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7.3 Estado dE NEcEssIdadE

No documento Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1 (páginas 77-80)

Diz o CP no art. 24: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua von- tade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.

A situação de necessidade pressupõe, antes de tudo, a existência de um perigo (atual) que ponha em conflito dois ou mais interesses legíti- mos, que, pelas circunstâncias, não podem ser todos salvos (na legítima defesa, como se verá adiante, só existe um interesse legítimo). Um deles, pelo menos, terá de perecer em favor dos demais. O exemplo caracterís- tico é o da “tábua de salvação”: após um naufrágio, duas pessoas se veem obrigadas a dividir uma mesma tábua, que somente suporta o peso de uma delas. Nesse contexto, o direito autoriza um deles a matar o outro, se isso for preciso para salvar sua própria vida.

7.3.1 teorias

a) Diferenciadora: afirma que, se o bem salvo for mais importante que o sacrificado (ex.: salvar a vida e danificar patrimônio alheio), ex- clui-se a ilicitude (“estado de necessidade justificante”), ao passo que, se os bens em conflito forem equivalentes (ex.: salvar a própria vida em detrimento da vida alheia), afasta-se a culpabilidade (“estado de neces- sidade exculpante”).

b) Unitária: em quaisquer das hipóteses acima analisadas há exclu- são da ilicitude. Foi a teoria adotada no CP/46.

7.3.2 Faculdade ou direito

A doutrina tradicional via no estado de necessidade uma faculdade do agente, e não um direito. Argumentava-se: no estado de necessidade há um conflito entre dois ou mais bens ou interesses legítimos, sendo to- dos protegidos pelo direito. Diante do perigo, o titular de um bem, para salvá-lo, ofende bem de terceiro, o qual não tem obrigação de permitir o perecimento de seu bem, pois também dispõe de um interesse legítimo. Se a todo direito corresponde uma obrigação, e se o terceiro não está obrigado a deixar seu bem ser lesionado, ninguém tem direito de agir em estado de necessidade, mas mera faculdade legal. Para a doutrina mo- derna, o sujeito tem direito de agir em estado de necessidade. O sujeito passivo dessa relação jurídica não é, como se pensava, o terceiro titular do bem perecido, mas sim o Estado, que tem a obrigação de reconhecer a licitude da conduta do agente

7.3.3 Requisitos

Há requisitos vinculados à situação de necessidade, que justificam a excludente, e outros ligados à reação do agente. Entre os primeiros

crime e casti- go, de Fiodor M. Dostoievski. Um dos maio- res romances de todos os tempos, nar- ra a história do estudante Raskôlnikov, que, vendo-se na mi- séria, assassina uma velha usurária e não consegue livrar-se do peso do remorso. Para refletir: Raskôlni- kov agiu acobertado pelo estado

de necessidade? o caso dos explorado- res de ca- vernas, de Lon L. Fuller. A obra ori- ginal esta- d u n i d e n s e é de 1949. Depois de um acidente, cinco cientistas acabam presos em uma caverna. São informados pelas equipes de resgate que a demora pode le- vá-los a morrer de fome. Um dos exploradores convence os outros de que um deve ser morto para servir de comida aos demais e propõe um sorteio para escolher o sacrificado. Depois do resgate, os quatro sobreviventes vão a julga- mento por homicídio. Para refletir: há exclusão de ilicitude baseada no estado de necessidade?

temos: a) existência de um perigo atual; b) perigo que ameace direi- to próprio ou alheio; c) conhecimento da situação justifi cante; d) não provocação voluntária da situação de perigo. Com relação à reação do agente, temos: a) inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (pro- porcionalidade dos bens em confronto); b) inevitabilidade do perigo; c) inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

a) Perigo atual

Perigo é a probabilidade de dano. Embora a lei só se refi ra ao perigo atual, deve-se admitir o estado de necessidade quando iminente o peri- go (analogia in bonam partem). Não se admite a excludente, entretanto, quando passado o perigo ou quando este ainda está por vir.

b) Ameaça a direito próprio ou alheio

Age em estado de necessidade não somente quem salva direito pró- prio (ex.: a “tábua de salvação”) mas também quem defende direito de terceiro (ex.: médico que quebra sigilo profi ssional revelando que um paciente é portador do vírus HIV para salvar terceira pessoa que seria contaminada). A excludente, ademais, aplica-se quaisquer que sejam os direitos em jogo. Se o interesse for tutelado pelo ordenamento jurídico, poderá ser protegido diante de uma situação de necessidade.

c) Conhecimento da situação justifi cante

É fundamental que o sujeito tenha plena consciência da existência do perigo e atue com o fi m de salvar direito próprio ou alheio. Por essa razão, o médico que realiza aborto por dinheiro não age em estado de necessidade, mesmo se constatando, após, a existência de risco atual à vida da gestante.

