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5.6 SiSTEmA FiNALiSTA (HANS WELZEL) Em 1931, em sua obra Causalidade e Omissão, Welzel rompe defi-

No documento Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1 (páginas 49-53)

traída de lições da psicologia, Welzel percebe que a fi nalidade constitui a espinha dorsal da conduta humana.

Como já se destacou acima, as pessoas, em função de seus conheci- mentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem antever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, dirigindo-os a uma fi nalidade que pretendam atingir. Ninguém age sem ter, por detrás, alguma intenção, por mais singela que seja. Sendo assim, não se concebe como a conduta humana penalmente relevante possa ser analisada sem a intenção que a moveu (esse o fundamento da teoria fi nalista da ação). Os clássicos incorriam nesse equívoco quando reservavam o exame do dolo para a culpabilidade, e foi justamente isso que Welzel corrigiu.

O dolo, elemento indicativo da intenção perseguida pelo agente, não pode ser analisado somente no âmbito da culpabilidade, de modo destacado da ação ou omissão a que se vinculou. Se a fi nalidade é a alma da conduta humana, ele deve ser analisado em conjunto na teoria do crime.

Como consequência, o penalista mencionado passou a sustentar que o dolo e a culpa deveriam fazer parte do fato típico, e não da culpa- bilidade. Assim, grafi camente:

SISTEMA FINALISTA Fato típico (elementos

que o compõem)

Ilicitude ou antijuridicidade

Culpabilidade (elemen- tos que a compõem)

1) Conduta DOLOSA OU CULPOSA 2) Resultado 3) Nexo causal 4) Tipicidade (...) 1) Imputabilidade 2) (...) 3) Exigibilidade de con- duta diversa

Hans Welzel notou, também, que o dolo deve possuir apenas dois elementos: consciência e vontade (“dolo natural” ou “dolo neutro”). A consciência da ilicitude deve ser retirada do dolo e mantida na culpabi- lidade, mas não como consciência atual (individual), e sim como cons- ciência potencial da ilicitude, como se explicará mais adiante.

Dolo e culpa, como se observa, deslocaram-se para o fato típico, o que motivou o surgimento de um fato típico de crime doloso e outro de crime culposo.

Interessante notar que o próprio Welzel afi rmava não ter trazido nenhum elemento novo à estrutura do crime, apenas os teria distribuí- do corretamente.

As ideias desse autor resultaram em duas novas teorias: teoria fi - nalista da ação e teoria normativa pura da culpabilidade, os pilares do sistema fi nalista.

Antes de prosseguir, convém uma última e breve advertência: rotu- lar alguém de “clássico” ou “fi nalista”, portanto, equivale a identifi cá-lo como seguidor da teoria causal da ação e psicológica da culpabilidade ou da teoria fi nalista da ação e normativa pura da culpabilidade.

A teoria fi nalista de Welzer “retira” dolo e culpa da culpabi- lidade e a torna componente do fato típico.

Direito Penal

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5.6.1. Teoria finalista da ação

Sustenta que a ação não é mero acontecer causal, mas sim um acon- tecer final. A finalidade está sempre presente porque o homem, graças ao seu saber causal (conhecedor das leis da causa e efeito), pode direcionar sua ação para a produção de um resultado querido. Ação e finalidade são inseparáveis. A teoria causal, ao separar o dolo da ação, separa juri- dicamente o que é inseparável no mundo real. Acompanhe o exemplo a seguir, confirmando que o dolo está na ação e não na culpabilidade. O art. 124 do CP tipifica o crime de autoaborto. Trata-se de delito punido apenas na forma dolosa. Logo, se uma gestante ingere, acidentalmente, um comprimido, desconhecendo seu efeito abortivo, não responderá pelo crime. Pergunta-se, então, por quê? E a resposta evidente é: porque o fato é atípico (a lei não pune o aborto culposo). Adotando-se o sistema clássico, entretanto, teríamos um fato típico e antijurídico, pois a falta de dolo, nesse sistema, não conduz à atipicidade do comportamento, mas leva à exclusão da culpabilidade. Na prática, significa que o Ministério Público, por esse sistema, mesmo após constatar com absoluta seguran- ça que a mãe não agiu dolosamente, deveria denunciá-la pelo crime do art. 124 do CP, cabendo ao juiz (com base no art. 415 do CPP) ou ao Júri absolvê-la. Com o sistema finalista, entretanto, tal absurdo pode ser evitado. Quando o membro do MP conclui categoricamente que não houve dolo, tem diante de si um fato atípico, com base em que pode validamente postular o arquivamento do inquérito policial.

