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Inúmeras pesquisas (ARAÚJO, SCALON, 2005; BERQUÓ, 1998; BRUSCHINI, PUPPIN, 2004; BRUSCHINI, 2007; GALVÃO, 2008; GOLDANI, 1994; MACHADO, 2001; PICANÇO, 2005; ROCHA-COUTINHO, 2000; ROMANELLI, 2006; ROSENBAUM, 1998; SALÉM, 1980; SARTI, 2006; SORJ, 2005; SORJ, FONTES, MACHADO, 2007; VITALE, 2006) vêm apontando a coexistência de permanências e transformações nas famílias contemporâneas no Brasil, especialmente nos segmentos médios urbanos, não somente em termos de sua estrutura e organização, com novas configurações familiares, mas também no que diz respeito aos ideais e valores assumidos.

A composição das famílias brasileiras vem se alterando, nas últimas décadas, e embora a composição tradicional baseada em um casal e filhos ainda

80 predomine, vem crescendo o número de estruturas menores compostas por casais sem filhos, de famílias monoparentais e o número de mulheres morando sozinhas (BERQUÓ, 1998; SORJ, FONTES, MACHADO, 2007).

Os arranjos domésticos também vêm mudando. Em 2005, 30,6% das famílias residentes em domicílios particulares eram chefiadas por mulheres (BRUSCHINI, 2007; SORJ, FONTES, MACHADO, 2007).

O crescimento intenso desse tipo de arranjo familiar [famílias monoparentais chefiadas por mulheres] nos dias atuais abrange igualmente mulheres pertencentes às camadas médias urbanas. Nesse caso, uniões conjugais desfeitas ou interrompidas alteram o padrão de vida das mulheres e de seus filhos. (BERQUÓ, 1998, p. 432).

A queda da taxa de fecundidade, que atingiu 1,89 filho por mulher em 2008 no Brasil (IBGE, 2009), destaca-se dentre os fatores demográficos. Nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, a taxa é ainda mais baixa, com valores próximos a 1,5 filho por mulher. São, ainda, as mulheres com maior escolaridade e renda as que têm menor número de filhos.

Os fatores sócio-culturais e econômicos, como o novo papel das mulheres (com a busca de um projeto de vida profissional a partir dos anos 1970), a maior escolaridade (com maior acesso das mulheres à educação, inclusive às universidades) e a maior participação das mulheres no mercado de trabalho (com progressivo aumento da inserção feminina), contribuíram também para alterar o perfil das trabalhadoras brasileiras.

No período entre 1995 e 2005 “[...] a PEA/População Economicamente Ativa feminina passou de 28 para 41,7 milhões, a taxa de atividade aumentou de 47% para 53,0% e a porcentagem de mulheres no conjunto de trabalhadores subiu de 39,6% para 43,5%.” (BRUSCHINI, 2007, p.2).

As trabalhadoras, que, até o final dos anos setenta, em sua maioria, eram jovens, solteiras e sem filhos, passaram a ser mais velhas, casadas e mães45. (BRUSCHINI, 2007, p. 4).

45 Segundo Scavone (2001), mães que trabalham fora e que têm poucos filhos caracterizam o

81 Quanto maior a escolaridade feminina, maior é sua inserção no mercado de trabalho. “Em 2005, enquanto mais da metade das brasileiras, em geral, eram ativas, entre aquelas com 15 anos ou mais de escolaridade, a taxa de atividade atingia 83%.” (BRUSCHINI, 2007, p. 10).

Embora a inserção feminina no mercado de trabalho pareça irreversível e se acentue a cada ano, os cuidados domésticos e com os filhos continuam sendo atividades atribuídas, sobretudo, às mulheres. Para elas, as atividades domésticas e responsabilidades familiares apresentam um impacto maior que para os homens e dificultam a sua disponibilidade para obtenção de empregos de melhor qualidade e em tempo integral e uma maior dedicação às atividades profissionais (BRUSCHINI, 2007; BRUSCHINI, PUPIN, 2004; DELGADO, 2005; MADALOZZO, MARTINS, SHIRATORI, 2008; SORJ, FONTES, MACHADO, 2007).

