I n for m a çã o e Com u n ica çã o:
a s du a s fa ce s de Ja n o
Ar m a n do M a lh e ir o da Silv a
CETAC.COM/ FLUP
Resumo
Neste artigo segue-se uma trajectória que vai das análise etimológica e conceptual até a uma indagação epistemológica exploratória do posicionamento da Ciência da I nformação face às denominadas Ciências da Comunicação. Pretende-se, também, elencá-las com algum rigor e determinar os contornos do seu objecto, com temas, problemas e situações de estudo, partilháveis ou não pela C.I . A averiguação desta eventual partilha de um objecto comum convoca conceitos indispensáveis como o de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade e conduz à proposta de que as Ciências da Comunicação constituem uma interdisciplina para o qual o contributo construtivo da C.I . se revela natural e fecundo.
Palavras- chave:
I nformação; Comunicação; Ciência da I nformação; Ciências da Comunicação; I nterdisciplina.
Abstract
I n this article we follow a trajectory that goes from a conceptual and etymological analysis until an epistemological quest that explores the position of the I nformation Science in the presence of the so called Communication Sciences. We wish also to list and determine with some rigour the shapes of the I .S. objects, with themes, problems and case studies, shared or not by the C.S. The enquiry of the eventual allotment of a common object, between the two sciences, brings to light indispensable concepts as multidisciplinarity, interdisciplinarity and transdisciplinarity and leads to the proposal that theCommunication Sciences constitutes an interdiscipline to witch the constructive contribute of the I .S. reveal itself natural and fecund.
Key- w ords:
I nformation; Communication; I nformation Science; Communication Science; I nterdiscipline.
1 . Tr a ça r e se gu ir u m r u m o...
Consider ado um dos m aior es deuses do Pant eão r om ano,
exibindo at é um a cer t a pr eem inência sobr e Júpit er , o deus supr em o,
Jano t er ia abor dado a I t ália com um a fr ot a e t er - se- ia est abelecido no
m anifest ar am r epr esent ando Jano com duas faces volt adas em sent ido cont r ár io1.
Jano apar ece no Dicionár io dos Sím bolos de Jean Chevalier e
Alain Gheer br ant com o o Deus am bivalent e de dois r ost os
cont r apost os, de or igem indo- eur opeia, um dos deuses m ais ant igos de Rom a. De deus dos deuses, cr iador bonacheir ão, t r ansfor m ou- se em deus das t r ansições e das passagens, assinalando a evolução do passado par a o fut ur o, de um est ado a out r o, de um a visão a out r a, de um univer so a out r o, deus das por t as ( ...) Guar dião das por t as, que ele abr e e fecha, t em por at r ibut o a var inha do por t eir o e a chave. O seu duplo r ost o significa que ele vigia t ant o as ent r adas com o as saídas, que ele t ant o olha par a o int er ior com o par a o ext er ior , par a dir eit a e par a a esquer da, par a a fr ent e e par a t r ás, par a cim a e par a baixo, a favor e cont r a2.
Est a incur são pela m it ologia r om ana, alegór ica ou sim bólica,
t em aplicação dir ect a ao t em a em foco e, especialm ent e, ao r um o
exposit ivo e dem onst r at ivo que nos pr opom os t r açar nest e ar t igo. Um
r um o que conv oca, de im ediat o, duas pr em issas de base: a difer ença
e a com plem ent ar idade. E ainda um a out r a pr em issa im por t ant e: há
um ant es e um depois; dois r ost os cont r apost os, achando- se um
volt ado par a t r ás e out r o par a a fr ent e… Um olha par a o ant es e o
out r o par a o depois; um olha par a o int er ior e o out r o par a o
ext er ior … Enfim , um cor r esponde ao t er m o I nfor m ação e o out r o ao
t er m o Com unicação. Est a cor r espondência sem ânt ica exige que os
t er m os envolvidos apar eçam com um a conot ação clar a; apar eçam
associados a um bem sucedido esfor ço concept ual. I m per at ivo
com pr eensível, m as difícil de concr et izar , por que há um a " névoa"
1
SCHMI DT, Joel – Dicionár io de m it ologia gr ega e r om ana. Lisboa: Edições 70, 1994. I SBN 972- 44- 0894- 9. p. 159.
2
espessa de difer ent es acepções e per spect ivas vinculadas a
int er esses e pr át icas pr ofissionais consolidadas na sociedade.
Penet r ando na " névoa" , nada m ais im ediat o e óbvio que t r azer
à colação, com o pr im eir o passo no r um o t r açado, o cont r ibut o
et im ológico e os sent idos com pilados nos Dicionár ios da língua
por t uguesa. Assim , o Dicionár io Houaiss, no ver bet e I nfor m ação, fix a
um leque var iado de significações de que dest acam os as seguint es:
ÀREA OU
D OM I N I O D E USO SEN TI D OS OU ACEPÇÕES
Et im ológico ( do la t im )
acção de for m ar , de fazer , fabr icação; esboço, desenho, plano; ideia, concepção; for m ação, for m a
Ge r a l ou com u m act o ou efeit o de infor m ar ( - se)
I de m com unicação ou r ecepção de um
conhecim ent o ou j uízo
I de m o conhecim ent o obt ido por m eio de
invest igação ou inst r ução; esclar ecim ent o, explicação, indicação, com unicação, infor m e
I de m conj unt o de act ividades que t êm por
obj ect ivo a colect a, o t r at am ent o e a difusão de not ícias j unt o ao público
I de m acont ecim ent o ou fact o de int er esse ger al
t or nado do conhecim ent o público ao ser divulgado pelos m eios de com unicação; not ícia
I de m conj unt o de conhecim ent os r eunidos sobr e
det er m inado assunt o
Bu r ocr a cia esclar ecim ent o pr ocessual dado
ger alm ent e por funcionár io de apoio à aut or idade com pet ent e na solução ou despacho de r equer im ent o, com unicação, et c.
Em com plem ent o aos sent idos e às acepções dest acadas
convém ainda r efer ir que na ár ea das t elecom unicações ( por
influência dir ect a da Mat hem at ical Theor y of Com m unicat ion de
Claude Shannon e War r en Weaver3) significa a quant idade num ér ica
que m ede a incer t eza do r esult ado de um a ex per iência a r ealizar - se e
a m edida quant it at iva do cont eúdo da infor m ação. Em infor m át ica é a
m ensagem suscept ível de ser t r at ada pelos m eios infor m át icos e o
cont eúdo dessa m ensagem ; é a int er pr et ação ou significado dos
dados; e é o pr odut o do pr ocessam ent o dos dados. Com o subst ant ivo
der ivado do ver bo infor m ar t r az em si o sent ido de dar for m a a um a
m at ér ia. E no r espect ivo ver bet e é apont ada a sinoním ia com inst r uir
e pr evenir4.
Est ende- se par a o dobr o do t am anho o ver bet e dedicado, no
m esm o Dicionár io, ao t er m o Com unicação, pelo que nos lim it ar em os
ao seguint e dest aque:
ÀREA OU
D OM I N I O D E USO SEN TI D OS OU ACEPÇÕES
Et im ológico ( do la t im )
acção de com unicar , de par t ilhar , de dividir
Ge r a l ou com u m act o ou efeit o de com unicar ( - se)
I de m acção de t r ansm it ir um a m ensagem e,
event ualm ent e, r eceber out r a m ensagem com o r espost a
Com u n ica çã o pr ocesso que envolve a t r ansm issão e a
r ecepção de m ensagens ent r e um a font e em issor a e um dest inat ár io r ecept or , no qual as infor m ações, t r ansm it idas por int er m édio de r ecur sos físicos ( fala, audição, visão, et c.) ou de apar elhos e disposit ivos t écnicos, são codificados na
3
SHANNON, Claude; WEAVER, War r en – The Mat hem at ical t heor y of com m unicat ion. I llinois: Univer sit y of I llinois Pr ess, 1949.
4
font e e descodificadas no dest ino com o uso de sist em as convencionados de signos ou sím bolos sonor os, escr it os, iconogr áficos , gest uais, et c.
Por m e t on ím ica a infor m ação t r ansm it ida; o seu cont eúdo
I de m act ividade pr ofissional r elacionada com o
est udo ou com a aplicação desses conhecim ent os, t écnicas e pr ocedim ent os
I de m com unicado esclar ecedor ; esclar ecim ent o;
exposição
I de m act o de conver sar ; conver sação; colóquio
I de m car t a, not a ou qualquer out r a infor m ação
t r ansm it ida por escr it o; com unicado
I de m exposição, or al ou escr it a, sobr e
det er m inado t em a de t eor cient ífico, adm inist rat ivo, polít ico, j or nalíst ico, r eligioso, et c.
