou o porquê. Antecipo, por meu lado, a seguinte explicação: a crise radica no malogro da empresa moderna, isto é, na substituição do homem pela máquina. O grande projecto metamorfoseou-se num implacável processo de servidão para o produtor e de intoxicação para o consumidor (Illich, 1976:23).

À semelhança desta «explicação», coloco a possibilidade de que também os assistentes sociais se deixaram subjugar pelas «ferramentas», perdendo de vista o sentido ético-político da sua intervenção. E eventualmente mais grave do que se deixarem «funcionalizar», tem sido por um lado a sua «servidão» a uma matriz moderna de estado e sociedade (com as suas políticas sociais e as respectivas medidas de implementação) e a modelos de conhecimento que mimetizam, mas não integram, nem reflectem e que acabam por os colocar «contra» as pessoas que supostamente seriam o sujeito da intervenção.

Na tentativa de superar o «amadorismo» das práticas anteriores e de obter reconhecimento científico e tecnológico, o Serviço Social colou-se a uma concepção de tecnologia social (Ander-Egg, 1996) ou de engenharia social que o distancia da posição de actor e de autor em defesa dos Direitos Humanos e da Justiça Social.

Enfrentamos hoje velhos e novos «bloqueios» em que estados progressivamente mais fracos perdem a sua legitimidade e protagonismo, a favor de um imperialismo financeiro, numa (des) orientação que alguns autores introduzem como «pós» qualquer coisa: por exemplo, uma «democracia pós- industrial» na expressão de Boaventura Sousa Santos (2011) com tradução em formas de “estado pós-bem-estar” na expressão de Fernanda Rodrigues (1999).

Da noção de «democracia pós-industrial» saliento as estratégias de uma «democracia partidocrática» que passam pelo controlo e subversão das instituições «criadas para obedecer a cidadãos que passam a obedecer a banqueiros e mercados» mas, onde também se defende que os cidadãos têm potencial para reconhecer que esta forma de democracia está esgotada, na medida em que passem da resignação e do choque à indignação e à revolta.

114 Apesar das novas formas assumidas pelo estado de «pós-bem-estar» com a substituição parcial da sua obrigação política por relações contratuais com cidadãos, empresas e organizações não-governamentais, continua a ser defendido um padrão de estado intervencionista e regulador, numa democracia que se pretende mais «deliberativa e participativa».

Na Europa, a globalização produziu, entre outros efeitos, uma desindustrialização acelerada e uma continuada deslocalização das actividades de produção para outros continentes, com impactos nomeadamente na quantidade e qualidade do trabalho disponível, nos sistemas fiscais e de financiamento do Estado e nas políticas sociais.

Neste âmbito, não podemos esquecer que nas décadas de 50, 60 ou 70 do século XX (dependendo dos países), o Estado educador foi uma bandeira do Estado desenvolvimentista, em prol da lógica do desenvolvimento económico e social em que o estado deveria pilotar a economia e fazer uso da Educação como instrumento de desenvolvimento e coesão social. Este processo de massificação da escola permitiu que novas camadas sociais tivessem acesso ao ensino e que camadas mais pobres da população aspirassem a uma vida melhor.

Em simultâneo, estabeleceu-se uma nova relação com a construção cultural de alternativas de regulação social e rupturas sociais, onde se inscreve a intervenção social. Neste debate, o contributo de Robert Castel identifica o Estado social como um actor central que face a determinadas estratégias desempenha também o papel de preparar transições. Alertando ainda para a ideia de que o Estado-providência também é produtor do individualismo, o que por sua vez também é característica da Globalização e que os efeitos de democratização e de reprodução social ajudaram a criar as sociedades contraditórias contemporâneas.

“Quando se proporciona aos indivíduos esse pára-quedas extraordinário que é a garantia da assistência, permite-se que todas as situações da existência se libertem de todas as comunidades, de todos os pertencimentos possíveis, a começar pelas solidariedades elementares de vizinhança” (Castel, 2003:507).

Este autor é particularmente crítico quanto às formas de pensar e intervir na «exclusão», entendida como um dos fenómenos actuais mais prementes, que

115 não pode ser visto como arbitrário e acidental. A propósito apresenta como essencial a perda da identidade pelo trabalho baseada na condição de assalariado, num clima de precariedade estabelecida e refere que,

“É no centro da questão salarial que aparecem as fissuras que são responsáveis pela «exclusão»; é antes de mais na regulação do trabalho e dos sistemas de protecção que estão ligados ao trabalho que é preciso intervir para «lutar contra a exclusão» ” (Castel, 2003:525).

