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O bebê, sua educação e cuidado em discursos de mães de camadas médias DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Elaine Cardia Laviola

O bebê, sua educação e cuidado em discursos de mães de

camadas médias

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Elaine Cardia Laviola

O bebê, sua educação e cuidado em discursos de mães de

camadas médias

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob a orientação da Profª. Doutora Fúlvia Rosemberg.

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ERRATA

Résumé – 15ª linha - Onde se lê: ... et en contexte politique...

Leia-se: ... et en contexte publique...

Página 15 – Onde se lê: ... No âmbito desta tese, pesquisar os discursos de mães sobre o bebê e modalidades de educação e cuidado foi, também, procurar compreender se as escolhas por determinados tipo de atendimento às crianças é influenciada, ou não, pela pouca oferta de modalidades coletivas...

Leia-se: ... No âmbito desta tese, pesquisar os discursos de mães sobre o bebê e modalidades de educação e cuidado foi, também, procurar compreender se as escolhas por determinados tipos de atendimento às crianças são influenciadas, ou não, pela pouca oferta de modalidades coletivas...

Página 22 – Onde se lê: ... Procuramos escutar mães que, por serem de classe média, supostamente...

Leia-se: ... Procuramos escutar mães que, por pertencerem às camadas médias da população, supostamente...

Página 25 - Onde se lê: ... Questionados sobre suas concepções sobre a creche pública, esses pais, provenientes das camadas médias, associaram-na às classes menos favorecidas. ...

Leia-se: ... Questionados sobre suas concepções sobre a creche pública, esses pais, provenientes das camadas médias, associaram-na às camadas menos favorecidas. ...

Página 25 – Onde se lê: ... No período de 1998 a 2008, o atendimento em creches cresceu somente 9,4% segundo dados do IBGE (2009). O crescimento pouco acelerado do atendimento, nessa etapa da educação básica, coloca em xeque a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE) de atender 50% das crianças dessa faixa etária em 2011. ...

Leia-se: ... No período de 1998 a 2008, o atendimento em creches cresceu 9,4 pontos percentuais segundo dados do IBGE (2009). Entretanto, o crescimento do atendimento, nessa etapa da educação básica, ainda coloca em xeque a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE) de atender 50% das crianças dessa faixa etária em 2011. ...

Páginas 37, 41, 69 e 203 - Onde se lê: ... Érica Burman...

Leia-se: ... Erica Burman ...

Página 79 - Onde se lê: ... A literatura aponta (CHAMBOREDON, PRÉVOT, 1986; ROSEMBERG, 2007b) que as novas concepções sobre EI são tributárias de mudanças sociais importantes na família, especialmente em decorrência dos movimentos de mulheres, e mudanças nas concepções de criança...

Leia-se: ... A literatura aponta (CHAMBOREDON, PRÉVOT, 1986; ROSEMBERG, 2007b) que as novas concepções sobre EI são tributárias de mudanças sociais importantes na família, especialmente em decorrência dos movimentos de mulheres, e de mudanças nas concepções de criança...

Página 82 – Onde se lê: ... apontam que indivíduos das camadas médias e com maior escolaridade tendem a expressar valores mais modernos, liberais e democráticos...

Leia-se: ... apontam que indivíduos das camadas médias e com maior escolaridade tendem a expressar valores mais “modernos”, liberais e democráticos...

Página 92 – Onde se lê: ... a freqüência à creche por parte de crianças de 0 a 3 anos de idade é ainda muito baixa (18,1%), como já destacamos, quando comparada à taxa de freqüência das crianças maiores que freqüentam a pré-escola (79,8%) (IBGE, 2009). ...

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Página 98 - Onde se lê: ... As que não haviam matriculado seus filhos na creche apresentavam uma rede de apoio maior dos que as que tinham optado por essa instituição...

Leia-se: ... As que não haviam matriculado seus filhos na creche apresentavam uma rede de apoio maior do que as que tinham optado por essa instituição...

Página 103 - Onde se lê: ... Daí, nosso interesse de nos debruçarmos sobre os discursos de mães...

Leia-se: ... Daí, nosso interesse em nos debruçarmos sobre os discursos de mães...

Página 104 - Onde se lê: ... Ao propor um estudo com mulheres pertencentes às camadas médias, e não de classes médias, considerei, como enfatizado por Romanelli (2003)...

Leia-se: ... Ao propor um estudo com mulheres pertencentes às camadas médias, e não de classe média, considerei, como enfatizado por Romanelli (2003)...

Página 105 - Onde se lê: ... e também classificada pelo UNICEF como a terceira melhor do Brasil e a segunda melhor do estado de São Paulo no atendimento à infância...

Leia-se: ... e também classificado pelo UNICEF como o terceiro melhor do Brasil e o segundo melhor do estado de São Paulo no atendimento à infância...

Página 105 e páginas 247, 252, 279, 315, 335, 355, 379, 404, 405 – Onde se lê: ... As crianças brasileiras de 0 a 3 anos têm direito à creche desde 1988, mas somente 18,1% das crianças de 0 a 3 anos freqüentam creche, enquanto quase 80% de crianças de 4 e 5 anos freqüentam pré-escola. O que pensa sobre isso? ...

Leia-se: ... As crianças brasileiras de 0 a 3 anos têm direito à creche desde 1988, mas somente 18,1% das crianças de 0 a 3 anos freqüentam creche, enquanto quase 80% de crianças de 4 a 6 anos freqüentam pré-escola/escola. O que pensa sobre isso? ...

Página 129 - Onde se lê: ... Quase todas as entrevistadas fazem referência às suas dificuldades na decodificação do choro de seus bebês...

Leia-se: ... Quase todas as entrevistadas fazem referência às suas dificuldades na decodificação do choro de bebês...

Página 147 - Onde se lê: ... uma efetiva opção por não contar nem com a ajuda da sogra e nem com a da própria mãe...

Leia-se: ... uma efetiva opção para não contar nem com a ajuda da sogra e nem com a da própria mãe...

Página 181 - Onde se lê: ... A classe média que seria, na concepção de Natália, o segmento com melhores condições para reivindicar acabaria, quase sempre, optando pela creche particular para seus filhos...

Leia-se: ... As camadas médias que seriam, na concepção de Natália, os segmentos com melhores condições para reivindicar acabariam, quase sempre, optando pela creche particular para seus filhos...

Página 181 – Onde se lê: ... as demais expressam acreditar que seria necessária uma maior reivindicação dos direitos, com a escolha de políticos que se interessassem por essas questões e que atuassem com maior boa vontade...

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Banca Examinadora

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Ângelo e Ivone (In Memoriam), pelo dom maior, o dom da vida. Todo meu amor e minha gratidão.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Professora Doutora Fúlvia Rosemberg pela extrema competência e dedicação.

Ao Henrique, meu grande amor, pela companhia em todos os momentos, pela enorme paciência e compreensão e também pela ajuda com as traduções.

À minha irmã Marlene, Doutoranda em Ciências Sociais, com quem compartilhei todo o percurso de elaboração desta tese. Obrigada por me motivar e por estar sempre ao meu lado!

Ao meu irmão Roberto, com quem compartilho a paixão pelos nossos gatos e pelo nosso time, pelas indicações de mães para as entrevistas e o auxílio com as cópias e encadernações.

À Maria Isabel, sempre na torcida para que tudo desse certo e eu conseguisse finalizar o trabalho.

Aos(às) professores(as) Doutores(as) do Programa de Estudos Pós–Graduados em Psicologia Social da PUC-SP. Em especial, Mary Jane Spink, Silvia Lane (In Memoriam), Sérgio Ozella, José Leon Crochík, com quem cursei disciplinas e que muito contribuíram para minha formação.