I de m par t icipação or al ou escr it a; aviso
Por e x t e n sã o habilidade de dialogar e se fazer ent ender ;
com unicabilidade
Ao elenco de significações r ealçadas podem os acr escent ar m ais
um punhado sugest ivo de sent idos em difer ent es m odalidades e
ár eas de uso. No plano adm inist r at ivo, e dent r o de um a or ganização,
com unicar é a função de t r ansm it ir or dens, ideias, polít icas de acção,
et c. Em Engenhar ia elect r ot écnica é a ciência e t ecnologia por m eio
da qual a infor m ação de um a font e or iginal é r eunida, t ransfor m ada
em cor r ent es ou cam pos eléct r icos, t r ansm it ida por m eio de r edes
eléct r icas ou pelo espaço a det er m inado local, e r econver t ida num a
for m a adequada à sua int er pr et ação. Em Física ( m ecânica) é a
t r ansm issão de um a for ça, de um lugar par a out r o, sem t r anspor t e de
m at er ial, t r ansm issão. E em Linguíst ica é o int er câm bio que se
pr ocessa, por m eio de um código linguíst ico, ent r e um em issor , que
pr oduz um enunciado, e o int er locut or ao qual esse enunciado é
r em issivas par a os seguint es t ipos de com unicação: adm inist r at iva;
analógica; de m assas; de r et or no; digit al; dir igida; em pr esar ial;
ext er na; hum ana; inst it ucional; int er na: não ver bal; pr ocessual;
social5; e ver bal; visual.
Se t om ar m os com o indicador ou cr it ér io fiável os sent idos
decor r ent es da r aiz et im ológica das palavr as é possível isolar em um
e no out ro conj unt o de acepções ou sent idos expost os, unidades
sem ânt icas com cont or nos clar os que nos per m it em avançar um
pouco m ais no r um o em vist a.
No que r espeit a aos t er m os I nfor m ar e I nfor m ação r essalt a a
m at r iz dar for m a, que Fer nand Ter r ou enfat izou, logo no início da
I nt r odução ( com o subt ít ulo I nfor m at ion et Com m unicat ion) do livr o
L'I nfor m at ion: Celui- ci expr im e essent iellem ent l'idée de m ise em for m e. En est issu le sens de m ise au cour ant — la m ise en for m e ét ant fait e en vue d'une m ise au cour ant6. E daí a der ivação gener alizada, a par t ir de oit ocent os, e consagr ada no “ linguaj ar “
com um e quot idiano de “ dar for m a” às not ícias, “ pôr ao cor r ent e” ,
act ualizar , dizer o que se est á a passar connosco e à nossa volt a. O
cit ado Ter r ou dedicou, por isso, a prim eir a par t e do dit o livr inho, da
fam osa colecção Que sais- j e?, a um a r et r ospect iva hist ór ica da
I m pr ensa no Mundo ocident al, desde as or igens at é aos inícios de
oit ent a do séc. XX, incluindo na r esenha, inevit avelm ent e, os
poder osos m eios m oder nos da Rádio e da Televisão. E encer rou- o,
olhando br evem ent e o fut ur o: S’im pose donc la r echer che const ant e
de nouvelle for m ules inst it ut ionnelles de conciliat ion ent re la sauvegar de de la liber t é individuelle d’expr ession et l’am énagem ent
5 Apr esent a t r ês sent idos, sendo o 3 P for m a de com unicação dir igida a um gr upo
de pessoas num er icam ent e vast o, disper so, het er ogéneo e anónim o, e que ut iliza, par a at ingir a sua audiência, apar elhos e disposit ivos de edição, r epr odução, t r ansm issão, dist r ibuição e com er cialização das m ensagens; com unicação de m assas ( Cf. HOUAI SS, Ant onio; VI LLAR, Maur o de Salles – Op. cit ., t om o 2, p. 1013) .
6
collect if des m oyens d’infor m at ion7. Ter r ou usa, do pr incípio ao fim , a sinoním ia par a consagr ar I nfor m ação com o I m pr ensa, Jor nalism o
escr it o e audio- visual, cont eúdos com unicados par a um público vast o
e disper so. É, obviam ent e, um a conot ação dem asiado est r eit a ou
r eduzida8, t ant o que quase anula a m at r iz original do “ dar form a” a
algo, acim a enfat izada…
No caso de pr ivilegiar m os o enfoque na acção hum ana ( e não,
com o Shannon e Weaver , na m edição m at em át ica de sinais físicos)
só pode ser “ dar for m a” a “ m ent efact os” , ou sej a, a “ obj ect os”
m ent ais, r epr esent ações m ent ais de coisas, sit uações, ocor r ências
ext er nas e vivências int er ior es conscient es, em ocionais, et c. E sendo
est a a acepção que, aqui, m ais se im põe, t or na- se inevit ável fr isar o
sent ido “ pr im eir o” fixado no Dicionário de Ciências da Com unicação
dest e t er m o: Pr ocesso de t r oca de ideias, m ensagens ou infor m ações,
at r avés da fala, de sinais, de escrit a ou de com por t am ent o. Sist em a par a enviar e r eceber m ensagens9.
A incur são et im ológica ser ve par a consubst anciar o sim bolism o
de Jano na dupla condição hum ana de “ dar for m a” e de “ t r oca de
ideias, m ensagens” , o que est abelece, de im ediat o, um a est r eit a
cor r elação, sem det er m inism o causal – “ dar for m a” a ideias, a
m ensagens possibilit a, com o fact or sina qua non, a t r oca int er pessoal
dessas m esm as ideias e m ensagens, m as não inevit avelm ent e. A
t r oca de m ensagens ou de cont eúdos ( o r esult ado psíquico e social da
acção de “ dar for m a” ou infor m ar ) , ent r e um em issor e um
dest inat ár io at r av és de um canal, precisa de r equisit os pr ópr ios par a
acont ecer e só ent ão há plena com unicação, consider ada,
expr essam ent e por John Fiske, cent r al par a a vida da nossa cult ur a:
7
I bidem , p. 121.
8
Na ár ea da com unicação social e das ciências da com unicação est ão dicionar izados difer ent es t ipos de I nfor m ação: descr it iv a; de sinal; expr essiva; fact ual; j ornalíst ica; sem ânt ica; social; e út il ( Ver Dicionár io de ciências da com unicação. Por t o: Por t o Edit or a, 2000. I SBN 972- 0- 05274- 0, p. 129- 130) .
9
sem ela, t oda e qualquer cult ur a m or r er á. Consequent em ent e, o est udo da com unicação im plica o est udo da cult ur a na qual ela se int egr a10.
A par t ir daqui podem os explor ar um vast o cam po de quest ões e
per spect ivas, exer cício feit o num a ver são m ais desenvolvida dest e
t ext o a edit ar em livr o, e avançar par a apr esent ação de um a escolha
aber t a e clar a de r um o, que vem a seguir .
2 . A e scolh a de u m r u m o
Avancem os, pois, com a quest ão das quest ões que pair a
explicit a ou im plicit am ent e desde o início: qual o r efer ent e dos dois
t er m os e conceit os et im ologicam ent e desvelados e usados por
difer ent es aut or es e t endências? a que " algo" se r epor t am eles?
A quest ão das quest ões convoca- nos par a um a r espost a
esboçada nest e it em e no seguint e. Um a r espost a condicionada
dir ect am ent e por t r ês pr essupost os que convém assum ir :
• a at enção e a busca de int eligibilidade e de com pr eensão cent r a- se no ser hum ano e nas suas m anifest ações sim bólicas e m at er iais
dent r o do eixo cr ucial for m ado pela int er acção suj eit o ( ser
biopsiquíco) ↔ m eio ( geo- sócio- cult ur al) e pela dinâm ica da vida
colect iva ou em grupo ( a per m anent e e conflit ant e dem ar cação e
int er ligação com o out r o) ;
• a noção de fenóm eno é basilar par a dar m os concr et ude e condições de cognoscibilidade àquilo que o cér ebr o hum ano pr oduz
10
e é passível de ser em it ido para out r os cér ebr os ( t am bém
hum anos11) , que r ecebem e r efor m ulam o que for a em it ido;
• cor r esponde à ou incide sobr e a r ealidade12 hum ana e social a ( r e) const r ução do obj ect o de est udo ( cient ífico) , passível de ser
designado pelos dois t er m os/ conceit os em foco, sendo que o de
infor m ação é r et ido, aqui, na acepção cognit ivist a e social de dar
for m a a em oções e a ideias sur gidas no decur so da r elação
dialéct ica do ser hum ano com o am bient e, desde o ber ço at é à
t um ba ( r ej eit a- se o sent ido r edut or de infor m ação igual a not ícia
ou igual a acum ulação de not ícias e de r egist os ext er nos ao
eu/ suj eit o, um a vez que par a designar ist o t em os a noção de
docum ent ação, associada, por alguns, ao 3º Mundo de Kar l
Popper13) .
