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Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1

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Academic year: 2021

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DirEiTo PENAL

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ISBN 978-85-02-63541-8

Direito penal : parte geral / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia e Thaís de Camargo Rodrigues. – São Paulo : Saraiva, 2015.

1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil I. Curia, Luiz Roberto. II. Rodrigues, Thaís de Camargo. III. Título.

CDU-343 (81) Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito penal 343 (81)

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Data de fechamento da edição: 7-7-2015 Dúvidas?

Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César – São Paulo – SP

CEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SAC: 0800 011 7875 De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30 www.editorasaraiva.com.br/contato

Direção editorial Luiz Roberto Curia Gerência editorial Thaís de Camargo Rodrigues Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria

Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e Ana Cristina Garcia (coords.)

Willians Calazans de Vasconcelos de Melo Projeto gráfico Isabela Agrela Teles Veras

Arte e diagramação Isabela Agrela Teles Veras Claudirene de Moura Santos Silva Revisão de provas Amélia Kassis Ward e

Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.) Rita de Cássia Sorrocha Pereira Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva

Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro

(5)

5

Sumário

1. A CIÊNCIA PENAL 1.1. História do Direito Penal,

12

1.1.1. História do Direito Penal no Brasil,

13

1.2. Controle Social, Ciências Penais e Estado Democrático de Direito,

16

1.3. O Direito Penal,

16

1.3.1. Conceito, características e funções,

16

1.3.2. Fontes,

16

1.3.2.1. Analogia em Direito Penal,

17

1.3.3. O Direito Penal e as demais Ciências Jurídicas,

18

2. PRINCÍPIOS NORTEADORES, GARANTIDORES E LIMITADORES DO DIREITO PENAL 2.1. Princípios constitucionais e infraconstitucionais,

22

3. TEORIA DA NORMA JURÍDICO-PENAL 3.1. Teoria da Norma. A Norma Jurídico-Penal,

28

3.2. Classificação,

28

3.3. Norma penal do mandato em branco – confronto com o Princípio da Legalidade,

29

3.4. Conflito aparente de normas,

29

3.4.1. Princípio da especialidade (lex specialis derogat generalis),

30

3.4.2. Princípio da subsidiariedade (lex primaria derogat legi

subsi-diariae),

31

3.4.3. Princípio da consunção ou da absorção (lex consumens

dero-gat legi consumptae),

31

3.4.4. Princípio da alternatividade,

32

4 . VALIDADE E EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO

4.1.Conflito de leis penais no tempo,

34

4.2. Leis excepcionais e leis temporárias,

34

4.3. Tempo do crime,

35

(6)

4.4. A lei penal no espaço,

36

4.4.1. Foro competente,

36

4.4.2. Territorialidade da lei penal (CP, art. 5º),

37

4.4.3. Extraterritorialidade da lei penal (CP, art. 7º),

37

4.4.3.1. Condições aplicáveis aos casos de extraterritorialidade condicionada,

39

4.4.3.2. Extraterritorialidade na Lei de Tortura,

39

4.4.3.3. Princípio do non bis in idem (CP, art. 8º),

39

5. TEORIA DO DELITO 5.1. O caráter fragmentário do Direito Penal,

42

5.2. Conceito de crime,

42

5.2.1. Conceito material e formal,

42

5.2.2. Conceito analítico,

42

5.3. Sistemas penais e os elementos constitutivos do crime,

44

5.4. O sistema clássico (ou sistema “Liszt/Beling/Radbruch”),

44

5.4.1. Críticas ao sistema clássico,

45

5.4.2. Resumo dos elementos do crime para os “clássicos”,

47

5.5. Sistema neoclássico (Frank/Mezger),

48

5.5.1. Resumo dos elementos do crime para os “neoclássicos”,

49

5.6. Sistema fi nalista (Hans Welzel),

49

5.6.1. Teoria finalista da ação,

51

5.6.2. Estrutura do crime no sistema finalista,

51

5.6.2.1. Fato típico,

51

5.6.2.2. Ilicitude,

52

5.6.2.3. Culpabilidade,

52

5.6.3. Teoria social da ação (Wessels e Jescheck),

52

5.7. Sistema funcionalista,

53

5.7.1. Introdução,

53

5.7.2. Imputação objetiva,

54

5.7.2.1. Conceito,

54

5.7.2.2. Origem,

54

5.7.2.3. Substituição da relação de causalidade material,

55

5.7.2.4. Insuficiência das teorias tradicionais,

56

5.7.2.5. Natureza jurídica,

57

(7)

Direito Penal

7 5.7.3.1. Criação de um risco relevante e proibido,

58

5.7.3.2. Realização do risco proibido e relevante no resultado,

59

5.7.3.3. Risco compreendido no alcance do tipo,

60

5.7.4. A imputação objetiva segundo Jakobs,

60

5.7.4.1. A imputação objetiva é vinculada a uma sociedade concretamente considerada,

60

5.7.4.2. O contato social gera riscos,

61

5.7.4.3. A imputação objetiva enfoca apenas comportamentos que violam determinado papel social,

61

5.7.4.4. Fundamentos da imputação objetiva,

61

5.7.5. Diferenças entre Roxin e Jakobs no contexto da teoria da im-putação objetiva,

63

5.7.6. Regras extraídas da imputação objetiva (Damásio de Jesus),

63

5.7.6.1. Princípios auxiliares,

64

6. DO FATO TÍPICO E SEUS ELEMENTOS 6.1. Fato típico,

66

6.2. Conduta,

66

6.3. Resultado,

66

6.3.1. Classificação dos crimes quanto ao resultado naturalístico,

67

6.3.2. Classificação dos crimes quanto ao resultado jurídico,

67

6.4. Relação de causalidade,

68

6.4.1. Causas dependentes e independentes,

69

6.5. Tipo penal, tipicidade e adequação típica,

71

6.5.1. Conceito,

71

6.5.2. Adequação típica,

72

6.5.3. Tipicidade conglobante,

73

6.6. Dolo,

73

6.7. Culpa,

74

7. ILICITUDE 7.1. Conceito, teorias,

76

7.2. Causas de justificação. Descriminantes legais, supralegais e putativas,

76

7.3. Estado de necessidade,

77

7.3.1. Teorias,

77

7.3.2. Faculdade ou direito,

77

7.3.3. Requisitos,

77

(8)

7.3.4. Classifi cação,

79

7.4. Legítima defesa,

80

7.4.1. Requisitos,

80

7.4.2. Commodus discessus,

83

7.4.3. Excesso,

83

7.4.4. Classificação,

83

7.4.5. Ofendículos,

84

7.4.6. Diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade,

84

7.5. Estrito cumprimento de dever legal,

85

7.6. Exercício regular de direito,

85

8. CULPABILIDADE 8.1. Conceito, natureza e fundamento jurídico,

88

8.2. Elementos da culpabilidade na concepção fi nalista,

88

8.2.1. Imputabilidade,

88

8.3. Causas de exclusão da culpabilidade,

89

8.4. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de ex-clusão da culpabilidade,

92

9. TEORIA DO ERRO

9.1. Conceito de erro. Distinção entre erro de tipo e erro de proibição: natureza jurídica e efeitos,

96

9.2. Erro de tipo essencial e acidental,

96

9.2.1. Erro de tipo essencial,

97

9.2.2. Erro de tipo incriminador (art. 20, caput) e permissivo (art. 20, § 1º). Diferença,

97

9.3. Descriminantes putativas e as teorias extremada e limitada da cul-pabilidade,

97

9.4. Erro provocado por terceiro, erro sobre o objeto, erro sobre pessoa, erro na execução (aberratio criminis),

98

9.5. Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis),

100

9.6. Erro de proibição,

101

9.6.1. Coação moral irresistível putativa e obediência hierárquica putativa,

101

9.6.2. Erro sobre a inimputabilidade,

101

10. CONCURSO DE PESSOAS 10.1.Conceito e nomenclatura,

104

(9)

Direito Penal

9 10.2.Teorias e requisitos do concurso de pessoas,

104

10.3. Autoria,

105

10.4. Participação,

106

10.5. Concursos em crimes culposos,

106

10.6. Homogeneidade de elementos subjetivos,

107

10.7. Participação de menor importância e dolosamente distinta,

107

(10)
(11)
(12)

1.1

HiSTÓriA Do DirEiTo PENAL

Desde a Antiguidade até hoje verifi camos grandes mudanças nos institutos criminais. Se analisarmos a pena, por exemplo, podemos tra-çar a seguinte evolução: perda da paz ou vingança indeterminada, vin-gança limitada pela lei do talião, composição voluntária, composição legal e pena pública (BRUNO, 1956, p. 70 e 71).