À Marlene Camargo, secretária do Programa, pela atenção e respostas às inúmeras questões burocráticas e acadêmicas.

À Professora Doutora Josildeth Gomes Consorte do Programa de Estudos Pós– Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, com quem cursei a disciplina Marcel Mauss: sobre o dom e o Sacrifício.

Ao professor Doutor Pedrinho Guareschi do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com quem cursei a disciplina Representações Sociais e Ideologia como aluna especial. Às Professoras Doutoras Ana Paula Soares da Silva e Heloísa Szymanski pela leitura cuidadosa e contribuições durante o Exame de Qualificação.

À professora Heloísa Szymanski pela elaboração de parecer sobre o projeto de tese para envio ao Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP.

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Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsa de estudos.

Aos(às) antigos(as) e novos(as) colegas do Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI) Honório, Leila, Renata, Vanessa, Etelma, Elisângela, Maysa, Carlos, Carla, Lourdes, Flávio, pelas leituras do trabalho, sugestões e incentivos. À amiga Carmem Sussel Mariano, pela paciência e disponibilidade para me escutar nos momentos mais difíceis da elaboração desta tese, pela força e auxílio constantes.

À amiga Bárbara Radovanski Galvão, pela ajuda com traduções, leituras e inúmeras conversas sobre o projeto, pela motivação ao longo de todas as etapas da pesquisa, pela amizade que se construiu.

Aos(às) meus(minhas) amigos(as) queridos(as), alguns de muitos anos, que sempre se interessaram e acompanharam a realização deste trabalho, mesmo que de longe.

Aos(às) amigos(as) e conhecidos(as) que procuraram auxiliar-me indicando mães de bebês para as entrevistas.

Às cinco mulheres que me concederam entrevistas ainda na fase exploratória, colaborando para que eu pudesse treinar a situação de entrevista e também adequar o roteiro de questões.

Às oito mulheres entrevistadas que se dispuseram a participar da pesquisa e a compartilhar comigo suas concepções sobre o bebê, sua educação e cuidado, suas vivências, suas decisões, suas dúvidas e questionamentos.

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LAVIOLA, Elaine Cardia. O bebê, sua educação e cuidado em discursos de mães de camadas médias. São Paulo.Tese (Doutorado em Psicologia Social). PUC-SP, 2010.

RESUMO

Esta tese de doutorado vincula-se ao Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), integrando o projeto coletivo de pesquisas que vem focalizando discursos proferidos por adultos sobre o bebê, sua educação e cuidado. Seu objetivo foi descrever e interpretar discursos de oito mães de bebês, inseridas profissionalmente, com formação universitária, pertencentes às camadas médias urbanas e residentes no município paulista de São Caetano do Sul, sobre o bebê e suas concepções sobre o que consideram adequado em termos de modalidades de educação e cuidado não só para seus filhos, mas também, para outros bebês. Partimos da hipótese de que prevaleceria, nos discursos das entrevistadas, uma concepção de criança pequena, considerada frágil, imatura, dependente, que vincula o bebê, prioritária ou exclusivamente, ao espaço doméstico, sustentando sua invisibilidade no plano social e em contexto público, dificultando que seus direitos à educação sejam plenamente contemplados pelas políticas de Educação Infantil. Adotamos os aportes teóricos proporcionados tanto pelos novos estudos sobre a infância, que procuram romper com concepções adultocêntricas e naturalizantes, quanto pela produção acadêmica das pesquisadoras francesas Bloch e Buisson (1998, 1999) sobre o processo de escolha de casais por modalidades de educação infantil, analisado, por elas, a partir da perspectiva das relações intergeracionais e de gênero. Com base na utilização de técnicas de análise de conteúdo apresentamos os resultados, que corroboram nossa hipótese inicial, em torno de cinco eixos interpretativos: os contextos sociais das entrevistadas; concepções sobre o bebê e a criança pequena; modalidades de educação e cuidado para bebês; responsabilidades do Estado e da sociedade; aspectos intergeracionais.

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LAVIOLA, Elaine Cardia. The baby, its upbringing, education and care in the discourse of middle class mothers. São Paulo.Thesis (Doctor's degree in Social Psychology). PUC-SP, 2010.

ABSTRACT

This doctoral thesis is linked with the Center of Studies of Gender, Race and Age (Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade – NEGRI) of the postgraduate studies program in Social Psyhcology from the Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), as part of the collective research project which focus on the discourse made by adults about their babies, their upbringing, education and care. This thesis' objective is to describe and interpret the discourse of eight mothers of babies, professionally active, with a university degree, belonging to the urban middle class and living in the city of São Caetano do Sul, in the state of São Paulo, about the baby and their perception of what they consider adequate methods od upbringing, education and care not only for their own children, but also for other babies. We assumed that, in the interviewees' discourse, the perception of the small child as fragile, immature and dependent would prevail. This view links the baby, first and foremost or exclusively, to the domestic realm, sustaining its invisibility in the social level and in public context, making it difficult for its rights for education to be completely fulfilled by the policies of education of children ages 0-3. We adopted the theoretical approaches offered by the new studies on childhood, which attempt to break away from the adult-centered and naturalizing concepts, as well as the academic production of the French researchers Bloch and Buisson (1998,1999), on the process of choice of couples of methods of child upbringing and education, analyzed by them, from the perspective of relations between generations as well as gender relations. Based on the use of content analysis techniques we present the results, which confirm our initial hypothesis, around five interpretative axles: the interviewees' social contexts; perceptions of the baby and the toddler; methods of upbringing, education and care for babies; the government and the society's responsibilities; and aspects related to the relations between generations.

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LAVIOLA, Elaine Cardia. Le bébé, son éducation et soins selon des discours de mères de classe moyenne. São Paulo. Thèse (Doctorat en Psychologie Sociale). PUC-SP, 2010.

RÉSUMÉ

Cette thèse de doctorat est associée au Centre d’Études du Genre, Race et Âge (NEGRI) du Programme d’Études de Postlicence en Psychologie Sociale de l’ Université Pontificale Catholique de São Paulo (PUC-SP), intégrant le projet collectif de recherches qui se focalise sur des discours proférés par des adultes à propos du bébé, son éducation et soins. Son objectif a été de décrire et d’interpréter les discours de huit mères de bébés - insérées professionnellement dans le marché, ayant une formation universitaire et appartenant aux classes moyennes urbaines et résidantes dans la Commune de São Caetano do Sul (région de São Paulo) - à propos du bébé et de leurs conceptions sur ce qu’elles considèrent être adéquat en termes de modalités d’éducation et de soins, pour leurs enfants ainsi que pour d’autres bébés. Nous sommes partis de l’hypothèse qu’il prévaudrait, dans les discours des mères interviewées, une conception de petit enfant considéré fragile, immature, dépendant, qui le soumet, prioritaire ou exclusivement, à l’espace domestique, renforçant son invisibilité sur le plan social et en contexte politique et rendant plus difficile que ses droits à l’éducation soient pleinement contemplés par les politiques de l’Éducation de l’Enfant. Nous avons adopté les apports théoriques fournis par les nouvelles études sur l’enfance, qui cherchent à rompre avec des conceptions naturalisantes et centrées sur les adultes, ainsi que par la production académique des chercheuses françaises Bloch et Buisson (1998, 1999) , sur le procès de choix de couples par des modalités d’éducation de l’enfant, analysé, par elles, à partir de la perspective des relations intergénérationnelles et de genre. Basés sur l’utilisation de techniques d’analyse de contenu, nous présentons les résultats, qui valident notre hypothèse initiale, autour de cinq axes interprétatifs: les contextes sociaux des interviewées; des conceptions à propos du bébé et du petit enfant; des modalités d’éducation et soins pour les bébés; des responsabilités de l’État et de la société; des aspects intergénérationnels.