A r espeit o do pr im eir o pr essupost o inspir a- nos a cur iosa fr ase
escr it a, em 1838, por Char les Dar w in no seu cader no de not as e que
ant es inspir ar a j á Ger ald M. Edelm an, neur ocient ist a e Prém io Nobel
em 197214: Pr ovada agor a a or igem do hom em — a m et afísica t em
11
Fascina- nos a possibilidade de concr et ização de dois dos m ais ant igos sonhos do hom em : com unicar com anim ais e com ext r at er r est r es. No que diz r espeit o aos anim ais ver em os que se fizer am progr essos m uit o int eressant es ( sem se volt ar a cair no er r o em que se caiu com Hans) em r elação à elabor ação de linguagens que t ant o os anim ais com o os ser es hum anos podem par t ilhar ( I bidem , p. 134) . No ent ant o, não incluím os, par a j á e por um a opção est r at égia de abordagem , na agenda epist em ológica da Ciência da I nfor m ação, est e int er essant e e desafiant e t ópico.
12
Paul WATZLAWI CK t ev e necessidade de clar ificar e dist inguir dois aspect os daquilo a que cham am os r ealidade: O pr im eir o t em a ver com as pr opr iedades pur am ent e físicas e obj ect ivam ent e discer níveis das coisas, e est á int im am ent e ligado a um a per cepção sensor ial, senso com um ou ver ificação obj ect iva, r epet ível e cient ífica. O segundo aspect o é a at r ibuição de significado e valor a essas coisas, e que se baseia na com unicação ( I dem – A Realidade é r eal? Lisboa: Relógio d'Água Edit or es, 1991. I SBN 972- 708- 140- 1. p. 127) . É no pr im eir o sent ido que a est am os a usar .
13
MI RANDA, Ant ónio – A Ciência da I nform ação e a t eoria do conhecim ent o obj ect ivo: um r elacionam ent o necessár io. I n AQUI NO, Mir ian de Albuquer que, org. - Cam po da ciência da inform ação: gênese, conexões e especificidades. João Pessoa: Edit or a Univer sit ár ia/ UFPB, 2002. I SBN 85- 237- 0336- 5. p. 9- 24.
14
de flor escer — aquele que com preender o babuíno fará m ais pela m et afísica do que Locke. Est a fr ase guiou Edelm an no pr opósit o de
apr esent ar um a t eoria biológica da consciência15 com as pr ovas que a
apoiem . Guia- nos, t am bém , no pr opósit o de r em et er m os par a um a
função com plem ent ar e não cent r al a er udição filosófica, que se pode
evocar a r espeit o de um a var iedade im ensa de pr oblem át icas,
incluindo a que nos ocupa aqui. Não se ignor a a " car t ogr afia" lógica,
gnoseológica e ont ológica do m ist ér io da essência e da exist ência
hum anas feit a e legada pela filosofia — ser ia, no m ínim o, est ult ícia
fazê- lo, t ant o m ais que vim os assist indo a um a incidência
int er essant e da abor dagem filosófica sobr e o im pact o social e
hum ano das TI C com r elevo par a os t r abalhos de Luciano Flor idi16 —,
m as cont inuam os a dar , na fase delicada de r evisão cr ít ica e
consolidação dos fundam ent os t eórico- m et odológicos da Ciência da
I nfor m ação em cuj a elabor ação est am os em penhados, a pr im azia ao
cont r ibut o cient ífico, com dest aque par a o das Ciências Sociais e
Hum anas, que opera com fer r am ent as e m et as pr ópr ias, sem deixar
de conver gir par a esse " m apa" fundam ent al.
Ao assent ar m os na dir ecção apont ada privilegiam os t udo
quant o as Neur ociências int egr adas17 possam ir esclar ecendo sobr e a
15
William Jam es, cit ado por Edelm an, sublinhou que a consciência acont ece apenas no indivíduo ( ou sej a, é pr ivada ou subj ect iva) , par ece ser cont ínua, em bor a cont inuam ent e em m udança, t em int encionalidade ( um t er m o que, em ger al, se r efer e a coisas) e não esgot a t odos os aspect os das coisas ou das ocor r ências a que se r epor t a ( I bidem , p. 24) .
16
Ver ht t p: / / w ww .w olfson.ox .ac.uk / ~ floridi/ FLORI DI , Luciano ( ed.) – The Blackw ell guide t o t he philosophy of com put ing and inform at ion Malden/ EUA; Oxfor d/ UK: Blackw ell Publishing, dat a I SBN 0- 631- 22918- 3. Ver ainda I LHARCO, Fer nando – Filosofia da infor m ação: um a int rodução à inform ação com o fundação da acção, da com unicação e da decisão. Lisboa: Univer sidade Cat ólica Edit or a, 2003. I SBN 972- 54- 0068- 2. Cont r ibut o difer ent e dos dest es aut or es, em bor a convirj a par a o m esm o em penho em convocar a Filosofia é o de CHI ROLLET, Jean-Claude – Filosofia e sociedade da inform ação: par a um a filosofia fr act alist a. Lisboa: I nst it ut o Piaget , 2001. I SBN 972- 771- 475- 1.
17
nat ur eza biológica ou nat ur al18 da consciência, do pensam ent o, da
concepção e event ual expr essão ar t íst ica das im pr essões, sensações
e em oções, podendo est a capacidade ser subsum ida pela designação
convencional de linguagem ( ou linguagens ver bal, escr it a, gest ual,
fílm ica, et c.) , e da t r oca, o m ais sint onizada possível, de m ensagens
ent r e os ser es/ suj eit os. Um cam inho de pesquisa e explor ação que
ent r onca segur am ent e na sínt ese do biológico com o sócio- cult ur al de
que Albert Vendel t er á sido o pioneir o com o Jacques Ruffié deixou
consagr ado no Avant - pr opos do seu volum oso De la biologie à la
cult ur e19. E Ruffié, depois de t er r espondido à quest ão qual foi o
m odo de expr essão da pr im eir a linguagem hom inídea?20, não hesit ou em explicar que a linguagem ( la langage) per m et de com m uniquer et
de t r ansm et t r e la t echnologie avec pr écision, r apidit é, efficacit é. I l fait passer l'expér ience du plan individuel au plan collect if infinim ent m ieux que ne fer ait la sim ple im it at ion. I l diffuse la connaissance à un gr and nom br e de suj et s, et dans un t em ps t r ès cour t . I l y a donc per m is, au cour s de génér at ions, de fixer le pat r im oine cult ur el et de l'accr oit r e, chaque nouvelle découver t e venant s'inclur e dans la
DAMÁSI O com t r adução em por t uguês – O Err o de Descar t es, O Sent im ent o de si e Ao Encont r o de Espinosa.
18
Jean- Fr ançois Le Ny em pr egou o adj ect ivo r elat ivam ent e à cognição, dizendo Par ler de " cognit ion nat ur elle" , c'est ainsi const at er qu'il ex ist e, dans un fr agm ent de l'univer s - les cer veaux des anim aux les plus evolués, et sur t out des êt r es hum ains - une fonct ion, au sens biologique du t er m e, qui a pour effet pr oduir e de la connaissance et de l'ut iliser . Le " cognit ion" désigne conj oint em ent cet t e fonct ion et les cont enus qu'elle élabor e. Une hy pot hèse opt im ist e aj out e que cet équipem ent cér ébr al, qui assur e conj oint em ent les int er act ions des individus avec le r éel physique, et ent r e les individus eux- m êm es, ainsi que la t r ansm ission des r epr ésent at ions par le langage et à t r aver s l'hist oir e, per m et une augm ent at ion cum ulat ive des connaissances ( I dem – Cognit ion. I n I bidem , p. 71) .