As famílias compostas por casais com filhos, e que contam com a presença de outros parentes em casa, o que poderia auxiliá-las no cuidado com as crianças, vêm registrando queda nos últimos anos. “Essa mudança pode indicar que as soluções privadas para a conciliação entre trabalho e cuidados familiares que se assenta no apoio dos parentes, sobretudo nas avós, pode estar hoje menos disponível do que no passado.” (SORJ, FONTES, MACHADO, 2007, p. 9).

Além disso, as avós de hoje também apresentam mudanças em seus perfis, com maior escolaridade e inserção profissional (SORJ, FONTES, MACHADO, 2007).

Nas famílias de tendências igualitárias, nos segmentos médios, a tensão existente entre a mulher-mãe e a mulher-indivíduo pode continuar com a mulher-avó, que muitas vezes ainda trabalha, tem seus desejos e sonhos para essa etapa da vida e, ainda, ajuda no trato com as crianças da família. Essas mulheres procuram conciliar demandas eventualmente contraditórias: os projetos individuais com as reciprocidades familiares. (VITALE, 2005, p. 101).

No plano dos valores, o modelo de família mais hierarquizada, com papéis claramente demarcados e diferenciados entre adulto-criança e homem-mulher, estaria coexistindo ou sendo substituído por outro mais igualitário em termos de

82 relações entre homem e mulher, com menor ênfase ou diferenciação entre idade e sexo (VITALE, 2006; SARTI, 2006).

Vários autores (entre outros, ALMEIDA, 2007; BERQUÓ, 1998; ROMANELLI, 2006; SALÉM, 1980) apontam que indivíduos das camadas médias e com maior escolaridade tendem a expressar valores mais modernos, liberais e democráticos; a adotar novas práticas afetivas e a incorporar com maior facilidade novas formas de conduta nas relações domésticas, redefinindo a divisão sexual do trabalho e estando mais abertos às mudanças nas relações de autoridade e poder que vêm ocorrendo no interior das famílias.

[...] a vida doméstica tende a se democratizar, criando condições para a emergência e concretização de interesses individuais. Conseqüentemente, o familismo tende a ser gradativamente deslocado e substituído pelo individualismo. Nessas circunstâncias que são cada vez mais presentes nas famílias de camadas médias, a redução da autoridade do marido e do pai contribui de modo decisivo para que os filhos assimilem a posição de “sujeitos de direitos”, dentro e fora da unidade doméstica, ficando em segundo plano a condição de “sujeitos de deveres”. Assim, a ação socializadora das famílias de camadas médias, que é fruto de mudanças em sua estrutura, concorre para que o individualismo dos filhos prevaleça sobre as aspirações de cunho coletivo. (ROMANELLI, 2006, p. 87).

No Brasil, portanto, os autores vêm destacando o individualismo46 como uma característica das famílias das camadas médias. Com a valorização da qualidade das relações familiares, bem como, com a necessidade de dedicação aos filhos, de mobilização para a garantia de seu futuro e sucesso e de personalização das relações, a família se voltou mais para seu interior, na busca de realização individual para cada um de seus membros.

O valor do individualismo seria mais reivindicado por pessoas que dispõem de maior capital cultural ou social. E, para Machado (2001, p. 24), esse valor (baseado também na idéia de igualdade de direitos) seria “[...] em grande parte responsável [...] pela dessensibilização do indivíduo em relação ao seu

46 Rosenbaum (1998) pesquisando discursos sobre paternidade na revista Pais e Filhos, identificou

a revista como um dos instrumentos de divulgação de valores individualistas para famílias brasileiras das camadas médias.

83 semelhante e [...] ao seu pertencimento social, diminuindo a apreensão dos seus limites e da sua situação de compartilhamento.”

Em síntese, valores e concepções ambíguas e contraditórias parecem permear a família contemporânea, em um movimento, ao mesmo tempo, de superação e de permanência entre novos e antigos modelos, entre ideais igualitários e menos hierárquicos, entre autonomia e dependência frente ao Estado e ao parentesco, entre o desejo de individualidade e a necessidade de socialização de suas crianças.

3.1.2 CONCILIAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO E CUIDADO