No contexto de crise da sociedade contemporânea, a cultura de «exclusão» assumiu uma importância sintomática no quadro da governabilidade da gestão social, mas o seu significado pluralizou-se, transformando a «exclusão» numa espécie de «contentor» dos problemas sociais.

É quanto muito estranho que a exclusão surja como norma, como referem Stoer e Magalhães (2005), numa altura em que se fala tanto de inclusão - «sociedade inclusiva», «educação inclusiva». Acrescentam estes autores que a razão para tal reside no facto dos fluxos de capital terem deixado de estar submetidos às regulações nacionais e, na sua «lógica de casino» (Harvey, 1989) reconfigurarem as relações sociais, deslocando-as intensivamente.

“Se a inclusão for, efectivamente, definida a partir do mercado, pode ser vista como um dos processos que permite a esse mesmo mercado desterritorializar as relações sociais ao nível do estado-nação para as reterritorializar, depois, a um nível supranacional” (Stoer e Magalhães, 2005:11)

Assim, a paradoxalidade do processo de inclusão pelo consumo (onde quem não é consumidor é excluído) reside no facto de divulgar um mercado global onde todos os indivíduos, independentemente das suas diferenças, parecem poder ser incluídos, ao mesmo tempo que erradica essas mesmas diferenças, excluindo os que não estão aptos para uma «cidadania do consumo». Por outro lado, o impacto dos processos de produção que estruturam o capitalismo transnacional na educação/formação revela-se quer na forma como utilizam os conhecimentos (são «conhecimento-intensivos e não trabalho-intensivos» como referem Stoer e Magalhães, 2005:12), quer na forte pressão que exercem sobre os conhecimentos para que se construam sob a forma de competências. Segundo os mesmos autores, a questão da elaboração das políticas sociais e educativas, numa época de globalização, quer na recomposição dos próprios campos social e educativo, quer no que diz respeito

116 aos actores sociais, faz apelo a uma reconfiguração de triplo mandato, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento individual, à formação dos cidadãos e à preparação para o trabalho.

Nas últimas décadas as transformações que se produziram nos mecanismos de regulação social tiveram consequências não só por relação à crise dos Estados-nação, mas também nas suas funções sociais. E mais particularmente, no papel do Trabalho Social face à política social, pois este está no centro de contradições e de mudanças nas nossas sociedades.

“A par das dificuldades relativas à sua intervenção face à produção e distribuição de recursos para um desenvolvimento apoiado, assiste-se, face à globalização das economias, a um desajuste do estado, que se tornou demasiado pequeno para resolver os grandes problemas da vida e demasiado grande para resolver os pequenos problemas da vida” (Rodrigues, 1999:55).

Prosseguir os objectivos de luta pelos Direitos Humanos e pela Justiça Social é um campo de possibilidades de desenvolvimento da profissão em múltiplos formatos que faz dela, agente de escolhas políticas.

Por relação a um passado feito de práticas assistenciais, mais ou menos filantrópicas, mas também de muitos activismos subscreve-se neste trabalho a referência de Faleiros (2006): a ideia de colocar a especificidade do Serviço Social no jogo entre o colectivo e o individual, entre a estrutura e o sujeito. Para isso, será necessário reflectir que o compromisso estatal com a política social celebra a orientação para políticas configuradas:

i) numa relação tensional de interesses antagónicos;

ii) numa concepção de desigualdades sociais como problema colectivo que deverá suprir necessidades sociais;

iii) numa articulação com momentos e contextos específicos

o que coloca os assistentes sociais (e outros trabalhadores sociais) no campo dessas tensões, concepções e articulações. Por outro lado, o compromisso com as pessoas coloca os assistentes sociais face a princípios de:

i) estabelecer relações contextualizadas que tenham em conta a intervenção multinível;

117 iii) reconhecer a natureza interactiva da relação entre profissional e

«utente»;

iv) assumir como referencial para a acção os Direitos Humanos e a Cidadania;

v) compreender a multiplicidade e a fluidez da identidade humana;

vi) conhecer e trabalhar no sentido do desmantelamento das dinâmicas de opressão;

vii) lidar com a complexidade e subtileza das relações de poder;

viii) trabalhar com as forças das pessoas, não esquecendo as suas fragilidades;

ix) reconhecer as diferenças e celebrar a diversidade como parte do seu referencial;

x) abordar o outro como sujeito de conhecimento e compreender as repercussões do trabalho desenvolvido (Dominelli, 2004:252).