19
RUFFI É, Jacques – De la biologie à la cult ur e. Par is: Flam m ar ion, 1976. I SBN 2-08- 211109- 1.
20
m asse des connaissances, en " boule de niège"21. A linguagem per m it e com unicar e t r ansm it ir conhecim ent o e cult ura. Tr at a- se de
um a faculdade hum ana que r epr esent a um a vant agem select iva
im por t ant e ( selecção nat ur al) e que consist iu no desenvolvim ent o
dans une voie or iginale et par t iculièr em ent favor able, d'une fonct ion pr é- exist ant e22. No sent ido em que Ruffié a usa, ela se apr oxim a m uit o de ( quase se confunde com ) língua, e não abar ca out r as
funções que com ela se r elacionam ou que ela est im ulou com o o
pensam ent o, a m em ór ia, a int eligência. Mas é evident e que ent r e o
inat o e sua t opologia ( o cér ebr o é o t opos cent r al) de onde a
linguagem em erge e a r espect iva m odelagem sócio- cult ur al e
am bient al ( o adquir ido) oper ada pela com unicação há um cam po
com plexo e fascinant e que nos aparece com m aior ou m enos nit idez,
m aior ou m enor ocult ação.
O que nos apar ece... Ent r a, aqui, a explicação do segundo
pr essupost o e o ensej o de confir m ar m os a ut ilidade do cont r ibut o
filosófico par a o esfor ço de cient ificação, assum ido com o pr ior it ár io na
nossa est rat égia de ( r e) const rução da C.I .
Der ivado do gr ego, fenóm eno significa, lit er alm ent e, o que
apar ece, podendo equivaler a " apar ência" . E de acor do com est a
acepção et im ológica vár ios filósofos ent ender am por ou com est e
t er m o aquilo que par ece ser , t al com o r ealm ent e se m anifest a, m as
que pode ser qualquer coisa difer ent e e at é opost a. Mas nem t odos
par t ilhar am est e ent endim ent o, pelo que o conceit o de fenóm eno é
ext r em am ent e equívoco. Em sínt ese, podem ser r ecenseadas vár ias
posições: ( a) posição exclusiva do em si ( Par m énides) ; ( b) posição
exclusiva do fenóm eno ( Ber keley) ; ( c) o em si e o fenóm eno exist em
separ adam ent e e ent r e eles não há senão o nada ( Par m énides e sua
dout r ina da opinião) ; ( d) o em si e o fenóm eno est ão unidos pelo
21
I bidem , p. 355.
22
dem iur go ( Plat ão) ; ( e) div isão do em si num a m ult iplicidade
( Dem ócr it o) ; e ( f) afir m ação do em si e sim ult ânea afir m ação da sua
incognoscibilidade t eór ica ( Kant ) . Par a Kant o fenóm eno não é um
apar ecer , m as sim algo dist int o quer do em si, quer da m er a
apar ência, const it uindo o obj ect o da exper iência possível diant e do
que é sim ples apar ência ilusór ia e do que se encont r a par a além
dessa m esm a exper iência. Est e sent ido kant iano subj az ao uso que o
conceit o t em t ido no discur so cient ífico. E qual a possível influência
de Husser l e da sua fenom enologia? O pont o de par t ida husser liano
consist iu em alcançar um m ét odo ( pr opondo a fenom enologia com o
t al) e não um " m odo de ver " , conseguido pela depur ação do
psicologism o e pelo dist anciam ent o face aos act os em pír icos do
m undo nat ur al e a um supost o m undo int eligível de car áct er
m et afísico: Não há cont eúdos de consciência, m as unicam ent e
" fenóm enos" . A fenom enologia é um a pur a descr ição do que se m ost r a por si m esm o de acor do com " o pr incípio dos pr incípios" : r econhecer que " t oda a int uição pr im or dial é um a font e legít im a de conhecim ent o, que t udo o que se apr esent a por si m esm o 'na int uição' ( e, por assim dizer , em 'pessoa') deve ser aceit e sim plesm ent e com o o que se oferece e t al com o se ofer ece, em bor a apenas dent o dos lim it es nos quais se apr esent a23.
É Kant e não t ant o Husser l quem r eapar ece clar am ent e na
acepção 4 do ver bet e fenóm eno do Dicionár io Houaiss: o obj ect o do
conhecim ent o não em si m esm o, m as sem pr e na r elação que est abelece com o suj eit o hum ano que o conhece, e por t ant o capt ado segundo a per spect iva das for m as a pr ior i de int uição ( espaço e t em po) e cat egor ias inat as do int elect o. Se dest acam os est a acepção
é por que sem ela ser ia ingénua e infr ut ífer a, no âm bit o da
epist em ologia das Ciências Sociais e Hum anas, a acepção 2 do
23
m esm o Dicionár io: fact o ou event o de int er esse cient ífico, que pode
ser descr it o e explicado cient ificam ent e24.
O suj eit o em C.I . que invest iga e t ent a com pr eender e explicar
vai at é onde pode ir , ist o é, vai at é ao fenóm eno ( que t em int er esse e
é passível de ser obj ect ivado) sem a veleidade de o capt ar com o algo
ext er no, aut ênt ico e independent e do act o de conhecer /
inves-t igar / explicar , m as que, não obsinves-t aninves-t e isinves-t o, m aninves-t ém exisinves-t ência pr ópr ia
e alheia à vont ade do suj eit o/ cient ist a social.
Chegam os ao t er ceir o e últ im o pr essupost o.
Pr ecisam os de delim it ar o nosso obj ect o cient ífico ou
esquem at izar , dent r o dele, o fenóm eno at é onde conseguim os ir .
Michel Foucault no décim o e últ im o capít ulo de As Palavr as e as
coisas apont a o sít io das Ciências Hum anas nas vizinhanças, nas fr ont eir as im ediat as e em t oda a ext ensão dessas ciências que est udam a vida, o t r abalho e a linguagem . Ciências que, apesar dessa
pr oxim idade, não podem subst it uir- se às Hum anas. É que o obj ect o
dest as não se apr esent a com o um funcionam ent o biológico, sendo
ant es o r ever so, a m ar ca int er ior. E um exem plo, ent r e out r os,
m ediat iza m elhor a explicação: a pr ocur a das ligações int r acor t icais
ent r e os difer ent es cent r os de int egr ação da linguagem ( audit ivos, visuais, m ot or es) não é da alçada das ciências hum anas; m as est as encont r ar ão o seu espaço de j ogo desde que se int er r ogue esse espaço de palavr as, essa pr esença ou esse esquecim ent o do sent ido delas, essa dist ância ent r e o que se pr et ende dizer e a ar t iculação em que esse obj ect o se invest e, e de que o suj eit o t alvez não t enha consciência, m as que não t er iam nenhum m odo de ser det er m inável se esse m esm o suj eit o não for m asse r epr esent ações25. Foucault aj uda- nos a oper ar a for m ulação do que é possível est udar
24
HOUAI SS, Ant onio; VI LLAR, Mauro de Salles – Op. cit ., t om o 3, p. 1720.
25
cient ificam ent e dent r o e for a da m assa cor pór ea hum ana a que se
alude no pr essupost o pr im eir o e se r et om a no t er ceir o, em que
est am os.
O obj ect o da C.I . é a infor m ação, que, em r igor, é algo a que o
t er m o/ conceit o cor r esponde ou significa. Esse algo r em et e,
necessar iam ent e, par a fenóm eno, na acepção aceit e e t em per ada
supr a. Rem issiva não abst r act a e vaga, que vincula clar am ent e o
fenóm eno r adicado na nat ur eza e com por t am ent o do ser hum ano em
int er acção consigo, com seus sem elhant es e com t udo o que o r odeia
e est im ula/ im pr essiona. A função int er act iva t or na, por si só,
obr igat ór io que se convoque, t am bém , o conceit o com unicação par a
se com plet ar a descr ição genér ica do fenóm eno e per m it ir a sua
esquem at ização com o núcleo cent r al do obj ect o cient ífico em que
opt am os invest ir . No ent ant o, convém , desde j á, obser var a lar ga
abr angência do fenóm eno que se per spect iva. Convém , ainda, fr isar
que o act o de obj ect ivação, t al com o se pr at ica nas Ciências Hum anas
e Sociais, im põe cont or nos m ais pr ecisos e est r eit os, assinala
m últ iplas vizinhanças e int er conexões. Ocor r e um a espécie de
filt r agem e acondicionam ent o fenom énico num for m at o delim it ado
pela ópt ica do que a C.I . quer ser ( do nosso pont o de vist a) e não,
obviam ent e, do que ela foi ou ainda é par a vár ios aut or es e escolas.