Conforme ensina Aníbal Bruno, nas sociedades antigas, onde ainda não havia um órgão que exercesse a autoridade coletiva, o res-peito às normas era baseado no temor religioso ou até mesmo má-gico. E a punição, que era a vingança, visava aplacar a ira dos deuses (BRUNO, p. 66).

A religião sempre esteve muito presente no Direito Penal. Algumas normas podem servir de exemplo: Leis de Manu, Índia, sécs. 12 ou 13 a.C., e Pentateuco ou Torá, dos hebreus, 1250 a.C. Até hoje normas com cunho religioso são utilizadas pelo Direito Penal de inúmeros países, em especial os orientais.

Remontando às sociedades mais primitivas, a vingança privada era um ato de guerra entre tribos e não uma pena (BRUNO, p. 68). Entre os membros do grupo a pena era a expulsão, e essa pena equivalia à pena de morte, pois difi cilmente o indivíduo conseguiria sobreviver fora dos domínios de proteção e cooperação de seu clã.

Procedendo dessa maneira poderia haver a completa dizimação de grupos inteiros. Surge, assim, a lei do talião, visando aplicar certa pro-porcionalidade ao Direito Penal. Como exemplo, podemos citar o Códi-go de Hamurabi, Babilônia, 2.083 a.C.

Da vingança o Direito Penal evoluiu para a composição. Por esse método o autor do delito “comprava” a sua liberdade. Em vez da vin-gança de sangue era oferecido um valor sufi ciente para “cobrir” os danos sofridos pela vítima.

Podemos afi rmar que o Direito Penal surge com o homem e o acompanha através dos tempos. No início era apenas uma realidade sociológica, instintiva. Não havia qualquer regulamentação e a punição por um crime era baseada na vingança privada. A reação da vítima, de sua família ou até de sua tribo ou clã, atingia não apenas o ofensor, mas todo o seu grupo, sem qualquer proporção. Com o passar do tempo surge a lei do talião, baseada no “olho por olho, dente por dente”, buscando equilíbrio entre crime e castigo. Ao longo dos séculos a evo-lução foi lenta. Apenas após o século XVIII, Período Humanitário, é que o Direito Penal passa a tomar os contornos do que conhecemos hoje.

CurioSiDADE

Detalhe do Monólito com o Código de Hamurabi (Museu do Louvre, França) Vigiar e Punir,

Mi-chel Foucault. Pu-blicado original-mente em 1975, na França, é de-dicado à análise da vigilância e da punição, que se encontram em várias entidades estatais (hospitais, prisões e escolas). Leva à discus-são sobre os suplícios, a tortura e as formas modernas de prisão.

Dos delitos e das pe-nas, Cesare Beccaria. A obra é um marco do Direito Penal, rompendo com a arbitrariedade e a crueldade e abrindo as portas para o período humanitário.

BiBLioTECA

o segredo dos seus olhos, direção de Juan José Campa-nella, 2009. O fi lme trata de um crime bárbaro, levando à refl exão sobre punição estatal, proporcionalida-de e vingança privada.

(13)

Direito Penal

13 Porém, todos esses métodos são de ordem privada. Com a evolução social e uma maior organização estatal, aproximadamente a partir do séc. XII, o Estado afastou a vingança privada e assumiu o poder-dever de aplicar a vingança pública. Torna-se dever do Estado manter a ordem e

fazer justiça.

As partes envolvidas perdem o direito de buscar por si próprias uma solução. A nova postura é submeter-se a um poder externo, que é o Estado. Este substitui a vítima durante o processo.

Até o advento do período humanitário, essa justiça estatal era mar-cada pela influência religiosa, pela arbitrariedade dos processos e pela crueldade das penas.

Durante a Idade Média e a Moderna, o direito visava a proteção do príncipe e da religião. Suas práticas eram baseadas no arbítrio e na crueldade, criando uma “atmosfera de incerteza, insegurança e justi-ficado terror” (BRUNO, p. 86). O direito era instrumento para que a nobreza e o clero permanecessem no poder político e econômico.

A ausência de proporcionalidade ou respeito à dignidade humana era vista na desigualdade de punição entre nobres e plebeus, na inde-terminação das penas e na definição dos crimes, na falta de publicidade no processo, na ausência de defesa e nos meios inquisitoriais (BRUNO, p. 86).

Esses excessos criaram na consciência comum a exigência da ime-diata reforma das leis penais, e assim inicia-se o período humanitário.

Personagem mais importante desse período é sem dúvida Cesare Beccaria, que publicou em 1764 a obra Dos delitos e das penas. Essa obra é um marco no Direito Penal, pois visava romper com o direito vigente, baseado em suplícios e no arbítrio dos reis.

Vivendo sob a égide do Iluminismo – de cunho racionalista e jus-naturalista – podemos afirmar que Beccaria sofreu a influência de filó-sofos como Locke, D’Alembert, Diderot, Hume, Montesquieu, Rousseau e Voltaire.

Beccaria propunha um direito baseado no respeito à personalidade humana. Ele defendia a elaboração de leis claras e precisas, penas pro-porcionais e o fim da pena de morte e da tortura.

As ideias de Beccaria foram aceitas e incluídas, mesmo que de modo ainda embrionário, na legislação de diversos países, como Rússia (1767), Toscana (1786), Áustria (1787), França (1791 e 1810) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) (FRAGOSO, 1959, p. 43 e 44).

1.1.1 História do Direito Penal no Brasil

O Direito Penal brasileiro sempre recebeu influência do direito pe-nal europeu, em especial dos italianos e alemães.

Sombras de Goya, dire-ção de mi-los Forman, 2007. O filme retrata o di-reito penal do período das inquisi-ções, com completo desrespeito aos princí-pios penais, especialmente da dig-nidade humana e da legalidade.

As Bruxas de Salem, direção de Nicholas Hytner, 1996. O filme mostra a influência da religião no Di-reito, quando algumas

jo-vens são acusadas de bruxaria. O filme se passa em Salem, Massa-chusetts, 1692.

CiNEmATECA

ordália, prática comum du-rante a Idade Média, é um tipo de prova arbitrária e cruel usada para determinar a culpa ou a inocên-cia do acusado, cujo resultado é interpretado como um juízo divino. Exemplo: o acusado precisava an-dar sobre a brasa ou pegar um fer-ro incandescente. Se não se quei-masse, seria considerado inocente.

CurioSiDADE VoCABuLário

suplícios: punição corporal que pode levar à morte por meio de grande tortura; castigo ele-vado.

sob a égide: sob a proteção, amparo ou patrocínio.

(14)

O Livro V das Ordenações Filipinas, de 1603, foi a legislação penal utilizada no Brasil durante o período colonial. Essa legislação refletia o espírito dominante à época, que não distinguia o direito da moral e da religião.

Outra característica das Ordenações é a extrema crueldade das pe-nas, que também eram um refl exo da época, duramente combatida por Beccaria e outros iluministas.

Como se viu acima, a pena para sodomia, por exemplo, era extre-mamente desumana. O texto original dizia: “Toda a pessoa, de qualquer

qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira comet-ter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória”.