Mots-clés: bébé; crèche; éducation de l’enfant; enfance; classes moyennes.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________13

CAPÍTULO 1 – CONSTRUÇÃO DO OBJETO ___________________________18

CAPÍTULO 2 – TEORIAS E MÉTODO_________________________________32 2.1 Teorias

2.1.1 Infância e seus estudos contemporâneos__________________________32 2.1.2 Teoria sobre a dádiva__________________________________________49 2.2 Método

2.2.1 Hermenêutica de profundidade__________________________________70

CAPÍTULO 3 - CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO_________________________78 3.1Educação e cuidado da criança pequena no Brasil contemporâneo________79 3.1.1 Famílias contemporâneas_______________________________________79 3.1.2 Conciliação entre trabalho e educação e cuidado das crianças pequenas________________________________________________________83 3.1.3 Consensos e dissensos envolvendo as políticas e práticas de Educação Infantil __________________________________________________________87 3.1.4 Demanda por modalidades de Educação Infantil_____________________95

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CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________196

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________200

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INTRODUÇÃO

A pesquisa, base desta tese de doutorado1, teve como objetivo descrever e

interpretar discursos de mães das camadas médias sobre o bebê, sua educação e cuidado.

Neste estudo, estamos considerando bebê uma etapa da vida, um momento da pequena infância que inclui as crianças recém-nascidas ou de poucos meses, as crianças menores de 1 ano de idade, definição esta encontrada nos principais dicionários de Língua Portuguesa2.

A hipótese subjacente ao nosso trabalho foi a de que ainda prevalece, na sociedade brasileira, uma concepção de criança pequena (considerada imatura, frágil, dependente) que vincula o bebê ao espaço privado (GALVÃO, 2008; LIMA, 2004). Essa concepção mantém relações discriminatórias de idade - com as crianças de 4 e 5 anos podendo freqüentar a pré-escola enquanto poucas crianças menores de 3 anos freqüentam creche -, além de sustentar a invisibilidade do bebê no plano social, dificultando que seus direitos à educação sejam plenamente contemplados pelas políticas de Educação Infantil (EI).

Notamos que, em geral, no Brasil, pouca atenção vem sendo dada às necessidades dos bebês pelas políticas públicas, em especial, pelas educacionais. O baixo investimento em creches, quando comparado aos recursos alocados para outros níveis educacionais, vem revelando descaso com essa população.

Focamos, neste estudo, discursos sobre o bebê, sua educação e cuidado proferidos por mães pertencentes às camadas médias e com escolaridade superior, residentes em São Caetano do Sul3 e que, potencialmente, poderiam optar pela creche como modalidade de EI para seus filhos e/ou recomendá-la também para outros bebês.

1 Neste trabalho, ainda não são adotadas as novas regras da Reforma Ortográfica.

2 Consultamos também três dicionários de Psicologia e dois dicionários de Educação, mas somente encontramos definição para o termo bebê em um dos dicionários de Psicologia (DORSCH, 2008) pesquisados. Segundo esse dicionário, bebê é a criança (lactente) até o 2º mês de vida. Como essa definição nos pareceu mais restrita, preferimos adotar, nesta tese, as definições dos dicionários de Língua Portuguesa.

3 Município do ABC paulista de 144.857 habitantes (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO

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A opção pela análise de discursos de mães pertencentes às camadas médias se deveu não somente à constatação de que muitos estudos sobre EI focam suas análises na população de baixa renda, de que mães com maior escolaridade e renda tendem mais a optar por modalidades coletivas de educação para seus filhos (CARVALHO, KAPPEL, KRAMER, 2001; CEDEPLAR/UFMG, 1999; IBGE, 2007, 2009; IPEA,1999, entre outros estudos), mas também na hipótese de que, mesmo em um contexto de ausência de carência pessoal e social, vivendo em uma cidade com maior investimento em EI e melhores indicadores sociais, prevaleça, nos discursos das entrevistadas, uma concepção de bebê vinculada, prioritária ou exclusivamente, ao espaço doméstico, à esfera do privado.

No Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI), grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), temos adotado como referencial teórico para nos auxiliar em nossas análises e interpretações envolvendo concepções sobre bebês e relações de idade, os novos estudos sobre a infância, com destaque para os paradigmas propostos, especialmente a partir da década de 1990, pela Sociologia da Infância (MONTANDON, 2001; SARMENTO, 2007; SIROTA, 2001), que, ao considerarem a criança como ator social e a infância como categoria construída sócio-histórica e culturalmente, rompem com concepções adultocêntricas e naturalizantes.

De forma complementar, utilizamos também como referencial teórico nesta tese, a produção acadêmica das pesquisadoras francesas Bloch e Buisson (1998, 1999) sobre o processo de escolha de casais por modalidades de educação e cuidado infantil, analisado por elas, sobretudo, de uma perspectiva de gênero e do ponto de vista intergeracional.

Embora as autoras francesas apresentem uma abordagem importante, ela não nos pareceu suficiente para servir como referencial teórico principal, pois mesmo comentando que a escolha por modalidades de EI também é influenciada pelo que os pais desejam ou têm como expectativas para seus filhos(as)4, elas

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deixaram de lado em suas análises as novas concepções sobre criança pequena e bebê.

Assim, para além da compreensão proposta por Bloch e Buisson (1998, 1999) que centraram seu olhar na mulher, focalizamos nossa atenção na apreensão de componentes das concepções sobre o bebê, sua educação e cuidado que podem estar orientando escolhas por determinadas modalidades de EI.

Como essas escolhas dependem também de como se concebe a criança pequena e não apenas a mulher, o homem e o filho, nos pareceu adequado adotar como teoria principal, nesta análise, os estudos contemporâneos sobre infância, já que estamos considerando relações de idade, voltando nosso foco para o bebê, o bebê compreendido enquanto uma etapa da vida, um momento da pequena infância, enquanto criança (puer) e não somente enquanto filho (filius).

No âmbito desta tese, pesquisar os discursos de mães sobre o bebê e modalidades de educação e cuidado foi, também, procurar compreender se as escolhas por determinados tipo de atendimento às crianças é influenciada, ou não, pela pouca oferta de modalidades coletivas, como creches, por exemplo.

Como ressaltam Bloch e Buisson (1999):

[...] é necessário ainda que essa escolha [da modalidade de educação e cuidado infantil] seja efetivamente possível. Ao [...] disponibilizar seu auxílio para desenvolver tal ou tal tipo de modalidade de guarda e favorecendo o acesso a estes últimos a certas camadas sociais, os poderes públicos podem assumir um papel não negligenciável nas capacidades de que dispõem os pais para modificar as práticas sociais [...]. (p. 27, tradução nossa).

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Para o NEGRI, sem que a sociedade brasileira reconheça, efetivamente, o direito da criança pequena de ser cuidada e educada em ambiente social mais amplo que a família, dificilmente esse direito se tornará prioridade nas agendas de políticas públicas. Complementarmente, para que políticas públicas, visando facilitar a conciliação entre vida familiar e trabalho, possam ser implementadas, se faz necessário que a sociedade brasileira reconheça o direito das famílias de dividir com o Estado, e com a sociedade em geral, caso desejem, as responsabilidades pela educação e o cuidado das crianças pequenas.