A plur alidade de prism as é um a condição ínsit a ao figur ino da
Ciência Moder na e é, par t icular m ent e, vit al e nat ur al nas Ciências
Sociais, obr igando a um a adapt ação do conceit o oper at ór io de
par adigm a int r oduzido por Tom as Khun.
A abor dagem cient ífica do social e do hum ano supor t a bem a
coexist ência pr olongada de difer ent es m odos de ver ( per spect ivar o
exer cício da cient ificidade e o r espect ivo obj ect o) , de difer ent es
par adigm as, podendo a r egr a r egulador a dest a coexist ência consist ir
na busca de um a sínt ese e não na subst it uição exclusivist a e
pr evalência efect iva de um par adigm a ou dos seus pr incipais t r aços
const it ut ivos, isso r esult a m ais da for m a eficaz com o ele em er ge ou
conver ge com um a pr áxis, do que da afer ição lógica ou
dem onst r at iva dos pot enciais m elhor es r esult ados que ele,
pr evisivelm ent e, pr opor ciona, no plano t eór ico, ou sej a, no espaço
cir cular dos " colégios invisíveis" , das r euniões cient íficas, dos cent r os
de pesquisa, dos cir cuit os edit or iais e das salas de aula univer sit ár ias,
em det r im ent o de out r o( s) par adigm a( s) . No ent ant o, nem sem pr e o
par adigm a m ais influent e e decisivo ( t em por ar iam ent e ver dadeir o)
colhe aceit ação ou consenso ( e m uit as vezes, com eça, pr ecisam ent e,
por não colher ) no plano t eór ico, o que r em et e par a um a t r adicional
dificuldade de int er venção e int er acção dos cient ist as sociais ( ou de
cer t os segm ent os dest a " espécie" ) j unt o da( s) ou com a( s)
com unidade( s) do seu t em po que j ust ifica( m ) , em últ im a análise, os
pr oj ect os de pesquisa, de ensino e de escr it a a que se devot am . Est e
aspect o suscit a um r ol de t r aj ect ór ias pelos m eandr os incer t os e
aliciant es da epist em ologia, onde se per filam desafios de análise
com o o do papel incont or nável da subj ect ividade na " oficina" do
cient ist a social, do significado oper at ór io ou oper acional de ver dade
par a t odas as Ciências Sociais e Hum anas e par a cada um a delas em
par t icular , das fr ont eir as e conexões ent r e senso com um e pr ogr am a
cient ífico, das difer ent es e específicas condições que
j ust ificam / convocam a int er , a pluri e a t r ansdisciplinar idade, et c.
Tr aj ect ór ias alheias às possibilidades concr et as dest e excur so
discur siv o, que pede, agor a, um finale, ainda que saudav elm ent e
pr ovisór io e incipient e...
3 . I m plica çõe s e pist e m ológica s
Em est udos pr ecedent es há elem ent os bast ant es par a se
bast ant e do peso da act ividade profissional cr iada pela m et am or fose
polít ica pública de equipam ent os, ser viços ou inst it uições ( designadas
hoj e de cult ur ais) condensáveis nest a t r íade: Bibliot eca - Cent r o de
Docum ent ação - Ar quivo.
As exigências e os pr ogr essivos aper feiçoam ent os, no plano do
fazer m elhor ( m ais clar o, m ais r ápido, m ais apelat ivo ao " client e" ) ,
im pelir am a act ividade/ profissão de quem oper a e assum e
r esponsabilidades dir ect ivas e com unicat ivas nessas inst it uições da
Moder nidade a buscar um est at ut o cr edível e passível de um
est im ável r econhecim ent o social ( e sócio- económ ico) , que o
qualificat ivo de cient ífico ao longo do séc. XX t or nou clar o e segur o.
Mas... Esse qualificat ivo encer r a, par a o per íodo m encionado, um a
inevit ável t ensão ent r e ciências dur as ( exact as e nat urais) e m oles
( sociais e hum anas) e um a im agem difer enciada, aos olhos da
opinião pública, que desvalor iza a ut ilidade social ( pr át ica ou im ediat a
no bem est ar e na concr et ização das necessidades das pessoas no
m undo de hoj e) das segundas em r elação às pr im eir as. Daí que par a
bibliot ecár ios, docum ent alist as e ar quivist as a adopção de um
est at ut o de cient ificidade, cr edibilizador da sua dignidade pr ofissional,
só int er essa se ele for for t e, se ele pr oceder do lado da har d science
do que da out r a... No caso, por ex em plo, dos ar quiv ist as a sua
t ent at iva par a const r uir um a disciplina cient ífica, m ais aut ónom a da
Hist ór ia ( do que na or igem dessa disciplina m ar cadam ent e auxiliar de
Clio...) e do Dir eit o ou da Adm inist r ação, est á eivada ou do
posit ivism o m ais pur o e dur o ou do r elat ivism o ideológico que a faz
pender par a o lado das r azões da pós- m oder nidade com o os
opr im idos, as vít im as do apar t heid, das m inor ias, et c.
Não cabe aqui esm iuçar est e im por t ant e t ópico, m as a pr et ensa
aut onom ização da Docum ent ação face à Bibliot econom ia no pr im eir o
quar t el de novecent os, em plena segunda v aga de indust r ialização, e
Paul Ot let e Henr i La Font aine, o ent usiasm o com que a bibliom et ria
foi acolhida pelos pr ofissionais da Docum ent ação/ I nfor m ação,
sobr et udo por que ela se pr opunha analisar globalm ent e, at r avés de
m ét odos est at íst icos e m at em át icos, os elem ent os de um cor pus
docum ent al a fim de det erm inar as r elações exist ent es ent r e esses
elem ent os26, ou ainda o im pact o que a aut om ação e,
consequent em ent e, o desenvolvim ent o da infor m át ica e sua aplicação
às m últ iplas t ar efas r elacionadas com o ar m azenam ent o e
r ecuper ação da infor m ação t eve nos docum ent alist as a pont o de
ger ar , de novo, um im pulso aut onom ist a " professional- disciplinar "
consubst anciado na Ciência da I nfor m ação ent endida com o a
disciplina que t r at a do uso da infor m ação cient ifica pr ocessada
elect r onicam ent e... — t odos est es aspect os confir m am , por um lado,
o peso da pr át ica docum ent al ( descr ever , disponibilizar e guar dar os
docum ent os) nas aspir ações cient íficas veiculadas at r avés do esfor ço
for m at ivo, e, por out r o, a oscilação ent r e um posit ivism o anacr ónico e
a difusa consolação com o est at ut o de int er disciplina ou de Ciência
par a as Ciências. Significa ist o que a Docum ent ação ou a Ciência da
I nfor m ação se const it ui um a disciplina cient ífica que pr epar a a
infor m ação par a ser usada por quem dela pr ecisa, ou sej a, os
cient ist as, os em pr esár ios, os t écnicos, os polít icos e, nat ur alm ent e, o
cidadão com um .
Um dos desafios epist em ológicos que se coloca à C.I . em
const r ução ou em em er gência, ent alada ent r e a pr át ica inst r um ent al
e nor m at iva e a dim ensão cient ífica ( com pr eensiva e explicat iva de
pr oblem as r elacionados com det er m inado fenóm eno) , t em a ver
pr ecisam ent e com a nat ur eza do conhecer que se pr et ende at ingir . E
ist o t r az com t oda a for ça e nit idez a pr oblem át ica r efer enciada pelos
conceit os em foco - infor m ação e com unicação.