No Brasil temos o exemplo de Tiradentes, que foi condenado à morte pelo crime de lesa-majestade, e, após ser enforcado, teve seu cor-po esquartejado e seus membros fi ncados em cor-postes e colocados à beira das estradas como “exemplo” para os demais súditos da coroa. Era a in-timidação pelo terror.

O Direito Penal desse período era visto como primeira ou única opção. As condutas hoje abarcadas por outras áreas do direito, como o administrativo ou civil, recebiam tratamento penal. Ex. Título LXXXI – Dos que dão música de noite (pena de prisão por 30 dias, multa e perda dos instrumentos musicais e armas).

Outra característica que merece ser comentada é a interferência da

qualidade do autor na defi nição da pena. Ex. Título XXXIII – Dos

ru-fi ões e mulheres solteiras. A pena era de açoite, multa e degredo para a África. Porém, se o homem fosse escudeiro, a pena seria de multa e degredo para fora da vila. Resta assim evidente o total desrespeito ao princípio da igualdade.

Com a proclamação da independência em 1822 se fez necessária a revisão de toda a legislação vigente no país, que era de origem portugue-sa. Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, e em 1830 foi promulgado o primeiro Código Criminal brasileiro.

A Constituição de 1824, elaborada sob o ideário liberal e humanis-ta, trazia em seu art. 179 direitos e garantias individuais que infl uencia-ram sobremaneira a elaboração do Código Criminal.

O Código de 1830 foi o primeiro código autônomo da América Latina, e de tão elogiado, serviu de modelo para outros códigos, tanto na América quanto na Europa.

O projeto aprovado foi de Bernardo Pereira de Vasconcelos, for-mado em Coimbra e atualizado com os ideais do Iluminismo e da Re-volução Francesa.

Uma questão que deu margem a dissídio no Parlamento durante a aprovação do projeto foi a pena de morte (na forca). Os conservado-res queriam mantê-la no Código, e os liberais, extirpá-la. Venceram os

Vejam alguns exemplos de crimes previstos nas Ordenações Filipinas, da forte infl uência da re-ligião e da intromissão do Estado na vida privada:

▪ Título I – Dos hereges e após-tatas (as penas – corporais e de confi sco – eram determinadas pe-los juízes eclesiásticos e executa-das pelo governo civil).

▪ Título III – Dos feiticeiros (pena de morte).

▪ Título XIII – Dos que come-tem pecado de sodomia e com alimárias (pena de morte na fo-gueira, confi sco de bens, e fi lhos e netos considerados infames).

▪ Título XXV – Do que dorme com mulher casada (pena de morte).

▪ Título XCIV – Dos mouros e ju-deus que andam sem sinal (pena pecuniária). CurioSiDADE milk, direção de Gus Van Sant, 2008. É baseado na vida do polí-tico e ativista gay Harvey

Milk, que foi o primeiro ho-mossexual de-clarado a ser eleito para um cargo público na Califórnia. O fi lme mos-tra a luta e o preconceito sofrido pelos homossexuais quatro séculos após as Ordenações Filipinas.

CiNEmATECA

VoCABuLário

sodomia: relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo ou sexos opostos, com cópula anal. degredo: pena que consiste no afastamento compulsório da terra natal por tempo determi-nado ou indetermidetermi-nado.

(15)

Direito Penal

15 primeiros, sob o argumento de que os escravos não temeriam nenhum outro castigo.

Não obstante os elogios recebidos, esse Código mantinha resíduos de uma sociedade escravocrata. A crítica da sociedade da época era que o caráter liberal do Código contribuía com o aumento da criminalidade, o que levou à posterior elaboração de leis de cunho retrógrado, princi-palmente contra escravos (TOLEDO, 2002, p. 59).

Com o fim da escravidão e o advento da República, novamente se fazia necessária a ruptura com o velho, e, assim, a elaboração de novos diplomas legais. Em 1890 foi promulgado o Código Penal, antes mesmo da primeira Constituição da República, promulgada apenas em 1891.

Ao contrário do Código Criminal do Império, o Código Penal de 1890, foi elaborado às pressas, e apresentava, além de defeitos técnicos, um posicionamento atrasado em face da ciência de seu tempo.

Não obstante as críticas, cabe ressaltar que esse código aboliu a pena de morte e instalou o regime penitenciário de caráter correcional.

Tendo em vista as sucessivas alterações processadas no texto do có-digo, em 1932 foi adotada a Consolidação das Leis Penais de Vicente Piragibe, publicadas sob a denominação de Código Penal Brasileiro, pelo Decreto n. 22.213/1932.

Entre o final do séc. XIX e início do séc. XX houve um grande desen-volvimento da ciência penal. Muitos conceitos haviam sido discutidos e estabelecidos e novamente se mostrava necessário um novo Código. O Código Penal de 1940 foi originado no projeto de Alcântara Machado, revisado por uma Comissão de que participavam Nelson Hungria, Ro-berto Lyra, Costa e Silva, entre outros. O Código foi inspirado no Código Rocco de 1930, porém sem adotar a pena de morte e de prisão perpétua, e no Código Suíço de 1937.

Nasce no período entre guerras, em pleno Estado Novo, de índole ditatorial, onde Getúlio Vargas detém os Poderes Executivo e Legis-lativo. Mas, conforme leciona Francisco de Assis Toledo (TOLEDO, p. 63), “o curioso é que, fruto de um Estado Ditatorial e influenciado

pelo código fascista, manteve a tradição liberal iniciada com o Código do Império”.

Em 1984, a Lei n. 7.209 substituiu toda a Parte Geral do Código Pe-nal, alterando profundamente certos institutos como o erro, as penas e o concurso de agentes. Com o advento da Constituição Federal em 1988, houve outras alterações e adequações, como a Reforma no Título dos Crimes contra a Dignidade Sexual, visando obedecer aos novos preceitos constitucionais.

Jornada pela Liber-dade (Amazing Gra-ce), direção de mi-chael Apted, 2006. Filme sobre a cam-panha contra a es-cravidão liderada por William Wil-berforce, um famoso abolicionista inglês, responsável por levar ao Parlamento Britânico a legislação antiescravagista.

12 Anos de Escravi-dão, direção de Ste-ve mcQueen, 2013. Adapta a autobio-grafia de 1853 de So-lomon Northup, um negro livre nascido no Estado de Nova Iorque que foi sequestrado em Washington, D.C. em 1841, e vendido como escravo.

Amistad, direção de Steven Spielberg, 1997. Após uma re-belião, um navio ne-greiro é tomado por seus escravos. Cap-turados, param em terras nor-te-americanas, onde geram uma enorme discussão jurídica sobre posse, abolição e liberdade.

A Vida de David Gale, direção de Alan Parker, 2003. Advogado e ativista contra a pena de morte, é preso, acu-sado de estuprar e assassinar uma colega. No corre-dor da morte, ele pede que uma jovem jornalista faça e publique sua última entrevista.

CiNEmATECA

No Brasil há previsão de pena de morte apenas em caso de guerra declarada, conforme pre-visto no art. 5º, XLVII, da Consti-tuição Federal. Sobre a questão, consulte também o Código Penal Militar, de 1969.

(16)

1.2

CoNTroLE SoCiAL, CiÊNCiAS PENAiS

E ESTADo DEmoCráTiCo DE DirEiTo

O controle social pode ser formal e informal. O informal é aquele aplicado pela família, escola, igreja, partido político, opinião pública, vi-zinhos, clube. Nem sempre será sufi ciente para solucionar confl itos mais complexos ou graves.

Das necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade sur-ge o Direito, que visa garantir condições indispensáveis à coexistência pacífi ca.

O fato que contraria a norma legal, ofendendo ou pondo em perigo um bem jurídico tutelado, é um ilícito jurídico e poderá ter consequên-cias em vários ramos do Direito.

O Direito Penal constitui uma das espécies do sistema de controle social formal. Possui regras e princípios especiais, devendo ser utilizado apenas como ultima ratio, ou seja, para os casos de ofensas graves aos bens jurídicos fundamentais, os mais sensíveis à sociedade.