O estudo de discursos sobre o bebê, sua educação e cuidado ganha relevância quando se pensa, também, na necessidade de avaliação dos serviços oferecidos à criança pequena, e à sua família no Brasil, permitindo que se venha a comparar o que é oferecido ao que as famílias gostariam que fosse, possibilitando uma melhor análise dos projetos e programas em EI, e conseqüente adequação na formulação de políticas públicas (ROSEMBERG, 2001), visando melhorar a qualidade do que é oferecido.

A pesquisa que sustenta esta tese me possibilitou retomar questionamentos, baseados em minha prática na área da EI, além de constituir um desdobramento e um avanço em relação à minha dissertação de mestrado (LAVIOLA, 1998). O tema “EI em contexto de creche” permaneceu, bem como, a estratégia de trabalho a partir de entrevistas, enquanto a utilização das reflexões proporcionadas pelos novos estudos sobre a infância (especialmente os de: MONTANDON, 2001; ROSEMBERG, 2006b, 2006c; SARMENTO, 2007; SIROTA, 2001), do referencial teórico de Bloch e Buisson (1998, 1999) e do método da hermenêutica de profundidade (HP) proposto por John B. Thompson (2002), que orientou a estruturação do texto e a análise dos discursos das entrevistadas, me permitiu avançar.

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Em seguida, apresento a teoria sobre a dádiva tal como desenvolvida por Bloch e Buisson (1998, 1999), a partir do referencial de Marcel Mauss (1950), sobre o princípio da troca e da reciprocidade, com as autoras francesas compreendendo as escolhas por modalidades de educação e cuidado infantil, a partir de uma dinâmica de dependência intergeracional.

Finalizando o segundo capítulo, descrevo o método da HP de Thompson (2002) que orientou a estrutura desta tese, bem como, me auxiliou na análise e na interpretação da produção simbólica, no caso específico, as entrevistas, os discursos das mães.

No terceiro capítulo, abordo o contexto sócio-histórico focalizando políticas e práticas de EI no Brasil com base na revisão de literatura.

No quarto capítulo, descrevo, primeiramente, a coleta de dados e o contexto de produção das entrevistas que realizei e, na seqüência, apresento os resultados, com o conteúdo apreendido nos discursos, a partir da utilização das principais orientações da análise de conteúdo, segundo Bardin (1977) e Rosemberg (1981), e re-interpretados com base nos referenciais teóricos utilizados e no contexto sócio-histórico apresentado.

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CAPÍTULO 1 – CONSTRUÇÃO DO OBJETO

Minha opção por pesquisar discursos sobre o bebê, sua educação e cuidado, a partir da ótica de mães, é fruto, inicialmente, de meu interesse acadêmico e prático por creche.

Durante o mestrado, pesquisando o tema da sexualidade infantil por meio de entrevistas com educadoras de creche (LAVIOLA, 1998), tive a oportunidade de visitar 63 instituições públicas no município de São Paulo apreendendo realidades de atendimento bastante diversas. Tendo atuado também, por quase dois anos, como dirigente de creche na rede pública de EI no município paulista de São Bernardo do Campo, pude vivenciar o cotidiano de educação e cuidado oferecido às crianças, bem como refletir sobre as expectativas das famílias em relação à creche pública e ao atendimento prestado.

Esse contato prático com a realidade do atendimento despertou minha atenção para a insuficiente oferta de vagas, que, em geral, não dá conta da demanda quantitativa – aquela que, a princípio, poderia ser medida a partir das listas de espera para inscrições ou pela realização de cadastros específicos –, mas gerou, também, algumas questões, não menos importantes: quais seriam, na visão das mães, as melhores opções de atendimento para bebês? Que concepções sobre o bebê ou sobre como educar uma criança pequena estariam implicadas nas escolhas por modalidades de EI? Quais seriam os discursos das mães sobre a creche, em especial, sobre a creche pública?

Foi, entretanto, com o início de minha participação no NEGRI, e a partir de meu contato com a tese de doutorado intitulada A demanda5 e escolha das mães por educação infantil: um novo tema para o estudo da educação infantil, defendida, em 2004, por Maria de Fátima Evangelista Mendonça Lima, então integrante do Núcleo e também orientanda da professora Fúlvia Rosemberg, que a presente tese começou a ser esboçada.

5 No NEGRI, bem como neste trabalho, o termo demanda sempre se refere à EI e às modalidades

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Pareceu-me interessante tomar como base o estudo desenvolvido por Lima (2004), mas, ao mesmo tempo, ampliar suas discussões, investigando os discursos de mães das camadas médias, e com nível superior de escolaridade6, sobre concepções referentes ao bebê, sua educação e cuidado que poderiam estar orientando essas mulheres em suas escolhas por modalidades de EI para seus filhos(as), mas também, em seus posicionamentos sobre educação e cuidado para os bebês em geral.

Inserido na linha de pesquisa sobre EI do NEGRI, que focaliza relações de gênero e de idade (entre outras pesquisas: LAVIOLA, 1998; LYRA, 1997; PAULA, 1999; ROSENBAUM, 1998), este estudo integra o grupo de pesquisas sobre discursos sobre o bebê em um projeto coletivo. Nosso projeto coletivo envolve outras dissertações de mestrado e teses de doutorado, que também apreenderam ou procurarão descrever e interpretar concepções da sociedade brasileira contemporânea sobre bebês e modalidades de sua educação e cuidado, a partir da escuta de diversos atores sociais: homens-pais (GALVÃO, 2008), mídia (NAZARETH, 2008; PELLICER DOS SANTOS, 2009), pediatras (URRA, 2008), instituição de ensino superior (SECANECHIA, 2009).

A linha de pesquisa que focaliza discursos brasileiros sobre o bebê, sua educação e cuidado compartilha, com as demais linhas de pesquisa do NEGRI, o objetivo geral de compreender processos de construção da infância brasileira e sua incidência na elaboração da agenda de políticas públicas para esta etapa da vida humana. Porém, nossa linha de pesquisa focaliza um segmento etário específico: os bebês.

Temos como objetivo pesquisar componentes que estão envolvidos na construção da concepção por um modo considerado “ideal ou adequado” de educação e cuidado para bebês, na orientação da escolha por, e na oferta de, modalidades de educação e cuidado infantil considerando que “[...] escarafunchar as representações sociais sobre o bebê pode ser um caminho para sua visibilidade pública [...].” (ROSEMBERG, 2006b, p.3).

6 Das oito mães entrevistadas por Lima (2004), somente duas apresentavam renda familiar

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Apesar dos avanços na legislação nos últimos anos no Brasil (CAMPOS, 2009; ROSEMBERG, 2009b), na prática, a creche, enquanto espaço institucional de educação e cuidado para a criança entre 0 e 3 anos de idade - concepção que compartilho com outros gestores e pesquisadores brasileiros (BRASIL, 1995ª, 1995b, 2003; CAMPOS, ROSEMBERG e FERREIRA, 1995; HADDAD, 2006; KRAMER, 1985, entre outros) -, ainda não constitui um direito infantil universal.

O número de crianças pequenas freqüentando creche é ainda muito baixo: somente 18,1% da população brasileira na faixa etária entre 0 e 3 anos freqüentavam creche em 2008, segundo dados divulgados em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com base nos dados obtidos na Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) de 1996/1997 e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1997, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) realizou, em 1999, um estudo sobre o Desenvolvimento da Primeira Infância. Nesse trabalho, a partir dos dados coletados em 4800 domicílios brasileiros, o que mais chamou minha atenção foi o reduzido número de bebês tendo acesso a um espaço coletivo de educação e cuidado: menos de 1% do total de crianças de 0 a 6 anos residentes nos domicílios pesquisados que freqüentavam creche ou pré-escola eram menores de 1 ano.