26
Se a C.I ., com o cont inua sendo a t endência ger al, m esm o j á
com a adapt ação às exigências pós- cust odiais que as TI C vêm
det er m inando, definir o seu obj ect o de est udo/ conhecim ent o nos
t er m os em que, por exem plo, Ser ge Cacaly apr esent a a infor m ação,
num br evíssim o ver bet e do Dict ionnair e encyclopédique, só o
docum ent o, at r avés do qual ocor r e, em difer ido, a com unicação,
pr eenche efect ivam ent e esse obj ect o. Cacaly diz- nos que
L'infor m at ion est la consignat ion de connaissances dans le but de leur t r ansm ission. Cet t e finalit é im plique que les connaissances soient inscr it es sur un suppor t , a fin d'êt r e conser vées, et codées, t out e r epr ésent at ion du r éel ét ant par nat ur e sym bolique. Cet t e not ion sous- t end l'ensem ble des ar t icles de cet ouvr age27. O par adigm a que cor r esponde a est e t ipo de const rução ou for m ulação do obj ect o
cient ífico é, em nossa opinião, pr é- cient ífico, am ar r ado ainda à
pr át ica pr ofissional de pr epar ação da coisa docum ent o ( coisa física)
par a o seu event ual uso. Out r o par adigm a est á a r om per e vem
r om pendo pela via t ecnológica ( os efeit os no quot idiano do Mundo
globalizado da Sociedade da I nfor m ação ou da Sociedade em r ede) e
pelas exigências de cient ificidade sent ida nos cur sos de nível super ior
e, em par alelo, nos pr oj ect os de invest igação.
O par adigm a pós- cust odial e cient ífico é per cept ível, apesar de
algum as difer enças específicas de abor dagem que nos separ am , na
afir m ação lapidar de Yves Le Coadic: Ce qui car act ér ise la science de
l'infor m at ion, c'est cet t e im por t ant e m ut at ion épist ém ologique qui est à l'or igine du passage de l'ét ude du docum ent à l'ét ude de l'infor m at ion28.
Um a passagem fundam ent al que t r az consigo im plicações na
( r e) for m ulação do obj ect o cient ífico e no seu est udo. O docum ent o
t er á de deixar de ser o alvo cent r al e a m et a últ im a da inv est igação
27
CACALY, Ser ge – I nform at ion. I n I bidem , p. 297.
28
em C.I ., o que levar á, t am bém , a um a alt er ação subst ancial na
at it ude de conhecer o fazer e de fazer par a conhecer dos diver sos
pr ofissionais da infor m ação. Em out r o est udo t r at am os m ais
det alhadam ent e o binóm io docum ent o - infor m ação, pelo que, aqui,
int er essa r et om ar o docum ent o com o epifenóm eno do fenóm eno
info-com unicacional, ou sej a, o obj ect o da C.I . info-com eça, fisicam ent e, no
que apar ece, na coisificação das ideias, das em oções e das sit uações
concr et as r epr esent adas por difer ent es códigos ( língua falada e
escr it a, núm er os, desenho, im agens, m úsica...) , naquilo que é
m at er ialm ent e visível ou audível e par t ilhável por um núm er o
indet er m inado de ser es hum anos e pode ser guar dado e r eut ilizado
hoj e, am anhã e sem pr e — o docum ent o. Com eça, pois,
necessar iam ent e por aqui par a agar r ar o essencial: o conj unt o
est r ut ur ado de r epr esent ações m ent ais ( e em ocionais) que são
passíveis de ser em com unicadas ou t r ansm it idas, cor r espondendo
est a act ividade cognit iva e social a um pr ocesso dinâm ico e
m ult ifact or ial bast ant e com plexo e, sem dúvida, decisivo quer na
dim ensão ont ológica, quer na exist encial e pr át ica da condição
hum ana.
É nest e pont o que a par t e inicial e absolut am ent e pr ogr am át ica
da definição r epescada, em 1968, por Har old Bor ko se t or na
im pr escindível: Ciência da I nfor m ação é a disciplina que invest iga as
pr opr iedades e o com por t am ent o da infor m ação, as for ças que r egem o fluxo infor m acional e os m eios de pr ocessam ent o da infor m ação par a a opt im ização do acesso e uso. Est á r elacionada com um cor po de conhecim ent o que abr ange origem , colect a, or ganização, ar m azenam ent o, r ecuper ação, int er pr et ação, t r ansm issão, t r ansfor m ação e ut ilização da infor m ação29.
O que acim a ficou expr esso sobr e os pr essupost os afect a,
dir ect am ent e, o ( r e) desenho do obj ect o da C.I ., cor r espondendo o
29
conceit o de infor m ação, nest a per spect iv a, à capacidade hum ana e
social de r epr esent ar e conhecer( - se a si m esm o e a) o Mundo, o que
im plica a int er acção cont ínua ( t r oca e t r ansfor m ação das
r epr esent ações) . I nt er essa, pois, invest igar com o se pr oduz, com que
fim , quando e com o, com o se guar da, com o se t r ansm it e, usa e
t r ansfor m a o flux o hum ano e social de signos, de sím bolos, de
r epr esent ações de t odo o t ipo. At r avés do conceit o de infor m ação o
especialist a em C.I . agr ega t odos as dim ensões e segm ent os
sim bólicos da act ividade hum ana r elacionando- os ent r e si: o t ext o
lit er ár io e um a fact ur a são m ent efact os difer ent es quant o ao que
r epr esent am , m as const it uem am bos o obj ect o de est udo de C.I . na
r elação ínt im a que t êm com o r espect ivo cont ext o de pr odução e com
as m últ iplas e inusit adas condições de uso, r eut ilização e
t r ansfor m ação. Subj az a est e obj ect ivo epist ém ico o r et or no ao
enciclopedism o ilum inist a, m as r et om ado não em m oldes filosóficos,
ut ópicos ou polít icos, ant es em m oldes, for m alm ent e m ais m odest os,
m as ainda assim fundam ent ais: com pr eender a act ividade m ent al,
em ocional e cr iat iva ( sim bólica) hum anas com o um t odo ( um a
sínt ese ant r opológica) que se pr ocessa hor izont alm ent e ( pr odução,
m em or ização, descar t e, uso, t ransfor m ação e r ecr iação) , o que
im plica o abandono, por exem plo, do pr econceit o cult ur alist a que
am ar r a os pr ofissionais da infor m ação a um a noção er udit a, elit ist a e
r edut or a de cult ur a ( im at er ial) . Par a a C.I . a pr om oção da leit ur a do
livr o ( t ext o em supor t e papel) só int eressa com o obj ect o cient ífico se
for est udada e com pr eendida j unt o com as ( ou sem exclusão das)
r azões e condições ( pessoais, sociais e t ecnológicas) de consum o
pr edom inant e de um ou de vár ios out r os t ipos infor m acionais ( a
m úsica, cont eúdos escr it os e audiovisuais r elat ivos a fut ebol ou ao
despor t o em ger al, et c.) , ou sej a, a inform ação veiculada pela TV
at r avés dos seus pr ogr am as dit os de ent r et enim ent o não é m enos
leit ur a pr ivilegiada de r om ances m aior es da lit er at ur a univer sal! Há,
assim , um a m ult iplicidade de t ipos infor m acionais pr oduzidos e
com unicados ( em it idos por alguém e por um m eio/ canal, pr ocur ados,
r ecebidos e assim ilados por out r em e com r ecur so a algo) que
em er gem num a com plexa e vast a t r am a dinâm ica de int er conexões,
m ut ações e fr agm ent ações est anques e que configur am ,
gener icam ent e, o cam po de pr oblem as ( obj ect o específico) da C.I .
Par a cum pr ir o desafio epist em ológico enunciado, a C.I . não
pr ecisa de ser vist a, nem desenvolvida com o um a int erdisciplina30 —
cat egor ia concept ual equívoca e assaz por osa —, podendo e devendo
ser ( r e) const r uída e afir m ada com o disciplina cient ífica for t alecida
pela t r ansdisciplinar idade ( no sent ido piaget iano31) , enr iquecida pela
int er disciplinar idade e em penhada na m ult idisciplinaridade. Est as
duas últ im as posições são m uit o per t inent es por que é pr eciso
clar ificar com o a C.I ., sobr et udo no âm bit o geral das Ciências Sociais
e Hum anas, se r elaciona com disciplinas do m esm o cam po e at é com
out r as de cam pos difer ent es. E em par t icular com o algum as dessas
r elações se fixam em t or no do " est udo genér ico da com unicação" ...
