• Nenhum resultado encontrado

7.4 LEgítIma dEFEsa

No documento Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1 (páginas 80-85)

Diz o CP, no art. 25: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Trata-se de um dos mais bem desenvolvidos e elaborados institutos do direito penal. Sua construção teórica surgiu vinculada ao instinto de sobrevivência (“matar para não morrer”) e, por via de consequência, atrelada ao crime de homicídio. Atualmente, permite-se seu reconheci- mento como meio de tutelar qualquer direito, não somente a vida ou a integridade física.

7.4.1 Requisitos

São os seguintes: a) existência de uma agressão; b) atualidade ou iminência da agressão; c) injustiça dessa agressão; d) agressão contra direito próprio ou alheio; e) conhecimento da situação justifi cante (ani-

mus defendendi); f) uso dos meios necessários para repeli-la; g) uso mo-

derado desses meios. Vejamos abaixo: a) Agressão

É sinônimo de ataque, ou seja, a conduta humana que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos tutelados. A mera provocação não dá ensejo à defesa legítima. Ao reagir a uma provocação por parte da vítima, o agen- te responderá pelo crime, podendo ser reconhecida em seu favor uma atenuante genérica (CP, art. 65, III, b) ou um privilégio, como no crime de homicídio (CP, art. 121, § 1º).

A agressão deve ser humana. Contra agressão de animal cabe esta- do de necessidade (a não ser que alguém provoque deliberadamente o animal, de modo que ele sirva como instrumento do ataque de um ser humano).

b) Atualidade ou iminência

Atual é a agressão presente, que está em progressão, que está acon- tecendo. Iminente, quando está prestes a se concretizar. “A legítima de- fesa não se funda no temor de ser agredido nem no revide de quem já o foi” (Noronha). Reação contra agressão passada é vingança; em vez de

tempo de ma- tar, direção de Joel schu- macher, 1996. Em Canton, no Mississipi, dois brancos espancam e estupram uma menina negra de dez anos. Eles são presos, mas, quando estão sendo levados ao tribunal para ter o valor da sua fi ança decretada, o pai da garota (Samuel L. Jack- son) decide fazer justiça com as próprias mãos e mata os dois na frente de diversas testemunhas, além de acidentalmente ferir se- riamente um policial. Para refl etir: seria o caso de legítima defesa da

honra?

Direito Penal

81 lícita, é, como regra, mais severamente punida (motivo fútil ou torpe). Se a agressão for futura, o agente também comete crime.

c) Injustiça da agressão

Injusta é a agressão ilícita (não precisa ser criminosa). São exemplos de agressões justas: cumprimento de mandados de prisão ou efetivação de prisão em flagrante (v. arts. 284 e 292 do CPP), defesa da posse, vio- lência desportiva e penhora judicial. Nesses casos, quem reagir não esta- rá em legítima defesa.

É possível legítima defesa de legítima defesa? Simultaneamente, não. Se uma das pessoas se encontra em legítima defesa, sua conduta contra a outra será justa (lícita), e, por consequência, o agressor nunca poderá agir sobre o amparo da excludente. É possível, no entanto, que uma pessoa aja inicialmente em legítima defesa e, após, intensifique des- necessariamente sua conduta, permitindo que o agressor, agora, defen- da-se contra esse excesso (legítima defesa sucessiva). Devem-se lembrar, também, as seguintes situações possíveis: legítima defesa real contra legí- tima defesa putativa ou, ainda, duas pessoas agindo, uma contra a outra, em legítima defesa putativa.

Age em legítima defesa quem se defende de agressão de inimputá- veis (menores, doentes mentais etc.)? Para a doutrina prevalente a res- posta é afirmativa, uma vez que a injustiça da agressão deve ser aferida objetivamente, ou seja, sem cogitar se o agressor detinha capacidade de entender o caráter ilícito de sua agressão. Essa interpretação, no entanto, pode redundar em situações absurdas, porquanto na legítima defesa não se exige que a agressão seja inevitável. O que dizer, então, da hipótese em que uma criança de 5 anos se mune de um bastão para agredir um adulto, que, nas circunstâncias, poderia simplesmente desviar do golpe? O adulto, se quiser, poderá reagir ainda na iminência de ser atingido, ferindo a criança (legítima defesa contra agressão iminente). Para evitar tal conclusão, deve-se entender que contra agressões de inimputáveis só é cabível estado de necessidade, em que se exige que o perigo seja ine- vitável. Aplicando tal solução ao exemplo acima, o adulto que ferisse a criança responderia pelas lesões nela provocadas, pois poderia evitar o golpe, dele desviando. Como argumento de reforço, cabe recordar que contra ataques de animais aplicam-se os princípios do estado de neces- sidade (mais restritos) e não os da legítima defesa (a não ser que o se- movente seja açulado por alguém). Isso significa afirmar que diante da investida de um cão bravio, de regra, só poderemos reagir se não houver outro meio de escapar (inevitabilidade do perigo). Não se pode admitir que a repulsa contra o golpe evitável de uma criança seja lícita e a reação contra o ataque evitável de um animal seja crime. O direito estaria dan- do mais proteção ao ser irracional que ao infante (nesse sentido: Enrique Bacigalupo, Direito penal: parte geral, Capítulo VII, § 710).