Vários estudos brasileiros e internacionais (CARVALHO, KAPPEL, KRAMER, 2001; CEDEPLAR/UFMG, 1999; FRENETTE, 1987; IBGE, 2007, 2009; IPEA,1999; NERI, 2005; PUNGELLO, KURTZ-COSTES, 1999; RAPOPORT, PICCININI, 2004) têm mostrado que quanto maior a idade da criança, a renda domiciliar per capita e o nível de escolaridade dos pais - em especial, o das mães -, maior é a freqüência à creche.

Com relação ao nível de escolaridade das mães, a pesquisa brasileira de Carvalho, Kappel e Kramer (2001) apontou, inclusive, que a probabilidade de as crianças de 0 a 3 anos freqüentarem creche chega a 100% para as mães com mestrado ou doutorado.

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cuidados de avós ou outros parentes; contratar alguém no domicílio parental ou educar e cuidar pessoalmente do bebê em casa - é baseada,além da experiência concreta, em valores e crenças construídas a partir da interação do indivíduo com instituições e grupos sociais e culturais, e influenciada, também, pela história pessoal de cuidados e educação recebidos (BLOCH, BUISSON, 1998).

Além disso, o contexto social e a política de atendimento disponível também influenciam as escolhas por modalidades de EI. Permeadas pelas vivências ou pelo imaginário de cada família, essas escolhas não seriam, portanto, opções imutáveis ou universais (BLOCH, BUISSON, 1998, 1999; PUNGELLO, KURTZ-COSTES, 1999), o que Lima (2004) também pôde apreender em seu estudo, observando que algumas famílias mudaram, ao longo do tempo, suas opções.

Em seu estudo, Lima (2004) identificou que nem sempre o que a família utilizava enquanto instituição ou atendimento (a chamada oferta) correspondia ao que a família (mãe) demandava ou escolhia como modalidade “ideal ou adequada” para seu filho.

Lima (2004) entrevistou oito mães com filhos menores de 3 anos de idade (sendo que apenas uma entrevistada era mãe de uma criança menor de 1ano), residentes na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Quatro das entrevistadas por Lima (2004) eram mães de crianças que freqüentavam uma mesma creche conveniada, situada em um bairro de classe média e que atendia famílias de baixa renda que trabalhavam na região. As outras mães tinham escolhido outras modalidades de educação e cuidado para seus filhos, deixando as crianças em casa com outros parentes, especialmente avó ou avô, ou com a empregada.

A maioria das entrevistadas já havia experimentado outros arranjos familiares ou outras modalidades de EI tendo, por exemplo, interrompido sua atividade profissional para que pudesse cuidar da criança ou mesmo levando-a para seu local de trabalho quando possível.

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De forma geral, a pesquisa de Lima (2004) apreendeu a presença de uma forte crença materna sustentando que o bebê deve ser educado e cuidado pela mãe, impondo-se esse modelo como um ideal.

A maior parte das mães entrevistadas declarou que a criança, até a idade de 3 anos – algumas mães referiam-se à idade de 5, 6 e 7 anos – deve permanecer em casa, com a mãe ou com outro membro da família, em decorrência da sua situação de fragilidade, tanto física quanto psicológica. (LIMA, 2004, p. 133).

No estudo de Lima (2004), o foco é sempre a demanda pessoal/familiar por modalidades de educação e cuidado para os filhos. Nosso estudo, porém, se diferencia do de Lima (2004), não somente por entrevistar mães de camadas médias, com nível superior de ensino e com filhos menores de 1 ano de idade, mas também por dirigir seu foco de atenção para os discursos maternos sobre suas concepções sobre o bebê, não somente seu filho, e sobre as modalidades de EI que consideram adequadas também para outros bebês.

Procuramos escutar mães que, por serem de classe média, supostamente, teriam tido maior oportunidade de formação e por residirem em São Caetano do Sul, se encontrariam em uma situação de maior possibilidade de escolha quanto às modalidades de EI.

São Caetano do Sul aparece em 1º lugar no ranking dos municípios brasileiros no IFDM (Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal), com base em indicadores de emprego e renda, saúde e educação, especialmente analisando a oferta e qualidade do ensino fundamental e da pré-escola com base nas seguintes variáveis: taxa de atendimento no ensino infantil; taxa de distorção idade-série; percentual de docentes com curso superior; número médio diário de horas-aula; taxa de abandono escolar; resultado médio no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (FIRJAN, 2008).

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estrutura (água, luz e esgoto7), renda per capita estimada em US$ 16.500 e 35,5% de receita aplicada em Educação em 2002 (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL, 2003a, 2003b).

Embora São Caetano tenha apresentado queda no Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI)8, que variou negativamente de 0,928, em 1999, para 0,895, em 2004, segundo informações do UNICEF (2005), o município encontra-se na 59ª posição no grupo de somente 560 cidades brasileiras apresentando desenvolvimento infantil elevado (aqueles com IDI acima de 0,800). Segundo dados apresentados por Neri (2005), 40,6% das crianças de 0 a 3 anos freqüentavam creche em São Caetano (colocando o município na 16ª posição no Brasil em termos de freqüência à creche), sendo que dessas crianças, 28,1% freqüentavam creche pública e 12,5% a rede privada. Nunca haviam freqüentado creche 58,4% das crianças de 0 a 3 anos residentes no município.

O Censo Escolar de 2008 (BRASIL, 2009a), com informações mais recentes, informa também que o município apresenta 2166 crianças matriculadas em creches, sendo que 1483 freqüentam a rede municipal distribuídas em 11 Escolas Municipais Integradas (EMIs) e em três creches assistenciais. Outras 683 crianças freqüentam creches ou escolas privadas.

Em paralelo ao presente estudo que focaliza os discursos de mães residentes em São Caetano do Sul, Bárbara Radovanski Galvão (2008), em sua dissertação de mestrado, investigou as concepções de homens-pais, de camadas médias residentes no município de São Paulo, sobre criança pequena, sua educação e cuidado. Não desconsiderando a grande responsabilidade que recai sobre a mãe no processo de escolha por tipo de atendimento à criança pequena

7 São Caetano do Sul é o município brasileiro com maior taxa de acesso à rede e coleta de esgoto

(NERI, 2007b). Em 2009, atingiu 100% de coleta e tratamento.

8 O Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) é calculado pelo UNICEF, Fundo das Nações Unidas

para a Infância, com o objetivo de monitoramento da situação da primeira infância em municípios, estados e regiões brasileiras. O IDI é composto por quatro indicadores básicos: porcentagem de crianças menores de 6 anos morando com pais com escolaridade precária (até três anos de estudo); cobertura vacinal em crianças menores de 1 ano de idade (vacina tríplice contra difteria, coqueluche e tétano (DTP) e a tetravalente composta pela DTP e pela Hib (Haemophilus

influenzae tipo b); proporção de gestantes com mais de seis consultas pré-natais; porcentagem de

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(BLOCH, BUISSON, 1998, 1999; PUNGELLO, KURTZ-COSTES, 1999), mas visando apreender a influência ou participação paterna nessas decisões, o trabalho de Galvão (2008) mostrou-se relevante e complementar a esta investigação.

Os seis homens-pais entrevistados por Galvão (2008) apresentaram discurso sofisticado sobre a educação e o cuidado em relação aos seus próprios filhos, mas poucas reflexões sobre e mobilização por EI em ambientes coletivos e públicos. O foco dos discursos foi o próprio filho pequeno no âmbito privado e doméstico, embora a pesquisa tenha tido como objetivo dar voz aos homens-pais, especialmente, no que se referia aos bebês, sua educação e cuidado em espaços coletivos.

