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Sinto necessidade de explicitar a opção de entrada pelas Ciências da Educação. O que me trouxe inicialmente a este campo disciplinar foram principalmente duas ordens de razões: umas razões de ligação efectiva e afectiva à Formação de Adultos, com umas reminiscências positivas do tempo em que utilizei o método de Paulo Freire na alfabetização de adultos, continuadas posteriormente pelo meu percurso como docente e formadora de interventores sociais e, outras razões de ordem prática, já que o meu actual exercício profissional numa autarquia se realiza num campo híbrido de cruzamento entre o «social» e o «educacional».

Posteriormente, pude constatar a riqueza do novo referencial e realizar novas conexões com as anteriores aprendizagens de outras áreas disciplinares, sendo que tem sido neste cruzamento de saberes que, à semelhança dos ecossistemas naturais, me tem sido possível desenvolver formas plurais de entendimentos – de mim, dos outros e das construções sociais das realidades que vou vivenciando.

As Ciências da Educação têm uma produção teórica própria já legitimada e um campo de investigação e autores de referência que a tornam uma disciplina mais ou menos reconhecida, embora a sua profissionalidade seja ainda incipiente. Partilha, no entanto, com o Serviço Social alguns aspectos:

i) a ausência de abordagens consensuais, no sentido dado por Khun; ii) o carácter multiparadigmático do seu estatuto epistemológico;

33 iii) a porosidade entre o campo da produção do conhecimento, o campo da

decisão política e o campo da acção profissional;

iv) e a persistência de uma distinção binária entre a teoria e a prática, segundo a qual os investigadores produzem os conhecimentos em que se baseiam e que contribui para a distinção dicotómica entre uma «Ciência de autores» de uma «Ciência de actores».

A Educação de Adultos nasce mais tardiamente do que o Serviço Social, a seguir à 2ª Grande Guerra, à boleia dos «30 gloriosos anos» assentes na Teoria do Capital Humano, em que se entendia que a Educação era essencial para o Desenvolvimento e se pretendia prolongar a escolarização aos adultos. Historicamente, tem uma perspectiva predominante de extensão escolar ou educação de segunda oportunidade, num modelo de Estado-nação, e outras perspectivas mais abrangentes (mas também mais periféricas), onde se incluem os sectores formal, informal e não formal, visando a construção de uma sociedade educativa e educadora e de uma maior autonomia e emancipação dos seus cidadãos.

A diversidade de conceitos que lhe estão associados (Cidadania, Trabalho, Formação, …) varia ao longo dos tempos e das latitudes e tem sido fortemente dependente das ideologias dominantes.

Utiliza conceitos de construção social que são criados e evoluem na base de tensões e contradições permanentes, quer nas experiências dos países escandinavos e anglo-saxónicos, quer nas experiências de Educação Popular na América Latina, onde a obra de Paulo Freire é incontornável ou ainda nos movimentos cívicos e educativos que surgiram após a II Guerra, por exemplo, em França, onde a Educação Popular conduziria, já nos anos 60 e 70 do século passado, ao Movimento da Educação Permanente, um conceito de base alargada e essencialmente humanista.

A definição abrangente que hoje é consensual provém da UNESCO (e data de 1976, com revisões em 1997 e 2009) e é feita por justaposição, somando os diferentes subsectores que, ao longo da história, se têm inserido neste vasto e variado campo da acção educativa e está relacionada com a formação de um cidadão com acesso à cultura e informação e também, na valorização dos princípios da democracia e de uma participação activa na vida cívica e política.

34 A UNESCO tem assim, um importante papel na sua legitimação e reconhecimento e produz documentos incontornáveis sobre a Educação de Adultos, inscritos numa batalha travada contra a pobreza e o subdesenvolvimento. Por outro lado, o campo da qualificação profissional surge em paralelo mas são duas histórias e duas tradições com vias distintas.

Neste campo acentua-se actualmente o paradoxo entre o pedido para a Educação de Adultos garantir um processo ao longo da vida que assegure a integração das diferentes dimensões do desenvolvimento e da ‘empregabilidade’ das pessoas - o que remete para a responsabilização individual, segundo a qual caberá a cada trabalhador ou candidato a trabalhador e, ao longo de toda a sua vida, garantir condições para ser e manter-se ‘empregável’ - em sociedades onde o direito ao trabalho está em vias de extinção e onde a rescisão do Contrato Social (no caso de muitos países do hemisfério norte que desenvolveram o Estado Providência) ‘desobriga’ o Estado dos chamados direitos humanos de terceira geração. Valerá a pena recordar (segundo Stoer e Magalhães, 2005) que a modernidade assume o sistema escolar como um dos instrumentos centrais da sua realização, onde o conhecimento surge ao mesmo tempo como «mediador entre a ignorância e o saber e como organizador da relação entre a natureza e a humanidade» (é atribuída à socialização escolar o papel de transformar a natureza natural dos homens em natureza social). Neste ponto é notória a convergência da pedagogia com o contrato social moderno, na medida em que coloca o sujeito no centro do processo de ensino/aprendizagem.

No quadro destas abordagens pode verificar-se que a institucionalização académica da Educação de Adultos corresponde ao cruzamento e fusão de várias dimensões: o desenvolvimento local, a escolaridade de segunda oportunidade, a educação popular, a animação e educação não formal e a formação profissional – e essas dimensões têm constituído também campo de intervenção da acção social, com intervenientes do Serviço Social e de outras profissões sociais.

A Educação de Adultos liberta-se do paradigma escolar na medida em que cria referências externas, modelos e quadros teóricos unificados em relação aos diferentes públicos da educação mas, segundo Canário (1999) mantém por

35 muito mais tempo a visão instrumental, que é complementada por uma visão técnica das práticas educativas, e que reflecte frequentemente a procura da «eficácia» e da «qualidade», transportando critérios de ordem empresarial para a esfera educativa.

Com este ‘pano de fundo’ que também envolve os assistentes sociais na sua múltipla condição de profissionais, muitas vezes a intervir em contextos de educação não formal e de pessoas, trabalhadores, investigadores, cidadãos, actores e autores, poderei estabelecer uma relação contingente entre o estatuto social da sua intervenção profissional e a formação das suas configurações identitárias, verificáveis no presente e no decurso do processo histórico de construção da profissão.

Entre muitas outras analogias e cruzamentos que arriscarei fazer entre as ciências da educação e o serviço social, não resisto a colocar em comum esta tendência para uma visão instrumental, quer na educação, quer na intervenção social, complementando-se para compor uma conformidade com muitas faces.

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1

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UMA PROFISSÃO E