d) O direito defendido

Qualquer direito pode ser defendido pela excludente: vida, liber- dade, honra, integridade física, patrimônio etc. Age em legítima defesa

Sobre a legítima defesa, em síntese, temos: 1. Requisitos: a) Agressão. b) Atualidade ou iminência. c) Injustiça da agressão. d) O direito defendido. e) Elemento subjetivo — co-

nhecimento da situação justificante.

f) Meios necessários. g) Moderação. 2. Classificação:

• Legítima defesa recíproca. • Legítima defesa sucessiva. • Legítima defesa real. • Legítima defesa putativa. • Legítima defesa própria. • Legítima defesa de terceiro. • Legítima defesa subjetiva. • Legítima defesa com aber-

ratio ictus.

aquele que defende direito próprio (legítima defesa própria) ou alheio (legítima defesa de terceiro).

e) Elemento subjetivo — conhecimento da situação justifi cante Constitui requisito fundamental para a existência da excludente. O agente deve ter total conhecimento da existência da situação justifi cante para que seja por ela benefi ciado. “A legítima defesa deve ser objetiva- mente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender- -se” (Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direito penal, v. 1, p. 264). Imagine a seguinte situação e questione se houve ou não legítima defesa: A pretende vingar-se de seu inimigo B e passa a andar armado. Certo dia, avista-o. Ocorre que somente enxerga sua cabeça, pois B se encon- tra atrás de um muro alto. A não sabe o que está acontecendo do outro lado do muro. Como tencionava matar seu desafeto, saca sua arma e efetua um disparo letal na cabeça de B. Posteriormente, apura-se que, do outro lado do muro, B também estava com uma arma em punho, prestes a matar injustamente C. Constata-se, ainda, que o tiro disparado por A salvou a vida de C. Enfi m, A deve ou não ser condenado? Agiu em legítima defesa de terceiro? Não, uma vez que só age em legítima defesa (e isso vale para as demais excludentes de antijuridicidade) quem tem conhecimento da situação justifi cante e atua com a fi nalidade/intenção de defender-se ou defender terceiro.

Presentes os requisitos vistos até então, tem-se uma situação de le- gítima defesa, de modo que a repulsa contra a agressão será lícita. No entanto, a reação deve pautar-se pelo necessário e sufi ciente para salvar o direito ameaçado ou lesionado. Excedendo-se, extrapola o agente os limites da defesa, acarretando excesso, pelo qual o sujeito responderá, se no tocante a ele atuar dolosa ou culposamente (CP, art. 23, parágrafo único).

f) Meios necessários

É o meio menos lesivo que se encontra à disposição do agente, po- rém hábil a repelir a agressão. Havendo mais de um meio capaz de evi- tar o ataque ao alcance do sujeito, deve ele optar pelo menos agressivo. Evidentemente essa ponderação, fácil de ser feita com espírito calmo e refl etido, pode fi car comprometida no caso concreto, quando o ânimo daquele que se defende encontra-se totalmente envolvido com a situa- ção. Por isso que se diz, de forma uníssona, que a necessidade dos meios (bem como a moderação, que se verá em seguida) não pode ser aferida segundo um critério milimétrico, mas sim tendo em vista o calor dos acontecimentos. Assim, exemplifi cativamente, a diferença de porte físico legitima, conforme o caso, agressão com arma.

g) Moderação

Não basta a utilização do meio necessário, é preciso que esse meio seja utilizado moderadamente. Trata-se da proporcionalidade da reação, a qual deve dar-se na medida do necessário e sufi ciente para repelir o ataque. Como já lembrado, a moderação no uso dos meios necessários deverá ser avaliada levando-se em conta o caso concreto.

Direito Penal

83

7.4.2. Commodus discessus

Consiste na fuga do local, evitando a agressão que ensejaria a le- gítima defesa. O CP não exige que a agressão causadora da legítima defesa seja inevitável, de modo que o agente não está obrigado a pro- curar uma cômoda fuga do local, em vez de repelir a agressão injusta. Em outras palavras, ainda que tenha o sujeito condições de retirar-se ileso do local, evitando a agressão, agirá em legítima defesa se optar por ali permanecer e reprimir a agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, desde que o faça moderadamente e use dos meios necessários.

7.4.3. Excesso

Trata-se da desnecessária intensificação de uma conduta inicial- mente legítima. Predomina na doutrina o entendimento de que o ex- cesso decorre tanto do emprego do meio desnecessário como da falta de moderação (nesse sentido, entre outros, Julio F. Mirabete, Manual de

direito penal: parte geral, v. 1, p. 183; Fernando Capez, Curso de direito penal: parte geral, v. 1, p. 237).