Galvão (2008) também apreendeu, nos discursos de seus entrevistados, uma oposição entre um discurso genérico que diria respeito ao conjunto de homens-pais e um discurso mais pessoal, com um posicionamento mais específico sobre a forma de cada um agir ou pensar. A pesquisadora observou que seus ideais de educação e cuidado para os filhos pequenos envolvem conceitos “modernos” que valorizam: a participação do homem-pai no cuidado (com maior presença do pai nos cuidados diários com o filho); a autonomia do filho; a promoção do convívio entre crianças de mesma idade; o rompimento com padrões anteriores de exercício da paternidade (os homens-pais entrevistados procurando se diferenciar da postura de seus próprios pais, por exemplo).

Importante destacar, também, que os homens-pais entrevistados por Galvão (2008) diferenciam nitidamente bebê e criança pequena e que essa diferenciação, para eles, não se dá pela idade, mas sim pelo desenvolvimento das competências. “Enquanto o bebê se caracteriza pela dependência acentuada, a criança pequena se diferencia pela capacidade de comunicação.” (p. 92).

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em prédio limpo e adaptado às necessidades das crianças e que promove a socialização entre pares.

Questionados sobre suas concepções sobre a creche pública, esses pais, provenientes das camadas médias, associaram-na às classes menos favorecidas. O termo creche é mal visto por eles e, em geral, associado somente ao cuidado com a criança e não orientado por objetivos educacionais. A pesquisa de Galvão (2008) revelou forte rejeição dos serviços públicos pelos homens-pais de camadas médias.

Além das concepções dos adultos sobre o bebê e sobre as modalidades de EI, deve-se levar em conta, também, a oferta, ou seja, o número de vagas disponíveis em estabelecimentos públicos, nas diferentes regiões geográficas brasileiras e locais de inserção ou localização do domicílio, e a qualidade do atendimento oferecido.

No período de 1998 a 2008, o atendimento em creches cresceu somente 9,4% segundo dados do IBGE (2009). O crescimento pouco acelerado do atendimento, nessa etapa da educação básica, coloca em xeque a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE) de atender 50% das crianças dessa faixa etária em 2011.

As políticas de EI implementadas no Brasil parecem não convergir para os direitos ou expectativas e necessidades dos principais interessados, crianças pequenas e famílias, especialmente mães. Não se trata da ausência de políticas voltadas para a infância, mas sim como esses direitos e necessidades de bebês e de suas famílias aparecem na agenda de políticas públicas9.

No NEGRI, temos recorrido à produção sobre construção de problemas sociais (BEST, 1987, 2008; HILGARTNER, BOSK, 1988; LAHIRE, 2005; OSZLAK, O’DONNELL, 1976) em nossas análises e interpretações sobre como a agenda de políticas públicas é negociada e construída, isto é, como os problemas sociais são

9 As políticas públicas englobam várias políticas específicas como, por exemplo, política

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hierarquizados ou considerados prioritários para investimento de recursos e/ou implementação de ações.

Segundo a definição proposta por Oszlak e O’Donnell (1976), política pública pode ser conceituada como: “[...] um conjunto de ações e omissões que manifestam uma determinada modalidade de intervenção do Estado em relação a uma questão que incita a atenção, interesse ou mobilização de outros atores na sociedade civil.” (p. 25, tradução nossa).

Para Oszlak e O’Donnell (1976), a política pública se insere em uma estrutura de arena de negociações, onde ocorre debate e embate entre uma multiplicidade de operadores/atores sociais10 (mídia, igrejas, movimentos sociais, organizações multilaterais, especialistas, juristas, academia etc.) com desiguais oportunidades de participação, que representam numerosos e contraditórios interesses, em uma perspectiva dinâmica, em um jogo de conflitos e tensões.

A política pública é o produto de uma arena: onde consensos e legitimidades devem ser construídos. Vivemos em situações de interlocuções plurais, competitivas, polêmicas, assimétricas, pois há muitos grupos sociais que por discriminação e exploração não conseguem incluir seus problemas na agenda de Governo. (AGUILAR, 2006, p. 38, tradução nossa).

Na constituição da agenda de políticas públicas, a hierarquia dos problemas sociais a serem enfrentados/resolvidos é estabelecida a partir de jogos de interesse, do poder social, econômico e político dos atores, alguns mais “visíveis” que outros, com status diferenciados e marcados por hierarquias de gênero, raça, idade e classe. Os grupos dominantes apresentariam maior poder de barganha e de negociação do que os grupos mais “invisíveis” que, nem sempre, participam das negociações ou são ouvidos sobre temas de seu interesse.

Cada um desses atores sociais não constitui, entretanto, um grupo monolítico. Coexistem contradições e conflito de interesses, tendências diversas e divergências nas instâncias onde atuam os atores. Nem o Estado, nem a sociedade civil, nem as instituições são homogêneos. São nessas fissuras e na

10 Hilgartner e Bosk (1988) utilizam o termo ator, enquanto Oszlak e O’Donnell (1976) utilizam o

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correlação de forças entre os vários grupos que se encontram espaços de negociação. Compreendemos, portanto, que essas contradições e conflitos de interesses11 são constituintes da construção de problemas sociais.

Hilgartner e Bosk (1988) sugerem caminhos para o estudo dos fatores e forças que direcionam a atenção pública para alguns problemas ou desviam-na de outros. Segundo esses autores, cada problema social compete com outros problemas por atenção pública. Para eles, um problema social é “[...] uma dada condição ou situação suposta, presumida, que é nomeada ou rotulada como um problema nas arenas públicas de discurso e ação”. (p.55, tradução nossa).

Partimos da idéia de que o reconhecimento social de uma dada necessidade é importante, já que implica a mobilização de recursos para atendê-la. Como os recursos são finitos e as demandas, por sua vez, infinitas, se um problema não tem visibilidade social, dificilmente receberá investimentos. Se não vai para a agenda, não vira política pública.

A agenda de políticas públicas prioriza o que é considerado como necessidade objetiva ou simbólica, o que é reconhecido, ou não, como necessidade social. Os problemas sociais podem ser construídos a partir de necessidades objetivas, mas também a partir de necessidades não concretas, já que são projeções de sentimentos coletivos, são construídos subjetiva e simbolicamente, não se constituindo, portanto, em um espelho real de condições objetivas de existência (HILGARTNER, BOSK, 1988).

Pode-se, pois, aventar que nem todos os problemas têm o mesmo apelo. Aparentemente, alguns segmentos etários (bebês, crianças pequenas) e instituições (como a creche) não vêm recebendo a mesma atenção que outros. Para o NEGRI, certos temas, como “menino de rua”, “prostituição infanto-juvenil”, “gravidez adolescente”, obtiveram visibilidade midiática, passando a orientar as políticas públicas, na medida em que conseguiram espaço na agenda, receberam recursos e motivaram o desenvolvimento de políticas específicas. Esses temas

11 A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990 (BRASIL, 2005), reflete bem

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têm conseguido, nos últimos anos, despertar a atenção social e alimentar a política espetáculo (ROSEMBERG, 2005b).

Fragmentando a pobreza, e também a infância e adolescência, em subgrupos, canalizam-se olhar e recursos para programas específicos de atendimento, desconectando-os de uma política social mais abrangente voltada para o conjunto de crianças e de adolescentes12.

Na perspectiva do NEGRI, a agenda de políticas públicas para a infância não é uma agenda que prioriza o combate à desigualdade. Para nós, a agenda deveria adotar mais políticas universalistas de educação e menos políticas focalizadas em subgrupos considerados “anômicos”. Não será através de ações focadas em segmentos que se combaterá a desigualdade, pois esses subgrupos são formas muito específicas de expressão da pobreza.