d) Perigo não provocado voluntariamente pelo sujeito

O provocador do perigo não pode benefi ciar-se da excludente, a não ser que o tenha gerado involuntariamente. Em outras palavras, aque- le que por sua vontade produz o perigo não poderá agir em estado de necessidade. Provocar voluntariamente signifi ca provocar dolosamen- te. Dessa forma, se o agente provocou culposamente o perigo, poderá ser benefi ciado pela excludente. Há quem entenda de maneira diversa, equiparando a provocação voluntária tanto à dolosa como à culposa. Argumenta-se que o provocador do risco teria sempre o dever jurídico de impedir o resultado (i. e., salvar o bem alheio em detrimento do seu), independentemente de dolo ou culpa, com base no art. 13, § 2º, c, do CP. Esse dispositivo, contudo, não se aplica ao estado de necessidade, pelo princípio da especialidade; isso porque o art. 24, § 1º, do CP estipula que só não pode alegar estado de necessidade quem tem o dever legal de en- frentar o perigo (situação retratada no art. 13, § 2º, a, do CP). Portanto, das pessoas arroladas no art. 13, § 2º, somente aquela da alínea a não pode agir amparada pela excludente; já as demais (letras b e c) podem.

e) Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (princípio da ponderação de bens)

Sobre o estado de necessidade, em síntese, temos:

Requisitos:

a) Perigo atual.

b) Ameaça a direito próprio ou alheio.

c) Conhecimento da situa- ção justifi cante.

d) Perigo não provocado vo- luntariamente pelo sujeito. e) Inexigibilidade do sacrifício

do bem ameaçado (prin- cípio da ponderação de bens).

f) Inevitabilidade do perigo. g) Inexistência de dever legal

de arrostar o perigo (art. 24, § 1º).

Classifi cação:

• Estado de necessidade de- fensivo.

• Estado de necessidade agressivo.

• Estado de necessidade jus- tifi cante.

• Estado de necessidade ex- culpante. • Estado de necessidade pró- prio. • Estado de necessidade de terceiro. • Estado de necessidade real.

• Estado de necessidade pu- tativo.

Direito Penal

79 Na situação concreta deve-se fazer uma análise comparativa entre o bem salvo e o bem sacrificado (ponderação de bens). Haverá estado de necessidade quando aquele for de maior importância que este, ou, ain- da, quando se equivalerem (ex.: ofender o patrimônio de terceiro para salvar a vida ou matar para salvar a própria vida). É evidente que essa comparação não pode ser feita de acordo com um critério milimétri- co. Caso o bem salvo seja de menor importância que o sacrificado, não haverá estado de necessidade (ex.: para evitar que um navio afunde, o capitão ordena que a tripulação se jogue em alto-mar). Nesse caso, to- davia, deve-se aplicar o § 2º do art. 24 (causa obrigatória de diminuição de pena, de 1 a 2/3).

f) Inevitabilidade do perigo

Se o conflito estabelecido entre os bens puder ser solucionado de modo diverso, como por um pedido de socorro a terceira pessoa ou pela fuga do local do perigo, o fato não se considerará justificado, pois a con- duta lesiva deve ser o único meio de salvar o bem do perigo.

g) Inexistência de dever legal de afastar o perigo (art. 24, § 1º) Quem tem dever legal de enfrentar o perigo não pode invocar es- tado de necessidade. Isso ocorre com algumas funções ou profissões: bombeiro, policial etc. Assim, o bombeiro não pode eximir-se de salvar uma pessoa num prédio em chamas sob o pretexto de correr risco de se queimar. Evidentemente que não se exige heroísmo (ex.: bombeiro ingressar em uma casa totalmente em chamas para salvar algum bem valioso, sendo improvável, na situação, que ele sobreviva, apesar de todo o seu treinamento).

7.3.4 Classificação

a) Estado de necessidade defensivo: a conduta do sujeito que age em necessidade se volta contra a coisa de que provém o perigo — se o perigo foi causado por alguém, contra este é que se dirige a conduta, le- sionando um bem de sua titularidade (ex.: um náufrago disputa a tábua de salvação com outro, que é o responsável pelo afundamento do navio).

b) Estado de necessidade agressivo: a conduta do sujeito que age em necessidade se volta contra outra coisa, diversa daquela que originou o perigo, ou contra terceiro inocente (ex.: um náufrago disputa a tábua de salvação com outro, sendo que ambos não tiveram nenhuma respon- sabilidade no tocante ao afundamento do navio).

A distinção acima não tem relevância para o direito penal (ambos excluem a ilicitude), mas repercute na órbita cível. O sujeito que age em estado de necessidade agressivo deverá reparar o dano causado ao ter- ceiro inocente pela sua conduta, tendo direito de regresso contra o cau- sador do perigo. O reconhecimento do estado de necessidade defensivo, por outro lado, afasta até mesmo a obrigação de reparar o dano causado pelo crime (a sentença penal que o reconhecer impedirá eventual ação civil ex delicto).

c) Estado de necessidade justifi cante: afasta a ilicitude da conduta. d) Estado de necessidade exculpante: exclui a culpabilidade do agente (não foi adotado pelo CP).

e) Estado de necessidade próprio: salva-se bem próprio. f) Estado de necessidade de terceiro: salva-se bem alheio. g) Estado de necessidade real: é aquele defi nido no art. 24 do CP. h) Estado de necessidade putativo: trata-se do estado de necessida- de imaginário (afasta o dolo — art. 20, § 1º, do CP, ou a culpabilidade — art. 21 do CP, conforme o caso).

No documento Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1 (páginas 77-80)