Há duas formas de excesso:

a) intencional ou voluntário, quando o agente tem plena consciên- cia de que a agressão cessou e, mesmo assim, prossegue reagindo visando lesar o bem do agressor; nesse caso, o agente responderá pelo resultado excessivo a título de dolo (é o chamado “excesso doloso”);

b) não intencional ou involuntário, o qual se dá quando o sujeito, por erro na apreciação da situação fática, supõe que a agressão ainda persiste e, por conta disso, continua reagindo sem perceber o excesso que comete. Se o erro no qual incorreu for evitável (i. e., uma pessoa de mediana prudência e discernimento não cometeria o mesmo equívoco no caso concreto), o agente responderá pelo resultado a título de culpa, se a lei previr a forma culposa (“excesso culposo”). Caso, contudo, o erro seja inevitável (qualquer um o cometeria na mesma situação), o sujeito não responderá pelo resultado excessivo, afastando-se o dolo e a culpa (“excesso exculpante” ou “legítima defesa subjetiva”).

7.4.4. Classificação

a) Legítima defesa recíproca: é a legítima defesa contra legítima de- fesa (inadmissível, salvo se uma delas ou todas forem putativas);

b) legítima defesa sucessiva: é a reação contra o excesso; c) legítima defesa real: é a que exclui a ilicitude;

d) legítima defesa putativa: é a imaginária, trata-se de modalidade de erro (CP, arts. 20, § 1º, ou 21);

e) legítima defesa própria: quando o agente salva direito próprio; f) legítima defesa de terceiro: quando o sujeito defende direito alheio;

g) legítima defesa subjetiva: dá-se quando há excesso exculpante (decorrente de erro inevitável);

h) legítima defesa com aberratio ictus: o sujeito, ao repelir a agressão injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa da que o agredia. Exemplo: A, para salvar sua vida, saca uma arma de fogo e atira em direção ao seu algoz, B; no entanto, erra o alvo e acerta C, que apenas passava pelo local. A agiu sob o abrigo da excludente e deverá ser absolvido criminalmen- te; na esfera cível, contudo, deverá responder pelos danos decorrentes de sua conduta contra C, tendo direito de regresso contra B, seu agressor.

7.4.5. ofendículos

Compreendem todos os instrumentos empregados regularmente, de maneira predisposta (previamente instalada), na defesa de algum bem ju- rídico, geralmente posse ou propriedade. Há autores que distinguem os ofendículos da defesa mecânica predisposta. Os primeiros seriam apara- tos visíveis (cacos de vidro nos muros, pontas de lança etc.); os segundos, ocultos (cercas eletrifi cadas, armadilhas etc.). De qualquer modo, a juris- prudência recomenda que o aparato seja sempre visível e inacessível a ter- ceiros inocentes (em se tratando de defesa mecânica predisposta, é preciso a existência de alguma advertência visível, p. ex., “cuidado, cão bravo” ou “atenção, cerca eletrifi cada”, além da inacessibilidade a terceiros inocen- tes). Presentes esses requisitos, o titular do bem protegido não responderá criminalmente pelos resultados lesivos dele decorrentes. Quando atingir o agressor, terá agido em legítima defesa (preordenada); se atingir terceiro inocente, será absolvido com base na legítima defesa putativa.

Embora haja dissenso doutrinário a respeito da natureza jurídica dos ofendículos (legítima defesa ou exercício regular de um direito), prevalece o entendimento de que sua preparação confi gura exercício re- gular de um direito, e sua efetiva utilização diante de um caso concreto, legítima defesa preordenada. Pela teoria da imputação objetiva, no en- tanto, a instalação dos ofendículos constitui fato atípico, pois se trata de exposição de bens jurídicos a riscos permitidos.

7.4.6. Diferenças entre legítima defesa e estado

de necessidade

a) A legítima defesa pressupõe agressão, e o estado de necessidade, perigo;

b) nela, só há uma pessoa com razão; no estado de necessidade, todos têm razão, pois seus interesses ou bens são legítimos;

c) há legítima defesa ainda quando evitável a agressão, mas só há estado de necessidade se o perigo for inevitável;

d) não ocorre legítima defesa contra ataque de animal (salvo quan- do ele foi instrumento de uma agressão humana), mas existe estado de necessidade nessas situações.

Diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade Legítima defesa Estado de necessidade

Direito Penal

85

O direito só ampara o comportamento de um dos envolvidos (aquele que se defende).

Todos são amparados pelo direito, pois seus interesses ou bens são legítimos.

A agressão pode ser evitável. O perigo deve ser inevitável. Não ocorre legítima defesa contra ata-

que de animal (salvo quando ele foi instrumento de uma agressão humana).

Existe estado de necessidade contra ataque de animal.

7.5

EstRIto cumpRImENto dE dEvER LEgaL

No documento Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1 (páginas 80-85)