Por isso, consideramos fundamental que os direitos das crianças pequenas, incluindo creches de qualidade, ocupem um papel mais importante na agenda e nas prioridades públicas.

A ausência de poder de barganha por parte dos bebês parece fazer com que uma necessidade que para nós do NEGRI é uma necessidade social não obtenha reconhecimento social, nem espaço na agenda. A pequena infância não tem cidadania plena, não tem direito a voto e são os adultos que se dão o direito de falar em nome das crianças e que formulam propostas para a infância. Desse modo, elas permanecem invisibilizadas na cena pública.

[...] O que importa aqui acentuar é o fato de que as crianças privadas de direitos políticos diretos tendem a ser, em conseqüência da sua ausência forçada da cena política representativa (governo, parlamento, câmaras municipais etc.), invisibilizadas enquanto atores políticos concretos. (SARMENTO, 2007, p. 37).

As reflexões e pesquisas do NEGRI têm partido de algumas pistas ou hipóteses que podem estar associadas à invisibilidade política do bebê em nossa sociedade (ROSEMBERG, 2006b, 2006d):

12 É importante ressaltar que muitas políticas sociais específicas foram dirigidas às crianças e

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• a sociedade ainda parece considerar o bebê ou a pequena infância como um tempo social relativo à esfera privada (família, casa) e não à esfera pública, concebendo-a como dimensão da vida reprodutiva e não da vida produtiva. A criança pequena guardada em espaços fechados não tem tanta visibilidade pública enquanto geração;

• apesar de poucos bebês e crianças pequenas freqüentarem creches, se relacionando com outros adultos e crianças não pertencentes às suas famílias, o convívio das crianças em instituições específicas para elas acaba escondendo-as também, de certo modo, da esfera pública;

• os adultos não conseguem decodificar amplamente a comunicação dos bebês;

• os brasileiros adultos, formadores de opinião, parecem não ter experiências concretas13 com espaços institucionais coletivos para educação e cuidado de crianças pequenas. As imagens que fazem desses espaços são alimentadas por representações arcaicas e suspeitosas, muitas vezes associadas à roda de expostos, ao abandono, ao orfanato, aos maus-tratos ou à falta de atenção;

• as mídias não têm contribuído14 para ampliar a visibilidade de bebês em outros espaços sociais além da casa. Além disso, crianças pequenas são modelos para produtos usados em espaço doméstico e, geralmente, são retratadas em matérias na mídia, quase sempre, associadas à condição de vítima em situações de tragédia15 no espaço privado e/ou público e em abordagens sensacionalistas que mobilizam a sociedade no sentido do espetáculo16;

13 Nenhum dos homens-pais entrevistados por Galvão (2008) vivenciou, quando criança,

experiências em creches ou outros espaços coletivos de EI.

14 Apesar da realização de estudos (BRASIL, 1995a; ZABALZA, 1998) sobre o que seria um

atendimento de qualidade que respeitasse os direitos das crianças, a mídia (uma fonte de informação poderosa e acessível para muitas famílias brasileiras) não vem abordando ou divulgando adequadamente bons parâmetros para avaliação da EI (LIMA, 2004).

15 Os entrevistados de Galvão (2008) também citaram notícias veiculadas pela mídia envolvendo

babás e creches em situações de maus-tratos ou tragédias.

16 Estudos do NEGRI (ANDRADE, 2001; BIZZO, 2008; FREITAS, 2004) vêm apontando, também,

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• a redução do número de nascimentos e o aumento da esperança de vida parecem tornar muito curta a duração da pequena infância na trajetória de vida familiar17. Para um bebê aqueles anos são a vida toda, mas para suas famílias e sociedade não;

• a sociedade ainda associa intensamente bebês e crianças pequenas às mulheres, segmento social com ainda menor poder de atuação ou negociação política que os homens;

• as famílias, por ocasião do nascimento e dos primeiros anos de vida do bebê, vivenciam um momento de maior intimidade e fragilidade, voltadas para suas necessidades próprias, se adaptando à nova composição familiar, muitas vezes, ainda, procurando se inserir no mercado de trabalho e conquistar autonomia, com maior dificuldade para participar de ações políticas;

• a sociedade ainda associa o bebê exclusivamente à condição de filho e não o reconhece plenamente como criança cidadã. “Não votando nem sendo eleitas, as crianças são tematizadas fora do quadro do referencial de destinatários políticos, designem-se eles como ‘cidadãos’, ‘contribuintes’ [...] ou mesmo ‘povo’. (SARMENTO, 2007, p.38).

Para além da invisibilidade pública do bebê na sociedade brasileira, apreendemos, também, a invisibilidade da necessidade de se conciliar trabalho e atividades familiares e de se diminuir a desigualdade entre homens e mulheres no que tange aos cuidados e à educação de crianças pequenas.

A maior parte dos estudos sobre escolha por modalidades de EI, concepções sobre creche ou avaliação da qualidade do atendimento oferecido às crianças pequenas, que apresentaremos no capítulo 3, tem entrevistado famílias ou pais de camadas populares, enfocando, sobretudo, itinerários pessoais/familiares de escolha e compreendendo o bebê e a criança pequena enquanto filhos. Daí, a

associada na mídia à violência, à sexualidade, à exploração, ao trabalho e ao abandono (BIZZO, 2008). E, dificilmente, a voz das crianças é ouvida pelos jornalistas.

17 Homens-pais entrevistados por Galvão (2008) também se referiram à curta duração da pequena

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CAPÍTULO 2 – TEORIAS E MÉTODO

2.1 TEORIAS

Neste capítulo teórico, procurarei integrar dois campos de conhecimento que compartilham a desconstrução de uma naturalização de concepções sobre a criança, sua educação e cuidado.

Iniciarei, apresentando o campo de novos estudos sobre a infância com destaque para os novos paradigmas da Sociologia da Infância, e seguirei, descrevendo, brevemente, a teoria de Marcel Mauss (1950) sobre a dádiva e como vem sendo atualizada por Bloch e Buisson (1998, 1999), na interpretação de opções familiares por modalidades de educação e cuidado infantis.

2.1.1 INFÂNCIA E SEUS ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS

O ponto chave para a compreensão do que se tem conveniado denominar “novos estudos” ou “novos paradigmas” nos estudos sobre a infância é concebê-la como resultante de um processo de construção social.

Ao publicar L’enfant et la vie familiale sous l’Ancien Régime, em 196018, Philippe Ariès revolucionou a compreensão do conceito de infância, desconstruindo uma concepção, até então vigente e compartilhada, de infância natural e universal.

Ariès (1981) apontou a ausência de um sentimento de infância na Idade Média com as crianças sendo consideradas adultos em miniatura. Segundo esse autor, foi a partir dos séculos XVII e XVIII, sobretudo nas famílias burguesas, que a idéia de infância compreendida enquanto uma fase autônoma e distinta da vida adulta foi construída.

18 A primeira edição brasileira só foi publicada em 1978, tendo sido traduzida como História Social

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Embora seu trabalho tenha sofrido inúmeras críticas19, segundo Singly (1993), os estudos de Ariès (1981) constituíram um divisor de águas. Há um antes e um depois desses estudos e da apreensão do surgimento do sentimento de infância associado ao nascimento também do sentimento de família. A partir do novo lugar do filho na família e das modificações nas relações internas da família com essa criança é que essa família também se transformou.