As relações, muitas vezes tensionais, entre as «orientações» e os «princípios» dos quadros de referência e dos contextos de intervenção dos assistentes sociais colocam dilemas nem sempre fáceis de resolver, sobretudo na condição de «trabalhador por conta de outrem» com margens limitadas de autonomia.

“Platão dizia que o mau homem de Estado julga poder medir tudo, misturando a consideração do inferior e do superior em busca do que convém mais ao fim pretendido. A nossa atitude para com a produção foi modelada, ao longo de séculos, por uma longa sucessão deste género de homens de estado. Pouco a pouco, as instituições não só se adaptaram à procura, como deram também forma à nossa lógica, isto é, ao nosso sentido da medida. Em primeiro lugar pede-se o que a instituição produz, depois julga-se que não se pode viver sem isso. E quanto menos se pode usufruir do que chegou a tornar-se uma necessidade, mais fortemente se sente a necessidade de o quantificar”(Illich, 1976:34).

No entendimento de que as respostas também induzem a procura, num ciclo muitas vezes vicioso e «governado» pelo «sentido da medida», trata-se da possibilidade de utilizar o espaço da profissionalidade para inverter a lógica de aceleração competitiva e produtivista aplicada ao social.

Se não é possível eliminar os conflitos e os paradoxos, será importante aprofundar a produção de sentido dos novos movimentos sociais no sentido de superar o capitalismo - o que implica evitar as armadilhas do neo-liberalismo mas não recusar aspectos que funcionem.

118 Bernard Charlot (1997) defende que, apesar dos efeitos negativos, a globalização também tem potencialidades, nomeadamente com a mundialização da lógica da solidariedade e afirma que, na medida em que conseguirmos fazer recuar o capitalismo e a lógica neo-liberal, será possível fazer ressaltar a perspectiva ecológica, socioeconómica e cultural-educativa. Quando pensamos na Globalização, sobretudo enquanto fenómeno socioeconómico de integração das economias, torna-se necessário distinguir (segundo Charlot, 1997) quatro processos interligados:

i) A mudança estrutural do capitalismo mundial, ocorrida na sequência do Estado desenvolvimentista da década de 70 do século passado. Nesta mudança nem tudo pode ser imputado à Globalização, como por exemplo o facto da Educação e da Acção Social funcionarem numa lógica económica que precede a Globalização;

ii) As novas lógicas psico-educativas (que tiveram inicio na década de 80) e impõem padrões de qualidade, eficácia e territorialização e que, embora possam servir à globalização, não decorrem dela;

iii) Os efeitos da própria globalização em todos os níveis da vida, teve uma repercussão positiva no acesso à informação e à educação de vários países, nomeadamente nos países do sul;

iv) A solidarização da espécie humana e a maior conscientização sobre a sobrevivência do Planeta, de que se destacam marcos importantes como os Fóruns Sociais Mundiais e o Movimento das Nações Unidas que defende a «Educação para todos».

Outros Movimentos Internacionais da actualidade questionam a lógica neo- liberal onde o poder financeiro constitui uma fonte ilegítima e ‘invisível’ de poder e prosseguem uma alter-mundialização com a bandeira da solidariedade entre a espécie humana, onde o homem possa assumir uma nova posição em defesa de sociedades mais justas e sustentáveis.

No relacionamento da globalização com a democracia, Rodrigues diz que:

“A tradução da globalização como forma de «governação sem governo» conota-a com um território onde as orientações assumem um cunho à margem dos mecanismos habituais de decisão, nos quais melhor se identificam os actores e alvos dos processos de negociação e de reivindicação (traço fundamental na dinâmica da política social e do Estado social) ” (1999:42).

119 Esta posição destaca uma característica de funcionamento da globalização como estando «fora» de qualquer controlo dos cidadãos e das organizações que teoricamente os representam, conforme instituído nos Estados de Direito das democracias ocidentais. Admitindo que um dos efeitos da globalização é a mudança estrutural do poder e do papel dos Estados nacionais, será que o estado-social (nas suas diferentes modalidades) tem futuro como espaço de regulação? E com, ou sem estado-social, que futuro(s) para os direitos humanos e para o ideal de ‘justiça social’ ? Continuarão relacionados com a procura de uma maior justiça redistributiva?