Os princípios penais decorrem da Constituição Federal de 1988 que deu forma, na República Federativa do Brasil, a um tipo de estado designado como Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). No art. 5º determina que são invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade. Dessa forma, a limitação a esses direitos ou garantias constitucionais somente se justifi ca quando a ofen-sa ou a ameaça sejam proporcionais à intervenção do Direito Penal e a aplicação da pena ou medida de segurança.

1.3

o DirEiTo PENAL

1.3.1 Conceito, Características e Funções

O Direito penal é o ramo do direito público que se encarrega de selecionar condutas atentatórias aos mais importantes bens jurídicos — justamente aqueles considerados essenciais para a vida em sociedade —, sancionando-as com uma pena criminal ou medida de segurança. Tem por função primordial servir como modelo orientador de condutas ade-quadas, promovendo o normal funcionamento da vida em sociedade.

1.3.2 Fontes

As fontes do direito subdividem-se em fontes materiais, substan-ciais ou de produção e em fontes formais, de conhecimento ou de

cog-VoCABuLário

ultima ratio: expressão latina

que signifi ca “último recurso”. pena criminal: é a sanção im-posta a quem comete os crimes previstos em nosso ordenamento jurídico. São elas: privativas de li-berdade (reclusão e detenção), restritivas de direito (ex.: presta-ção pecuniária, limitapresta-ção de fi m de semana, prestação de servi-ços à comunidade) e multa. medida de segurança: é a san-ção imposta aos inimputáveis (art. 26 do CP).

As medidas de segurança são de internação em hospital de custódia e tratamento psiqui-átrico ou de sujeição a

trata-mento ambulatorial.

direito público: Direito concer-nente às relações jurídicas de natureza pública.

Uma única conduta pode gerar um ilícito civil e um ilícito pe-nal. A lesão corporal, por exem-plo, é punida criminalmente com a aplicação da pena de deten-ção ou reclusão, dependendo da gravidade. Na esfera civil, a vítima pode solicitar uma indenização dos valores pagos com o trata-mento médico ao autor da lesão.

(17)

Direito Penal

17 nição. As fontes materiais indicam o órgão

encarregado da produção do direito penal. Em nosso ordenamento jurídico, somente a União possui competência legislativa para criar normas penais (CF, art. 22, I). No-te-se que o parágrafo único do dispositivo constitucional citado prevê que lei

comple-mentar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas acerca de matérias penais.

As fontes formais, por sua vez, subdividem-se em imediatas e me-diatas. Somente a lei pode servir como fonte primária e imediata do direito penal, porquanto não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º). Ad-mitem-se, no entanto, fontes secundárias ou mediatas: são os costumes (“conjunto de normas de comportamento a que pessoas obedecem de maneira uniforme e constante pela convicção de sua obrigatoriedade” — Damásio de Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 27) e os princípios gerais de direito (“premissas éticas que são extraídas, mediante indução, do material legislativo” — idem, p. 29).

Tais fontes formais sofrem importante limitação como decorrência do princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º). Não se ad-mite que de seu emprego resulte o surgimento de crimes não previstos em lei ou, ainda, a agravação da punibilidade de delitos já existentes. Os princípios gerais do direito e os costumes, portanto, somente incidem na seara da licitude penal, ampliando-a. Os trotes acadêmicos, por exem-plo, traduzem uma prática reconhecida e costumeira, de modo que pos-síveis infrações, como injúria (ex.: referir-se ao calouro como “bicho”) ou constrangimento ilegal (ex.: obrigar o novato a fazer “pedágio”), são consideradas permitidas à luz do art. 23, III, do CP (exercício regular de um direito).

Os costumes, além disso, representam importante recurso inter-pretativo, sobretudo no tocante aos elementos normativos presentes em alguns tipos penais (p. ex., a expressão “ato obsceno” no art. 233 do CP).

Anote-se também que os costumes não revogam lei penal (art. 2º, § 1º, da LINDB).

1.3.2.1 Analogia em Direito Penal

A analogia é uma forma de suprimento (preenchimento) de lacunas (brechas) legislativas. Consiste em “aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídi-ca, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado” (DINIZ, Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro, p. 108). Para utilizá-la, portanto, é preciso que se

verifiquem dois pressupostos: 1º) existência de uma lacuna na lei; 2º) encontro no ordenamento jurídico de uma solução legal semelhante,

"não há crime sem

lei anterior que o

defina, nem pena

sem prévia

comi-nação legal"

Apenas a União, por meio do Congresso Nacional, é autorizada a legislar sobre o Direito Penal. Isso significa que os governadores e prefeitos não podem criar novos crimes ou revogar os existentes.

ATENÇÃo

Muitas vezes há excessos nos trotes, podendo configurar crime. Vai além do que seria ad-mitido pelo costume. Veja: “Trote Humilhante - Ausência de con-cordância da vítima - Constran-gimento ilegal configurado”. ACR 3052720058070005 DF.

CurioSiDADE

A analogia visa deixar o Direi-to mais jusDirei-to? Imagine a seguinte situação: o art. 128, II, do CP admi-te o aborto praticado por médico em caso de estupro. No caso do aborto realizado por enfermeiro, havendo a impossibilidade de atendimento médico, há o crime?

(18)

vale dizer, uma regra jurídica que tenha sido estipulada para regular caso análogo. Funda-se a analogia no princípio ubi eadem legis ratio,

ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão legal, aplica-se o mesmo

dispositivo).

Em direito penal, contudo, somente se admite a analogia in bonam

partem, ou seja, aquela utilizada em benefício do sujeito ativo da

in-fração penal. Exemplo: o Código Penal somente autoriza a reação em estado de necessidade, afastando o caráter criminoso da conduta, se o sujeito busca afastar um perigo “atual”, nada dispondo sobre a excluden-te de ilicitude se o agenexcluden-te visava escapar de um perigo “iminenexcluden-te”; esexcluden-te, contudo, também se considera abrangido pela norma permissiva, por analogia in bonam partem.

Proíbe-se, de outra parte, a analogia in malam partem, isto é, em prejuízo do sujeito ativo da infração penal, justamente por importar a criação de delitos não previstos em lei ou no agravamento da puni-ção de fatos já disciplinados legalmente, atentando contra o princípio da legalidade. Acompanhe os exemplos: o art. 63 do CP defi ne como reincidente aquele que comete crime depois de ter sido condenado com trânsito em julgado por outro crime, no Brasil ou no estrangeiro. O art. 7º da Lei das Contravenções Penais, por sua vez, estipula ser reincidente o agente que pratica uma contravenção penal depois de ter sido condenado defi nitivamente por outro crime, no Brasil ou no estrangeiro, ou por outra contravenção penal no Brasil. Na combina-ção dos dispositivos nota-se uma lacuna: não é reincidente o autor de um crime praticado após ter sido ele irremediavelmente condenado por uma contravenção penal. Em suma, se o agente for condenado de modo defi nitivo por uma contravenção penal e, após, cometer outra contravenção, será reincidente, mas, se praticar um crime, será pri-mário! Tal omissão do legislador gera uma situação injusta, que não pode ser corrigida pelo emprego da analogia, causando reincidência em ambas as situações, sob pena de agravar a punição de um fato sem expressa previsão legal.

Há duas espécies de analogia:

1ª) analogia “legis”: dá-se com a aplicação de uma norma existente a um caso semelhante;

2ª) analogia “juris”: ocorre quando se baseia num conjunto de nor-mas, visando retirar elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao caso concreto não previsto (p. ex. trata-se do encontro e aplicação de princípios gerais do direito).

1.3.3 o Direito Penal e as demais Ciências Jurídicas

O Direito Penal é apenas um dos objetos de estudo das Ciências Penais. Há a dogmática penal, a criminologia, a política criminal, psi-quiatria e psicologia forense, dentre outras.