5.6.2. Estrutura do crime no sistema finalista

5.6.2.1. Fato típico

Graças à teoria finalista, foi possível diferenciar um fato típico de crime doloso e outro de crime culposo (afinal, o dolo e a culpa saíram da culpabilidade e se agregaram ao fato típico, ao lado da conduta, que pode ser dolosa ou culposa).

FATO TÍPICO

Crime doloso Crime culposo

Conduta dolosa Conduta voluntária

Resultado voluntário (nos crimes materiais)

Resultado involuntário Nexo de causalidade (entre conduta

e resultado, nos crimes materiais)

Nexo de causalidade (entre conduta e resultado)

Tipicidade Tipicidade

Quebra do dever de cuidado obje- tivo (imprudência, negligência ou imperícia)

Previsibilidade objetiva do resultado

No Brasil os únicos crimes jul- gados pelo Tribunal do Júri são os dolosos contra a vida: homicídio, infanticídio, aborto e induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.

5.6.2.2. Ilicitude

No âmbito da ilicitude, destaca-se a seguinte inovação: com a im- portância conferida à fi nalidade da conduta, passou-se a sustentar que todas as causas excludentes de ilicitude possuem um elemento subjeti- vo, ao lado dos requisitos objetivos exigidos por lei. Assim, na legítima defesa, além da existência de uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, que se refute moderadamente com os meios necessários (CP, art. 25), é preciso que a pessoa aja com a intenção de defender-se ou de defender terceiro.

5.6.2.3. Culpabilidade

Como se viu, a retirada do dolo e da culpa da culpabilidade pro- moveu sua reestruturação, passando ela a conter os seguintes elementos: a) imputabilidade; b) exigibilidade de conduta diversa; e c) potencial consciência da ilicitude.

Segundo a teoria de Welzel, todos os elementos da culpabilidade têm natureza normativa, porquanto implicam um juízo de valor (daí o nome teoria normativa pura da culpabilidade).

O elemento potencial consciência da ilicitude não constitui, pro- priamente, uma novidade. De fato, foi ele destacado do dolo, onde se encontrava até então. No sistema anterior, o dolo compunha-se de cons- ciência e vontade (elementos psicológicos), e consciência da ilicitude (elemento normativo) (“dolo híbrido ou normativo”). A partir do fi - nalismo, passou a conter somente os dois primeiros elementos (“dolo natural” ou “neutro”). A consciência da ilicitude, por sua vez, permane- ceu na culpabilidade, porém não como consciência atual, mas potencial. Com outras palavras, a simples falta de compreensão acerca do caráter ilícito do fato não mais é sufi ciente para isentar o agente de respon- sabilidade penal. Quando isso ocorrer, justifi car-se-á tão somente uma redução da pena. Só haverá isenção total da pena quando a pessoa, além de desconhecer a ilicitude de comportamento, nem sequer possuir con- dições, em função da realidade em que viveu e foi criada, de alcançar tal compreensão. Da mesma forma: se o sujeito não sabia que agia ilicita- mente, mas tinha condições de sabê-lo, merecerá uma pena menor; se, contudo, essa pessoa, por mais inteligente e atenta que fosse, nunca teria tido condições de perceber a ilicitude do comportamento, não respon- derá criminalmente pelo ato. Nossa legislação adotou essa sistemática, como se constata no art. 21 do CP.

5.6.3. Teoria social da ação (Wessels e

Jescheck)

A teoria social da ação pode ser enquadrada dentro do sistema fi nalista, uma vez que incorpora boa parte de seus postulados. Foi con- cebida visando suplantar o conceito fi nalista e, por essa razão, agregou um elemento até então inexistente ao conceito de ação, qual seja, a

Conteúdo da Culpabilidade no Finalismo: • imputabilidade • exigibilidade de conduta diversa • potencial consciência da ilicitude ATENÇÃo Para aprofundar os conhecimen- tos sobre o com-

plexo universo

da Culpabilida-

de sugerimos:

Culpabilidade, de Davi de Paiva Costa Tangerino, Editora Saraiva.

Direito Penal

53 relevância social. Desse modo, a ação passa a ser entendida como a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela ação e dirigida a uma finalidade. Tal concepção não angariou muitos adep- tos, dentre outros motivos, pelo fato de que a teoria social da ação faz com que condutas socialmente aceitas constituam irrelevantes penais, o que, em última análise, significa a revogação de uma lei penal por um costume social.

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