120

2.2. U

MA

P

ROFISSÃO A

E

XPLICITAR

A necessidade de explicitação desta profissão, que tem «produtos» pouco visíveis, não utiliza «tecnologias» muito específicas e tem um corpo teórico multireferencial, prende-se fundamentalmente com a importância de nomear os contextos, os actores, as forças e os fenómenos vividos e experienciados no decurso da profissão, numa teia de compromissos com os «destinatários» das intervenções sociais, com as instituições, com a profissão enquanto actividade ligada à reflexividade, com a produção de conhecimento próprio e específico e, a um nível macro, com a mudança societal.

Esta necessidade, ou esta exigência de explicitação, não é nova nem exclusiva dos Assistentes Sociais. No caso dos professores, Rui Canário sublinha a importância dos processos de explicitação e de fundamentação das práticas, traduzindo em linguagens simbólicas que tornem possível a produção de um saber na acção, comunicável a outros. O autor salienta que:

“…estes processos de explicitação são caminhos alternativos para superar uma relação de causalidade linear entre a formação e a mudança em que a prática profissional é encarada como uma modalidade de aplicação do saber transmitido por especialistas (…) a importância de privilegiar estratégias ecológicas e indutivas em que os profissionais e as organizações mudam ao mesmo tempo (…) através de uma acção transformadora que assume a forma de um processo colectivo de aprendizagem” (in Prado e Soligo:2005:12).

Nesta linha dos «processos de explicitação e fundamentação das práticas comunicáveis a outros», colocam-se questões complexas relativas aos códigos e aos canais para viabilizar essa comunicação. Colocam-se também questões «internas», referentes aos valores, ao conhecimento e aos sentidos atribuídos pelos profissionais aos seus exercícios, onde toma lugar a questão da especificidade e da complementaridade dos diferentes saberes, e também a tomada de consciência e o compromisso com a «acção transformadora» que possibilita, ou não, os referidos processos colectivos de aprendizagem que, em teoria, facilitam a mudança de profissionais e organizações em simultâneo. É nossa convicção de que a questão social carece de ser novamente colocada como uma questão política que liga os problemas das pessoas e as determinações das sociedades.

121 Neste entendimento coloca-se a hipótese de que será na medida em que os Assistentes Sociais puderem tomar consciência que também eles/elas são actores e vítimas das lógicas impiedosas do mercado (tanto quanto os públicos que se lhes dirigem), que talvez possam continuar a garantir a construção de uma profissão que precisa de ser reflectida, contada e relegitimada.

Na medida em que os profissionais conseguirem reconhecer, enquadrar, apropriar, e dar a conhecer as tensões e lutas políticas, quer seja no crescimento reivindicativo dos direitos das pessoas, ou nas mudanças importantes em torno da implementação e avaliação das acções, ou ainda em volta das competências e da evolução das profissões e dos conhecimentos próprios construídos ao longo das trajectórias de vida, talvez a profissão possa conquistar espaços de autonomia e reconhecimento, constituindo-se como um campo de participação na mudança social e afirmando o seu potencial de intervenção política e social.

Reafirma-se assim que este debate se situa num campo de batalha ideológico, onde se activam múltiplos actores e movimentos sociais, em busca de uma reconfiguração dos limites e das potencialidades do próprio conceito de «mandato» - o que se apresenta como um campo de possibilidades para o corpo profissional se pensar e aproveitar mais uma crise na sua construção profissional, de modo a afirmar identidades, necessariamente múltiplas e variadas, em novos modelos e formatos que possam permitir uma «acção crítica no sistema e uma acção crítica fora do sistema» (Stoer e Magalhães, 2005:57).

Para mim, que me defino por uma multiplicidade de vertentes intercomunicantes e interactivas (que conjugam «papéis», genealogia, espaços, tempos…), uma miríade de «pertenças» e de «afinidades» mas também como pessoa activa, trabalhadora e profissional, é relevante a concepção sistémica de que «o todo é maior do que a soma das partes». É precisamente com este mote que me debruço sobre uma das ‘partes’, a profissional, sabendo que só por exercício analítico, esta separação é possível.