Dogmática penal é a “disciplina que se ocupa da interpretação, sistematização e desenvolvimento (...) dos dispositivos legais e das

Última para-da 174, dire-ção de Bruno Barreto, 2008. Conta a histó-ria de Sandro, morto pela po-lícia quando sequestrou o famoso ônibus 174, no Rio de Ja-neiro. Mostra a história por outro ângulo, contando a vida de San-dro desde o nascimento até o dia do crime. Esse olhar é comum na criminologia.

(19)

Direito Penal

19 opiniões científicas no âmbito do direito penal” (Claus Roxin,

Funcio-nalismo e imputação objetiva no direito penal, p. 186-187). Este livro,

portanto, representa um trabalho eminentemente relacionado à dog-mática penal.

“A criminologia tradicional é uma ciência que procura uma expli-cação causal do delito como obra de um autor determinado” (Enrique Bacigalupo, Direito penal: parte geral, Capítulo I, § 7º). Com os resul-tados das investigações criminológicas, visa tal ciência auxiliar o direito penal a encontrar uma solução para as causas que levaram o delinquente ao delito.

A política criminal, por sua vez, corresponde à que deve ser imple-mentada no combate à criminalidade. Discute-se se ela deve servir ex-clusivamente ao legislador, como critério de orientação na construção de normas penais e suas consequências jurídicas (posição tradicional), ou se, além disso, deveria também orientar o aplicador do direito dian-te da norma posta (posição moderna). Em outras palavras, poderiam os juristas valer-se de critérios de política criminal para interpretar o alcance e a aplicabilidade de normas penais? A moderna teoria

fun-cionalista (Claus Roxin e Günther Jakobs) entende que sim,

susten-tando deva o tecnicismo “ceder espaço à política criminal e à função pacificadora e reguladora do tipo” (Fernando Capez, Consentimento

do ofendido e violência desportiva: reflexos à luz da teoria da imputação

objetiva, p. 49).

O direito penal pertence ao direito público, pois seu objeto refere-se primordialmente às relações do Estado com particulares em razão de seu poder soberano, atuando na tutela do bem-estar coletivo.

É possível dividir o direito penal em objetivo e subjetivo. O primeiro consiste no próprio ordenamento jurídico-penal, isto é, no conjunto de normas jurídicas que perfazem o sistema penal. O segundo, também cha-mado de jus puniendi estatal, corresponde ao direito de punir do Estado. Em sentido abstrato, traduz-se no direito de exigir de todos que se abste-nham de praticar condutas delitivas, e, em sentido concreto, no interesse de aplicar a sanção cominada ao delito àquele que violou a norma penal.

Dependendo de quem se trate o sujeito passivo, é possível que o Direito Penal assuma uma outra velocidade, ou uma outra forma de atu-ação. Trata-se de concepção criada por Günther Jakobs em que o direito penal do cidadão teria como escopo garantir a vigência da norma (o indivíduo que comete o crime desrespeita a norma, a qual, por meio da pena aplicada, mostra que permanece incólume), e o direito penal do inimigo (como o de indivíduos que reincidem constantemente na prática de delitos ou praticam fatos de extrema gravidade, como ações terroristas) tem como finalidade combater perigos. Neste, o infrator não é tratado como pessoa, mas como inimigo a ser eliminado e privado do convívio social.

Cuida-se de concepção polêmica, rejeitada pela maioria dos auto-res, os quais sustentam que jamais se pode deixar de considerar um in-divíduo como pessoa.

VoCABuLário

tecnicismo: corrente doutrinária que reduz o direito à técnica.

Claus roxin, nasci-do em 15-5-1931, em Ham bur go, é um dos mais influ-entes dog máti cos do direito penal alemão, tendo con quistado reputação nacio-nal e internacionacio-nal nesse ramo. É detentor de inúmeros doutora-dos honorários e já proferiu pa-lestras no Brasil. Günther Jakobs, nascido em Mön-chengladbach, em 26-7-1937, é catedrático emérito de Direi-to Penal e Filosofia do DireiDirei-to pela Universidade de Bonn, Alemanha. É autor do polêmico livro Direito

Penal do Inimigo (Feindstrafrecht).

AuTor A vila, dire-ção de m. Ni-ght Shyamalan, 2004. O medo como forma de controle social utilizado no filme pode ser utilizado como analogia para interpretar o mundo pós 11 de setembro.

(20)
(21)

2

Princípios Norteadores,

Garantidores e

Limitadores do

Direito Penal

(22)

2.1

PriNCíPioS CoNSTiTuCioNAiS E

iNFrACoNSTiTuCioNAiS

Os princípios constitucionais possuem a função de orientar, orga-nizar e estruturar o ordenamento jurídico, especialmente quanto a apli-cação do direito e interpretação da norma jurídica.

Neste sentido, aliás, já se disse que “os princípios constitucionais (tragende Konstitutionsprizipien) e as garantias individuais devem atuar como balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas penais, não se podendo cogitar de uma aplicação meramente robotiza-da dos tipos incriminadores...” (Edilson M. Bonfi m e Fernando Capez,

Direito penal: parte geral, p. 114).

Diversos são os princípios de Direito Penal que estão assegurados na Constituição. Vejamos:

a) Princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se do mais importante dos princípios penais e constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III). Proíbe a incriminação de comportamentos socialmente inofensivos, isto é, que não provoquem dano efetivo ou lesão ao corpo social (ex.: incriminar o ato de manifes-tar publicamente admiração por pessoas queridas). Impede, ademais, que a aplicação das normas penais ocorra de maneira totalmente divor-ciada da realidade.

b) Princípio da legalidade. Não há crime sem lei anterior que o defi na, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º).

c) Princípio da anterioridade da lei penal. A lei penal não retroagi-rá, salvo para benefi ciar o réu (CF, art. 5º, XL, e CP, art. 2º).

d) Princípio do ne bis in idem. Ninguém pode ser condenado pelo mesmo fato mais de uma vez; além disso, uma única e determinada cir-cunstância fática não pode ser utilizada mais de uma vez, seja para agra-var, seja para benefi ciar o agente.

e) Princípio da insignifi cância ou da bagatela. Foi desenvolvido por Claus Roxin. Para o autor, a fi nalidade do Direito Penal consiste na proteção subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que pro-duzam lesões insignifi cantes aos objetos jurídicos tutelados pela norma penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do princípio produz fatos penalmente atípicos.

Na atualidade, a aceitação deste princípio é praticamente unânime. A divergência consiste, no mais das vezes, em defi nir, no caso concreto, se a lesão ao bem jurídico foi diminuta (e, portanto, penalmente rele-vante) ou insignifi cante (logo, atípica).

Ninguém dirá que a subtração de uma folha de papel ou de um dente de alho deve ser considerada como crime de furto. Outros pode-rão afi rmar, ainda, que a subtração de um objeto avaliado em um quarto

Princípios básicos de Direito Penal, Francisco de Assis Toledo, Editora Saraiva. Obra clássica, discute princípios e de-mais temas relevantes da dogmática penal.

os miseráveis, Victor

Hugo. O personagem

principal Jean Valjean, pretendendo saciar a fome de uma criança, furta um pedaço de pão, e, por essa razão, passa muitos anos preso. Após várias tentativas de fuga, consegue a liberdade, porém passa a vida toda sendo perseguido pelo ins-petor de polícia Javert. Seu crime é um exemplo de aplicação do princípio da insignifi cância, e a leitura da obra deixa clara sua importância prática.

BiBLioTECA CurioSiDADE o Julgamento de Nu-remberg, direção de Stanley Kramer, 1961. O Tribunal de Nuremberg foi o Tribunal Militar In-ternacional criado com a fi nalidade de julgar prisioneiros de guerra nazistas. O fi l-me leva à refl exão sobre a violação de princípios penais, especialmente o princípio da legalidade.