30
Por int erdisciplinas ent endem - se as novas disciplinas que apar ecem com aut onom ia académ ica a par t ir de 1940/ 50 e que surgem do cr uzam ent o de várias disciplinas cient íficas com o cam po indust r ial e or ganizacional, t ais com o as Relações I ndust r iais e Or ganizacionais ( disciplina que est uda o com por t am ent o dos hom ens nas organizações em que eles t rabalham ) , Psicologia I ndust r ial ( apt idões dos indivíduos, pr oblem as ligados ao m anuseam ent o de m áquinas e r elações int er pessoais) , Selecção e For m ação Pr ofissional ( adapt ação dos t r aços de per sonalidade às car r eiras pr ofissionais) , Sociologia dos Pequenos Grupos ( norm as dos gr upos de t r abalho e quest ões de liderança) , Sociologia das Or ganizações ( inov ação. m udanças e solução de conflit os nas or ganizações) , et c. ( POMBO, Olga – I nt er disciplinar idade: am bições e lim it es. Lisboa: Relógio d'Água Edit or es, 2004. I SBN 972- 708- 814- 7. p. 76) .
31
No que t oca à m ult idisciplinaridade e de acor do com as cit ações
r ecolhidas por Olga Pom bo sob o t ít ulo Par a um vocabulár io sobr e
I nt er disciplinar idade, incluído no final do seu livr o, pode dizer - se que
com eça por um a j ust aposição de disciplinas diver sa, às vezes sem
r elação apar ent e ent r e elas, que t r ocam pont ualm ent e elem ent os
ent r e si, sem que isso as afect e na sua est r ut ur a ident it ár ia, m as
pode evoluir par a um est ádio int er disciplinar quando as r elações de
int er dependência ent r e as disciplinas ocor r em e consolidam - se,
havendo, ent ão, um a efect iva cooper ação ent r e elas e um a afect ação
m út ua32.
Ent r am os, assim , na int er disciplinar idade a r espeit o da qual
Olga Pom bo r ecenseou além da acepção ger al, as seguint es
var iant es: auxiliar , com plem ent ar , com pósit a, est r ut ur al,
het er ogénea, linear , r est r it iva e unificador a33. Tom ada em sent ido
ger al são vár ias as definições de difer ent es aut or es, m as par ece- nos
opor t uno dest acar , aqui, a de Palm ade ( 1979) : I nt egr ação int er na e
concept ual que r om pe a est r ut ur a de cada disciplina par a const r uir um a axiom áica nova e com um a t odas elas com o fim de dar um a visão unit ár ia de um sect or do saber34. E a de Piaget ( 1972) :
I nt er câm bio m út uo e int egr ação r ecípr oca ent r e vár ias ciências. Est a cooper ação t em com o r esult ado um enr iquecim ent o r ecípr oco35.
Est e m ovim ent o int er disciplinar de int er câm bio e de int egração
enr iquecedor es sur giu, com o m ost r a Olga Pom bo no seu est udo
m onogr áfico, em r eacção à exponencial m ult iplicação de
especializações cient íficas, denunciada por Or t ega y Gasset com o a
" bar bár ie do especialism o" :
32
I bidem , p. 169.
33
I bidem , p. 166- 169.
34
Cit . por I bidem , p. 165.
35
Dant es os hom ens podiam facilm ent e dividir - se em ignor ant es e
sábios, em m ais ou m enos sábios e m ais ou m enos ignor ant es. Mas o
especialist a não pode ser subsum ido por nenhum a dest as duas
cat egor ias. Não é um sábio, por que ignor a for m alm ent e t udo quant o
não ent r a na sua especialidade; m as t am bém não é um ignor ant e
por que é um " hom em de ciência" e conhece m uit o bem a sua
pequeníssim a par cela do Universo. Ter em os que dizer que é um
sábio- ignor ant e — coisa ext rem am ent e gr ave — pois significa que é
um senhor que se com por t ar á em t odas as quest ões que ignor a, não
com o um ignor ant e, m as com t oda a pet ulância de quem , na sua
especialidade, é um sábio36.
Um a r eacção legít im a e j ust ificada, m as o uso e a pr át ica do
conceit o suj eit o a m odas, cont r adições e ex t r apolações vár ias não
t em t ido vida fácil. Não obst ant e isso, Olga Pom bo consider a que a
ideia de int er disciplinar idade par ece ser ainda necessár ia: Digam os que, apesar de t odos os equívocos que r odeiam a sua ut ilização, a ideia da int er disciplinar idade aparece com o um a vir t ualidade pr ópr ia da condição par adoxal da m oder nidade37. Com efeit o, o t r abalho cient ífico incor por ou essa ideia com o um a das suas det er m inações
m ais fundam ent ais, r esult ant e do desej o de alar gar o conhecim ent o
do Mundo e de apr ofundar a com preensão da Ciência na vida dos hom ens38, no ent ant o é pr eciso t er pr esent e que o m odelo int er disciplinar da unificação dos saber es t ende a ser , t am bém ,
fecham ent o r edut or e nocivo. Mas é ev ident e, cont inuando a seguir a
análise da m esm a aut or a, que a ciência faz da pr át ica int er disciplinar
o lugar da sua boa consciência, aquilo que lhe per m it e cont inuar no cam inho da especialização sem t em er pela fr agm ent ação ou pela per da de int eligibilidade. Por out r o lado, a int er disciplinar idade é
36
Cit . por I bidem , p. 137.
37
I bidem , p. 159.
38
sem pr e um cr uzam ent o disciplinar caut eloso. Os par t icipant es não abdicam dos seus pr ivilégios t er r it or iais, das suas fr ont eir as disciplinares no int er ior das quais se sent em segur os de um a qualquer com pet ência cient ífica. Aceit am par t ilhar par adigm as, conceit os, m et odologias, m as nunca ao pont o de diluir os obj ect os de que vivem39.
O que acaba de ser expost o sobre o m odelo int er disciplinar
m ost r a bem a im por t ância que ele t em par a a C.I . a pont o de lhe
exigir que t ir e dele o m áxim o pr oveit o e que não se confor m e com a
condição de int er disciplina, ant es se assum a com o disciplina cient ífica
avessa ao especialism o pr im ár io do qual um a coer ent e dinâm ica
t r ansdisciplinar ( envolvendo as disciplinas pr át icas m at r iciais
Bibliot econom ia, Docum ent ação e Ar quivíst ica, e out r as,
apar ent em ent e est r anhas ou exógenas, com o a Or ganização e
Mét odos e os Sist em as Tecnológicos de I nfor m ação) a aj udar á a
desviar - se. Aliás e com o j á at r ás aflor am os, a C.I . t em ao seu alcance
um a est r at égia epist em ológica de super ação daquilo que, em 1950,
Lor d C. P. Snow , de for m a sim plificada, designou por duas for m as de
cult ur a cient ífica em r upt ur a e afast am ent o — as ciências da nat ur eza
ver sus as ciências do espír it o. Radicando o seu obj ect o cient ífico no
fenóm eno info- com unicacional ( infor m ação + com unicação) e
fixando- o num a abor dagem hor izont al e t r ansver sal a t oda a
act ividade hum ana e social, a C.I . ult r apassa o inst r um ent alism o
docum ent alist a ou ar quivíst ico t radicional e invest e na indagação
com pr eensiva, bem fr isada por Bor ko, num a sequência, só
apar ent em ent e linear , de fases ou et apas essenciais: or igem , colect a,
or ganização, ar m azenam ent o, r ecuper ação, int er pr et ação, t r ansm issão, t r ansfor m ação e ut ilização da infor m ação sej a est a de
39
que t ipo for — de um poem a a um spot publicit ár io, de um a ar t igo de
Física a um ensaio de Filosofia.
O for t alecim ent o t r ansdisciplinar liber t a- a do per igoso
especialism o t ecnicist a ou inst r um ent al e confer e- lhe um out r o fôlego
par a as pr át icas int er disciplinar es que se sit uam em dois níveis: um
cent r al ou nuclear e out r o com plem ent ar .
A C.I ., por causa do ( r e) desenho ou ( r e) for m ulação do seu
obj ect o, pr ecisa, em nível cent r al ou nuclear , do cont r ibut o dir ect o da
Lógica e da Mat em át ica, das Neurociências, da Ciber nét ica, da
I nt eligência Ar t ificial ( com incidência na pesquisa avançada sobr e a
int er acção hom em - m áquina) , da Psicologia ( com especial dest aque
par a a Psicologia Cognit iva, a Psicolínguíst ica, a Psicologia Social e a
Psicologia da Com unicação) , da Sociologia ( das Or ganizações, da
Cult ur a e da Com unicação) , da Sem iologia e da Medialogia ( acha- se,
nest e elenco, o cor e das denom inadas Ciências da Com unicação) . O
int er câm bio com est as disciplinas faz- se, na ópt ica da C.I ., at r avés da
assim ilação de r esult ados, m et odologias e t eor ias que t êm a ver
dir ect am ent e com o obj ect o info- com unicacional que a C.I . est uda
nos m oldes esquem at izados na definição de Bor ko; e, em t roca,
essas disciplinas recebem o pr odut o cont ínuo dest a abor dagem
específica e, num plano m ais aplicacional, lucr am com os disposit ivos
que agilizam o fluxo infor m acional par a pr oveit o oper acional de cada
pessoa, gr upo ou inst it uição que desenvolve Neur ociência, Psicologia
ou Sociologia.