Segundo Ariès (1981), o sentimento de infância se constrói historicamente a partir da privatização do universo familiar, da atribuição de um estatuto social à infância, do desenvolvimento de novas formas de se exercer a maternidade e a paternidade e da institucionalização das crianças, com o ingresso na escola20. A infância passa a ser objeto pedagógico com o ofício da criança passando a ser o de escolar (CHAMBOREDON, PRÉVOT, 1986).

Como apontam Ferreira (2002) e Sarmento (2007), dentre múltipas concepções sobre criança, as imagens da criança má, da criança inocente, das crianças como futuro do mundo, da criança como tábula rasa, frágil, vulnerável, amoral, imatura, irresponsável, irracional ou incapaz foram as que mais se propagaram e atingiram o senso comum, influenciando de forma direta a vivência das crianças no cotidiano.

Não é de hoje, portanto, que se reflete sobre a infância e que circulam múltiplos olhares e concepções sobre criança (BURMAN, 1999). Entretanto, como veremos mais adiante, os novos estudos sobre a infância, somente mais recentemente, têm proposto uma ruptura de paradigmas, passando a compreender a criança como sujeito e ator de seu desenvolvimento. Será que a concepção que temos sobre criança e, em especial, sobre a criança pequena está mudando?

19 Muitas críticas se basearam no fato de Ariès ter, em seus trabalhos: partido de fontes

iconográficas e tê-las considerado como expressões de atitudes e valores da época (PINTO, 1997); produzido generalizações afirmando a ocorrência de oposição entre as relações privadas, valorizadas pela família burguesa, e vida social (SNYDERS, 1984); desconsiderado a existência de manuscritos que apontavam uma diferenciação entre adultos e adolescentes já na Idade Média, o que contradizia suas afirmações (SANTOS,1996).

20 Vale lembrar, entretanto, que no Brasil, a privatização dos lares, a ênfase na intimidade e a

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O lugar da criança na sociedade brasileira terá sido sempre o mesmo? Como terá ela passado do anonimato [se é que realmente saiu do anonimato ou da invisibilidade] para a condição de cidadão com direitos e deveres aparentemente reconhecidos? Numa sociedade desigual e marcada por transformações culturais, teremos recepcionado, ao longo do tempo, nossas crianças da mesma forma? Sempre choramos do mesmo jeito a sua perda? O que diferencia as crianças de hoje, daquelas que as antecederam no passado? Mas há, também, questões mais contundentes: por que somos insensíveis às crianças que mendigam nos sinais? Por que as altas taxas de mortalidade infantil, que agora começam a decrescer, pouco nos interessam? (DELPRIORE, 2004a, p. 8).

No Brasil, em 1976, em seu texto Educação: para quem? Fúlvia Rosemberg chamava a atenção para a adoção pela Psicologia de uma postura adultocêntrica no estudo do desenvolvimento humano, compreendendo a criança sempre com base em um padrão adulto (especialmente de homem, adulto, ocidental, de classe média) a servir de referência. Desta ótica, as relações adulto-criança, e em especial adulto-bebê, seriam, de forma geral, marcadas pela subordinação da infância ao mundo adulto.

A visão adultocêntrica apreende a criança como um vir a ser, uma promessa, sobre quem é possível projetar e idealizar, como se ela já não fosse alguém com individualidade e com história. Enquanto promessa, a criança encarnaria todas as possibilidades de realizar o que os adultos ainda não puderam.

Uma das concepções idealizadoras da infância:

[...] ao invés de propor a modificação da sociedade-centrada-no-adulto, paradoxalmente, aceita ou submete-se a seu paradigma. Parte, inicialmente, da crítica à sociedade adulta corrompida e domesticadora da infância. A salvação da humanidade só seria possível pela contribuição da criança, pela preservação de suas qualidades, de sua natureza boa, ainda não corrompida, porque a-social. Não podendo enfrentar a contradição fundamental, que opõe a sociedade-centrada-no-adulto à criança, tal concepção cria o mito e protege a infância, isolando e separando-a da sociedade, recolocando-a no seu meio ideal, a natureza. (ROSEMBERG, 1976, p. 1467).

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especialmente do bebê, com os padrões adultos e de maturidade permeando a compreensão do desenvolvimento, retiram da infância seu caráter histórico e seu potencial transformador, “[...] pois cada nova infância é reconstruída à luz do paradigma adulto atual, que viveu sua infância em outro tempo histórico.” (ROSEMBERG, 1996, p. 21). Essa concepção norteou as diversas teorias da Psicologia do Desenvolvimento que deram pouca atenção ao tempo social, privilegiando o aspecto orgânico e as chamadas “etapas” do desenvolvimento, com ênfase no preparo da criança para a vida adulta, não reconhecendo a criança como ativa em seu próprio processo de socialização (bem como, no processo de socialização de outras crianças e adultos).

A infância e a criança têm sido compreendidas como dependentes devido ao seu suposto ou preconcebido “déficit” em relação ao corpo adulto e a todas as dependências consideradas como infantis (FERREIRA, 2002; ROSEMBERG, 1976) e essa forma de compreender as crianças parece ser, ainda, mais acentuada quanto menor é a criança. Essas concepções baseadas nas diferenças corporais entre adultos e crianças tendem a dualizar criança-adulto e infância-adultez.

Mesmo algumas teorias feministas, apesar de terem revolucionado os paradigmas científicos, por meio da utilização da categoria analítica gênero, desafiando a concepção essencialista e o reducionismo biológico, e considerarem as relações entre homens e mulheres como histórica, cultural e socialmente construídas, continuaram a incorporar um modelo adultocêntrico. Com base nesse olhar, segundo Rosemberg (1996), a família nuclear e as relações de parentesco permaneceram no centro desses estudos, não se compreendendo a infância fora do universo adulto edo contextoprivado.

Para várias teóricas feministas, como por exemplo, Rubin (1975 apud ROSEMBERG, 1996) e Gilligan (1992 apud ROSEMBERG, 1996) é:

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Certas teorias feministas, como as que citamos, segundo Rosemberg (2006c), apresentam uma abordagem adultocêntrica quando:

• generalizam as relações de gênero características da condição de adulto para todas as fases da vida;

• reconstroem a construção da identidade de gênero na infância partindo da bipolaridade masculino-feminino que marca a fase adulta; • opõem infância natureza X adulto cultura;

• silenciam sobre as contradições e relações de dominação entre adultos e crianças nos planos material e simbólico como, por exemplo, na hierarquia etária na definição de prioridades em políticas públicas.

Essas teorias feministas que apresentam uma abordagem adultocêntrica se mantêm coerentes frente ao eixo de dominação que querem combater – a subordinação de gênero – mas, se mantêm internamente coerentes através da naturalização e essencialização da infância.

Segundo Rosenbaum (1998, p. 104), “[...] as pesquisas sobre gênero dos anos 1990 têm orientado pouco seu olhar para a dinâmica geracional.” A proposta teórica de Bloch e Buisson (1998, 1999), que apresento no próximo tópico e que também utilizo como referencial teórico nesta tese, aporta, nesse sentido, um olhar interessante e inovador sobre a questão geracional, ao afirmar que os casais podem ou não transformar aquilo que receberam de seus pais ao escolherem modalidades de educação e cuidado para seus filhos, embora ainda se restrinja, como abordaremos mais adiante, ao âmbito da família.

Diferentemente do que pensa Martins (1993), Rosemberg (1995) considera que a sociedade contemporânea não vive o fim da infância, mas sim a subordinação da infância. Para essa autora, há uma demarcação da infância como período com necessidades específicas submetido à autoridade adulta, enquanto categoria subordinada.

Referências

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