CiNEmATECA

Em agosto de 2008, o STF enfren-tou um caso emblemático de afronta ao princípio da dignidade humana. Um pedreiro foi condenado por ho-micídio qualifi cado e contestou sua sentença no Supremo alegando que permaneceu algemado durante todo o julgamento e que isso lhe causou constrangimento, além de ter infl uen-ciado negativamente os jurados. O STF acolheu os argumentos e editou a Súmula vinculante n. 11.

(23)

Direito Penal

23 do salário mínimo é insignificante, mas, certamente, num caso deste, haverá intenso debate no processo sobre a caracterização do princípio.

O Supremo Tribunal Federal vem adotando critérios que nos pa-recem ajustados para a verificação, em cada caso, sobre a possibilidade de aplicar o princípio. São eles: (i) a mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) a nenhuma periculosidade social da ação, (iii) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (iv) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP).

O STF, ainda, tem travado interessante discussão sobre a aplicação do princípio ao crime de porte de droga para consumo pessoal. As duas Turmas do STF têm divergido a respeito do assunto. Assim, enquanto a 1ª Turma tem negado a incidência do princípio ao crime de porte de droga para consumo próprio (v. HC 91.759, rel. Min. Menezes Direito, DJU, 30-11-2007, p. 547), a 2ª Turma o tem admitido (v. STF, HC 92.961, rel. Min. Eros Grau, DJU, 22-2-2008, p. 925 e HC 94.809, DJU, 30-5-2008, rel. Min. Celso de Mello).

f) Princípio da alteridade ou da transcendentalidade. Proíbe a incriminação de atitude meramente subjetiva, que não ofenda bem ju-rídico alheio. Também foi desenvolvido por Claus Roxin. A ação ou omissão puramente pecaminosa ou imoral não apresenta a necessária lesividade que legitima a intervenção do direito penal. Por conta desse princípio, não se pune a autolesão, salvo quando se projeta a prejudi-car terceiros, como no art. 171, § 2º, V, do CP (autolesão para fraudar seguro); a tentativa de suicídio (nosso CP somente pune a participa-ção no suicídio alheio — art. 122); o uso pretérito de droga (o porte é punido porque, enquanto o agente detém a droga, coloca em risco a incolumidade pública).

g) Princípio da ofensividade. Não há crime sem lesão efetiva ou ameaça concreta ao bem jurídico tutelado — nullum crimen sine

inju-ria. Daí resulta serem inconstitucionais os crimes de perigo abstrato

(ou presumido), nos quais o tipo penal descreve determinada conduta sem exigir ameaça concreta ao bem jurídico tutelado. Note-se, entre-tanto, que a jurisprudência dominante tende a admitir como válidos os delitos de perigo abstrato, por constituírem uma forma legítima de punição de infrações penais em sua fase embrionária (opinião com a qual concordamos).

h) Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos (ou princípio do fato). Deriva, como muitos, do princípio da dignidade da pessoa hu-mana e do fato de o Brasil ser um Estado Democrático de Direito (i. e., todos se submetem ao império da lei, que deve possuir conteúdo e ade-quação social). Dele decorre que o direito penal não pode tutelar valores meramente morais, religiosos, ideológicos ou éticos, mas somente atos atentatórios a bens jurídicos fundamentais e reconhecidos na Consti-tuição Federal. “Caso isso não ocorra, o tipo deverá ser excluído do or-denamento jurídico por incompatibilidade vertical com o Texto Cons-titucional. Assim, toda norma penal em cujo teor não se vislumbrar um

Q u e b r a n d o o tabu, dire-ção de Fer-nando Gros-tein Andrade, 2011. Com várias perso-n a l i d a d e s , como Fer nan-do Henrique Carnan-doso, o filme sai ao encontro de soluções, princí-pios e conclusões, mantendo o foco das discussões em torno da descriminalização das drogas. Bill Clinton, Jimmy Carter e ex-chefes de Estado, como da Colômbia, do México e da Suíça, mostram o motivo de suas opiniões. É captu-rado o relato de pessoas comuns, que tiveram suas vidas atingidas pela Guerra às Drogas, até expe-riências de Drauzio Varella, Paulo Coelho e Gael Garcia Bernal.

CiNEmATECA

A Política Mundial de Drogas, tra-duzida no modelo proibicionis-ta-belicista que se convencionou designar como “war on drugs”, vem recebendo duras críticas dos mais variados setores e atores, na-cionais e internana-cionais, que se ocupam da “questão das drogas”, havendo um relativo consenso no sentido de que o proibicionismo fracassou. Você concorda?

Sobre o tema:

Drogas e redução de danos: direitos das pessoas que usam drogas, Maurides de Melo Ribeiro.

A política criminal de drogas no Brasil: es-tudo criminológico e dogmático, Salo de Carvalho.

(24)

bem jurídico claramente defi nido e dotado de um mínimo de relevância social será considerada nula e materialmente inconstitucional. (...). Sem bem jurídico não existe infração penal” (Edilson M. Bonfi m e Fernando Capez, Direito penal: parte geral, p. 133).

i) Princípio da intervenção mínima. Somente se deve recorrer à intervenção do direito penal em situações extremas, como a última saída (ultima ratio). A princípio, portanto, deve-se deixar aos demais ramos do direito a disciplina das relações jurídicas. A subtração de um pacote de balas em um supermercado, já punida com a expulsão do cliente do estabelecimento e com a cobrança do valor do produto ou sua devo-lução, já foi resolvida por outros ramos do direito, de modo que não necessitaria da interferência do direito penal.

j) Princípio da fragmentariedade. Trata-se, na verdade, de uma característica do direito penal, mencionada por alguns autores também sob a forma de princípio, estabelecendo que as normas penais somente se devem ocupar de punir uma pequena parcela, um pequeno fragmen-to dos afragmen-tos ilícifragmen-tos, justamente aquelas condutas que violem de forma mais grave os bens jurídicos mais importantes.

k) Princípio da adequação social. O fato deixará de ser típico quando aceito socialmente. Acompanhe esse exemplo extraído da juris-prudência: “Contravenção Penal — ‘jogo do bicho’ — Perda do mono-pólio do Estado às empresas de comunicações na exploração de jogos e loterias aliada a ausência de reprovabilidade na consciência da absoluta maioria dos cidadãos — Punição afastada pela aplicação do princípio da adequação social — Inaplicabilidade do art. 58 do Dec.-Lei 6.259/44. Convence que a adequação social supera contravenção denunciada. Em vez de punir um fato por ser típico, devemos adequá-lo à realidade vi-gente, aos costumes sociais, enfi m, à consciência coletiva. A lei deveria ser interpretada pro societate, e, ao que tudo indica, a coletividade não se interessa pela punição dos ‘bicheiros’. Ao contrário, já inseriu o jogo do bicho em seu dia a dia” (TARS, RT, 753/699).

Tal princípio não tem merecido acolhida da maioria da jurispru-dência, uma vez que sua aceitação implicaria a conclusão de que os cos-tumes teriam força para revogar lei penal, o que é inadmissível em face do art. 22, I, da CF, e art. 2º, § 1º, da LINDB.

l) Princípio da humanidade. As normas penais devem sempre dis-pensar tratamento humanizado aos sujeitos ativos de infrações penais, vedando-se a tortura, o tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, III), penas de morte, de caráter perpétuo, cruéis, de banimento ou de trabalhos forçados (CF, art. 5º, XLVII).

m) Princípio da proporcionalidade. “Quando a criação do tipo penal não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o prin-cípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada de nosso ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infl igido ao corpo social” (Edilson M. Bonfi m e Fernando Capez, Direito penal: parte geral, p. 130).

os miseráveis, direção de Tom Hooper, 2012. O fi lme faz uma adaptação da obra escrita pelo francês Victor Hugo, publicada em 1862. Trata-se da história de um homem do século XIX, que foi condenado injustamen-te por injustamen-ter roubado um pedaço de pão, fi cando em clausura por 20 anos. Passado o tempo de reclu-são, o personagem Jean Valjean (Hugh Jackman) sai em liberdade condicional, tornando-se um ho-mem honrado e honesto, porém continua sofrendo os refl exos das injustiças sofridas no passado, sen-do perseguisen-do pelo inspetor Javert (Russell Crowe), que não acredita em sua reabilitação. No decorrer da trama, vemos lacunas do siste-ma penal e a violação de princípios como o da intervenção mínima, humanidade, fragmentariedade, proporcionalidade e da bagatela. Papillon, dire-ção de Franklin J. Schaffner, 1973. Trata-se da história de Henri Charrière (Papillon), que viveu nos anos de 1930, con-denado a prisão perpétua, fi can-do recluso na Guiana Francesa, Ilha do Diabo, sob um sistema extremamente rigoroso e cruel. O fi lme retrata os abusos do sistema carcerário por meio de penas de-sumanas e humilhantes.