Em nível com plem ent ar as pr át icas int er disciplinar es da C.I . são
com ciências que aj udam a cont ext ualizar quer a infor m ação
pr oduzida quer o cor r elat ivo pr ocesso com unicacional ou de
r ecuper ação/ uso — a Hist ór ia, a Adm inist r ação e o Dir eit o, a Gest ão e
Econom ia e a Audit or ia e Cont abilidade. As quest ões r elacionadas
com a pr eser vação do supor t e m at er ial sim ples ou o disposit ivo
im plicam r elações com ciências nat ur ais ( Física e Quím ica) e com a
engenhar ia elect r ot écnica e infor m át ica.
Volt ando, por ém , ao nível cent r al ou nuclear das pr át icas
int er disciplinar es da C.I . é im pr escindível, aqui, enfat izar , t endo em
cont a o que ficou expost o e assum ido sobr e infor m ação e
com unicação, o papel que lhe cabe no espaço disciplinar const it uído
pelas Ciências da Com unicação ( Sociologia, Sem iót ica, Psicologia e
I nfor m át ica, I nt eligência Art ificial e Mult im édia) , espaço passível de
ser per spect ivado com o um a int er disciplina. Um papel ignor ado pelos
invest igador es e académ icos ligados à t em át ica e à pr oblem át ica da
Com unicação Social, dos Mídia e Audiov isual, que t êm , nat ur alm ent e,
exer cido um a hegem onia plena nessa difusa e inst ável int er disciplina.
Podia, no ent ant o, ser out r a e t em de ser out r a a post ur a dest es
especialist as. Bast a par a t ant o convocar , de novo, Ber nar d Miège
com o seu est im ulant e pr ogr am a de t r abalho par a as ciências da
infor m ação e da com unicação:
Evident em ent e, t ais pr opost as se t or nar am possíveis pelos
desenvolv im ent os da infor m át ica que lhes ser vem de fundam ent o.
Nos sist em as de infer ência aper feiçoados no âm bit o da int eligência
ar t ificial, o obj et ivo exibido consist e em int egr ar os m eios de
per cepção, com unicação e ação do oper ador hum ano com seu m eio
am bient e. Que a int eligência hum ana e, par t icular m ent e, os
pr oblem as m ent ais e os fenóm enos sim bólicos não possam ser
decom post os, at ualm ent e, em elem ent os que v enham a ser
duplicados por m áquinas, não chega a incom odar a m aior ia dos
especialist as de infor m át ica; a solução par a essa dificuldade
( m om ent ânea! ) ser á pr ocur ada por eles por m eio do apr im or am ent o
de pr ogr am as de infor m át ica cada vez m ais aper feiçoados que
int egr am com pet ências pr ofissionais, r epr esent ações sociais e
que as difer enças em r elação ao sist em a hum ano sej am ,
pr ogr essivam ent e, r eduzidas. Est e pr ocedim ent o t ot alm ent e
pr agm át ico, m as que se inscr eve na linha do posit ivism o, deve ser
cr it icado, pr incipalm ent e do pont o de vist a específico que é o das
ciências da infor m ação e da com unicação.
Nesse cont ext o, se fosse necessár io delinear um pr ogr am a de
t r abalho par a as ciências da infor m ação e da com unicação, ser ia
int er essant e dest acar , pr ior it ar iam ent e, os seguint es elem ent os:
• a ar t iculação ent r e os disposit ivos t ecnológicos da com unicação e a pr odução das m ensagens e do sent ido;
• a " inser ção social" das t ecnologias e, par t icular m ent e, a at ividade dos usuár ios- consum idor es no aper feiçoam ent o dos disposit ivos;
• a at enção aos " pr ocedim ent os" de escr it a das m ensagens ( icônicas, sonor as, gr áficas...) e das condições que pr esidem sua concepção e
r ealização;
• a dim ensão sociológica, polít ica e econôm ica das at ividades infor m acionais e com unicacionais que dão lugar a inovações e
exper im ent ações de novos supor t es;
• o est udo das m udanças ocor r idas nos pr ocessos de m ediação que, segundo é lem br ado opor t unam ent e por Ber nar d Lam izet , " t em com o
papel desencdear , no cam po dos int er câm bios com unicacionais,
r elações e for m as de com unicação que não se r eduzam a for m as
int er subj et ivas, m as que sej am for m as acessíveis e aber t as a t odos" .
Em sum a, a m ediação t em por função evit ar que, no cam po social, se
inst aur e um a lógica de r elações de for ça40.
40
A pr opost a de Miège, publicada em 1995, cont inua, quase onze
anos depois, a fazer t odo o sent ido e a dar sent ido ao cam po das
Ciências da Com unicação com a C.I . oper ando aí de for m a aber t a e
int ensa. Não cust a, aliás, ident ificar , no pr ogr am a pr opost o, os
pont os m ais for t es que cor r espondem ao obj ect o ( r e) for m ulado pela
C.I . e consignado na definição pr ogr am át ica de Bor ko, a saber : a
ar t iculação ent r e os m eios t ecnológicos de com unicação/ int er acção e
a pr odução de sent ido ( m ensagens, cont eúdos...) ; a act iv idade dos
ut ilizador es/ consum idor es e sua int er fer ência/ m odelagem dos
disposit ivos t ecnológicos de int er acção/ com unicação; e o cont ext o de
pr odução da infor m ação ( escr it a icónica, m usical, gr áfica, geom ét r ica,
et c.) . At ravés deles e de out r os pont os m ais específicos, a C.I . pode e
deve desenvolver e consolidar um cont ribut o posit ivo e im pr escindível
ao desider at o de Miège: É, por t ant o, em t or no dessas im por t ant es
or ient ações que as ciências da infor m ação e da com unicação t er ão de se or ganizar - e, t alvez, de se r eunir - no fut ur o im ediat o41.
O pr ogr am a de Miège é, na fase de const r ução par adigm át ica
em que a C.I . se acha act ualm ent e, o m ais est im ulant e, em bor a não
possam os ignor ar a per spect iva m ais plur al e elást ica de Dom inique
Wolt on, expr essa num a ent r evist a inser ida em La Com m unicat ion:
ét at des savoir s42. Aí defende, clar am ent e, que o dom ínio da
com unicação não pode, nem deve ser um a ciência unificada,
consider ando- o um dom ínio plur idisciplinar que com pr eende t r ês
gr andes sect or es — as Neur ociências, as Ciências Cognit ivas e as
Ciências Sociais — e um a dezena de disciplinas: Filosofia,
Ant r opologia, Sociologia, Geogr afia, Hist ór ia, Dir eit o, Ciências
Polít icas, Psicologia, Linguíst ica e Psicossociologia, t endo cada um a a
sua pr ópr ia pr oblem át ica. E a est a diver sidade de disciplinas
41
I bidem , p. 125.
42
cor r esponde, segundo ele, um a gr ande diver sidade de obj ect os de
análise.
Wolt on adopt ou um a per spect iva am pla par a m elhor agar r ar a
com plexidade e a het er ogeneidade do cam po, m as cor r e o r isco de se
per der num hor izont e sem fr ont eir as m ínim as. Ent endem os, por isso,
m ais ver osím il e oper acional par t ir de um a int erdisciplina com
cont or nos m ais pr ecisos, consubst anciada num núcleo dur o de
Ciências da Com unicação, capaz de desenvolver enquant o t al
fecundas r elações m ult idisciplinares, no sent ido que r et ir am os do
est udo m onogr áfico de Olga Pom bo.
Per fila- se, assim , a possibilidade de se r ever e apr ofundar ,
at r avés de pesquisas, r eflex ões e debat es em com um , um pr ogr am a
epist em ológico de t r abalho int er disciplinar par a o qual a C.I . —
aquela em que est am os em penhados em const r uir e desenvolver —