(25)

Direito Penal

25 n) Princípio da autorresponsabilidade ou das ações a próprio ris-co. Aquele que, de modo livre e consciente, e sendo inteiramente res-ponsável por seus atos, realiza comportamentos perigosos e produz re-sultados lesivos a si mesmo arcará totalmente com seu comportamento, não se admitindo nenhum tipo de imputação a pessoas que o tenham eventualmente motivado a praticar tais condutas perigosas (ex.: o agente que incentiva desafeto a praticar “esportes radicais” não responde pelos acidentes sofridos pela vítima, que optou por fazê-lo livremente).

o) Princípio da confiança. Uma pessoa não pode ser punida quan-do, agindo corretamente e na confiança de que o outro também assim se comportará, dá causa a um resultado não desejado (ex.: o médico que confia em sua equipe não pode ser responsabilizado pela utiliza-ção de uma substância em dose equivocada, se para isso não concorreu; o motorista que conduz seu automóvel cuidadosamente confia que os pedestres se manterão na calçada e somente atravessarão a rua quando não houver movimento de veículos, motivo pelo qual não comete crime se atropela um transeunte que se precipita repentinamente para a via trafegável).

p) Princípio do estado de inocência ou presunção de não culpabi-lidade. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, art. 5º, LVII).

q) Princípio da culpabilidade. Como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e da presunção de não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), exsurge esse princípio, segundo o qual: a) não se admite responsabilidade penal objetiva, ou seja, desprovida de dolo ou culpa (v. art. 19 do CP) ou carente de culpabilidade (v. arts. 21 a 28 do CP); b) a pena há de ser dosada segundo o grau de reprovabilidade da conduta do agente. Estação Ca-randiru, dire-ção de Héc-tor Babenco, 2003. Baseado na obra escri-ta pelo mé-dico Drauzio Varella, o filme faz uma radiogra-fia do sistema carcerário no Bra-sil, tendo como pano de fundo o massacre ocorrido na década de 90, que culminou na morte de 111 presos.

CiNEmATECA

O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judi-ciário, e a ele compete a guarda da Constituição Federal. O tribunal é composto por onze Ministros, brasileiros natos, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

(26)
(27)

3

Teoria da Norma

Jurídico-Penal

(28)

3.1

TEoriA DA NormA. A NormA

JuríDiCo-PENAL

A norma jurídica se apresenta com diversas características, confor-me a área do Direito que se está analisando. No direito penal, reveste-se das seguintes características:

a) imperatividade: impõe-se a todos independentemente de sua vontade ou concordância;

b) exclusividade: somente a ela cabe a tarefa de defi nir infrações penais;

c) generalidade: incide sobre todos, generalizadamente;

d) impessoalidade: projeta-se a fatos futuros, sem indicar a puni-ção a pessoas determinadas.

É possível diferenciar lei penal de norma penal. A primeira designa o enunciado legislativo, ou seja, o fato descrito e a pena a ele cominada (ex.: no crime de homicídio na forma simples — art. 121, caput, do CP — a lei penal é: “Matar alguém. Pena — reclusão, de seis a vinte anos”). A segunda refere-se ao comando normativo implícito na lei, isto é, a norma de conduta imposta a todos (ex.: no caso do homicídio simples: “não matarás”).

3.2

CLASSiFiCAÇÃo

Quanto à classifi cação das normas penais, é possível classifi cá-las como incriminadora e não incriminadora.

A primeira compreende todos os dispositivos penais que descrevem condutas e lhes cominam uma pena. Compõe-se do preceito ou preceito primário — descrição da conduta proibida — e da sanção ou preceito secundário — quantidade e qualidade da(s) pena(s) aplicável(eis). Seu comando normativo pode ser proibitivo ou mandamental. Nos crimes comissivos, a lei penal descreve e pune uma ação esperando que todos se abstenham de praticá-la; trata-se de uma norma proibitiva (ou seja, a ação prevista em lei é proibida, sob ameaça de pena). Nos crimes omis-sivos, a lei penal descreve uma omissão (um não fazer), porque espera de todos, naquela determinada situação, um comportamento ativo; trata-se de uma norma mandamental (ex.: a lei penal manda agir, sob pena de, omitindo-se, receber uma pena).

A norma penal não incriminadora, por sua vez, subdivide-se em explicativa ou complementar, quando fornece parâmetros para a apli-cação de outras normas (ex.: o conceito de funcionário público para fi ns penais do art. 327 do CP), e permissiva, quando aumenta o âmbito

(29)

Direito Penal

29 de licitude da conduta (e, a contrario sensu, restringe o direito de punir do Estado).

3.3

NormA PENAL Do mANDATo Em

BrANCo – CoNFroNTo Com o

PriNCíPio DA LEGALiDADE

Trata-se da lei cujo preceito primário é incompleto, embora o pre-ceito secundário seja determinado. Tal lei tem de ser completada por outra, já existente ou futura, da mesma hierarquia ou de hierarquia in-ferior.

Exemplo: os tipos penais da Lei n. 11.343/2006 são leis penais em branco, uma vez que punem condutas relacionadas com drogas ilícitas sem descrever quais seriam essas substâncias (tal informação se encon-tra em ato adminisencon-trativo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA); o art. 237 do CP pune a conduta daquele que contrai ca-samento tendo ciência da existência de impedimento que lhe cause nu-lidade absoluta, sendo que tais nunu-lidades não são definidas pelo CP, mas constam do Código Civil.

É possível classificar a norma penal em branco em sentido lato ou homogênea e em sentido estrito ou heterogênea.

Entende-se por lei penal em branco homogênea aquela cujo com-plemento se encontra descrito numa fonte formal da mesma hierarquia da norma incriminadora, ou seja, quando o complemento também está previsto numa lei ordinária (ou outra espécie normativa equivalente). Exemplo: art. 237 do CP (“Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta”), cujo complemento se encontra no Código Civil, o qual enumera as causas de nulidade do matrimônio nos arts. 1.521, 1.517, 1.523 e 1.550.

Em sentido estrito ou heterogênea é aquela cujo complemento está descrito em fonte formal distinta daquela do tipo penal incriminador. Exemplo: Lei n. 11.343/2006, art. 33 (tráfico ilícito de drogas), que não indica quais são as “drogas ilícitas”, delegando tal função a normas admi-nistrativas (portarias da ANVISA); com efeito, o art. 1º, parágrafo único, desta Lei dispõe que: “... consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

3.4

CoNFLiTo APArENTE DE NormAS

Um mesmo fato concreto não pode ser enquadrado em vários tipos penais, sob pena de afronta ao princípio do non bis in idem (ou ne bis in

Em 6-12-2000 a Anvisa publi-cou a Resolução n. 104 e retirou o cloreto de etila (lança-perfu-me) da Lista F2 (substâncias en-torpecentes ou psicotrópicas), colocando-o na Lista D2 (insumos químicos precursores, que não são proibidos, mas apenas con-trolados pelo Ministério da Jus-tiça). Após uma semana houve a retificação, mas, durante esse período, foi eliminado o caráter criminoso do cloreto de etila. Essa falha da ANVISA gerou a extinção da punibilidade de acusado de comercializar lança-perfume nes-se período pela 2ª Turma do STF (HC 94397).

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idem). Portanto, se aparentemente ocorrer a incidência de mais de um

tipo penal a um mesmo fato, caberá ao intérprete, socorrendo-se dos princípios da especialidade, consunção, subsidiariedade ou alternativi-dade, resolver o confl ito, apontando o correto enquadramento.

Muito embora não exista dispositivo legal tratando do tema ou consenso doutrinário acerca do assunto (salvo no tocante ao princípio da especialidade), admitem-se comumente os princípios acima mencio-nados.

Importante acentuar que só haverá confl ito aparente de normas se houver um só fato ao qual aparentemente se apliquem várias normas penais incriminadoras (todas vigentes). Na hipótese de serem vários os fatos, ter-se-á concurso de crimes (arts. 69 a 71 do CP). Além disso, to-dos os dispositivos penais aparentemente aplicáveis devem estar simul-taneamente em vigor, caso contrário surgirá um confl ito de leis penais no tempo.

3.4.1. Princípio da especialidade (lex specialis

derogat generalis)

Dá-se quando existir, entre as duas normas aparentemente inci-dentes sobre o mesmo fato, uma relação de gênero e espécie. Será espe-cial e, portanto, prevalecerá a norma que contiver todos os elementos de outra (a geral), além de mais alguns, de natureza subjetiva ou ob-jetiva, considerados especializantes. “Toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também necessariamente, e ao mesmo tempo, o tipo do geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro” (Jescheck,

Tratado de derecho penal, trad. Mir Puig e Muñoz Conde, Barcelona:

Bosch, 1981, p. 1035, apud Cezar Roberto Bitencourt, Manual de

direi-to penal: parte geral, v. 1, p. 130). Assim, se a mãe mata o fi lho durante

o parto, sob a infl uência do estado puerperal, incorre, aparentemente, nos arts. 121 (homicídio) e 123 (infanticídio). No primeiro, porque matou uma pessoa; no segundo, porque essa pessoa era seu fi lho e a morte se deu no momento do parto, infl uenciada pelo estado puerpe-ral. O infanticídio contém todas as elementares do homicídio (“matar” + “alguém”), além de outras especializantes (“o próprio fi lho” + “du-rante o parto ou logo após” + “sob a infl uência do estado puerperal”), o que o torna especial em relação a esse. Percebe-se, então, que toda ação que realiza o tipo do infanticídio realiza o do homicídio, mas nem toda ação que se subsume ao homicídio tem enquadramento no tipo do infanticídio.

Note que esse confl ito se resolve abstratamente, isto é, basta a com-paração entre as duas normas, em tese, para saber qual delas é a especial e, por via de consequência, a aplicável. Também é interessante notar que na relação de especialidade é indiferente se a norma especial é mais ou menos grave. Acrescente-se que a relação de especialidade se dá entre tipos fundamentais e secundários (ex.: roubo simples — art. 157, caput, e roubo agravado — art. 157, § 2º).

VoCABuLário

puerperal: relacionado ao par-to; período que ocorre seguido ao parto.

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Direito Penal

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3.4.2. Princípio da subsidiariedade (lex primaria

derogat legi subsidiariae)

A relação de subsidiariedade pressupõe que haja entre as normas aparentemente aplicáveis uma relação de conteúdo a continente. Há uma norma mais ampla (norma primária), porque descreve um grau maior de violação ao bem jurídico, e uma norma menos ampla (norma subsidiária), pois descreve um grau inferior de violação a esse mesmo bem. Ensinava Hungria que “a diferença que existe entre especialidade e subsidiariedade é que, nesta, ao contrário do que ocorre naquela, os fatos previstos em uma e outra norma não estão em relação de espécie e gênero, e se a pena do tipo principal (sempre mais grave que a do tipo subsidiário) é excluída por qualquer causa, a pena do tipo subsidiário pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo residuum” (Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 1, arts. 1º a 10, p. 147).

A norma aplicável será sempre a que previr o maior grau de viola-ção (lei primária). Assim, por exemplo, o crime de estupro (art. 213 do CP) contém o de constrangimento ilegal (art. 146 do CP). Se alguém constrange mulher à conjunção carnal, haverá estupro.

Há duas espécies de subsidiariedade:

1ª) expressa: se a norma expressamente declarar que só terá aplica-ção “se o fato não constituir crime mais grave” (a norma se autoprocla-ma “soldado de reserva”) — ex.: art. 132 do CP;

2ª) tácita: verifica-se quando o crime definido por uma norma é elemento ou circunstância legal de outro crime — ex.: art. 304 do CTB (omissão de socorro em acidente de trânsito) em relação ao homicídio culposo na direção de veículo automotor, qualificado pela omissão de socorro (art. 302 c/c o art. 303, parágrafo único, do CTB).

3.4.3. Princípio da consunção ou da absorção

(lex consumens derogat legi consumptae)

“Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato de-finido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finali-dade prática atinente àquele crime (...). Os fatos não se apresentam em relação de espécie e gênero, mas de minus a plus, de conteúdo a conti-nente, de parte a todo, de meio a fim, de fração a meio” (Damásio de Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 114). Na síntese de Jiménez de Asúa, citado por Damásio (idem, ibidem), a consunção se dá:

“a) quando as disposições se relacionam de imperfeição a perfeição (atos preparatórios puníveis, tentativa — consumação);

b) de auxílio a conduta direta (partícipe — autor); c) de minus a plus (crimes progressivos);

d) de meio a fim (crimes complexos); e

e) de parte a todo (consunção de fatos anteriores e posteriores) — antefato e post factum impuníveis”.

VoCABuLário

consuntiva: ato ou efeito de consumir, absorver.

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Convém deter-se na letra e, em que ocorre a relação de parte a todo, ou a chamada “progressão criminosa”. Em sentido lato, a progressão cri-minosa inclui:

a) Progressão criminosa em sentido estrito: o agente inicia o iter

criminis com o objetivo de provocar determinada lesão a um bem

jurí-dico; após conseguir seu intento, muda de ideia e busca provocar um grau maior de violação ao mesmo bem jurídico. Exemplo: o sujeito pre-tendia lesionar seu desafeto, mas, em meio aos socos e pontapés, decide tirar-lhe a vida e leva-o a óbito. Só responde pelo homicídio, fi cando as lesões corporais por ele consumidas.

b) Antefactum impunível: quando um fato anterior menos grave é praticado como meio necessário para a realização de outro (ex.: o porte de arma em relação ao homicídio cometido com tal instrumento; o cri-me de falsidade exclusivacri-mente utilizado com o fi m de cocri-meter estelio-nato, nos termos da Súmula 17 do STJ).

c) Post factum impunível: quando o agente, após praticar o fato, provoca nova violação ao mesmo bem jurídico, pertencente ao mesmo sujeito passivo (ex.: furto e posterior danifi cação ou venda do objeto).

3.4.4. Princípio da alternatividade

Este princípio tem lugar nas infrações penais de ação múltipla ou conteúdo variado, que são aqueles tipos penais que possuem diversos núcleos (verbos), separados pela conjunção alternativa “ou”.

Quando alguém pratica mais de um verbo do mesmo tipo penal, num mesmo contexto fático, só responde por um crime (e não pelo mesmo crime mais de uma vez). Exemplos: a) aquele que expõe à venda e, em seguida, vende substância entorpecente pratica um só crime de tráfi co ilícito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2006, art. 33); b) quem induz e instiga outrem a se suicidar, vindo a vítima a falecer, incorre uma só vez no delito de auxílio ao suicídio (art. 122 do CP). Anote-se, entretanto, que em tais casos o juiz deve considerar a incursão em mais de uma ação nuclear na dosagem da pena, de modo a exacerbar a sanção imposta ao agente.

VoCABuLário

iter criminis: expressão latina

que significa “caminho do cri-me”.

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Validade e Eficácia

da Lei Penal no Tempo

e no Espaço

Referências

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